Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1196/08.9 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/19/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL
MANDADO DE CAPTURA
JUNÇÃO TARDIA DE DOCUMENTOS
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Requereu o Recorrente com as alegações de recurso, a junção de novos documentos, alegando que não o pôde fazer em momento anterior devido ao stress pós-traumático, descontrolo emocional, transtorno paranoide, sintomatologia depressiva acompanhada de diversos episódios ou surtos psicóticos, entre outros.
Em qualquer caso, o que se pretende agora juntar aos Autos, mais não são do que o seu Curriculum Vitae, um recibo de vencimento de 1999, e cartas de recomendação, não se vislumbrando em que medida o estado psicológico do Autor se mostraria impeditivo da junção de tais documento em momento anterior.
As partes apenas podem juntar documentos às alegações de recurso nas situações excecionais em que façam prova de que não lhes foi possível promover essa junção ao processo em momento anterior ou quando essa junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, sendo neste limitado caso que o princípio da justiça se pode sobrepor ao princípio processual de oferecimento imediato de documentos;
II - Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.
III - Alegar não é provar, tendo ficado por demonstrar a verificação de quaisquer danos de natureza patrimonial.
A circunstância de se ter dado como provado que o Recorrente desde que chegou a Portugal, em junho de 2006, nunca mais trabalhou, não significa necessária e automaticamente, que tal determine a atribuição de indemnização por danos Patrimoniais, pela panóplia de razões que poderão estar subjacentes a tal circunstância.
Acresce que, ao Estado não pode ser imputada a circunstância do Recorrente ter incumprido o seu contrato de trabalho na Arábia Saudita, pois que, se tivesse sido impedido de embarcar, a questão de incumprimento contratual manter-se-ia, de igual modo, ao que acresce que a condenação a 5 anos de prisão, perduraria, uma vez que não haveria repetição de julgamento, o que só foi efetuado, por o Recorrente se encontrar em Omã.
É incontornável que, fosse qual fosse a solução adotada, nunca o Recorrente poderia ter cumprido o contrato, o que, naturalmente, não é imputável ao Estado Português.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A.... intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, para efetivação da responsabilidade civil extracontratual, peticionando a condenação do réu a pagar-lhe uma indemnização no montante global de €1.251.949,29, de acordo com a seguinte discriminação:
a) € 949,29, correspondente ao valor da viagem a 23.03.2006, acrescido de juros de mora;
b) € 21 000,00, correspondente aos valores que o autor deixou de auferir desde 23.04.2006 (salário de € 3500,00 x 6 meses) em virtude da perda da possibilidade de voltar a ser contratado, ou seja, não celebração de contrato, acrescido de juros de mora;
c) € 200 000,00, correspondente ao ressarcimento do dano com fundamento na eliminação definitiva do autor das candidaturas de trabalho em países árabes e desprestígio da sua imagem profissional;
d) € 1500,00, líquidos mensais pelos danos materiais (valor que um profissional como o autor auferiria em Portugal) desde julho de 2006, devendo ser deduzido o montante do rendimento social de inserção que lhe é pago, com juros até que cesse a lesão, ascendendo o valor no momento da propositura da ação a € 30 000,00;
e) € 1 000 000,00 por danos morais, acrescido de juros de mora desde o dia 12.06.2006.
Em 30.09.2019 o TAC de Lisboa proferiu sentença na qual se decidiu:
“1. julgar parcialmente procedente a presente ação,
2. condenar o réu Estado Português a pagar ao autor a quantia de €125.000, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, por danos não patrimoniais;”
Inconformado com a Sentença proferida, veio o Autor Recorrer para esta instância, tendo, a final, formulado as seguintes conclusões:
"I. Não pode o recorrente conformar-se com o teor da sentença proferida, mormente no que tange aos danos patrimoniais, pois entende que, com base nos elementos existentes nos autos e nos normativos legais aplicáveis, tal decisão não é conforme ao Direito.
II. O recorrente, aquando da sua deslocação para a Arábia Saudita, onde viria a exercer a sua profissão enquanto eletricista, despendeu o total de 949,29€ no bilhete de avião.
III. O Estado, aqui R., com as informações que detinha, deveria ter impedido o embarque do recorrente, o que lhe possibilitaria, desde logo, reembolsar o montante referido, com juros à taxa legal.
IV. De acordo com o contrato de trabalho, o recorrente iria auferir cerca de 3.500€ líquidos ao longo dos seis meses de duração do contrato de trabalho, num total de 21.000€;
V. Dadas as circunstâncias nas quais o recorrente se encontrou, por culpa exclusiva do Estado Português, nunca chegou a exercer as funções laborais com a empresa com a qual se havia vinculado.
VI. O Estado Português, com a postura que teve ao longo de todo este triste episódio, inviabilizou a possibilidade de o recorrente voltar a trabalhar em países árabes, tudo isto sem correr o risco de vir, novamente, a ser preso;
VII. O recorrente, ao longo da sua carreira contributiva enquanto eletricista, sempre foi considerado um profissional exímio, gozando de prestígio junto de todas as equipas que respeitou, sendo respeitado pelos colegas e superiores hierárquicos das empresas para as quais prestou serviços;
VIII. Toda esta imagem e credibilidade, por culpa exclusiva do Estado Português, foi destruída.
IX. O R. Estado Português, por via da sua consciente omissão, causou um dano que só poderia ser ressarcido com indemnização num valor nunca inferior a 200.000€;
X. Um profissional da experiência do recorrente auferia, em 2006, um vencimento líquido não inferior a 1.500€ líquidos;
XI. Por via do estado psicológico no qual o Estado Português colocou o aqui recorrente, aquele passou a receber, somente, o valor do rendimento social de inserção, prejudicando-o na diferença de valor que este poderia auferir até à idade da reforma;
XII. O Tribunal a quo deu como provado, no ponto 1.147 dos factos provados:
“Desde que chegou a Portugal em junho de 2006, nunca mais conseguiu trabalhar.”
XIII. Refere o 1.124 dos factos provados: “Aquela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, porém, recusou-se a assumir as responsabilidades do pagamento do defensor, disponibilizando-se apenas para proceder ao pagamento, se houvesse dificuldades na transferência para Muscat.”
XIV. Mais acrescentando o 1.125: “
XV. Por consequência direta e necessária da conduta do R., seja por ação seja por omissão, o recorrente viu-se privado de poder exercer a sua profissão – no quadro do contrato que tinha firmado, de a retomar posteriormente, dado o impacto psicológico que o período de prisão – em condições desumanas – lhe provocou e de conseguir evoluir enquanto profissional reputado, eficiente, especializado e internacionalmente reputado.
XVI. Com efeito, os lucros cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes.
XVII. Consta do ponto 1.147 dos factos dados como provados – a impossibilidade do recorrente voltar a trabalhar: No que diz respeito a este ponto, não consegue o recorrente compreender como não foi considerada a impossibilidade do recorrente reingressar no mercado trabalho – facto esse dado como provado - para obter a condenação dos RR. a título de danos patrimoniais.
XVIII. Desde logo, o recorrente detém, ao todo, trinta e oito (!) anos de experiência enquanto eletricista, tendo exercido a sua profissão em treze empresas diferentes, de elevada relevância, na sua maioria fora de Portugal, conforme Curriculum Vitae.
XIX. O tribunal a quo deu como assente, no ponto 1.147 dos factos provados: “Desde que chegou a Portugal em junho de 2006, nunca mais conseguiu trabalhar.” XX. Essa incapacidade de trabalhar está, na perspetiva do Tribunal – e com razão -, relacionado com o facto de o recorrente ter ficado afetado seriamente na sequência da sua prisão. Veja-se, a título demonstrativo, o ponto 1.145 dos factos provados: “O autor, que tinha antes da prisão em Riade uma pessoa com uma personalidade egocêntrica, e com uma auto imagem de extrema rigidez e quase narcísica, passou desde então a duvidar sistematicamente de si próprio, alimentando medos e pensamentos obsessivos e ruminantes, pelos quais revisitava permanentemente a experiência dos 82 dias de cárcere e o sentimento de injustiça e abandono que sentiu, tendo dificuldades em concentrar-se.”
XXI. E sobretudo o ponto 1.154 dos factos provados, onde se refere que: “No âmbito das consultas referidas em 1.152) e 1.153) foi diagnosticado ao autor a seguinte sintomatologia física e psíquica adversa:
a. grande ansiedade;
b. sofrimento psicológico intenso,
c. dores de cabeça e cefaleias;
d. hipervigilância constante;
e. pensamento inquisitivo e ruminante;
f. raiva e irritabilidade constantes;
g. alterações e labilidade de humor;
h. descontrolo emocional,
i. desfasamento psicótico;
j. stress pós-traumático;
k. discurso de teor delirante, paranoide e megalómano;
l. transtorno paranóide;
m. isolamento frequente;
n. insónia eventual;
o. irritabilidade, impulsividade e comportamento disruptivo inicial que progrediram para um fundo depressivo;
p. sintomatologia depressiva acompanhada de episódios ou surtos psicóticos.
XXII. Compulsado o conspecto fáctico dado como assente, constata-se que é o próprio tribunal a quo que dá como provado o facto de o estado psicológico em que o recorrente se encontra atualmente, - vide ponto 1.154 - que se deve exclusivamente aos sentimentos de stress pós-traumático, impotência, dúvida, isolamento, irritabilidade, transtorno paranoide e depressão criados com o tempo em que se encontrou em cativeiro, ser impossibilitante de poder exercer a sua profissão e regressar à vida ativa, pelo que não se pode compreender, nem aceitar que tais circunstâncias e factos não sejam valorados a título de danos patrimoniais.
XXIII. A reconstituição natural, quando não é possível, é substituída por quantia monetária quando se verificar alguma das situações previstas no artigo 566.º do mesmo Código.
XXIV. No cálculo do valor indemnizatório a atribuir ao recorrente a título de danos patrimoniais (perda de capacidade de “ganhos”/dano biológico) deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa do agente, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.
XXV. Tem sido posição unânime na jurisprudência nacional que, para atribuição de indemnização a título de danos patrimoniais por perda de capacidade geral de reingresso no mercado de trabalho, têm se em conta os seguintes fatores:
1 – Idade do Lesado;
2 - Défice funcional de integridade físico-psíquica;
3 – As suas capacidades de ganho em profissão ou atividade económica alternativa.
XXVI. Conforme se deu como provado, o recorrente, desde que regressou a Portugal, nunca conseguiu voltar a trabalhar, passando a viver, tão só, com o rendimento social de inserção.
XXVII. Assim, demonstra-se justo e adequado, a condenação do R. no valor de 200.000€, quantia essa já peticionada em sede de petição inicial, a título de danos patrimoniais, por perda de possibilidade de voltar a trabalhar.
XXVIII. Consta do aresto aqui em crise, sob o ponto 1.9 da matéria de facto dada como provada, que o A. e a empresa S.... celebraram um contrato de trabalho a termo incerto, a 23/03/2006.
XXIX. Do referido contrato pode constatar-se que o aqui recorrente iria receber a quantia de €500 a título de vencimento fixo e uma determinada quantia a título de ajudas de custo. O aqui recorrente em 1999 já auferia cerca de € 2.360 líquidos com ajudas de custo incluídas, facilmente se pode concluir que o valor de ajudas de custo tinha um valor significativo, até pelas vantagens em termos fiscais.
XXX. O contrato nunca chegou a produzir efeitos, como bem se sabe, tão só por culpa exclusiva do R., embora o tribunal a quo não tenha tido esse facto em conta. É que o recorrente jamais poderia exercer as funções que o levaram a deslocar-se até ao médio oriente se não tivesse sido preso.
XXXI. Neste sentido, não pode o tribunal deixar de se pronunciar positivamente quanto a estes danos, sendo que não se encontrando qualquer decisão quanto a considerar-se como provados ou não provados não pode deixar de se invocar uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do art.º 615º nº 1 al. d) do CPC.
XXXII. Caso se entenda que o dano aqui em causa se mostrou não provado, não pode deixar de rever a decisão do Tribunal a quo uma vez que o contrato de trabalho é perentório quanto à remuneração a receber pelo aqui recorrente, sendo que tal impossibilidade (de a receber) é exclusivamente imputável ao R., pelo que deve ser alterada a sentença, mormente no ponto 3 sobre a motivação e análise crítica do Tribunal sobre tais documentos.
XXXIII. No ano de 1999, auferia o recorrente um total de 472.433 mil escudos (líquidos), o que equivale, ao dia de hoje, a cerca de €2.360 líquidos, conforme recibo de remunerações da mesma empresa para a qual iria a prestar serviços na Arábia Saudita.
XXXIV. Por outro prisma, não pode deixar de se evidenciar que estas empresas e respetivas empreitadas, bem como os especiais conhecimentos do recorrente mostram-se incompatíveis com um salário de meros € 500 mensais.
XXXV. Daí que, ao invés do entendimento do Tribunal a quo não se possa aceitar como não provado o facto constante do ponto 2.4 da matéria de facto dada como não provada, devendo, em face da prova carreada para os autos, ser dada como provada e condenar-se o R. no pagamento da quantia peticionada, ao recorrente.
XXXVI. Nesse sentido, e tomando em linha de conta o raciocínio aplicado pela jurisprudência referido no ponto anterior, tendo o recorrente peticionado no início da ação o valor correspondente à diferença do rendimento social de inserção e 1.500€, desde junho de 2006 até decretamento da decisão:
- Rendimento Social de Inserção – 188,68€ (atualmente)x 14 meses, no total de 2.642,51€, ao longo de treze anos, no montante de 36.995,14€;
- Rendimentos para um profissional com a sua experiência, no valor de 1.500€ x 14 meses = 21.000€ anuais, ao longo de trezes anos, no montante de 273.000€.
XXXVII. Computam-se os danos patrimoniais aqui em análise, no entendimento do recorrente, e à data, em 236.004,86€.
XXXVIII. Consta do ponto 1.8 da matéria de facto dada como provado o contrato de trabalho celebrado entre o recorrente e a empresa S...., Lda. Desse mesmo contrato de trabalho junto com a petição inicial, consta:
- na cláusula 9 que: “Serão da responsabilidade da entidade patronal as despesas com o transporte do trabalhador, desde Portugal até ao local de trabalho.”
- no n.º 2 da cláusula 15.ª “No caso do trabalhador rescindir o contrato sem justa causa, ou se se verificar que abandonou o trabalho, ficará sujeito ao pagamento de uma indemnização à entidade patronal, de valor igual à remuneração de base correspondente ao período de aviso prévio em falta, acrescido das despesas com viagens, se desde a última ida do trabalhador para fora do país, tiverem decorrido menos de quatro meses.”
XXXIX. Na esteira do que se mostra definido no clausulado contratual, a empresa S.... iria compensar o recorrente disso mesmo. Ou seja, também por esta convenção contratual é de se assumir e presumir que seria o recorrente (por ser o único interessado) que teria custeado o seu próprio bilhete de avião.
XL. Deve, destarte, alterar-se a resposta ao ponto 2.1 da matéria de facto não provada, como provada, atento o acervo probatório junto aos autos.
XLI. Refere o ponto 2.3 dos factos não provados: “O autor era considerado um excelente profissional, gozando de prestígio junto de todas as equipas que integrou e sendo respeitado pelos seus colegas e pelos superiores hierárquicos de todas as empresas para que prestou serviço.”
XLII. Pese embora o tribunal a quo tenha optado por considerar este facto como não provado, certo é que o recorrente foi sempre um profissional de excelência ao longo dos seus trinta e oito anos de profissão, pois pode constatar-se, através da documentação junta que das várias empresas para as quais prestou serviços, o recorrente, para além do seu extenso currículo, estava constantemente munido de cartas de recomendação de algumas dessas entidades para as quais prestou serviços.
XLIII. Deve a decisão proferida pelo tribunal a quo ser modificada, considerando-se como provada a matéria constante do ponto 2.1 da matéria de facto não assente, porquanto se demonstra relevante, do ponto de vista do recorrente, para a consequente condenação do R. a Título de danos patrimoniais.

O Estado Português apresentou contra-alegações em 28 de novembro de 2019, nas quais concluiu:
“1. Não se conformando com a douta sentença proferida nos autos apenas no que tange aos danos patrimoniais vem o Recorrente apresentar o presente recurso, alegando, em síntese, que, com base nos elementos constantes dos autos, a decisão do Tribunal relativamente aos danos patrimoniais tinha de ser diversa.
2. Salvo o devido respeito, não lhe assiste, porém, qualquer razão.
3. Em primeiro lugar, o Recorrente requer agora a junção de diversos documentos sem que, contudo, os mesmos acompanhem as alegações de recurso apresentadas.
4. Por mera cautela, refira-se que, nos termos do disposto no artigo 651º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º, do CPTA, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, sendo certo que, tratando-se de uma situação excecional, deve ser devidamente alegada e provada.
5. No caso em apreço, considerando o tipo de documentos que o Recorrente pretende juntar, é patente e manifesta a inexistência de qualquer superveniência, seja objetiva seja subjetiva, motivo pelo qual deve recusar-se, indeferindo-se, a requerida junção de documentos, por contrária à lei – a este propósito vejam-se, a titulo exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18.11.2014, processo nº 628/13.9 TBGRD.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27.02.2014, processo nº 323/12.6 TBFLG-E.G1, do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.04.2019, processo nº 22946/11.0 T2SNT-A.L1.S2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
6. Por outro lado, a matéria de facto deve manter-se na sua íntegra, por estar em perfeita consonância com a prova constante dos autos, não estando provados nem apurados quaisquer danos não patrimoniais.
7. Senão vejamos.
8. Alega o Recorrente que gastou € 949,29 no bilhete de avião para a Arábia Saudita sendo que se o Estado Português o impedisse de embarcar podia solicitar o reembolso de tal montante, com juros à taxa legal.
9. Porém, resulta claramente do contrato de trabalho que o Recorrente celebrou com a empresa S.... (melhor descrito no ponto 1.9 da matéria de facto dada como provada) que, atento o teor da cláusula 9ª, nº 1, a despesa de deslocação para local de trabalho era da responsabilidade da empresa que assegurava o seu pagamento.
14. A junção de um bilhete de avião, onde consta o respetivo preço, nada prova no sentido de ter sido o Recorrente a proceder ao pagamento de tal valor, sendo certo que, pese embora o estipulado no nº 2, da cláusula 15º, do contrato, o Recorrente também não fez prova de ter ressarcido a empresa, nem no valor de uma indemnização nem no valor das despesas de viagem, no montante de € 949,29.
15. Não ficou, assim, provado nestes autos que o Recorrente tivesse despendido qualquer quantia com a viagem pelo que deve manter-se na íntegra o facto 2.1 da matéria de facto dada como não provada.
16. Alega o Recorrente que o tribunal deu como provado no ponto 1.147 que desde que chegou a Portugal, em junho de 2006, nunca mais conseguiu trabalhar e tal facto, em conjugação com os pontos 1.145, 1.154, 1.152 e 1.153, da matéria de facto dada como provada deveria ser valorado no sentido de lhe ser atribuída uma indemnização a título de danos patrimoniais, nos valores peticionados.
17. Mas, o simples facto de ser dado como provado que o Recorrente desde que chegou a Portugal, em junho de 2006, nunca mais conseguiu trabalhar, não implica a aferição, em concreto, de danos patrimoniais que tenham de ser indemnizados.
18. Acresce que há que ressaltar alguns factos que o Recorrente parece olvidar.
19. Na verdade, ao Estado Português não pode imputar-se o facto de o Recorrente ter incumprido o seu contrato de trabalho com a empresa S...., pois se tivesse sido impedido de embarcar teria de cumprir a pena de prisão em que fora condenado – cinco anos de prisão – sem oportunidade para a realização de um novo julgamento, que ocorreu, em Omã, em que veio a ser absolvido e ordenada a sua libertação.
20. Ou seja, o Recorrente esquece-se que, em qualquer dos casos, nunca poderia cumprir o contrato celebrado com a empresa S...., e não por culpa do Recorrido.
21. Se fosse impedido de embarcar em Portugal, o Recorrente teria de cumprir a pena de cinco anos de prisão, condenação e cumprimento de pena que ficaria a constar do seu certificado de registo criminal.
22. Inexiste nestes autos total falta de prova quanto aos alegados danos patrimoniais quer relativamente ao pedido de € 21.000,00, correspondente aos valores que o autor deixou de auferir desde 23.04.2006, (salário de € 3.500,00 x 6 meses) em virtude da perda da possibilidade de voltar a ser contratado, ou seja, da não celebração de contrato, acrescido de juros de mora, quer relativamente ao pedido de € 200.000,00, correspondente ao ressarcimento do alegado dano com fundamento na eliminação definitiva do autor das candidaturas de trabalho em países árabes e desprestígio da sua imagem profissional.
23. Aliás, não se compreende o aqui alegado pelo Recorrente, porquanto foi absolvido do crime pelo qual tinha sido anteriormente condenado em Omã e tendo as empresas portuguesa e italiana conhecimento de tal facto, nada impedia aquele de poder, posteriormente, ser contratado e realizar a sua prestação de trabalho quer no mercado árabe quer em qualquer outro mercado.
24. E também não se entende a alegação de que poderia vir a ser novamente preso nos países árabes. E muito menos por culpa do Estado Português!…
25. Por outro lado, o Recorrente também não demonstrou gozar efetivamente de qualquer prestígio profissional nestes autos sendo que a sua elevada auto estima não se traduz nem corresponde a uma qualquer imagem de credibilidade, seriedade e prestígio relativamente a terceiros.
26. Mais, também não foi feita nos autos qualquer prova em relação ao valor de € 1.500,00 líquidos mensais, supostamente valor este que um profissional com experiência semelhante à do Recorrente auferiria em Portugal, desde julho de 2006.
27. Por fim, refira-se apenas que, como decorre muito claramente da simples leitura da douta e bem fundamentada sentença, proferida nestes autos, verifica-se, desde logo, que o Mmº Juiz a quo debruçou-se sobre todas as questões que se lhe impunha conhecer, apreciando e decidindo as mesmas, inexistindo qualquer omissão de pronúncia – a este propósito, e a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.11.2005, processo nº 05S2137, e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.01.2015, processo nº 38/13.8 JACBR.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 5.04.2018, processo nº 938/15.0 T8VRL-A.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
28. Concluindo, a douta sentença recorrida efetuou uma análise irrepreensível quer da matéria de facto quer da matéria de direito, não padecendo a mesma de qualquer vício ou censura, devendo, consequentemente, manter-se, na sua íntegra, na ordem jurídica.
Pelo exposto, mantendo-se na íntegra a douta sentença proferida, far-se-á JUSTIÇA!”

II - Questões a apreciar
As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar desde logo e predominantemente, se, como recursivamente invocado, e no que tange aos danos patrimoniais, a decisão não é conforme ao Direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Factos Provados
Foi em 1ª Instância fixada a seguinte matéria, como Provada e não Provada:
“1. FACTOS PROVADOS
Tendo em atenção a posição das partes expressas nos seus articulados, o extenso acervo documental junto aos autos e os depoimentos prestados em sede de audiência final, este tribunal considera provada, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos e de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, a seguinte matéria de facto, a qual se passa a enunciar (de acordo com a sua ordem lógica e, dentro desta, também cronológica) e a subordinar aos seguintes números:
1.1) O autor nasceu a 13.02.1951.
1.2) O autor é eletricista.
1.3) O autor reside no concelho de Viana do Castelo.
1.4) A 06.05.2005 foi elaborado em papel timbrado da Unidade de Informação do Departamento Central de Cooperação Internacional da Polícia Judiciária um instrumento escrito sob a referência interna «NAI 238956», com o seguinte teor: «Para conhecimento e demais efeitos tidos por convenientes, junto se envia cópia traduzida de uma Notícia Internacional Vermelha (nr. A-275/2-2005), datada de 02/02/2005, cujo país requerente é Oman, e respeitante a A…., nascido a 13/02/1951.
» O mencionado indivíduo já consta do SIIC (vd. pessoa nr. 33…./ biográfico nr. 051…..), mais concretamente na Abertura de Investigação (AI) nr. 243…. (pedido de prisão com vista à extradição).»
1.5) A 20.05.2005 deu entrada no Departamento de Imigração, Registo e Difusão, da Direção Central de Imigração, Controlo e Peritagem Documental, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (e aí foi registado sob o n.º de entrada 10….), o Ofício n.º 9…., de 13.05.2005, remetido pelo Gabinete Nacional da Interpol do Departamento Central de Cooperação Internacional da Polícia Judiciária em simultâneo, para além do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, também para o Diretor Nacional Adjunto da Polícia de Segurança Pública e para o Chefe do Estado Maior da Guarda Nacional Republicana, com o seguinte teor: «Para os fins convenientes, junto tenho a honra de remeter a V. Ex.ª exemplar de notícia publicada pelo Secretário-Geral da O….., respeitante a A….., que é apenas objeto de localização no nosso país […]».
1.6) Em anexo às comunicações referidas em 1.4) e 1.5) seguia um instrumento escrito em papel timbrado da INTERPOL, redigido em língua inglesa e com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
1.7) A 25.05.2005, o citado Departamento de Imigração, Registo e Difusão, da Direção Central de Imigração, Controlo e Peritagem Documental, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras procedeu à inserção no Sistema Integrado de Informação daquela autoridade administrativa de uma medida cautelar «pedido de paradeiro policial (PP)», ou seja, ao registo de um pedido de paradeiro dimanado de autoridade policial, sendo o procedimento autuado sob o n.º 504/05.
1.8) Em janeiro de 2006 o autor foi contactado pela sociedade S.... - Lda., para prestar a sua atividade como eletricista industrial, numa empreitada a realizar em Riade, na Arábia Saudita, cuja empreiteira era uma empresa italiana, a T…..
1.9) Após essa abordagem, viria a ser outorgado pelo autor e pelo legal representante da sociedade referida em 1.8), em data não apurada, mas anterior a 23.03.2006 e com efeitos reportados a essa data, um instrumento escrito em papel timbrado daquela sociedade, sob a designação «contrato de trabalho a termo incerto», subordinado, além do mais, às seguintes cláusulas: «1
» Este contrato é celebrado ao abrigo do artigo 48.º e da alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º do Dec- Lei n.º 64-A/89 de 27 de fevereiro.
» 2
» O presente contrato durará pelo tempo necessário à conclusão do trabalho cuja execução justifica a sua celebração, podendo ser interrompido por motivo de força maior, alheio à entidade patronal, devidamente justificado, ou até ao termo do contrato de subempreitada, caso este termine antes da conclusão da obra.
» 3
» O trabalhador obriga-se a desempenhar para a entidade patronal as funções inerentes à profissão de eletricista, […]
» 4
» 1 — O trabalhador prestará o seu trabalho nos locais onde a entidade patronal efetuar os seus trabalhos, quer em Portugal, quer no estrangeiro.
» 5
» 1 — O trabalhador receberá mensalmente a quantia ilíquida de Euro € 500,00 como remuneração base.
» 2 — O trabalhador, sempre que estiver destacado, auferirá por cada dia, uma Ajuda de Custo no valor de _____€.
» Durante os períodos que permaneçam fora do país, em que o trabalho é prestado, seja por que motivo for, e nomeadamente em virtude de repatriamento por incapacidade para trabalhar, todas as prestações que houver a pagar ao trabalhador, por qualquer título, serão calculadas sobre a remuneração base estabelecida neste contrato.
» […]
» 8
» 1 — Por necessidade da Entidade Patronal, o Trabalhador poderá ser destacado para prestar o seu serviço no Estrangeiro.
» 9
» 1 — Serão da responsabilidade da entidade patronal as despesas com o transporte do trabalhador, desde Portugal até ao local de trabalho.
» […]
» 14
» 1 — O período experimental corresponde aos primeiros 15 dias de execução do contrato, uma vez que se prevê que a duração da obra será superior a cinco meses.
» 2 — Durante o período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização.
» 3 — No entanto, no caso do trabalhador rescindir o contrato no período experimental pagará à entidade patronal o preço das viagens que esta tiver despendido e o que deva despender ainda com o regresso do trabalhador.
» […]
» 15
» […]
» 2 — No caso do trabalhador rescindir o contrato sem justa causa, ou se se verificar que abandonou o trabalho, ficará sujeito ao pagamento de uma indemnização à entidade patronal, de valor igual à remuneração de base correspondente ao período de Aviso Prévio em falta, acrescida das despesas com viagens, se desde a última ida do trabalhador para fora do País, tiverem decorridos menos de quatro meses.
» […]
» 18
» O presente contrato inicia-se a 23 de março de 2006 […]».
1.10) Na sequência do contrato referido em 1.9), a 16.03.2006 foi emitido visto a favor do autor pelas autoridades da Arábia Saudita.
1.11) A 23.03.2006 o autor compareceu no Aeroporto Internacional de Lisboa para embarcar para Zurique, cidade de onde seguiria para a Arábia Saudita, para prestar funções de eletricista numa obra em Riad, ao serviço da sua entidade patronal a sociedade referida em 1.8) e ao abrigo do contrato referido em 1.9).
1.12) Na mesma data, pelas 07.25h., o autor foi intercetado e abordado pelo Inspetor Adjunto Daniel Almeida, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no Posto de Fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa, que, consultando o Sistema Integrado de Informação daquela autoridade administrativa, constatou a medida cautelar de pedido de paradeiro policial a que se reportava o procedimento n.º 504/05 referido em 1.7), elaborando de imediato a ficha de interceção n.º 07…..
1.13) Na mesma data, pelas 07.30h., o autor foi ouvido em auto de declarações perante o Inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras referido em 1.12), sendo lavrado o respetivo auto de declarações, no qual se consignou o seguinte: «Aos 23-03-06, pelas 07H30, neste Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa onde se achava D….., Inspetor Adjunto Estagiário do SEF, compareceu o cidadão A…., de nacionalidade portuguesa, titular do BI n.º 3….. de 09/11/2000 — Viana do Castelo e válido até 09/09/2011, com o passaporte n.º G4…. a qual acerca da matéria dos autos disse:
» PERGUNTA: Qual a sua morada atual?
» RESPOSTA: Em Portugal resido em LOMBA, SUBPORTELA, Viana do Castelo.
» P: Tem Algum contacto telefónico?
» R: Sim, o N.º de telemóvel 96…...
» P: Qual o destino final da sua viagem?
» R: Riad, Arábia Saudita.
» P: Quando voltará a Portugal?
» R: Espero regressar daqui a três meses.
» E mais não disse, lido o presente auto em língua portuguesa, o achou conforme e ratifica, pelo que vai assinar conjuntamente comigo . Para constar se lavrou o presente auto que vai ser devidamente assinado.
» O Declarante
» [assinatura do autor, aposta sob a forma autógrafa]
» O Inspetor Adjunto
» [assinatura aposta sob a forma autógrafa e ilegível]».
1.14) No âmbito da diligência referida em 1.13), o funcionário referido em 1.12) perguntou ao autor «se tinha cometido algum crime ou se tinha presenciado algum crime».
1.15) Às instâncias referidas em 1.14), respondeu o autor em sentido negativo.
1.16) No mesmo dia 23.03.2006 foi elaborado em papel timbrado do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras um instrumento escrito, sob a designação «relatório de Ocorrências — Saídas» e com a referência «001 89/s 06 15», no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte: «7 — SÚMULA
» Data / Hora
» 23.03.2006. 07h30.
» Situação
» — Apresentou-se neste posto de fronteira de saídas do Aeroporto de Lisboa, o passageiro de nacionalidade Portuguesa, A….., titular do B.I. n.º 3….., emitido aos 09/11/2000 – Viana do Castelo, e válido até aos 09/09/2011.
» — O passageiro supra referido ia viajar com destino a Zurich, no vôo TP 920, pelas 07h45.
» — Aquando do controlo documental, a após ser efetuada consulta à Base de Dados, apurou-se que o mesmo possuía uma Medida Cautelar de Pedido de Paradeiro (PJ) Paradeiro Autoridade Judicial, N.º Proc. 5…./05.
» — Foi contactado o piquete da Polícia Judiciária, onde o Inspetor H….. confirmou apenas as indicações para se apurar o local de permanência do pax supra-identificado.
» — Foi elaborado auto de declarações.
» D….
» Insp. Adj. Est.
» […]
» 3 — PROPOSTA
» Proponho que, e conforme a Norma de Procedimento 09.02/98-01, de 12 de março de 1998, seja comunicado via RELIM, a descoberta da indicação da referida Medida Cautelar, ao D.I.R.D.
» Proponho ainda que se proceda ao rápido desembaraço do passageiro de forma a que siga viagem.
» Data: 23/03/06
» Hora: 07h35
» Ass.
» [assinatura aposta sob a forma autógrafa, ilegível]
» Daniel Almeida
» Inspetor-Adjunto Estagiário
» 4. DESPACHO
» Envie-se Relim ao D.I.R.P., deve o passageiro prosseguir viagem.
» Data. 23/03/2006
» Hora: 08h00
» Ass.
» [assinatura autógrafa, ilegível, seguida de aposição de carimbo]
» E…..
» Inspetor».
1.17) No mesmo dia 23.03.2006 foi elaborado novo instrumento escrito em papel timbrado do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sob a designação «Relatório Imediato. Cumprimento de Medida Cautelar», remetido ao Departamento de Imigração, Registo e Difusão, da Direção Central de Imigração, Controlo e Peritagem Documental, da mesma autoridade administrativa, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
1.18) Ainda a 23.03.2006 a Chefe do Departamento de Imigração, Registo e Difusão do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras subscreveu comunicação em papel timbrado daquela autoridade administrativa, endereçada ao Gabinete Nacional da Interpol, da Polícia Judiciária, subordinada ao assunto «PEDIDO DE PARADEIRO. A…... File n.º 2005/7…. N.º do control A-2…./2-2005», com o seguinte teor: «Para os devidos efeitos, informo V.a Ex. que em 23/03/2006, foi detetado, por elementos deste Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no Aeroporto de Lisboa, o(a) cidadão(ã) referenciado(a). Em cumprimento ao pedido de paradeiro, o(a) cidadão(ã) referido(a), prestou Auto de Declarações que se anexa.
» Face ao exposto, solicita-se que nos confirmem o interesse em manter o registo informático da medida cautelar acima mencionada.»
1.19) Em resposta à comunicação referida em 1.18), o Gabinete Nacional da Interpol, da Polícia Judiciária, viria a expedir o ofício n.º 2…., datado de 02.05.2006, dando conta de já «[…] não haver interesse em manter o pedido de paradeiro de A....em aberto […]».
1.20) Após as diligências referidas em 1.12) a 1.17), foi o autor autorizado a seguir viagem.
1.21) Por causa de toda a situação referida em 1.12) a 1.17) e da ponderação da mesma pelos funcionários em causa, o avião de Lisboa para Zurique em que o autor veio a embarcar teve de partir com atraso, tendo mesmo o autor sido informado de que já estavam a procurar as suas malas na perspetiva de ele não embarcar.
1.22) Razão pela qual o autor, último passageiro a embarcar, teve de ser conduzido à pista, onde o avião já estava alinhado, numa pequena viatura.
1.23) Depois de uma escala em Zurique, o autor viajou para a Arábia Saudita, tendo aterrado em Riade.
1.24) Nessa mesma data, o autor viria a ser preso no Aeroporto em Riade pelas Autoridades de Fronteira que aí o aguardavam.
1.25) Depois de cumpridas diversas formalidades, cujo conteúdo não lhe foi explicado, e de ter sido desapossado de todos os haveres, o autor foi conduzido a um cárcere, no subterrâneo do aeroporto de Riade, por volta das 22.00 horas locais, sem que lhe fosse explicado a razão de tal.
1.26) Nenhuma notificação lhe foi entregue e nenhum esclarecimento lhe foi dado.
1.27) O autor não compreendia as palavras dos agentes, que falavam ou em árabe ou em inglês.
1.28) A polícia saudita tirou o telefone móvel ao autor e impediu-o de comunicar com o exterior.
1.29) No dia 25.03.2006, pelo período da tarde, o autor foi visitado pelo Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., pelo 1.º secretário daquele posto diplomático, Dr. W....., e pelo Dr. F......
1.30) No âmbito da visita referida em 1.29), o autor informou detalhadamente o Embaixador do que se estava a passar, de que não cometera qualquer crime, que estava a ser vítima de um equívoco e a quem pediu para providenciasse no sentido de lhe assegurar assistência jurídica, afirmando não ter dinheiro consigo mas que suportaria os encargos decorrentes de tal assistência com a venda de bens próprios em Portugal, caso o Estado não aceitasse suportar aquelas despesas.
1.31) A 26.03.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «021841», subordinado ao assunto «A.....», com o seguinte teor: «1. Passada 5.ª feira dia 23 março, cidadão nacional A.... foi retido à sua chegada ao aeroporto de Riade pela polícia saudita, aparentemente na base comunicação INTERPOL, relacionada com factos ocorridos aquando sua anterior estadia em Omã, onde trabalhou para a mesma companhia que agora o contratou para prestar serviços em Riade (juntamente com mais 16 cidadãos portugueses, que chegaram no mesmo voo).
» Embaixada teve apenas conhecimento retenção cidadão português ontem dia 25 de manhã, através fax aqui recebido da parte empresa contratante. Da parte da tarde, acompanhado pelo primeiro secretário de Embaixada, Dr. W....., e pelo Dr. F....., desloquei-me ao aeroporto para o visitar. Condições lhe foram facultadas são satisfatórias, naturalmente dentro circunstâncias descritas, tendo-nos sido prometido que as melhorariam, e tendo polícia disponibilizado também apoio médico. Cidadão português teve ainda ensejo de estabelecer contacto com sua família em Portugal (Viana do Castelo).
» 2. Segundo apurámos, retenção A.... teria a ver com dívidas não saldadas por ocasião sua estadia Omã: informações nos foram dadas não são porém nem seguras nem precisas. Cidadão português em causa nega aliás que tenha deixado qualquer dívida ou que tenha praticado qualquer ato conducente situação presente. Pareceu-me sincero.
» 3. Esta manhã, Embaixada efetuou entretanto seguintes diligências:
» • Falei com embaixador do Omã em Riade, pedindo-lhe que diligenciasse junto suas autoridades sentido acelerar transmissão às autoridades sauditas de toda a informação relevante sobre o caso, por forma as habilitarem a tomar decisão mais conveniente. A seu pedido, enviei ainda nota sobre assunto.
» • Estabelecemos contacto direto com este Ministério do Interior, que ficou de nos habilitar também com elementos mais circunstanciados.
» • Falámos com empresa contratante, que ficou de confirmar possibilidade disponibilizarem advogado para necessária prestação assistência jurídica.
» 4. Embaixada continuará a manter contacto constante com A......
» 5. Manterei essa S.E. ao corrente desenvolvimentos assunto.
» a) S....».
1.32) A 27.03.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 021…. N.º de posto 0132», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A.....», com o seguinte teor: «Adit. 129
» 1. Embaixada tem continuado a acompanhar de perto caso cidadão nacional A......
» 2. Assim:
» • Em contactos subsequentes com empresa contratante, foi-nos confirmada sua disponibilidade para lhe prestar assistência judiciária. Ficaram de indicar advogado que deverá muito em breve contactar Embaixada.
» • Falei hoje de novo com embaixador Omã, que me disse que cidadão em causa havia sido objeto sentença tribunal no seu país condenando-o a cinco anos de prisão por envolvimento em rede de falsificação de dinheiro. Caso reveste-se assim de contornos mais graves do que suas declarações informais levariam a supor (mas simples circunstância retenção se basear em comunicação INTERPOL já o indiciava).
» • Solicitámos via este MNE ser habilitados oficialmente com razões legais para sua retenção.
» • Embaixada tem mantido contacto regular com cidadão em apreço.
» 3. Provavelmente, autoridades sauditas tomarão decisão extraditá-lo para Omã, decisão que se afigura muito difícil de evitar.
» 4. Muito agradecia entretanto ser habilitado, com toda a possível urgência, com indicação sobre possibilidade, do ponto de vista legal, de evitar extradição ou entrega A..... às autoridades de Omã, e de solicitar que possa regressar ao nosso País, onde por hipótese seu caso poderia ser acompanhado pelas competentes instâncias judiciárias portuguesas, na sequência comunicação (carta rogatória) das autoridades de Omã.
» a) S....».
1.33) Numa segunda visita do Embaixador de Portugal em Riade, o autor foi informado de que já estava condenado, por falsificação de moeda (dólares), em cinco anos de prisão.
1.34) O autor esclareceu sempre o Embaixador de que só poderia tratar-se de um equívoco, pois, apesar de confirmar que estivera em Omã em 2002 e 2003, trabalhando também como eletricista industrial, a sua vida se passara nessa altura sempre entre a obra e o hotel, e que nenhum facto cometera nem conhecia pessoas que pudessem tê-lo confundido num quadro de falsificação de moeda.
1.35) Nessa ocasião o autor insistiu com o Embaixador de Portugal no sentido de que o mesmo contratasse um advogado saudita que o pudesse defender.
1.36) O Embaixador respondeu que estavam a tratar do assunto e que estava a ser estudada a possibilidade de ser contratado um advogado pela empresa italiana Tozzisud, referida em 1.8), que contratara a entidade patronal do autor como subempreiteira.
1.37) O autor insistiu no pedido de que fosse a Embaixada a contratar um advogado por recear que de outro modo ali continuasse detido.
1.38) A 31.03.2006 a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Riade, Arábia Saudita, expediu o fax n.º 29/2006, endereçado ao Gabinete Nacional da Interpol, da Polícia Judiciária e ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, subordinado ao assunto «Detenção Aeroporto Riade Cidadão Nacional», e com o seguinte teor: «URGENTÍSSIMO
» Na sequência do nosso contacto telefónico de ontem com o Senhor Subinspetor A..... muito agradeceríamos que nos fossem fornecidos, com a maior brevidade possível, as informações constantes nos v/serviços (Interpol), relativas ao cidadão nacional A....., nascido em Viana do Castelo aos 13/02/1951, titular do passaporte n.º G 49…., válido até 19/09/2012, emitido pelo Governo Civil de Viana do Castelo que se encontra detido no aeroporto de Riyadh desde 23/03/2006, aguardando extradição para Oman onde, segundo informações prestadas pelas autoridades sauditas, alertadas pelas autoridades de Oman, foi julgado à revelia e condenado a cinco anos de prisão.
» Com os melhores cumprimentos,
» a) Walid Maciel Chaves Saad
» Conselheiro de Embaixada».
1.39) Em resposta à comunicação referida em 1.38) o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras expediu o fax n.º «1090/PF001», endereçado ao Gabinete Nacional da Interpol, da Polícia Judiciária e à Secção Consular da Embaixada de Portugal em Riade, com o seguinte teor: «Para os efeitos tidos por convenientes junto se envia fax da Secção Consular supra referida, relativo ao cidadão português, A......
» Mais se informa V. Exa.as que o mesmo foi identificado neste Aeroporto aos 23 de março de 2006, sendo ouvido em Auto de Declarações (cópia em anexo), no âmbito do processo A-275/2-2005 da PJ/GNI, conforme indicações prestadas pelo senhor Inspetor H… da PJ.»
1.40) A 03.04.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 02….. N.º de posto 0139», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A.....», com o seguinte teor: «DISTRIBUIÇÃO IMEDIATA
» Adit. 132,
» 1. Remeto coberto telecópia n.º 26 cópia da comunicação enviada pelo Gabinete Nacional da Interpol, bem como dos respetivos anexos, encaminhando um auto de declarações prestadas pelo cidadão nacional A.... no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa no dia 23 de março findo, data da sua saída de Portugal com destino à Arábia Saudita.
» 2. Segundo informação verbal prestada pelo referido Gabinete, impenderiam sobre o referido nacional acusações ou suspeitas de envolvimento numa rede de falsificação de dinheiro, aquando de uma sua estadia em Omã, em 2003.
» 3. Embaixada tem continuado a fazer acompanhamento constante situação, quer na perspetiva da necessária proteção consular direta a A....., quer através diligências junto destas autoridades e da empresa que lhe transmitiu convite para se deslocar a este país.
» 4. Continuamos a aguardar que a Embaixada do Omã em Riade nos habilite com informação oficial sobre caso em apreço.
» 5. Manteremos essa S.E. ao corrente diligências em curso e desenvolvimentos assunto.
» a) S....».
1.41) Em anexo à comunicação referida em 1.40) seguia a comunicação referida em 1.39) e o auto de declarações referido em 1.13).
1.42) Ainda a 03.04.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 02….. N.º de posto 0145», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....(adit. 143)», com o seguinte teor: «DISTRIBUIÇÃO IMEDIATA
» Adit. 143,
» 1. Visitei ontem de novo ao fim da tarde cidadão nacional A....., que se encontra detido no aeroporto de Riade desde o dia 23 de março findo.
» Falei também com diretor da polícia saudita no aeroporto.
» 2. Resumo seguidamente teor conversas:
» • Conversa com A.....:
» A.... encontrava-se aparentemente com moral mais elevado do que logo após ser detido, estando em contacto frequente com seus familiares em Portugal, Condições e tratamento que lhe estão a ser dados são razoáveis, evidentemente tendo em conta situação difícil em que se encontra.
» No tocante questão contratação advogado que lhe coloquei, disse-me que não via que seus familiares estivessem em condições de o fazer, uma vez que não disporiam de disponibilidade financeira para o efeito.
» Mais uma vez reafirmou a sua inocência relativamente à acusação que lhe é feita (falsificação de dinheiro).
» • Conversa com diretor polícia (Coronel I.....):
» Diretor polícia mostrou-me mandado de captura impende sobre A....., emitido pelas autoridades do Omã (disse-me não estava autorizado a dar-me cópia sem instruções superiores). Acrescentou que não havia possibilidade impedir extradição para Omã, país com o qual Arábia Saudita tinha acordo para o efeito (mesma informação foi-me dada pelo embaixador do Omã hoje de manhã).
» Detido iria assim ser confrontado com duas alternativas: ou preferia aguardar em Riade pelo envio de todo o processo de Omã (o que poderia ainda levar algum tempo); ou declarava sua disponibilidade para ser levado de imediato para aquele país, e então sua transferência concretizar-se-ia em poucos dias.
» 3. Creio que próximos passos deverão ser seguintes:
» • Como quer que seja — e apesar do que julgo ser ínfima possibilidade evitar extradição — Embaixada continuará a efetuar diligências junto autoridades sauditas e a estar em contacto constante com empresa contratante.
» • Prioridade deverá ir agora para questão necessário apoio jurídico detido, em particular no Omã, uma vez que aqui, segundo apurei, pouco ou nada se poderá fazer naquele sentido.
» • Iniciarei assim diligências — quer através Embaixada Espanha Omã, quer através empresa (que me indicou já um advogado aliás), quer junto nossa (reduzida) comunidade local, que conheço todavia relativamente bem, no sentido de podermos aconselhar um advogado.
» • A este respeito, coloca-se com urgência questão pagamento respetivos honorários: segundo depreendi da conversa com A.... (vd. acima), familiares não estarão em condições de o fazer. Empresa local disse-me que não poderia igualmente assumir responsabilidade financeira advogado no Omã. Ponho à consideração superior possibilidade abordarmos aí assunto com contraparte portuguesa (S....), no fundo responsável pela vinda A.... para a Arábia Saudita.
» 4. Rogo assim V.Exa instruções sobre se Embaixada poderá assumir o compromisso de princípio de pagar os respetivos honorários (caso S.... não esteja disposta a fazê-lo). Caso assim seja, enviarei logo que possível respetivo orçamento, muito agradecendo desde logo diligências prioritárias no sentido da concretização da transferência do montante que for autorizado.
» Submeto também à consideração superior possibilidade ser dirigido pedido de clemência da nossa parte às autoridades do Omã. Creio que, a ser assim, pedido deveria ser endereçado diretamente ao Sultão Qaboos, e teria de ser efetuado ao nível de Chefe de Estado (a título meramente hipotético, abordei hoje de manhã esta possibilidade na conversa que tive com o embaixador do Omã).
» a) S....».
1.43) Numa terceira vista, e após insistência do autor para que lhe fosse facultado apoio jurídico, o Embaixador de Portugal esclareceu que a Embaixada já tinha várias propostas de honorários, mas que os advogados eram muito caros, chegando a pedir € 125 000,00 para aceitar a defesa do autor, tendo sugerido que o demandante suportasse metade desses honorários.
1.44) À proposta referida em 1.43) respondeu o autor que não tinha mais do que uma casa, capaz de garantir o pagamento.
1.45) Ainda a 03.04.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 02….. N.º de posto 0143», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....— nota Embaixada Omã», com o seguinte teor: «DISTRIBUIÇÃO IMEDIATA
» 1. Remeto coberto telecópia n.º 28 nota acabada de receber da Embaixada do Omã em Riade, que confirma que cidadão nacional A.... foi condenado por um tribunal daquele país a uma pena de cinco anos, sob acusação de falsificação de dinheiro (dólares americanos).
» 2. Dado ter sido julgado in absentia, pena foi reduzida para metade.
» a) S.....»
1.46) A 10.04.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 02….. N.º de posto 0156», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....(adit. 145)», com o seguinte teor: «Adit. 145,
» 1. Embaixada tem continuado a acompanhar caso cidadão nacional A....., que se encontra detido em Riade, aguardando sua extradição para Omã, que deverá concretizar-se em breve.
» 2. Assim:
» • Embaixada tem continuado a prestar referido nacional necessário apoio, nomeadamente verificando in loco suas condições de detenção.
» • Contactámos Embaixada de Espanha em Mascate, no sentido de assegurar que, uma vez transferido para Omã, A.... continue a ser acompanhado.
» • No mesmo sentido, contactámos um dos elementos da pequena comunidade portuguesa de Mascate, que igualmente se disponibilizou a acompanhar o caso.
» • Solicitámos estimativas de honorários a advogados locais (indicados pela Embaixada de Espanha e pelo referido elemento da nossa comunidade): todavia, perante grandes divergências nas estimativas apresentadas (muito elevadas nalguns casos) iremos pedir orçamento mais preciso, e na medida do possível mais razoável, que transmitiremos assim que disponível.
» 3. Muito agradeceria entretanto indicação sobre disponibilidade empresa Semísul suportar ou pelo menos comparticipar custos defesa referido cidadão nacional (uma vez que empresa local não dispõe de associada em Omã, que o pudesse fazer).
» 4. Manteremos essa S.E. ao corrente desenvolvimentos assunto.
» a) S....».
1.47) A 19.04.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 027….. N.º de posto 0171», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....(adit. 145)», com o seguinte teor: «Adit. comunicações sobre assunto.
» 1. Remeto coberto telecópia n.º 37 do MNE saudita, acompanhada respetiva tradução, relativa ao cidadão nacional A....., que há já cerca de um mês se encontra detido no aeroporto de Riade.
» 2. Nota informa que ―as autoridades competentes declararam ter recebido informação sobre a pessoa detida‖ e que ―após comparação da informação recebida com a informação ao seu dispor, a respeito da pessoa procurada pelas autoridades de Omã, acusada de ter ecolocado dinheiro falso em circulação, realizaram que ambas as informações coincidiam. Isto confirma que o detido é a mesma pessoa procurada pelas autoridades de Omã‖.
» Nota conclui informando que ―as autoridades competentes se coordenarão entre si, por forma a interrogar o detido acerca das acusações que sobre ele impendem‖.
» 3. Trata-se de primeira informação escrita de caráter oficial prestada pelas autoridades sauditas sobre este caso (uma vez que as autoridades do Omã haviam já enviado nota sobre o assunto), lograda todavia após múltiplas insistências, tanto verbais como escritas.
» 4. Muito agradecia V.Exa instruções que forem havidas por convenientes sobre eventuais diligências adicionais junto destas autoridades que, dados os contornos entretanto assumidos por este caso, forem consideradas apropriadas.
» 5. Embaixada continuará a acompanhar A.... no âmbito proteção consular.
» a) S....».
1.48) Dois ou três dias antes do 25.04.2006, o autor foi informado de que se deslocaria a Riade o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Professor Doutor Freitas do Amaral e que a situação do autor era um dos assuntos em agenda, porque havia um grande interesse em Portugal pela solução do seu problema, tendo a notícia da sua prisão causado grande impacto nos diversos meios de comunicação social.
1.49) Tal informação na altura reconfortou o autor que ficou convencido de que o Ministério dos Negócios Estrangeiros já tinha tido acesso ao processo e que o assunto estaria a ser estudado cuidadosamente.
1.50) Tendo também começado a ser informado pela sua família que os órgãos de comunicação social portugueses difundiam notícias anunciando a preocupação do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
1.51) Por volta do dia 25.04.2006, entrou na cadeia um saudita a quem foi autorizado o uso de telemóvel.
1.52) Foi através do telefone deste preso e pelo telefone do Embaixador que conseguiu algumas vezes falar com a sua família.
1.53) Nas conversas realizadas com a sua família e com o jornalista V....., o autor procurou desvalorizar as condições de sofrimento em que se encontrava, para evitar represálias, para não causar sofrimento à família e de molde a não agravar a sua situação na prisão, receando que quaisquer denúncias sobre as condições em que se encontrava seriam consideradas atentatórias pelas autoridades da Arábia Saudita.
1.54) Quando lhe anunciou que o Ministro dos Negócios Estrangeiros visitaria a Arábia Saudita, o Embaixador pediu-lhe «paciência» incutindo-lhe a esperança de que seria libertado quando dessa visita ministerial.
1.55) Durante a visita diplomática do Ministro dos Negócios Estrangeiros à Arábia Saudita, o autor recebeu a visita da jornalista M....., então jornalista no semanário «Expresso» e que acompanhava a comitiva diplomática lusa.
1.56) Através de contacto telefónico através de telemóvel da jornalista referida em 1.55), o autor conversou com o então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Professor Doutor D…, tendo tido oportunidade para realçar a situação em que se encontrava e pedir-lhe que lhe fosse dado o apoio necessário para obter a sua libertação, porque era inocente.
1.57) O Ministro dos Negócios Estrangeiros disse ao autor que tudo iria tentar resolver com o seu homólogo saudita e «meter uma cunha» no sentido de que o libertassem.
1.58) A isto reiterou o autor que o assunto não deveria resolver-se com «cunhas» e que era mais correto resolvê-lo pelas vias normais, porque não cometera nenhum crime.
1.59) Insistindo com o Ministro para que lhe arranjassem um advogado, uma vez que continuava a não saber com rigor de que era acusado e por que tinha sido julgado.
1.60) O Ministro dos Negócios Estrangeiros Português prometeu-lhe que diligenciaria no sentido de lhe dar todo o apoio, e que estava convencido, em razão das conversações com o homólogo saudita, que «tudo iria ser resolvido a bem», mais esclarecendo, a instâncias do autor sobre o que pretendia significar, que era sua convicção de que estariam juntos em Lisboa decorridos 15 dias.
1.61) A 25.04.2006 o autor foi visitado pelo Embaixador de Portugal em Riade, acompanhado por um membro do Conselho das Comunidades Portuguesas, que lhe pediu que assinasse uma declaração, redigida em língua inglesa e em língua portuguesa, em papel timbrado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com o seguinte teor: «DECLARAÇÃO
» Eu, abaixo assinado, A....., de nacionalidade portuguesa, declaro para todos os efeitos que estou informado da existência de um mandado de captura da INTERPOL contra mim, e que tenciono regressar a Portugal, logo que seja libertado, submetendo-me voluntariamente às leis e à jurisdição das autoridades portuguesas.
» Riade, 25 abril de 2006.»
1.62) Foi garantido ao autor que, com a declaração referida em 1.61), seria enviado para Portugal e aí, estando inocente, não cumpriria qualquer pena.
1.63) Apesar de não ter cometido nenhum crime, porque já se encontrava exausto e porque lhe foi dito que ela era indispensável para que o libertassem, o autor subscreveu a declaração referida em 1.61).
1.64) Não obstante, continuou o autor a insistir, pedindo que lhe arranjassem um advogado, recebendo a habitual resposta de que estavam a tratar disso.
1.65) Passada uma semana, compareceu na cadeia o Embaixador de Portugal em Riade, que informou o autor de que, dentro de duas horas, seria extraditado para Omã, mas que não devia preocupar-se porque aí seria assistido por um advogado, já contratado pela Embaixada.
1.66) Nesse dia, o autor solicitou ao Embaixador que lhe obtivesse qualquer documento relativo tanto ao processo como à condenação.
1.67) Apesar da solicitação referida em 1.66), o autor apenas logrou ser esclarecido de que tinha sido condenado a cinco anos de prisão em Omã, que a condenação teria tido como fundamento a falsificação de moeda, mais concretamente de dólares, e que, por ter sido julgado à revelia e depois de preso, veria a sua pena reduzida em 2 anos e meio.
1.68) O autor não logrou qualquer esclarecimento, antes da extradição, seja quanto aos seus direitos, seja sobre a possibilidade de recorrer, nem acedeu a nenhum documento, explicação ou sequer o número do processo no qual fora condenado, nem tampouco a identificação do tribunal em que esse processo corria termos.
1.69) Antes da partida do autor para Omã, o Embaixador S.... ainda o informou de que, para além da contratação de um advogado, pedira o apoio da Embaixada de Espanha para a sua proteção, no quadro da legislação comunitária de proteção aos cidadãos europeus.
1.70) O autor passou ao todo 39 dias no cárcere em Riade, sem ver luz natural e onde a iluminação era assegurada por quatro lâmpadas fluorescentes, permanentemente acesas.
1.71) Pelo facto de a iluminação artificial ser constante, o autor deixou de ter noção das horas do dia.
1.72) O autor perdeu, passadas algumas horas da sua detenção em março de 2006, a noção do tempo horário, e até, passados alguns dias, a noção do próprio calendário, que passou a construir por referência a factos certos, como as entregas de comida e as entradas e saídas de colegas para sessões de chicotadas.
1.73) Durante o tempo que esteve na prisão em Riade, o autor recebia, em cada dia, pela manhã, um bocado de pão com ovo, que era jogado para o chão da cela, em cima de um plástico ou sobre uma folha de papel de jornal e uma garrafa de plástico de 0,25 l com água.
1.74) Por volta das 14.00h., todos os dias, recebia, invariavelmente, um saco de plástico com um pouco de arroz e um bocado de frango e uma outra garrafa de água.
1.75) Não eram facultados ao autor quaisquer talheres, nem posteriormente lhe era permitido lavar as mãos que necessariamente tinha que utilizar para comer.
1.76) Na zona em que o autor foi preso, havia 7 celas, sendo duas de alta segurança e a população de 7 ou 8 presos por cela.
1.77) Toda esta zona da prisão tinha apenas uma sanita, para uma população de cerca de 50 presos.
1.78) Durante todo o tempo que esteve detido, havia presos que eram levados para sofrer penas corporais (chicotadas) nas proximidades, após o que apareciam com o corpo empolado e os riscos deixados pelos chicotes.
1.79) Os eventos referidos em 1.78) perturbavam profundamente o autor.
1.80) Os presos, incluindo o autor, só podiam sair da cela para ir à casa de banho.
1.81) Depois da meia-noite era distribuído outro saco com arroz e um bocado de frango.
1.82) Durante todo o tempo que esteve preso, o autor teve que se manter em silêncio, com receio de sofrer represálias.
1.83) O autor pediu à Embaixada portuguesa para que lhe fosse alterada a alimentação e lhe fosse dada dieta.
1.84) O autor só viria a lograr o desiderato referido em 1.83) após a Embaixada lhe ter dado algum dinheiro, o que lhe permitiu corromper os guardas para que comprassem outros alimentos e sumos.
1.85) Para evitar problemas internos na cela, o autor viu-se forçado a comprar a «nova dieta» para todos os presos, pelo que só o pode fazer umas ou duas vezes.
1.86) Durante esse período de tempo, a situação física do autor só não se deteriorou mais decisivamente porque tinha levado consigo uma caixa de complexos vitamínicos que lhe permitiram utilizar.
1.87) Durante mais de 15 dias de cativeiro na Arábia Saudita, o autor esteve sempre com a mesma roupa, sem conseguir sequer mudar a roupa interior.
1.88) Ao fim de quinze dias, por diligência do Embaixador de Portugal, o autor conseguiu que lhe fosse facultada a possibilidade de tomar um banho e mudar de roupa.
1.89) Tendo sido por exclusiva intervenção do Dr. S..... e a expensas deste que o autor recebeu roupa lavada quando saiu da prisão.
1.90) Apenas ao 39.º dia que passava na prisão, antes de ser transferido para Oman, foi dada ao autor a possibilidade de tomar outro banho.
1.91) Apesar dos pedidos feitos, seja ao Embaixador de Portugal e referidos em 1.30), 1.35), 1.43) e 1.64), seja ao Ministro dos Negócios Estrangeiros referido em 1.59), durante os 39 dias em que o autor esteve preso em Riade nunca compareceu na prisão qualquer advogado.
1.92) A deslocação do autor para Omã foi realizada a 01.05.2006, por dois inspetores da Polícia Judiciária do Sultanato de Omã, que se haviam deslocado a Riade para o efeito.
1.93) Não compareceu no aeroporto, na hora da partida, nenhum elemento da Embaixada de Portugal.
1.94) Nesse dia 01.05.2006 o autor foi transferido para Muscat, no Sultanato de Oman, onde foi novamente colocado numa prisão.
1.95) O autor permaneceu detido em Muscat até 12.06.2006.
1.96) No dia 01.05.2006, aquando da detenção do autor, foram-lhe retirados todos os seus haveres, exceto umas calças e uma t-shirt.
1.97) Nessa mesma data foi o autor informado de que iria cumprir uma pena de cinco anos de prisão, pena em que havia sido condenado por sentença já transitada em julgado.
1.98) Por as celas se encontrarem superlotadas, deram-lhe apenas um cobertor roto e sujo, para se deitar no chão, num corredor.
1.99) A 03.05.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 030…. N.º de posto 0188», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....— honorários do avogado no Omã», com o seguinte teor: «Adit. 184,
» 1. Remeto coberto telecópia n.º 44 honorários advogado no Omã que estaria disponível para defender cidadão nacional A......
» Referido advogado foi-me recomendado por portuguesa residente em Mascate, que conheço relativamente bem e que se tem mostrado sempre disposta a dar apoio Embaixada.
» 2. Total estimado honorários é de USD 30 000,00 (trinta mil dólares), cujo pagamento seria efetuado em duas fases: USD 15 000,00 logo aquando assinatura carta aceitação termos propostos; 15 000,00 a serem pagos dentro dos três meses seguintes ou por ocasião da tomada de uma decisão pelo tribunal (se esta ocorrer antes de expirado aquele prazo).
» Estimativa, que está dentro dos valores normais praticados naquele país para estes casos, não inclui qualquer outra assistência prestada para além da representação de A.... junto do Tribunal Penal pelo caso prosseguido pelo Ministério Público de Omã.
» Carta indica ainda os dados bancários da conta para a qual deve ser transferido aquele montante.
» 3. Muito agradeço instruções.
» a) S....».
1.100) Ainda nesse dia 03.05.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 03…. N.º de posto 0190», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....— diligências Embaixada desde a sua transferência para Omã», com o seguinte teor: «DISTRIBUIÇÃO IMEDIATA,
» Adit. diversas comunicações sobre assunto.
» 1. Resumo seguidamente diligências efetuadas por Embaixada desde transferência cidadão nacional A....para Omã:
» • Contactámos Embaixada de Espanha em Mascate (encarregada de negócios, uma vez que embaixador se encontra de férias até ao final do mês) no sentido de, com base nos entendimentos bilaterais existentes, lhe prestar todo o possível apoio. Formalizámos seguidamente pedido de assistência através nota verbal.
» • Insistimos junto Embaixada do Omã em Riade com vista obter o respetivo paradeiro (problema entretanto ultrapassado - vd. adiante) e informação sobre condições de detenção. Formalizámos entretanto pedido.
» • Pedimos cônsul honorário de Portugal em Mascate que localizasse Sr. A....., o que sucedeu (remeto coberto telecópia n.º 45 fax que me enviou confirmando-o). Cônsul (Sr. M.....) disse-me que tinha já solicitado autoridades locais licença para o ir visitar ainda hoje, tendo ficado de me dar conta situação.
» • Contactei também portuguesa residente em Mascate (Sra. A....., a que me referi já no meu telegrama n.º 188), tendo-lhe passado uma procuração para poder igualmente visitar cidadão nacional detido e sobretudo para poder atuar como tradutora (uma vez que Sr. A.... só fala português). Tenciono aliás contactar ainda mais alguns portugueses residentes em Omã (conheço bem nossa pequena comunidade).
» 2. Indico seguidamente contactos entidades e pessoas acima mencionadas:
» • Cônsul honorário de Portugal em Mascate, Sr. M.....
» Telefone: (00968)24…..
» Fax: (00968)24…..
» email: ala…….
» • Embaixada de Espanha em Mascate
» Telefone: (00968)24…. Fax: (00968)24….
» email: em5…..
» Embaixador: J…..
» Encarregada de negócios: A…..
» (horário: sábado a quarta-feira das 08h00 às 15h00).
» • Sra. A.....
» Telefone: (00968)99….. Fax: (00968)24….
» email: mic…….
» • Advogado contactado, Dr. M…… (firma de advogados S……)
» Telefone: (00968)24…. Fax: (00968)24…..
» email: m……
» a) S....».
1.101) Nesse mesmo dia 03.05.2006 o Cônsul Honorário de Portugal em Muscat compareceu na prisão de Muscat, acompanhado por uma cidadã portuguesa de nome A....., munida de procuração outorgada pelo Embaixador de Portugal em Riade.
1.102) A cidadã referida em 1.101) era a cidadã aludida nas comunicações referidas em 1.46), 1.99) e 1.100) e serviu de aí em diante de intérprete para o autor.
1.103) Nessa primeira conversa com intérprete o autor repetiu a sua história, com todos os detalhes, informando que estava inocente e que queria responder perante o tribunal, devidamente assistido por um advogado, o que andava a pedir às entidades portuguesas desde o primeiro dia em que teve contacto com o Embaixador de Portugal em Riade.
1.104) Foi aquela cidadã A..... que, para aliviar o sofrimento do autor, mandou comprar de imediato dois quilos de maçãs vermelhas, roupa interior, dois calções e três t- shirts.
1.105) O autor perguntou ao Cônsul Honorário pelo advogado contratado pela Embaixada de Portugal em Riade.
1.106) Nessa primeira visita, o Cônsul Honorário referiu ao autor que nada lhe tinha sido comunicado.
1.107) Ainda nesse dia 03.05.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 030….. N.º de posto 0193», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....(adit. 190)», com o seguinte teor: «Adit. 190,
» 1. Cônsul honorário de Portugal em Mascate telefonou-me há pouco para informar que tinha ido visitar cidadão nacional detido A....que se encontra provisoriamente sob custódia polícia naquela capital. Disse-me que, dentro circunstâncias conhecidas, Sr. A.... se encontrava bem. Polícia tinha-lhe contudo retirado telemóvel, tendo-lhe comunicado seu uso não era permitido.
» Solicitei-lhe fizesse ver autoridades locais que tinham obrigação garantir acesso detido, tanto por parte representações diplomáticas como por parte familiares.
» 2. Falei igualmente com encarregada negócios Espanha em Mascate, a quem solicitei acompanhasse assunto na sequência pedido já ontem formalizado. Salientei importância ser garantido acesso Sr. A...... Encarregada de negócios (A.....) disse-me que havia já solicitado audiência no Departamento Consular do MNE do Omã para expor nossas preocupações.
» a) S....».
1.108) Passados alguns dias, a referida intérprete portuguesa, Ana Maria, informou o autor de que ainda não havia sido contratado nenhum advogado.
1.109) A 08.05.2006 o 1.º Secretário da Embaixada de Portugal em Riade, Dr. W....., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 03….. N.º de posto 0198», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....(adit. 193)», com o seguinte teor: «Adit. 193,
» Encarregada Negócios Espanha em Muscat (Omã) foi esta manhã recebida Diretor Departamento de Assuntos Consulares [d]aquele MNE, Embaixador A] Wahaibi, a quem entregou Nota Verbal (TLC 47) solicitando autorização para visitar o cidadão português detido e informação relativa à data da audiência em tribunal.
» Encarregada de Negócios A..... informou-me telefonicamente de que, no decorrer audiência, Embaixador A..... lhe referiu que, segundo informações recolhidas junto polícia omanita, detido estaria já ao corrente das suspeitas de tráfico de dinheiro falso e teria sido essa a razão da sua partida (precipitada?) de Omã.
» Estas afirmações contrastam em absoluto com todas as declarações do Sr. A....., quer ao signatário, quer aos investigadores da polícia saudita que o interrogaram na minha presença e na presença de uma tradutora desta embaixada.
» Por minha parte, continuo a acreditar firmemente na inocência deste cidadão.
» a) S.....».
1.110) A 18.05.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 03….. N.º de posto 0205», subordinado ao assunto «Cidadão nacional A....— ponto de situação», com o seguinte teor: «Adit. 198 e demais comunicações sobre o assunto,
»Resumo seguidamente últimos desenvolvimentos respeitantes cidadão nacional detido A.....:
» • Falei ontem com encarregada negócios Espanha em Mascate, que me disse continuava a aguardar reação autoridades omanitas às solicitações transmitidas em reunião com diretor Departamento Assuntos Consulares MNE local (vd. telegrama n.º 198).
» • Falei também (hoje de manhã) com o nosso cônsul honorário em Mascate, que me disse aguardava autorização para, juntamente com portuguesa A..... (que se disponibilizou a título voluntário para acompanhar caso), visitar no próximo sábado dia 20 referido cidadão.
» • Falei (hoje igualmente) com diretor Departamento Consular MNE Omã (embaixador A….), a quem reiterei pedidos formulados por encarregada negócios Espanha e, designadamente, acesso detido, através possibilidade contactar e ser contactado, sempre que necessário, tanto por cônsul honorário, quanto por esta Embaixada, e por parte seus familiares, para além naturalmente advogado que for constituído para o defender.
» 2. Quanto a eventual pedido de indulto a ser dirigido autoridades do Omã, apurei o seguinte:
» • Pedido deveria ser efetuado ao mais nível, i.e., dirigido ao chefe de Estado do Omã, S…..
» • Solicitação não interferiria evidentemente com procedimentos legais que estão em curso, e que exigem nomeadamente que detido tenha de ser presente a um juiz para lhe ser dado conhecimento direto teor sentença e seus fundamentos, e para, através advogado constituído para o efeito, poder apelar, mediante a apresentação de matéria nova (―new evidence‖).
» • Procurarei ainda apurar elementos complementares relativos prática local relativa pedidos semelhantes, sem embargo de opinião já recolhida junto nosso cônsul honorário sentido tal poder efetivamente ter influência numa redução adicional da sentença decidida (já comutada em dois anos e meio dos cinco que lhe seriam aplicados).
» a) S....».
1.111) O autor conseguiu, entretanto, saber que podia pedir a repetição do julgamento, porque tinha sido julgado à revelia, mas que precisava para isso de estar assistido por um advogado.
1.112) Tendo então insistido com o Cônsul Honorário no sentido de, em coerência com a promessa que havia sido feita pelo Embaixador, ser contratado um advogado que o assistisse.
1.113) O Cônsul, através da referida cidadã portuguesa, esclareceu que ainda não tinha autorização do Ministério dos Negócios Estrangeiros para contratar um advogado.
1.114) A 21.05.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 03…... N.º de posto 0209», subordinado ao assunto «Audiência A.....», com o seguinte teor: «Adit. comunicações sobre o assunto,
»1. Remeto coberto telecópia n.º 48 cópia nota enviada pelo MNE do Omã à Embaixada de Espanha em Mascate - e há pouco aqui recebida - informando que o cidadão nacional detido em Mascate, A....., será presente em audiência perante o Tribunal (Muscat Appeal Court) na próxima 3.ª feira dia 23 de maio (09h00).
» 2. Informei já o nosso cônsul honorário naquela cidade, a quem pedi que desse a necessária assistência, nomeadamente através da sua presença ou de um seu representante na audiência, informei também a cidadã portuguesa que tem acompanhado este caso localmente, numa base de voluntariado e a meu pedido, para o caso de as autoridades locais não fornecerem tradutor. Solicitei ao cônsul que tivesse igualmente a atenção de a contactar.
» 3. Cônsul disse-me ainda que, caso família detido - que muito agradecia fosse avisada da audiência - não possa disponibilizar advogado, autoridades locais o deveriam fazer (tratando-se embora de procedimento meramente formal e praticamente irrelevante para a defesa do réu).
» 4. Tenciono ainda contactar amanha de manhã a encarregada de negócios de Espanha, a quem aproveitarei para do novo agradecer toda a atenção e interesse que tem dado a este caso.
» a) S....».
1.115) Até à data em que deveria ser presente a tribunal, 23.05.2006, não foi dado ao autor qualquer apoio jurídico.
1.116) Foi a referida cidadã A..... que compareceu no tribunal no dia em que foi marcada a sua apresentação ao juiz.
1.117) Constatando-se que o autor não falava árabe nem inglês, conseguiu ela ser nomeada intérprete, porque falando inglês, árabe e português e estando presente, ofereceu os seus préstimos ao tribunal.
1.118) Foi a referida cidadã e interprete, a primeira «advogada» do autor e quem contou aos juízes o que ele lhe dissera, a sua agonia de estar ali sem defensor e que pediu ao juiz que tivesse a clemência de dar ao autor uma semana para arranjar advogado, alegando que ele tinha sido abandonado pelas autoridades portuguesas e que nada sabia do processo, apesar de estar preso há mais de dois meses.
1.119) Foi então concedido ao autor uma semana para arranjar um advogado para o defender.
1.120) A cidadã A..... contactou então a família do autor, que, por sua vez, contactou o escritório do ilustre mandatário do autor constituído nos presentes autos para que, ao abrigo do seu estatuto de membro de uma associação que tem advogados em diversos Estados, contactasse, a partir de Lisboa, um escritório de advogados de Muscat, que aceitou patrocinar o demandante.
1.121) No mesmo dia 23.05.2006, B....., o filho mais velho do ora autor, subscreveu e divulgou comunicado com o seguinte teor: «COMUNICADO
» Em representação da família de A....., cidadão português, preso em Riad no dia 23/3/2006 e extraditado para o Sultanado de Oman no dia 1/5/2006, cumpre-me esclarecer a opinião pública do seguinte:
» 1. O cidadão A....é um operário honesto e trabalhador, pai de seis filhos e zeloso do cumprimento dos seus deveres cívicos.
» 2. Não tem quaisquer antecedentes criminais nem é dotado da ousadia necessária para as práticas criminosas de que, alegadamente, é acusado pelas autoridades do Sultanado de Omã.
» 3. Não fala nem inglês nem árabe, nunca se tendo relacionado com elementos da sociedade omanita, onde trabalhou, durante cerca de 3 meses nos finais de 2002 e princípios de 2003.
» 4. Os seus relacionamentos durante esse curto período — que foi o único que passou em Omã — foram exclusivamente com cidadãos portugueses contratados pela empresa S.....
» 5. A sua condenação, absolutamente à revelia e sem que algum vez tenha sido ouvido em qualquer processo, ocorreu quando estava em Portugal e, tanto quanto conseguimos apurar, porque três outras pessoas arguidas no mesmo processo o terão acusado, de forma concertada, da passagem de moeda falsa e da aquisição de um telemóvel com uma nota falsa de 500 dólares.
» 6. Nunca A.... comprou qualquer telemóvel.
» 7. Todo o dinheiro que teve em suas mãos foi entregue por aquela empresa, mas concretamente pelo encarregado geral, que o pode comprovar em tribunal.
» 8. A condenação de A.... é, seguramente, um erro judiciário, embora possa ser fundada em provas mal avaliadas, que podem ser contraditadas.
» 9. A.... está inocente e foi condenado a uma pena de prisão que só pode deixar de cumprir se for reaberto o processo e lhe for dada oportunidade de defesa, para o que carece da assistência de um advogado omanita.
» 10. Apesar de ter beneficiado da cortesia e da caridade da Embaixada de Portugal em Riade e do Cônsul Honorário de Portugal em Muscate, que muito se agradece, A.... está, desde o dia 23/3/2006, absolutamente abandonado no que se refere à proteção jurídica a que tem direito.
» 11. Apesar de ter consultado pelo menos um gabinete de advogados, a representação portuguesa em Riade não contratou nenhum advogado que pudesse assistir aquele cidadão português em condições mínimas de dignidade e eficácia.
» 12. O Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmou, nomeadamente ao advogado que nos dá assistência em Portugal, que não está em condições de suportar a
assistência jurídica a A....e que não adiantará quaisquer fundos para o suporte dessa defesa.
» 13. A família de A.... desmente assim, com toda a veemência, a informação que tem sido veiculada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em termos que são adequados a enganar a opinião pública.
» 14. A única coisa que A.... precisa neste momento é de um advogado que o defenda e que tudo faça para o libertar e para o devolver a Portugal, uma vez que está inocente.
» 15. A posição do Estado português e do Ministério dos Negócios Estrangeiros é tanto mais grave quanto é certo que A.... foi, deliberadamente, entregue a justiças estrangeiras, porquanto as autoridades portuguesas que o deixaram embarcar para Riade sabiam perfeitamente que iria ser preso naquele aeroporto.
» 16. Só esse erro justificaria uma atitude diversa do Estado português no plano da assunção das suas responsabilidades, em vez de adotar uma posição de abandono, a nosso ver violadora da Constituição, porque discrimina os portugueses que dele precisam no estrangeiro, em situação mais difícil que os que dele precisam em Portugal.
» 17. O Regulamento Consular aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/97, de 30 de dezembro, é muito claro ao estabelecer que os postos e secções consulares prestam aos portugueses que dela careçam no estrangeiro a «assistência necessária e possível» nomeadamente o «apoio social, jurídico ou administrativo possível e adequado» à defesa dos seus direitos.
» 18. O mesmo Regulamento estabelece que os cidadãos assistidos devem assumir, em declaração escrita, a obrigação do reembolso do Estado e que esta declaração tem a força de título executivo.
» 19. Apesar de o Estado se garantir no que respeita à assistência que dá aos portugueses no estrangeiro, no caso concreto e apesar de A.... se dispor a assinar tal declaração de compromisso, a assistência jurídica foi negada em absoluto.
» 20. O facto é tanto mais chocante quando ainda recentemente o mesmo Ministério e o mesmo ministro promoveram a deslocação de um antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros à mesma região para, por via política e promovendo uma manifesta ingerência do poder político nos tribunais, trazer para Portugal um jovem que foi preso por consumo ilegal de drogas. Gostaríamos de saber se essa declaração de devolução dos fundos de socorro foi assinada e se o referido indivíduo já devolveu ao Estado o que o Estado despendeu com a sua libertação.
» 21. A família de A....., especialmente a esposa e os seis filhos, dois dos quais ainda menores, não pode deixar de se considerar ofendida na sua dignidade pela atitude adotada pelo Estado, não conseguindo explicar àqueles menores porque razão seu pai, que é um trabalhador honesto, foi completamente abandonado, enquanto um consumidor de drogas foi protegido, com um envolvimento de meios muito superior ao que seria necessário para a defesa do seu familiar.
» 22. Perante a falência dos princípios — que é o princípio da falência do Estado — não resta à família de A....outro caminho que não seja o de lançar um apelo à sociedade civil no sentido de, da mesma sociedade, poder haver os contributos necessários à contratação de um advogado omanita.
» 23. O custo horário de um criminalista no sultanato de Omã é de 250 dólares e a nossa família não dispõe desses meios. Ou conseguimos reunir nos próximos dias um montante entre 5000 e 10 000 dólares e A.... terá um defensor ou, na próxima terça feira, comparecerá novamente, sem qualquer defesa perante o juiz, tornando-se inevitável a condenação definitiva.
» 24. As ajudas que os nossos concidadãos nos queiram conceder neste momento difícil podem ser depositadas na seguinte conta: 0019002….. .
» 25. Desde já nos comprometemos a prestar contas públicas do movimento das ajudas dos nossos concidadãos e a sujeitar a verificação dessa conta aos dadores que o solicitem.
» 26. Enrolados, como andamos, durante dois meses, ou conseguimos reunir esses fundos até à próxima quinta-feira, dia 25 de maio ou a defesa de A.... será praticamente impossível, pelo que, desde já agradecemos todas as ajudas que nos possam dar neste momento de grande amargura.
» Viana do Castelo, 23 de maio de 2006 […]».
1.122) Depois de diversas diligências, foi possível encontrar um escritório de advogados que, a 24.05.2008, se dispôs a defender o autor contra o pagamento de RO 2000, correspondentes a US $ 5263 ou € 4121,00.
1.123) Porque tal valor era um valor relativamente baixo, foi contactada a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas para apurar se o réu se predispunha a custar os honorários.
1.124) Aquela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, porém, recusou-se a assumir as responsabilidades do pagamento do defensor, disponibilizando-se apenas para proceder ao pagamento, se houvesse dificuldades na transferência para Muscat.
1.125) Face à recusa referida em 1.124), a família do autor procedeu ao pagamento por transferência bancária.
1.126) A 24.05.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 03…. N.º de posto 0214», subordinado ao assunto «Adiamento audiência A.....», com o seguinte teor: «Adit. 213
» 1. Encarregada de negócios de Espanha telefonou-me ontem para informar que audiência cidadão nacional A....tinha sido adiada por uma semana, estando agora prevista para o próximo dia 30, a partir das 09h00.
» 2. Pedido de adiamento foi transmitido ao juiz pelo representante do nosso cônsul em Mascate, que acompanhou detido ao tribunal, juntamente com representante da Embaixada de Espanha e da portuguesa que se encontra também a seguir este assunto.
» 3. Sei que família se encontra já ao corrente deste desenvolvimento e que tencionaria fazer deslocar a Mascate advogado português que está em contacto com advogado local que deverá representar detido.
» a) S....».
1.127) A 29.05.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 03….. N.º de posto 0218», subordinado ao assunto «Audiência A....(adit. 214)», com o seguinte teor: «Adit. 214
» 1. Falei hoje com nosso cônsul honorário em Mascate (Sr. A….) que me confirmou nova audiência A.... para amanhã dia 30. Disse- me que advogado (árabe e não português como por lapso informei telegrama 214) constituído pela família já o tinha contactado, e que tencionava pedir juiz novo adiamento para ter tempo de estudar mais detalhadamente caso e apelar sentença.
» Cônsul enviará igualmente representante para acompanhar audiência, tendo ficado de me informar seus resultados.
» 2. Solicitei ainda sr. A…. voltasse a insistir sentido ser facilitado acesso a detido, nomeadamente por parte família e Embaixada.
a) S....».
1.128) No dia 30.05.2006, data designada para a audiência do julgamento do autor, o tribunal, após ter constatado que se tinha tratado de uma condenação do réu à revelia e que o autor apenas lograra constituir defensor poucos dias antes da audiência, concedeu o prazo de uma semana ao defensor para preparar a defesa.
1.129) A 06.06.2006 realizou-se audiência de julgamento do aqui autor em Muscat.
1.130) Imediatamente após as alegações iniciais do advogado M….., defensor do aqui autor, o juiz reconheceu ter existido erro e absolveu o arguido, aqui autor.
1.131) O autor foi libertado nesse mesmo dia 06.06.2006.
1.132) Como não tinha dinheiro nem alojamento nem capacidade para se alimentar e como não tinha visto válido para entrada em Omã, teve de ficar preso até ao dia 12.06.2006, data em que foi possível arranjar um voo para Lisboa.
1.133) A 06.06.2006 o Embaixador de Portugal em Riade, Dr. S...., subscreveu novo telegrama endereçado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a referência «N.º geral 04….. N.º de posto 0234», subordinado ao assunto «ABSOLVIÇÃO CIDADÃO NACIONAL A.....», com o seguinte teor: «Adit. comunicações telefónicas
»1. Cidadão nacional A....foi hoje presente a tribunal, tendo sido absolvido das acusações que levaram à sua condenação à revelia, e que motivaram a sua detenção, primeiro em Riade e depois em Mascate, para onde havia sido extraditado no passado dia 1 de maio.
» 2. Segundo conversa que acabo de ter com nosso cônsul em Mascate, sua libertação aguardaria apenas formalização por parte tribunal decisão absolvição junto estabelecimento prisional onde ainda se encontra, e que deverá ser comunicada muito brevemente (amanhã possivelmente). Tanto cônsul como advogado estão a acompanhar assunto, tendo Sr. A…. ficado de me informar assim que libertação se materializar.
» 3. Portuguesa que, a pedido Embaixada, se disponibilizou também para dar apoio A….., ofereceu-se para o acolher na sua residência, enquanto aguardar regresso a Portugal.
» 4. Transmitirei custo passagem regresso assim que dispuser elementos, bem como de intenções (ex-)detido quanto seus planos de viagem.
» a) S....».
1.134) O autor ainda ficou preso entre os dias 6 e 12.06.2006.
1.135) O Estado custeou a viagem de regresso do autor para Portugal.
1.136) Quando finalmente desembarcou em Portugal, no dia 12.06.2006, apenas tinha à sua espera os seus familiares, não havendo ninguém do Estado, nomeadamente do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
1.137) O autor considerava-se a si próprio um excelente profissional, promovendo junto de si próprio, e tentando fazê-lo junto de todas as equipas que integrou, uma imagem de credibilidade, seriedade e prestígio.
1.138) Antes de ser preso, o autor era uma pessoa alegre e confiante, capaz de correr mundo, sem medo da nada.
1.139) O autor foi paraquedista do Exército Português, o que lhe deu uma endurance que era, ao mesmo tempo uma carta de recomendação.
1.140) Habituado ao combate, nunca suportou a humilhação para que não foi preparado.
1.141) As condições que o autor sofreu durante os 82 dias de cárcere, ao nível de fome, cansaço, desorientação temporal e receio pela integridade física decorrente da perceção da tortura a outros presos, foram percecionadas pelo demandante como condições aviltantes, humilhantes e vexantes da sua dignidade pessoal.
1.142) Aos sentimentos resultantes do cárcere referidos em 1.141) se associou um sentimento, no autor, de impotência e abandono por parte do Estado, quer no momento em que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras permitiu o embarque do autor, quer durante o cativeiro, quer mesmo depois, apesar de reiteradas e sucessivas instâncias do demandante aos representantes do Ministério dos Negócios Estrangeiros para que lhe arranjassem um advogado que pudesse defendê-lo, o que lhe foi sistematicamente negado.
1.143) As condições do cárcere e a perceção de omissão do Estado português referidos em 1.141) e 1.142) criaram ao autor um enormíssimo sofrimento, degradando-lhe a estrutura psicológica.
1.144) Nunca mais o autor conseguiu ser quem era.
1.145) Não deixando ser comunicativo, o autor teve uma modificação completa de pensamentos, interesses, hábitos gregários, auto perceção, estrutura emocional e familiar, auto estima e capacidade laboral.
1.146) O autor, que tinha antes da prisão em Riade uma pessoa com uma personalidade egocêntrica, e com uma auto imagem de extrema rigidez e quase narcísica, passou desde então a duvidar sistematicamente de si próprio, alimentando medos e pensamentos obsessivos e ruminantes, pelos quais revisitava permanentemente a experiência dos 82 dias de cárcere e o sentimento de injustiça e abandono que sentiu, tendo dificuldades em concentrar-se.
1.147) Desde que chegou a Portugal em junho de 2006, nunca mais conseguiu trabalhar.
1.148) À data, o autor tinha esposa, quatro filhos maiores e dois filhos menores.
1.149) Antes do evento da detenção, o autor sempre conseguira sustentar economicamente o seu agregado familiar.
1.150) O autor sentiu durante os primeiros anos imediatos ao regresso a Portugal vontade de matar, destruir, pôr bombas no Parlamento, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, como se uma força anímica o impelisse para isso.
1.151) Tal ímpeto exigiu ao autor, diariamente, um enorme esforço de autocontrolo e de auto apelo à cidadania, que só conseguiu exercer na plenitude com o uso de psicotrópicos que lhe eram facultados no âmbito do acompanhamento psiquiátrico.
1.152) O autor foi seguido em consulta de psiquiatria entre 23.02.2007 e 18.11.2009 pela Dra. M......
1.153) O autor e a esposa foram também seguidos pela psicóloga Dra. I……, no Gabinete de Atendimento à Família do Conselho Distrital de Viana do Castelo do Instituto da Segurança Social, IP, entre 2007 e 2010.
1.154) No âmbito das consultas referidas em 1.152) e 1.153) foi diagnosticado ao autor a seguinte sintomatologia física e psíquica adversa:
a. grande ansiedade;
b. sofrimento psicológico intenso,
c. dores de cabeça e cefaleias;
d. hipervigilância constante;
e. pensamento inquisitivo e ruminante;
f. raiva e irritabilidade constantes;
g. alterações e labilidade de humor;
h. descontrolo emocional,
i. desfasamento psicótico;
j. stress pós-traumático;
k. discurso de teor delirante, paranoide e megalómano;
l. transtorno paranóide;
m. isolamento frequente;
n. insónia eventual;
o. irritabilidade, impulsividade e comportamento disruptivo inicial que progrediram para um fundo depressivo;
p. sintomatologia depressiva acompanhada de episódios ou surtos psicóticos.
1.155) O acompanhamento ao autor referido em 1.152) e 1.153) consistiu em sessões e consultas terapêuticas, acompanhado de mediação, nomeadamente Efexor XR, Risperidona, Ideocórtex e Diplexil R 500, essencialmente dirigida à administração de psicotrópicos, neurolépticos e estabilizantes de humor.
1.156) No final de 2009 e 2010, quando deixou de ser seguido nas consultas referidas em 1.152) e 1.153), já se notavam melhoras significativas no estado anímico e psíquico do autor, sobretudo ao nível da irritabilidade.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os demais, sendo os seguintes os factos alegados e a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir:
2.1) O autor despendeu € 949,29 em bilhetes e encargos com viagens.
2.2) O autor ficou impossibilitado de voltar a países árabes, sem correr o risco de vir a ser preso.
2.3) O autor era considerado um excelente profissional, gozando de prestígio junto de todas as equipas que integrou e sendo respeitado pelos seus colegas e pelos superiores hierárquicos de todas as empresas para que prestou serviço.
2.4) Um profissional com a experiência e a craveira do autor auferia em junho de 2006 no mínimo € 1500,00 líquidos.
2.5) O Ministério dos Negócios Estrangeiros e os serviços da Embaixada de Portugal em Riade tiveram conhecimento imediato, desde a data em que o autor foi detido em Riade, de que o demandante não havia cometido qualquer crime.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
IV - Do direito
O Autor, aqui Recorrente, intentou ação administrativa comum contra o Estado Português, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de €1.251.949,29, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Decidiu-se em 1ª instância:
“1. julgar parcialmente procedente a presente ação e, nessa medida,
2. condenar o réu Estado Português a pagar ao autor a quantia de €125.000, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, por danos não patrimoniais;
3. condenar autor e réu em custas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 90% e 10%, respetivamente, dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça acima dos € 275 000,00 ainda devida pelas partes.”

Vindo recursivamente suscitada nulidade da Sentença, por omissão de pronuncia, logo em 13 de janeiro de 2020 o tribunal a quo proferiu Despacho de sustentação da decisão proferida, onde se discorreu, o seguinte:
I - Vindo suscitada a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, cumpre proferir o seguinte despacho, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 617.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força da remissão operada pelo artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Ora, tudo visto e sopesado, salvo superior entendimento, julga-se que a sentença proferida não padece do vício que lhe é assacado.
Com efeito, não se verifica a alegada omissão de pronúncia, posto que, como se deixou consignado, quer na motivação da convicção probatória do tribunal, quer no excurso de fundamentação fáctico-jurídica da sentença recorrida, este tribunal apreciou efetivamente os argumentos avançados pelo autor. Aí se deixou consignado, além do mais, o seguinte:
«Assim como também não logrou o autor provar, seja por que meio de prova fosse, que um profissional com a experiência e a craveira do demandante auferia em junho de 2006 no mínimo €1500 líquidos. De novo recorrendo ao contrato reproduzido em 1.9) do probatório, único documento que atesta efetivo vencimento auferido pelo autor no exercício das suas funções em período coevo com os factos, o que se constata é que o demandante perceberia mensalmente a quantia ilíquida de €500, acrescido de um montante a estipular (mas que nem sequer surge consignado no instrumento contratual) a título de ajuda de custo por cada dia que permanecesse “destacado”, ou seja, laborando no estrangeiro. Nada mais se logrou provar, seja por que meio de prova fosse».
Por isso, como se depreende da leitura integral e integrada da sentença recorrida, cujo teor se reitera, verifica-se que a mesma abordou a posição invocada pelo autor e avançou os argumentos, de facto e de direito, que ditaram a tomada de posição adotada a final. O que se lobriga no requerimento de recurso é, antes, uma discordância com o teor da decisão do tribunal (que houve) acerca do julgamento quanto ao que o autor (não) logrou efetivamente provar em sede de danos patrimoniais, e não, em bom rigor, qualquer omissão de pronúncia. Sobre este ponto, porém, já não nos podemos pronunciar; o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul melhor decidirá.
Pelo exposto, nada há a suprir, indeferindo-se as suscitadas nulidades (cf. artigo 617.º, n.ºs 1, in fine, e 6, primeira parte, do Código de Processo Civil).
Refira-se, desde já, sem prejuízo do que se dirá ainda infra relativamente à referida nulidade, que se ratifica o entendimento constante do precedente despacho de sustentação, em face do que se inverifica a suscitada omissão de pronuncia.

Ademais, a presente ação tem por base a responsabilidade civil extracontratual do Estado, sendo aqui aplicável o Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de novembro de 1967, tendo o Autor assentado o peticionado, nos seguintes fundamentos:
a) No dia 23 de março de 2006 dirigiu-se ao aeroporto de Lisboa e deixaram-no embarcar com destino à Arábia Saudita, não obstante pender sobre si um mandado de captura internacional;
b) O Autor saiu do país sem saber que estava condenado a uma sentença de cinco anos de prisão por crime alegadamente cometido no país de destino;
c) assim que aterrou foi detido, sendo alvo de condições atentatórias da dignidade humana, e as autoridades diplomáticas nada fizeram para minorar ou mitigar tais condições, nem sequer através de representação forense;
d) passou 82 dias aprisionado em condições deploráveis, que lhe deixaram mazelas psicológicas indeléveis;
e) só soube do crime de que estava a ser acusado e da pena aplicada por uma voluntária que se perfilou como sua intérprete e apenas saiu dos calabouços, em Omã, pelos esforços desta e do seu cônjuge em articulação com o seu filho mais velho;
f) os funcionários do SEF, ao não cumprirem o mandado de captura internacional, e também o Ministério de Negócios Estrangeiros, por falta de proteção consular, atuaram, assim, de forma ilegal.

A Sentença proferida em 1ª Instância, em 30 de setembro de 2019, como se disse já, julgou a ação parcialmente procedente, absolvendo o Réu, Estado Português, do pedido de indemnização por danos patrimoniais, por nada se ter apurado em tal sentido, e condenando-o no pagamento de uma indemnização de 125.000€, por danos não patrimoniais.

O Autor recorre da referida Sentença no que concerne aos danos patrimoniais, nos termos que o Ministério Público, de forma feliz, sintetiza nos seguintes termos:
1. Com base nos elementos constantes dos autos a decisão do Tribunal relativamente aos danos patrimoniais tinha de ser diversa.
2. O Recorrente gastou € 949,29 no bilhete de avião para a Arábia Saudita sendo que se o Estado Português o impedisse de embarcar podia solicitar o reembolso de tal montante, com juros à taxa legal;
3. Deve, assim, alterar-se a resposta ao ponto 2.1 da matéria de facto não provada, dando-se a mesma como provada, atento o acervo probatório junto aos autos, designadamente, contrato de trabalho entre o Recorrente e a empresa S...., indemnizando-se o Recorrente no valor despendido com a viagem, no montante de €949,29;
4. Por outro lado, de acordo com o seu contrato de trabalho, o Recorrente iria auferir cerca de €3.500 líquidos, ao longo de seis meses, tendo sido a postura do Estado Português que o impediu de exercer as suas funções na empresa e de, assim, auferir €21.000, quantia em que deverá, deste modo, ser indemnizado;
5. Acresce que sempre o Recorrente foi um profissional exímio e prestigiado, tendo sido por culpa exclusiva do Estado Português que perdeu a sua boa imagem e credibilidade e ficou impossibilitado de voltar a trabalhar em países árabes, com o consequente risco de vir a ser novamente preso, sendo que por tais danos deve ser ressarcido numa indemnização de valor não inferior a €200.000;
6. Aliás, os pontos 1.137, 1.147, 1.124, 1.125, 1.145, 1.154, 1.152, 1.153, da matéria de facto dada como provada impõem a condenação do Réu a título de danos patrimoniais, na peticionada indemnização de €200.000, pela referida perda da impossibilidade de voltar a trabalhar;
7. Por outro lado, um profissional com experiência semelhante ao Recorrente auferia, em 2006, um vencimento líquido não inferior a €1.500, sendo que o Recorrente passou, posteriormente, a receber o valor do rendimento social de inserção por nunca mais ter conseguido trabalhar, ficando assim prejudicado na diferença de valor que poderia vir a receber até à idade da reforma.
8. O ponto 1.9 da matéria de facto dada como provada refere que o Recorrente e a empresa S.... celebraram um contrato de trabalho a termo incerto, indo o primeiro receber €500 a título de vencimento fixo e uma determinada quantia a título de ajudas de custo;
9. Ora, o Recorrente, em 1999, já recebia uma quantia que ascendia a €2.360 líquidos, com ajudas de custo incluídas;
10. Não pode o Tribunal deixar de pronunciar-se positivamente quanto a estes danos sendo que não se encontrando qualquer decisão quanto a considerar-se provados ou não provados tais factos estamos perante uma omissão de pronúncia, sendo a sentença nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC;
11. Caso se entenda que o dano aqui referido não ficou provado deve ser alterada a sentença, mormente no ponto 3 sobre a motivação e análise crítica do Tribunal sobre tais documentos;
12. Não pode, também, aceitar-se como não provado o facto constante do ponto 2.4 da matéria de facto dada como provada devendo, ao invés, condenar-se o Réu no pagamento da quantia peticionada, no valor de € 236.004,86;
13. Por fim, quanto ao ponto 2.3 dos factos não provados deve tal facto ser dado como provado face aos documentos que o Recorrente agora junta, não o tendo feito em momento anterior devido ao stress pós-traumático, descontrolo emocional, transtorno paranoide, sintomatologia depressiva acompanhada de diversos episódios ou surtos psicóticos, entre outros.
Conclui, deste modo, deverem ser admitidos os documentos ora juntos e o Recorrido condenado a pagar uma indemnização a título de danos patrimoniais, nos valores peticionados, que ascendem, na presente data, ao montante global de € 457.954,15.”

Vejamos:
Da junção de documentos tardiamente.
Requer o Recorrente com as alegações de recurso, a junção de novos documentos, alegando que não o pôde fazer em momento anterior devido ao stress pós-traumático, descontrolo emocional, transtorno paranoide, sintomatologia depressiva acompanhada de diversos episódios ou surtos psicóticos, entre outros.

Em qualquer caso, o que se pretende agora juntar aos Autos, mais não são do que o seu Curriculum Vitae, um recibo de vencimento da empresa S...., de 1999, e cartas de recomendação, não se vislumbrando em que medida o estado psicológico do Autor se mostraria impeditivo da junção de tais documento em momento anterior.

Nos termos do disposto no artigo 651º, nº 1, do Código de Processo Civil, as partes apenas podem juntar documentos às alegações recursivas em situações excecionais a que se refere o artigo 425º CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Como se sumariou no acórdão do TCAS nº 02383/07.2BELSB, de 03.06.2020:
“I - As partes apenas podem juntar documentos às alegações de recurso nas situações excecionais em que façam prova de que não lhes foi possível promover essa junção ao processo em momento anterior ou quando essa junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância – é só neste limitadíssimo caso que o princípio da justiça se pode sobrepor ao princípio processual de oferecimento imediato de documentos;
II- Para além dos casos em que os documentos a juntar só tenham sido obtidos mais tarde, apesar dos esforços envidados pela parte para promover a sua junção atempada, a junção de documentos só pode ser admitida com as alegações se se mostrar que a mesma foi “imposta” por um facto superveniente ou por que a decisão de facto em 1.ª instância assentou em pressupostos com os quais a parte, por mais diligente que tenha sido na instrução do processo com todos os meios de prova, não teve como antever.”

Efetivamente, para além dos casos em que os documentos a juntar só tenham sido obtidos mais tarde, apesar dos esforços envidados pela parte para promover a sua junção atempada, a junção de documentos só pode ser admitida com as alegações se se mostrar que a mesma foi “imposta” por um facto superveniente, pelo conteúdo da decisão de facto em 1.ª instância, a qual assentou em pressupostos com os quais a parte, por mais diligente que tenha sido na instrução do processo com todos os meios de prova, não teve como antever.

Assim, só neste caso, em que o princípio da justiça se pode sobrepor ao princípio processual de oferecimento imediato de documentos, quando se demonstre que a parte atuou de forma diligente e que existe uma verdadeira necessidade de admitir novas provas ou complementos de prova para dimensões factuais com as quais não era possível ter contado na instrução do processo em primeira instância, é que será de admitir a junção de documentos com as alegações de recurso.

Aplicada esta interpretação à situação em apreço verificamos que o tipo de documentos que o Recorrente requereu juntar, todos têm, datas anteriores à da propositura da presente ação.

Assim, não se reconhece qualquer fundamento justificável para a junção dos referidos documentos em sede recursiva por os mesmos não serem supervenientes, não sendo ainda a alegada situação psicológica do Autor suficientemente impeditiva da recolha tempestiva dos referidos documentos, atenta a sua acessibilidade.

Acresce ainda que o teor dos referidos documentos não se mostraria o meio suficientemente adequado para que a decisão proferida ou a proferir, pudesse ser diversa.

Assim, por não estarem verificados os pressupostos normativos em que se pode fundamentar a admissão da junção de documentos com as alegações de recurso; sendo apenas esta a motivação a que há-de ater-se um Tribunal de recurso no julgamento da questão prévia da admissibilidade ou não da requerida junção de documentos, não se reconhece, pois, a possibilidade de admissão da respetiva junção ao processo dos documentos apresentados pelo Recorrente.

Da impugnação da matéria de facto quanto aos danos patrimoniais.
Entende o Recorrente, com base nos elementos constantes dos autos, que a decisão do Tribunal relativamente aos danos patrimoniais tinha de ser diversa.

Refira-se, desde já, e em abstrato, que se sumariou no Acórdão deste TCAS nº 1635/08.9BELSB, de 21-04-2022, o seguinte:
“I – Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.
II – O respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.
III – O recurso da matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação dos recorrentes, impusessem decisão diversa da recorrida.

Em qualquer caso, e para evitar que sobrevenham quaisquer duvidas, refira-se ainda o seguinte, em concreto:
Invoca o Recorrente que gastou € 949,29 no bilhete de avião para a Arábia Saudita sendo que se o Estado Português o impedisse de embarcar podia solicitar o reembolso de tal montante, com juros à taxa legal.
No entanto, resulta do contrato de trabalho que o Recorrente celebrou com a empresa S.... (Facto Provado 1.9) que, atento o teor da cláusula 9ª, nº 1, a despesa de deslocação para local de trabalho era da responsabilidade da empresa que assegurava o seu pagamento, pelo que, o Autor, por falta de prova em contrário, não terá suportado qualquer despesa com a viagem realizada, em face do que não merece censura a matéria dada como não provada.

É certo que a cláusula 15ª, nº 2, deste contrato estipulava que no caso de o trabalhador rescindir o contrato sem justa causa, ou verificar-se o abandono do trabalho, ficaria sujeito ao pagamento de uma indemnização à entidade patronal, acrescida das despesas de viagem.

Em qualquer caso, como resulta da apreciação feita em 1ª instância, não logrou o aqui Recorrente fazer prova de que tenha suportado os custos com a viagem.

Em face do que precede, não se reconhece, pois, que o facto não provado 2.1, devesse ser alterado e “convertido” em provado.

No que respeita já à alegada impossibilidade de cumprir o contrato celebrado com a S.... e a correspondente impossibilidade de auferir rendimentos compatíveis com a sua experiência e categoria profissional, alega o Recorrente que o tribunal deu como provado o ponto 1.147, demonstrativo de que chegou a Portugal, em junho de 2006, e que nunca mais conseguiu trabalhar.

Assim, entende o Recorrente que a conjugação dos factos provados 1.145, 1.154, 1.152 e 1.153, deveriam determinar que lhe fosse atribuída uma indemnização a título de danos patrimoniais, nos valores peticionados.

Em qualquer caso, alegar não é provar, e ficou por demonstrar a verificação de quaisquer danos de natureza patrimonial, com decorre, aliás, de modo evidente, da Sentença Recorrida.

A circunstância de se ter dado como provado que o Recorrente desde que chegou a Portugal, em junho de 2006, nunca mais trabalhou, não significa necessária e automaticamente, que tal determine a atribuição de indemnização por danos Patrimoniais, pela panóplia de razões que poderão estar subjacentes a tal circunstância.

Acresce que, ao Estado não pode ser imputada a circunstância do Recorrente ter incumprido o seu contrato de trabalho com a empresa S...., pois que, se tivesse sido impedido de embarcar, a questão de incumprimento contratual manter-se-ia, de igual modo, ao que acresce que a condenação a 5 anos de prisão, perduraria, uma vez que não haveria repetição de julgamento, o que só foi efetuado, por o Recorrente se encontrar em Omã.

Assim, é incontornável que fosse qual fosse a solução adotada, nunca o Recorrente poderia ter cumprido o contrato com a S...., o que, naturalmente, não é imputável ao Estado Português.

Como sublinha o Ministério Público, mesmo que o Recorrente não tivesse embarcado, no dia 23 de março de 2006, nunca viria a auferir o salário acordado, pois que teria até, provavelmente, de cumprir uma pena efetiva de cinco anos de prisão que lhe foi aplicada, ainda que em Portugal, mercê da condenação sofrida no estrangeiro.

Como assente em 1ª Instância, ficou por provar a verificação de danos patrimoniais, quer relativamente ao pedido de €21.000, correspondente aos valores que o autor deixou de auferir desde 23.04.2006, (salário de €3.500x6 meses) quer, e por maioria de razão, face ao pedido indemnizatório de €200.000, correspondente ao ressarcimento do invocado dano resultante da supressão definitiva da possibilidade de se candidatar a qualquer trabalho de se candidatar do autor das candidaturas de trabalho em países árabes, o que certamente se verificaria, mesmo que tivesse permanecido em território português, merce da sua condenação a prisão efetiva no Omã.

Aliás, mal se alcança a razão pela qual o aqui Recorrente estará impedido de voltar aos países árabes, quando é certo que, em consequência da repetição do julgamento ocorrido em Omã, foi o mesmo absolvido.

Se perigo há que o Recorrente venha a ser novamente preso nos países árabes, o que se duvida atenta a circunstância do mesmo ter sido absolvido, após a repetição do julgamento, tal facto não seria, naturalmente e em qualquer caso, imputável ao Estado Português.

De referir ainda, que ficou por provar nos autos que o Recorrente auferisse em Portugal uma remuneração de €1.500 líquidos mensais em 2006, pelo que, mais uma vez, não se vislumbram razões que pudessem determinar a almejada alteração da matéria dada como não provada, pois que em momento algum se reconhece a ocorrência de qualquer dano de natureza patrimonial.

Quando à invocada omissão de pronuncia, reitera-se aqui que se ratificou o referido no despacho de sustentação da Sentença Recorrida.

Em qualquer caso, mais se refere, o seguinte:
Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 03326/14.2BEPRT, de 15.07.2016, “Tendo a decisão recorrida enfrentado e resolvido as questões suscitadas, não se lhe pode imputar qualquer omissão de pronúncia, mesmo não tendo sido apreciados individualmente todos os argumentos invocados.
Se a sentença se pronuncia e decide a questão que o Tribunal foi chamado a resolver, não se verifica nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.”

Na realidade, como resulta, designadamente, de jurisprudência administrativa uniforme, a nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal não tenha julgado uma questão que devesse apreciar, não bastando que não tenha sido considerado um qualquer argumento que o Recorrente tenha entendido como relevante.

Refere-se, entre muitos outros, no Acórdão do STA nº 01692/13, de 25.09.2014 que “(…) tendo o acórdão enfrentado e resolvido essas «quaestiones juris», não se lhe pode imputar qualquer omissão de pronúncia, mesmo que não tivesse apreciado argumentos vários, suscetíveis de serem convocados e esgrimidos para as elucidar.”
“Se a sentença se pronuncia e decide questão que o Tribunal foi chamado a resolver, então … não se verifica nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.” (Acórdão STA nº 0514/12, de 30-05-2012).

Só se verifica nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer e não quando apenas não aprecia um argumento (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

No caso concreto, não se vislumbra, pois, que a decisão recorrida tenha deixado de se pronunciar face a qualquer questão que carecesse de pronúncia.

Decisão
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 19 de maio de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa