Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:61/21.9BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
APOIO FINANCEIRO E JUROS
INTERRUPÇÃO
Sumário:I. Respeitando a dívida exequenda a apoio financeiro concedido pelo IEFP, IP e aos respectivos juros de mora, devido ao incumprimento por parte da Recorrente das obrigações assumidas, o que determinou o reembolso daquele incentivo, aplica-se os prazos de prescrição previstos no Código Civil.

II. O prazo de prescrição ordinário é de 20 anos e no tocante a juros convencionais ou legais, é de 5 anos, começando o prazo a correr quando o direito puder ser exercido (arts. 309.º, 310.º al. d) e 306.º n.º 1, todos do Código Civil).

III. A dívida de juros de mora, tal como sucede com todas as prestações que constituem o correspectivo gozo de coisas fungíveis (situação que igualmente ocorre durante a mora) é autónoma da dívida de capital, que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado, pelo que, cada uma dessas dívidas está sujeita à sua prescrição própria.

IV. Uma das causas de interrupção da prescrição é a citação, cujos efeitos se prolongam até ao julgamento da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 327.º do CC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. N... veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a Reclamação, por si deduzida da decisão do órgão de execução fiscal, proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.° 111219990..., instaurado pelo Serviço de Finanças de Portimão, para cobrança de dívidas ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. A Recorrente não se conformando com a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que confirma o despacho da AT- Autoridade Tributária e Aduaneira de Portimão onde os mesmos atestam que a divida que deu lugar ao Processo de Execução Fiscal n.° 111 219990… ainda não prescreveu, porque para tanto tem legitimidade e está em tempo, vem da mesma interpor Recurso.

2. O douto Tribunal “a quo “considerou provados os seguintes factos:

A) Por despacho de 11-08-1994, foi aprovado à ora Reclamante, um apoio financeiro, ao abrigo do programa Iniciativas Locais de Emprego, no valor de €9.147,75;

B) Por despacho de 03-09-1999, do Delegado Regional do Algarve, foi determinada a cobrança coerciva da dívida identificada em A) supra, acrescida de juros, no valor de €1.168,10, no montante total de €10.315,85, em virtude do incumprimento das obrigações assumidas no apoio financeiro;

C) Em 24-09-1999, o Instituto do Emprego e Formação Profissional emitiu em nome da promotora “N...”.

D) Em 03-12-1999, com base na certidão de dívida identificada em C) supra, foi autuado no Serviço de Finanças de Portimão, o processo de execução fiscal n.° 111219990..., por falta de pagamento de apoio concedido por despacho da Sra. Directora do Centro de Emprego de Portimão de 11-08-1994 e juros ao IEFP - Instituto de Emprego e Formação Profissional, no valor de €10.315,85;

E) Em 07-02-2000, a Reclamante foi citada pessoalmente, no processo de execução fiscal n.° 111219990..., pelo valor de 2.068.144$00 (€10.315,85), de quantia exequenda;

F) Por requerimento datado de 13-10-2020, a Reclamante veio requerer o arquivamento de todas as dívidas e penhoras, por considerar as mesmas prescritas;

G) Por despacho de 09-12-2020, da Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, foi indeferido o pedido de prescrição da dívida em execução no processo de execução fiscal n.° 111219990...;

H) Em 28-12-2020, a Reclamante foi notificada do despacho identificado em G) supra

I) A presente Reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Portimão em 11-01-2021. 

3. Todavia, a Recorrente não se conforma com a douta decisão, por considerar que a sua obrigação já se encontra extinta por efeito do instituto da prescrição, conforme alude o artigo 309.° do CC.

4. Ora atento o referido normativo legal, o prazo prescricional de 20 anos

5. Período de tempo esse que já decorreu e que consubstanciou o efeito da prescrição.

6. Neste sentido, tem a ora Recorrente o direito de se escusar a pagar uma divida que já prescreveu.

7. Sendo que a prescrição da divida exequenda constitui um fundamento legal válido de oposição à execução fiscal tal como vem elencado no nr. 1 alínea d) do artigo 286.° do Código de Processo Tributário, bem como dispõe o nr. 1 alínea d) do artigo 204.° do CPPT e do disposto no nr. 1 do artigo 304.° do Código Civil.

8. Assim e, uma vez completada o prazo de prescrição da divida em apreço, tem a ora Recorrente a faculdade de recusar o cumprimento da prestação que lhe é exigida, ou seja, ao exercício do direto prescrito.

9. Por outro lado, e atendendo que a divida da Recorrente é proveniente de um contrato de trabalho de direito público, a prescrição deveria ter sido de conhecimento oficioso.

10. Salvo melhor opinião e por mera cautela do dever de patrocínio, se este não for o entendimento perfilhado por V. Exas., deverá ser considerado que os juros são tidos como obrigação acessória da obrigação do pagamento da divida contraída pelo apoio concedido pelo IEFP à Recorrente.

11. Conforme do resulta do Acórdão Fundamento do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09 de Dezembro de 2008, Processo N° 02530/08, em que foi Relator o Dr. Eugénio Sequeira, que os juros moratórios não têm a natureza de dívida tributária, mas antes de obrigação acessória da obrigação de imposto, sanção pela falta de pagamento pontual.4 - E que não se encontram sujeitos a prazos de caducidade do direito à sua liquidação, mas antes ao prazo de prescrição, actualmente contido no artigo 4° do Decreto-Lei 73/99, de 16 Março, que é de 5 anos.

12. Pelo que entende que, os juros não têm a mesma natureza da divida principal pois trata-se antes de uma obrigação acessória, pelo que o prazo de prescrição dos juros de mora de 5 anos, conforme dispõe a alínea d) do artigo 310.° do Código Civil, aplicável supletivamente pela alínea d) do art.° 2.° da Lei Geral Tributária, pelo que entendemos que os juros anteriores a janeiro de 2016 se encontram extintos por efeito da prescrição.

13. Deve-se ainda salutar que, conforme constitucionalmente consagrado no artigo 2.° da CRP, o Princípio da Confiança dos cidadãos nos órgãos do Estado é claramente incompatível com as dividas ad eternum ou com outras que, apesar de terem prescrito, só se extinguem após ser requerida a sua extinção.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que considere a divida da Recorrente extinta em virtude da prescrição, bem como os juros inerentes a essa mesma divida.

Caso não seja esse o entendimento de V. Exas., deverão ser considerados prescritos os juros anteriores a 2016, por efeito do instituto da Prescrição.»

3. O Recorrido, INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P, apresentou as suas contra-alegações. Porém, por despacho proferido em 08/06/2021 foi tal requerimento rejeitado por intempestivo.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo à Conferência para julgamento (artigos 657.º, nº 4 do CPC e 278º, nº 6 do CPPT).

II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que não se verifica a prescrição da dívida exequenda (apoio financeiro concedido pelo Centro de Emprego de Portimão e juros de mora).


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento de facto foi feito nos seguintes termos:

«1. FACTOS PROVADOS

A) Por despacho de 11-08-1994, foi aprovado à ora Reclamante, um apoio financeiro, ao abrigo do programa Iniciativas Locais de Emprego, no valor de €9.147,75 (cfr. admissão);

B) Por despacho de 03-09-1999, do Delegado Regional do Algarve, foi determinada a cobrança coerciva da dívida identificada em A) supra, acrescida de juros, no valor de €1.168,10, no montante total de €10.315,85, em virtude do incumprimento das obrigações assumidas no apoio financeiro (cfr. admissão);

C) Em 24-09-1999, o Instituto do Emprego e Formação Profissional emitiu em nome da promotora "N...", ora Reclamante, certidão de dívida com o seguinte teor:


«Imagem no original»

(...)" (cfr. fls. 2 a 4 do Documento n.° 004605001 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

D) Em 03-12-1999, com base na certidão de dívida identificada em C) supra, foi autuado no Serviço de Finanças de Portimão, o processo de execução fiscal n.° 111219990..., por falta de pagamento de apoio concedido por despacho da Sra. Directora do Centro de Emprego de Portimão de 11-08-1994 e juros ao IEFP - Instituto de Emprego e Formação Profissional, no valor de €10.315,85 (cfr. informação de fls. 1 a 3 do Documento n.° 004605000 dos autos, idem);

E) Em 07-02-2000, a Reclamante foi citada pessoalmente, no processo de execução fiscal n.° 111219990..., pelo valor de 2.068.144$00 (€10.315,85), de quantia exequenda (cfr. fls. 6 a 7 do Documento n.° 004605001 dos autos, ibidem);

F) Por requerimento datado de 13-10-2020, a Reclamante veio requerer o arquivamento de todas as dívidas e penhoras, por considerar as mesmas prescritas (cfr. fls. 9 do Documento n.° 004605001 dos autos, ibidem);

G) Por despacho de 09-12-2020, da Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, foi indeferido o pedido de prescrição da dívida em execução no processo de execução fiscal n.° 111219990... (cfr. fls. 10 do Documento n.° 004605001 dos autos, ibidem);

H) Em 28-12-2020, a Reclamante foi notificada do despacho identificado em G) supra (cfr. fls. 9 a 10 do Documento n.° 004605001 dos autos, ibidem);

I) A presente Reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Portimão em 11-01-2021 (cfr. informação de fls. 1 a 3 do Documento n.° 004605000 dos autos, ibidem).

Factos não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados ou não provados.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, dada como provada nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, assentou na prova documental junta aos autos e constante do processo de execução fiscal, a qual não foi impugnada, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»


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2. DE DIREITO

A questão nuclear que importa apreciar e decidir é a de saber se ocorre a invocada prescrição das dívidas exequendas que estão a ser exigidas através da execução fiscal no âmbito da qual foi deduzida a presente reclamação.

Com efeito, a ora Recorrente pediu ao órgão de execução fiscal a declaração da prescrição de todas as dívidas que estão a ser exigidas no processo de execução fiscal n.º 111219990… (cfr. alíneas D) e F) do probatório).

Por despacho de 09/12/2020, tal pedido foi indeferido, por o Chefe do Serviço de Finanças de Portimão ter entendido, no essencial, que a Recorrente foi citada para a execução em 07/02/2000, sendo que o novo prazo de prescrição de 20 anos não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal (cfr. alínea G) do probatório e documento para o qual remete).

A ora Recorrente deduziu reclamação desse despacho, ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, a qual foi julgada improcedente pela decisão da 1.ª instância.

Na sentença recorrida expendeu-se o seguinte:

Conforme decorre do probatório, a dívida exequenda tem origem na reposição de um apoio financeiro que foi concedido à Reclamante, no âmbito do Programa de Iniciativas Locais de Emprego, acrescido dos respectivos juros de mora, o que significa que não estamos perante uma dívida de natureza fiscal (pese embora possa ser cobrada através do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 148.°, n.° 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo tributário (CPPT) e artigo 155.°, n.° 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), na redacção em vigor à data dos factos (actual artigo 179.°, n.° 1 e 2 do CPA), mas sim contratual.

Deste modo, não é aplicável à dívida em causa o regime da prescrição previsto no artigo 48.° e 49.° da Lei Geral Tributária (LGT) para as obrigações tributárias, mas sim o prazo de prescrição previsto nos artigos 309.° e seguintes do Código Civil (CC), ou seja, o prazo de prescrição de 20 anos (cfr. nesse sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 09-10-2019, processo n.° 01560/00.3BELRS e de 17-06-2020, processo n.° 0740/12.1BEBRG, acessíveis em www.dgsi.pt).

Como se apurou, no caso em apreço, pese embora o apoio financeiro tenha sido concedido à Reclamante por Despacho de 11-08-1994, a dívida reporta-se a 03-09-1999, data em que foi proferido despacho pela entidade competente, ordenando o reembolso dos montantes em causa (cfr. alíneas A) e B) do probatório), pelo que nesta data o direito podia ser exercido (cfr. artigo 306.°, n.° 1 do CC) - vide neste sentido o acórdão do STA de 06-06-2012, proferido no processo n.° 0411/12, disponível em www.dgsi.pt.

Em 24-09-1999, o IEFP, IP emitiu certidão de dívida, para efeitos de requerer a instauração da execução para cobrança do apoio financeiro concedido à ora Reclamante, no âmbito da qual a Reclamante foi citada pessoalmente em 07-02-2000 (cfr. alíneas D) e E) do probatório).

No caso em apreço, como vimos, o prazo de prescrição é de vinte anos (cfr. artigo 309.° do CC) e interrompe-se com a citação do devedor (cfr. artigo 323.°, n.° 1, do CC). Havendo interrupção do prazo de prescrição através da citação, "o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo" (cfr. artigo 327.°, n.° 1, do CC).

Ora, considerando a data de início do prazo de prescrição, ou seja, 03-091999, e a data de citação da Reclamante (07-02-2000), é evidente que nessa data ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição, tendo o mesmo sido interrompido, nos termos do artigo 323.°, n.° 1, do CC.

Interrompido o prazo de prescrição, fica inutilizado todo o tempo anteriormente decorrido e inicia-se nova contagem do prazo prescricional a partir do acto interruptivo (cfr. artigo 326.° do CC), sem prejuízo, porém, de, tendo a interrupção resultado de citação, o novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr. n.° 1, do artigo 327.° do CC).

Nesse sentido, vide acórdãos do STA, de 05-04-2017, processo n.° 0304/17 e de 31-01-2018, processo n.° 021/18, disponíveis in www.dgsi.pt.

Deste modo, no caso em apreço, o prazo de prescrição foi interrompido com a citação da Reclamante em 07-02-2000, e não voltará a correr enquanto não passar em julgado a decisão que venha a pôr termo ao processo de execução fiscal (cfr. artigos 326.°, n.° 1 e 327.°, n.° 1, do CC).

Ora, uma vez que o presente processo se encontra pendente e o prazo de prescrição se encontrava a correr na data da citação da Reclamante, o qual por força da citação se interrompeu, é então forçoso concluir que a dívida exequenda ainda não prescreveu, uma vez que o novo prazo prescricional não começou ainda a correr.

No que respeita à alegada violação do princípio da confiança, consignado no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), o tribunal entende que a atribuição de efeito duradouro à citação, previsto no n.° 1, do artigo 327.° do CC, não viola o referido princípio.

Apesar de a Constituição não enunciar expressamente um princípio da proteção da confiança, ele não deixa de ser reconhecido como um "princípio essencial na Constituição material do Estado de Direito, imprescindível como é, aos particulares, para a necessária estabilidade, autonomia e segurança na organização dos seus próprios planos de vida" (cfr. Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, pág 261.)

Sendo dedutível do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.° da CRP), o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: "o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas" (cfr. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, pág. 250).

Enquanto garantia objetiva, este princípio vincula todas as áreas de atuação do Estado.

No que respeita aos atos normativos, o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança desdobra-se nos subprincípios da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, da proibição de pré-efeitos e da proibição de normas retroativas.

Ora, nenhuma destas vertentes do princípio é posta em crise pela norma em apreciação, uma vez que não se verificou nenhuma alteração legislativa no preceito legal que acomoda a norma em apreciação desde a data em que lhe foi concedido o apoio financeiro pelo IEFP, IP.

Chama-se ainda à colação o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, constante do acórdão de 23-10-2019, proferido no processo n.° 01035/18.2BEAVR, de acordo com o qual "[o] Tribunal Constitucional já analisou a questão de saber se a disposição em causa, (...), ofendia o princípio constitucional do Estado de direito democrático - nas vertentes da proteção e segurança jurídicas - tendo concluído em sentido negativo. Foi no acórdão daquele Tribunal n.0 122/2015, de 12 de fevereiro de 2015 (...) e onde se consignou, além do mais, que a indefinição da situação jurídica do devedor não deriva, nestes casos, do regime estabelecido para a interrupção da prescrição, mas antes da própria natureza controvertida da sua situação, que deriva da pendência do processo: "A sua situação jurídica não está ainda definida, porque até ao trânsito em julgado de um litígio em que se discutem questões controvertidas, todas as situações são, por "natureza", indefinidas, não podendo merecer a tutela da certeza do direito». Sempre se dizendo que não é verdade que a interpretação seguida do dispositivo em análise, na sua redação inicial (que a que aqui está em causa), equivalesse a negar a ocorrência da prescrição, fossem em que circunstância fosse (...). O dispositivo em causa visava precisamente obviar aos efeitos duradouros da interrupção do prazo de prescrição a que o devedor fosse alheio, ao assegurar que a interrupção do prazo não subsistiria se os poderes do Estado (administrativo ou judicial) negligenciassem o andamento dos respetivos processos. O que obviaria, seguramente ao protelamento excessivo e irrazoável da sua conclusão."

Resulta, assim, patente, que a norma em apreciação não viola o princípio da protecção da confiança.

Por outro lado, não se está, também, perante uma dívida as aeternum, uma vez que o Código Civil indica qual a data e o facto que origina a contagem do novo prazo de prescrição, tal como defendido pelo IEFP, IP.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, alegando, no essencial, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito por já ter ocorrido a prescrição da dívida, e caso assim não seja entendido, está prescrita a dívida de juros anteriores a 2016, por os juros não terem a mesma natureza e prazo da dívida principal.

Vejamos.

Em primeiro lugar, devemos salientar, embora não seja matéria controvertida, que a dívida exequenda não constitui uma obrigação tributária e daí que não seja aplicável o regime da Lei Geral Tributária (artigo 48.º), mas sim o do Código Civil, uma vez que, o facto de a dívida ao IEFP,IP poder ser accionada pela via do processo de execução fiscal, não altera o seu regime substantivo, designadamente para efeitos de prescrição.

Respeitando a dívida exequenda a apoio financeiro concedido pelo IEFP, IP e respectivos juros de mora, devido ao incumprimento por parte da Recorrente das obrigações assumidas, o que determinou o reembolso daquele incentivo, aplica-se os prazos de prescrição previstos no Código Civil.

Ora, o prazo de prescrição ordinário é de 20 anos e no tocante a juros convencionais ou legais, é de 5 anos, começando o prazo a correr quando o direito puder ser exercido (arts. 309.º, 310.º al. d) e 306.º n.º 1, todos do Código Civil).

Ao contrário do alegado pela Recorrente, a prescrição não é do conhecimento oficioso (cfr. artigo 303.º do CC).

Permitimos adiantar que não assiste razão à Recorrente quanto à prescrição quer do capital (apoio financeiro, ao abrigo do programa iniciativas Locais de Emprego), quer dos juros de mora e, ainda, quanto à violação do principio da confiança.

Secundamos o discurso fundamentador da sentença recorrida quanto à prescrição dos juros de capital e à não violação do princípio da confiança.

De acordo com o preceituado nos artigos 323.º, n.º 1 e 326.º, n.º 1 do Código Civil (CC), a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, tem por efeito a interrupção da prescrição, inutilizando todo o tempo entretanto decorrido, começando a correr novo prazo a partir de cada um dos actos interruptivos.

O n.º 1 do artigo 327.º do CC preceitua Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Porém, estatuí o no n.º 2 do artigo 323.º do CC Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

Assim, tal como decidido na primeira instância, o prazo prescricional encontra-se interrompido desde a data de 07/02/2000, nos termos do disposto nos artigos 323.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1, ambos do CC (neste sentido vide Acs. do STA de 23/10/2002, proc. nº 0966/02, de 05/04/2017, proc. 0304/17 e de 31/01/2018, proc. n.º 021/18, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Consequentemente, não se verifica a prescrição da divida exequenda (capital (apoio financeiro) e a juros de mora).

Não poderá deixar de se registar que a Recorrente nas suas alegações alheia-se das questões apreciadas e dos fundamentos determinantes da decisão de improcedência da reclamação, não ensaiando demonstrar o desacerto da respectiva fundamentação, limitando-se a repetir o que já antes tinha alegado na petição inicial, com excepção no que respeita ao prazo de prescrição aplicável ao juros de mora.

Não obstante acompanharmos o sentido da decisão da 1.ª instância quanto à prescrição da dívida de juros de mora, já não secundamos o entendimento que a esta divida se aplica o prazo de prescrição de 20 anos, como parece resultar do teor da sentença recorrida, uma vez que não distingue na dívida exequenda a quantia relativa a juros de mora da referente ao capital.

Tem razão a Recorrente quanto alega que os juros são tidos como obrigação acessória da obrigação do pagamento da dívida contraída e quanto ao prazo de prescrição de 5 anos que lhe é aplicável.

Com efeito, a obrigação de juros é acessória do capital, pois, não pode nascer ou constituir-se sem aquela, mas após constituída, vive por si com alguma autonomia (cfr. artigo 561.º do CC).

No tocante a juros convencionais ou legais, conforme já supra referido, o prazo é de 5 anos, começando o prazo a correr quando o direito puder ser exercido (cfr. artigos 310.º, alínea d) e 306.º, n.º 1 do CC).

Com efeito, a dívida de juros de mora, tal como sucede com todas as prestações que constituem o correspectivo gozo de coisas fungíveis (situação que igualmente ocorre durante a mora) é autónoma da dívida de capital, que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado, pelo que, cada uma dessas dívidas está sujeita à sua prescrição própria.

A dívida de juros não é uma dívida a prestações, mas antes uma dívida que, periodicamente (ou dia a dia) renasce: no termo de cada período (ou dia) vende-se uma nova dívida ou obrigação. (vide F. Correia das Neves, in Manual de Juros, 3ª Edição, 1989, pág. 193 e 194).

A prescrição a que se refere a alínea d) do artigo 310.º do CC é uma prescrição de curto prazo destinada a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo de devedor (vide neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 280).

Por força do preceituado no n.º 1, do 306.º, n.º 1 do CC o prazo de cinco começa a correr a partir da exigibilidade da obrigação.

Assim, quando não haja prazo para o pagamento da dívida de juros, estes vão-se vencendo dia-a-dia, considerando-se prescritos os que se tiverem vencidos para além dos últimos cinco anos.

Todavia, conforme já referido supra, a prescrição pode ser interrompida, inutilizando o tempo, entretanto decorrido, iniciando-se a contagem de novo prazo a partir da verificação do acto que lhe deu causa (cfr. artigos 323.º e 326.º do CC).

E uma das causas de interrupção da prescrição é a citação, cujos efeitos se prolongam até ao julgamento da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 327.º do CC.

Se bem interpretamos as conclusões e alegação de recurso, a discordância da Recorrente radica no facto de não dar relevância interruptiva ao prazo de prescrição, por efeito da ocorrida citação no processo de execução fiscal.

Não tem, pois, razão a Recorrente.

Assim sendo, tendo presente a data da exigibilidade da dívida de capital (03/09/1999), é de concluir que, por força da eficácia interruptiva (duplo efeito da interrupção) decorrente da citação da Recorrente para a execução em 07/02/2000, ainda não ocorreu a prescrição das dívidas exequendas em causa neste recurso.

E conforme foi e bem expendido pela 1.º instância, a atribuição de efeito duradouro à citação, previsto no n.º 1, do artigo 327.º do CC, não viola princípio da confiança, previsto no artigo 2.º da CRP, questão já apreciada pelo Tribunal Constituição, bem como no STA, de que é exemplo o acórdão de 23/10/2019, proc. n.º 01035/18.2BEAVR, citado na sentença recorrida.

Pelo que vimos de dizer é manifesto que a sentença recorrida que assim entendeu não merece censura, improcedendo, consequentemente, esse fundamento do recurso.

Destarte, na improcedência das conclusões de recurso, a decisão recorrida que não considerou verificada a prescrição da dívida exequenda deve manter-se, embora com a fundamentação supra.


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Conclusões/Sumário:

I. Respeitando a dívida exequenda a apoio financeiro concedido pelo IEFP, IP e aos respectivos juros de mora, devido ao incumprimento por parte da Recorrente das obrigações assumidas, o que determinou o reembolso daquele incentivo, aplica-se os prazos de prescrição previstos no Código Civil.

II. O prazo de prescrição ordinário é de 20 anos e no tocante a juros convencionais ou legais, é de 5 anos, começando o prazo a correr quando o direito puder ser exercido (arts. 309.º, 310.º al. d) e 306.º n.º 1, todos do Código Civil).

III. A dívida de juros de mora, tal como sucede com todas as prestações que constituem o correspectivo gozo de coisas fungíveis (situação que igualmente ocorre durante a mora) é autónoma da dívida de capital, que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado, pelo que, cada uma dessas dívidas está sujeita à sua prescrição própria.

IV. Uma das causas de interrupção da prescrição é a citação, cujos efeitos se prolongam até ao julgamento da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 327.º do CC.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.º Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 24 de Junho de 2021.


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A Relatora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Isabel Fernandes).