Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:34/17.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IVA;
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO;
CONTAGEM;
PRAZO.
Sumário:I – O artigo 33.º do CPT veio revogar tacitamente o artigo 88º do CIVA, pelo que aos factos geradores de IVA anteriores a 1998 (e posteriores a 01/07/1991) é aplicável o prazo de caducidade de 5 anos contados desde a «data em que o facto tributário ocorreu».
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M... - IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO, LDA, veio deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do ano de 1994, no montante total de Esc.: 10.597.081$00

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 26 de Outubro de 2016, julgou procedente a impugnação.

Nas suas alegações, a recorrente FAZENDA PÚBLICA, formula as seguintes conclusões:

«I - Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvando-se sempre melhor entendimento e, com o devido respeito, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal "ad quo" julgou procedente o pedido da impugnante escusando-se de melhor analisar a prova constante dos autos, lavrando em erro no que concerne à apreciação da matéria de facto e ao exame crítico dos documentos aí constantes.

II - Todavia, se devidamente analisadas as provas reunidas, prevaleceria uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal, pois, pese embora determinados factos tenham sido dados como provados, os mesmos foram objeto de uma análise crítica deficiente.

III - No presente caso foi entendido que a questão decidenda consiste em determinar se a liquidação em crise nos autos enferma de caducidade, ou não.

IV - Nessa senda, decidiu-se o TT pela ilegalidade da liquidação do IVA com recurso a presunções (métodos indiciários).

V - Neste conspecto, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida, a questão decidenda não se pode limitar a conhecer da caducidade do direito à liquidação, devendo antes ser colocada uma questão prévia a essa, a da extemporânea interposição da impugnação cuja decisão é aqui posta em crise.

VI - Como refere o acórdão do STA, proferido no processo n.º 01213/12, datado de 27-02-2013 e, disponível www.dgsi.pt "O prazo da impugnação judicial é de natureza substantiva e não um prazo judicial contando-se nos termos do art. 279° do CC, como expressamente se refere no n.º 1 do art.º 20° do CPPT, correndo continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão", verificando-se caducidade do direito de impugnar."

Entende doutamente o anteriormente citado aresto:

"Trata-se de um prazo peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso por estarem em causa direitos indisponíveis do Estado, cfr. artigo 333º do Código Civil. As regras da caducidade são aplicáveis quando, por força da lei, o direito deva ser exercido dentro de certo prazo- art. 298º do mesmo diploma legal. Está assim esgotado o prazo previsto nos artigos 102º, n.º 1 do CPPT. A caducidade constitui uma excepção peremptória que impede e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelo Autor.

É de conhecimento oficioso e leva à absolvição da Fazenda Pública do pedido - artigos 493º, n. ºs 1 e 3 e 496º, ambos do CPC".

VII - Ora, a sentença proferida pelo Tribunal ad quo não se pronunciou sobre esta exceção, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.

VIII - Ou seja, não retirou as necessárias ilações dos factos que deu como provados, a saber que:

"A R.G. veio a ser indeferida por despacho de 07/08/2003 do Diretor de Finanças Adjunto (cfr. Processo de reclamação graciosa apenso) Em 20/08/2003, através do ofício 09543, datado de 18/07/2003, foi a impugnante notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa cfr. Processo de reclamação graciosa apenso. Em 04/06/2000 foi instaurada a execução fiscal n.º 3085-00/102125.7 para cobrança do IVA e juros compensatórios a que alude o ponto 13), supra, a qual se mostra suspensa cfr, cópia do processo de execução fiscal apensa).

Mas, como se conclui, tendo em 15/09/2003 sido deduzida a presente impugnação (Cfr. Carimbo aposto a fls. 2)", a mesma é intempestiva.

IX - E, mesmo que assim não se entenda, o que apenas por mero raciocínio académico se admite, haveria que atentar ao probatório constante dos autos, isto é: a liquidação adicional referida resultou de correções com recurso a métodos indiciários, na sequência de ação externa de fiscalização, pelo que em 07/12/1999 a impugnante apresentou pedido de revisão do imposto apurado por métodos indiretos, tendo sido realizada a reunião entre os peritos, na qual não foi tido acordo.

A decisão recorrida entende que se impunha a notificação da liquidação de IVA do ano de 1994 juros aqui em causa fosse efetuada até 01/12/1999, por referência ao mês de Dezembro, dando como provado que a decisão em sede de comissão de revisão só foi tomada em 23/12/1999, sendo que a nota de cobrança apenas foi emitida em 30/12/1999, ou seja, em datas posteriores ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação.

X - A decisão proferida pelo Tribunal ad quo, ao contar o prazo de caducidade, não levou em conta os factos suspensivos desse prazo. Mas além disso, o início da contagem do prazo de caducidade deveria ter sido considerado a partir do início do ano civil seguinte, uma vez que a jurisprudência entende que se à data da entrada em vigor da nova redação do n.º 4 do artigo 45º da LGT, como é o caso dos autos, se ainda não havia decorrido integralmente o prazo para extinção do direito, «a situação jurídica em curso de constituição, passa o respetivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova, passando o prazo a contar-se de acordo com a nova redação da norma citada.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.09.2011, proferido no processo n.º 0461/11, que acolheu de resto a posição perfilhada no Acórdão do Pleno de 17.03.2011 - Processo nº 1076/09, disponível no endereço www.dgsi.pt).

XI - Por fim, a frustração da notificação com hora certa, não obsta a que se tenha como cumprida a notificação pessoal, pois que a "recusa" ou a não comparência do citando em assinar terá que ser dada como suprida nos termos do art.º 38.º n.º 5 e 6 do CPPT.

XII - Termos em que foram violadas as normas artigo 333º do Código Civil, art. 298º do mesmo diploma legal e art.º 102º, n.º 1 do CPPT, por via dos art.ºs e artigos 493º, n.ºs 1 e 3 e 496º, ambos do CPC.

Foram ainda violadas as normas ínsitas no artigo 45° da LGT e art.ºs, art.º 46.º n.º 1 e 91.º n.º 2 da LGT.

XIII - Pelo que, com o muito e devido respeito, o douto Tribunal "ad quo", não esteou a sua fundamentação de facto de acordo com a prova constante nos autos, tendo, consequentemente, caído em erro de direito, devendo, nessa medida, a decisão ser afastada da ordem jurídica.

Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1) A Impugnante exerce como actividade principal o comércio por grosso de artigos de vestuário, têxteis, mobiliário, menagem, brinquedos e artigos diversos, encontrando-se enquadrada no ano de 1994, em sede de IVA, no regime normal, com periocidade mensal (cfr. processo administrativo apenso);

2) Na sequência da liquidação adicional de IVA do ano de 1994, no montante total de Esc.: 10.597.081$00, a impugnante deduziu em 26/04/2000 reclamação graciosa (cfr. 2 e segs. do procedimento de reclamação graciosa apenso);

3) A liquidação adicional referida no ponto anterior resultou de correcções com recurso a métodos indiciários, na sequência de acção externa de fiscalização, cujo relatório propôs a correcção de imposto em falta no valor de € 34.773,21 (Esc.: 6.971.403$00) (cfr. fls. 63 a 64);

4) Por ofício n.º 11.359, de 21de Outubro de 1999, do Serviço de Finanças de Lisboa-3, foi a impugnante notificada para exercer o direito de audiência prévia sobre o projecto de fixação de imposto sobre o valor acrescentado (cfr. fls. 66 a 67);

5) Através do requerimento de fls. 68 a 71, que aqui se dá por integralmente reproduzido a impugnante exerceu o direito de audição prévia;

6) Em 08/11/1999 a impugnante foi notificada, pelo ofício datado de 05/11/1999, da fixação do IVA respeitante ao ano de 1994, com recurso a presunções, no montante de Esc.: 6.971.403$00 (cfr. fls. 72 a 73);

7) Em 07/12/1999 a impugnante apresentou pedido de revisão do imposto fixado por métodos indirectos, nos termos constantes de fls. 74 a 78, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

8) Por ofício n.º 31.841, de 13/12/1999, a impugnante foi notificada de que foi marcada a data de 22/12/1999, para a realização da reunião entre os peritos (cfr. fls. 79);

9) Em 22/12/1999 foi realizada a reunião entre os peritos, na qual não foi alcançado acordo, tendo os peritos lavrado os respectivos laudos, conforme acta n.º 224/ 99 de fls. 81a 97;

10) Em 23/12/1999 foi proferida decisão pelo Administrador Tributário, por delegação de competências do Director de Finanças, de fls. 93 a 94, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual foi fixado o montante de IVA de Esc.: 6.971.403$00, repartido pelos meses de Janeiro a Dezembro do ano de 1994;

11) Em 06/01/2000 foi a impugnante notificada da decisão a que se refere o ponto anterior, através do ofício n.0 33197, datado de 27/12/1999 (cfr. fls. 79 a 98);

12) Em 25/ 01/2000 foi a impugnante notificada nos termos do artigo 241.º do CPC de que «no dia 31/12/99, foi essa firma notificada nos termos do artigo 240.º n.º 3 do Código de Processo Civil, por afixação na porta dessa firma, por impossibilidade de notificação da mesma na pessoa de qualquer gerente ou empregado, tudo como melhor consta do mandado de notificação e certidões, de que se juntam fotocópias, considerando-se a notificação efectuada em 31-12-99.» (cfr. fls. 99 a 105)

13) Pelo mandado, datado de 30/12/1999 foi determinado que a Impugnante fosse notificada nos termos do n.º 1 do artigo 27.º do CIVA e para no prazo de 30 dias a contar da notificação efectuar o pagamento voluntário de IVA da importância de Esc.: 10.597.081$00, sendo Esc.: 6.971.401$00 de IVA, do ano de 1994, e Esc.: 3.625.680$00, de juros compensatórios, liquidados nos termos do artigo 89.º do CIVA e 35.º da LGT e que o IVA a pagar resultou de liquidação adicional efectuada nos termos do artigo 82.º do CIVA, com base em apuramento correctivo efectuado no âmbito de reclamação efectuada ao abrigo do artigo 91.º da LGT (cfr. fls. 100);

14) Em 30/12/1999 o funcionário José Luis Isidro em cumprimento do referido mandado elaborou certidão de diligências, na qual certificou que não conseguiu dar cumprimento ao mandado referido no ponto anterior e que procedeu à elaboração de aviso para notificação com hora certa que deu a assinar aos funcionários, que se recusaram a assinar, tendo afixado o aviso na porta do escritório (cfr. fls. 102);

15) Em 30/12/1999, o funcionário José Luís Isidro, elaborou "aviso de notificação com hora certa", com o seguinte teor «Fica por este meio notificada a firma M... - Importação e Exportação, Lda., com sede na R..., em Lisboa, que voltarei a esta morada no dia 31-12-99 pelas 9 horas e 3, a fim de levara efeito a notificação que hoje me propunha efectuar.» (cfr. fls. 101);

16) Em 31/12/1999, o funcionário José Luís Isidro elaborou certidão de notificação na qual certifica que tendo voltado pelas 9 horas e 30, da mesma data, à sede da Impugnante e não tendo encontrado os sócios gerentes da firma, tendo-se os funcionários recusado a receber a notificação, deixou cópia do mandado e anexo que afixou na porta do escritório (cfr. fls. 103);

17) A reclamação graciosa veio a ser indeferida, por despacho de 07/08/2003, do Director de Finanças Adjunto (cfr. procedimento de reclamação graciosa apenso)

18) Em 20/08/ 2003, através do ofício n.º 09543, datado de 18/07/2003, foi a impugnante notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. procedimento de reclamação graciosa apenso);

19) Em 04/05/ 2000 foi instaurada execução fiscal n.º 3085-00/102125 7 para cobrança do IVA e juros compensatórios a que alude o ponto 13) supra, a qual se encontra suspensa (cfr. cópia do processo de execução fiscal apensa);

20) Em 15/ 09/ 2003 foi deduzida a presente impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 2).


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Factos não provados

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

Motivação

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e apensos que não foram impugnados. Os depoimentos das testemunhas não determinam, por si e por desnecessário, a fixação de factos autónomos.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela ERFP, resulta que está em causa saber se:

· Ocorreu erro de julgamento no que concerne à apreciação da matéria de facto e ao exame crítico dos documentos aí constantes;

· Apreciar a excepção de caducidade do direito de impugnar judicialmente.

Vejamos, então.

Comecemos por apreciar a matéria de excepção, uma vez que, a proceder, obstará ao conhecimento do demais invocado no presente recurso jurisdicional.

A este propósito, alega a Recorrente (Fazenda Pública) que a sentença proferida pelo Tribunal ad quo não se pronunciou sobre esta excepção, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.

Compulsados os presentes autos verifica-se que a sentença não se pronunciou quanto à excepção de caducidade do direito de acção. Sucede que, uma vez que a Recorrente veio dizer, nas alegações de recurso, que a impugnação tinha sido apresentada intempestivamente, a Juiz a quo proferiu, então, o despacho de fls. 381 e 382, no qual configura a questão da não pronúncia como nulidade da sentença, dizendo que o referido vício não se verifica, uma vez que nem a Fazenda Pública suscitou a intempestividade da impugnação, nem a mesma foi apresentada fora de prazo.

Do probatório resulta (alíneas 18) e 20)) que a Recorrida foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (que deduzira da liquidação adicional de IVA do ano de 1994, como resulta da alínea 2) do probatório) em 20/08/2003.

E que a presente impugnação judicial foi deduzida em 15/09/2003 (alínea 20)).

Nos termos do preceituado no nº2 do artigo 102º do CPPT (na redacção à data aplicável) era de 15 dias o prazo para deduzir impugnação judicial, no caso de indeferimento da reclamação graciosa.

Considerando que a notificação da decisão da reclamação graciosa ocorreu em 20/08/2003 verifica-se que, à data, o período de férias judiciais decorria de 16 de Julho a 14 de Setembro, nos termos previstos no artigo 12º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº3/99, de 3 de Janeiro.

Ora, terminando o referido prazo de 15 dias (para deduzir impugnação judicial) em período de férias judiciais, por força do disposto na alínea e) do artigo 279º do Código Civil, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 15 de Setembro de 2003, data em que deu entrada a impugnação judicial, sendo, por isso, tempestiva.

Nessa medida, improcede a arguida excepção de caducidade do direito de acção.

Analisemos, agora, o invocado erro de julgamento.

A Recorrente não concorda com o entendimento propugnado na sentença recorrida no sentido de considerar verificada a caducidade do direito à liquidação, por três razões:

· Não foram considerados os factos suspensivos;

· O início de contagem do prazo de caducidade deveria ser o do início do ano civil seguinte, considerando a nova redacção do nº4 do artigo 45º da LGT;

· A frustração da notificação com hora certa não obsta a que se tenha como cumprida a notificação pessoal, nos termos do preceituado nos nºs 5 e 6 do artigo 38º do CPPT.

Vejamos.

Comecemos pela alegada não consideração, pela sentença recorrida, dos factos suspensivos do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Da análise dos autos constata-se que apenas em sede de recurso vem a Fazenda Pública invocar a eventual ocorrência de factos suspensivos, sendo que, nas alegações de recurso, refere, laconicamente, que a suspensão do prazo de caducidade se conta da data de notificação do início da acção inspectiva até à data da notificação do relatório de inspecção, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 46º da LGT. Sucede que dos autos não constam elementos que permitam aferir a data da notificação do início da acção inspectiva, nem a ora Recorrente a indica, sendo certo que não vem posta em causa a matéria de facto provada, nem requerido o seu aditamento.

De todo o modo, sempre se dirá (como se refere no Acórdão deste TCAS de 02/06/2007, proferido no âmbito do processo nº 1456/00, cujo conteúdo aqui acolhemos) que o princípio de que o prazo de caducidade não deve interromper-se ou suspender-se por causas externas não tem carácter absoluto, pois que pode suspender-se ou interromper-se em casos determinados pela lei valendo, no ordenamento jurídico-tributário, o art. 46.° da LGT que tipifica as causas de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação.
Aquela que aqui nos importa é a ocorrência de inspecção externa, situação em que o prazo de caducidade do direito à liquidação se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, do início da acção de inspecção externa, efeito suspensivo que cessa se a inspecção externa ultrapassar o prazo de 6 meses após a notificação, caso em que o prazo da caducidade se contará desde o seu início, o que vale por dizer que tudo se passa como se não tivesse havido suspensão.

O facto relevante para o início da caducidade já não é, aqui, a ocorrência ou a verificação do facto tributário, mas uma outra circunstância posterior que como que inutiliza (para efeitos da caducidade) o tempo até aí decorrido.

Assim sendo, em tal situação, o prazo máximo de suspensão é de seis meses.
Saliente-se que o art. 13° do RCPIT (DL. Nº 413/98, de 31/12) classifica o procedimento de inspecção, quanto ao lugar da realização, como procedimento interno e procedimento externo, sendo este (que é o que está em causa nos autos) cujo início deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário nos termos dos artº s. 46º nº 1 e 49º nº 1 do mesmo diploma legal, que equivale à acção de inspecção externa (n.° l do art. 46.° da LGT).
Com efeito, o artigo 49.° do RCPIT, sob a epígrafe "Notificação do início do procedimento" determina que:

" 1 - O início do procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias. 2 - A notificação para início do procedimento de inspecção efectua-se por carta - aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo Director-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos: (...)"
Mas, como salienta Joaquim Gonçalves, A Caducidade Face ao Direito Tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 247, “…a efectivação do procedimento externo de inspecção parece pressupor um prévio procedimento interno, com emissão da ordem de serviço ou do despacho que determinam a realização daquele e dos quais será entregue cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário.
Assim, ainda que abrangido no conceito mais amplo de procedimento tributário, o procedimento de inspecção ou acção de inspecção «lato sensu», é, também ele, um procedimento amplo que pode englobar a prática de vários actos de inspecção (planeamento, actos de inspecção, elaboração do projecto de relatório, direito de audição, elaboração do relatório final de inspecção e notificação deste último ao contribuinte). Pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito à liquidação ou do procedimento sancionatório, é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início (art. 57.° da LGT e 46.° do RCPIT — mas veja-se que nos termos dos citados n.° l do art. 46.° e n.° l do art. 49.°, do RCPIT, é o início do procedimento externo de inspecção que deve ser notificado). Porém, de todo o modo, nos casos do n.° 3 do art. 36.° do mesmo diploma, o prazo pode ser prorrogado por mais dois períodos de três meses, devendo essa prorrogação ser notificada (n.° 4).

Mas a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, iniciada com a notificação do início de «inspecção externa», só se manterá até ao máximo de seis meses (n.° l do art. 46.° da LGT) e essa suspensão ficará inutilizada caso tal inspecção ultrapasse este prazo. Em suma, quer no caso em que a AF faça uso da faculdade de prorrogação do prazo de procedimento de inspecção, quer no caso em que haja lugar à suspensão do prazo do procedimento nos termos do n.° 4 do art. 57.° da LGT, a AF apenas poderá proceder à liquidação dentro do prazo normal de caducidade, visto que a ultrapassagem do prazo de seis meses determina a inutilização, para efeitos de caducidade, do prazo de suspensão e a contagem do prazo de caducidade desde o seu início.”

Regressando ao caso dos autos, não se sabe (nem a Recorrente o refere) quando foi a Recorrida notificada do início do procedimento inspectivo, nem qual a data da sua conclusão. Os únicos elementos que dos autos constam são o relatório de inspecção e respectiva notificação, por ofício datado de 28/10/1997, sendo que aí se menciona ter o procedimento inspectivo sido determinado por Ordem de Serviço de 25/11/1996, o que indicia que terá tido duração superior a seis meses.

Ora, não se sabe qual o período de duração da acção inspectiva, não tendo a Recorrente sequer indicado as datas relevantes, nem junto, em momento oportuno, os documentos comprovativos de tais factos, pelo que improcede o argumento de que não foram considerados os factos suspensivos do prazo de caducidade.

Do início da contagem do prazo de caducidade

Afirma a Recorrente, na conclusão X, que o início da contagem do prazo de caducidade deveria ter sido considerado a partir do início do ano civil seguinte, uma vez que a jurisprudência entende que se à data da entrada em vigor da nova redação do n.º 4 do artigo 45º da LGT, como é o caso dos autos, se ainda não havia decorrido integralmente o prazo para extinção do direito, «a situação jurídica em curso de constituição, passa o respetivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova, passando o prazo a contar-se de acordo com a nova redação da norma citada.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.09.2011, proferido no processo n.º 0461/11, que acolheu de resto a posição perfilhada no Acórdão do Pleno de 17.03.2011 - Processo nº 1076/09, disponível no endereço www.dgsi.pt).

Não tem razão.

A sentença recorrida, louvando-se em jurisprudência do STA, entendeu ser de aplicar o regime constante do CPT, nos seguintes termos:

“(…)Em 01/01/1999 entrou em vigor a Lei Geral Tributária (dr. artigo 6° do Dec.Lei nº 398/98, de 17/12), cujo artigo 45.º, n.º 1, veio encurtar o prazo de caducidade do direito à liquidação para 4 anos.

Contudo, não será este o prazo a atender no presente caso uma vez que, de acordo com o artigo 5.º, n.º 5 do Dec.-Lei n.º 389/ 98, de 17/12, que aprovou a LGT, esse novo prazo de caducidade só se aplica aos factos tributários ocorridos a partir de 01/ 01/1998, o que não é o caso pois o IVA em causa é relativo ao ano de 1994.

Preceituava o artigo 88.º n.ºs 1 e 2 do CIVA (na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, que aprovou o CIVA):

«1 - Só poderá ser liquidado imposto nos cinco anos civis seguintes àquele em que se verificou a sua exigibilidade.

2 - Até final do período referido no número anterior, as rectificações e as tributações oficiosas podem ser integradas ou modificadas com base no conhecimento ulterior de nos elementos.»

Em 01/ 07/1991 entrou em vigor o CPT (vide artigo 2.º do Dec.-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril) que veio regular a caducidade do direito à liquidação dos tributos.

O artigo 33.º n.º 1, do CPT estipulava «O direito à liquidação de impostos (...) caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, (...), nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.»

Sobre a questão de saber se é aplicável o artigo 88.º do CIVA, na redacção original ou o artigo 33.º do CPT pronunciou-se já o pleno da secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 07/ 05/ 2003, no âmbito do processo n.º 026806-B, que sufragamos na íntegra, no sentido de que o artigo 33.º do CPT veio revogar tacitamente o artigo 88.o do CIVA, pelo que os factos geradores de IVA anteriores a 1998 (e posteriores a 01/ 07/1991) é aplicável o prazo de caducidade de 5 anos contados desde a «data em que o facto tributário ocorreu».

Assim sendo, a questão decidenda será, portanto, abordada à luz do regime do CPT, pelo que o prazo de caducidade é de 5 anos e conta-se desde a data em que o facto ocorreu.(…)”

Entendemos que a sentença decidiu com acerto ao considerar aplicável o regime constante do CPT. A Recorrente parece olvidar que o imposto aqui em causa reporta-se ao ano de 1994, e que a legislação que pretende ver aplicada apenas entrou em vigor com a Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, em 1 de Janeiro de 2003, sendo que a notificação aqui em causa teve lugar em Janeiro de 2000.

Com efeito o artigo 43º da Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro veio dar nova redacção ao artigo 45º nº 4 da LGT, dispondo o mesmo que: “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto em imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que verificou a exigibilidade do imposto”.
Dispunha a anterior redacção daquele normativo que o prazo de caducidade se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

Porém, considerando que os factos dos autos ocorreram em data muito anterior (1994 a 1999), não tem razão de ser a posição defendida pela Recorrente já que a alteração legislativa não tem aplicação ao caso dos autos e, nessa medida, improcede este segmento do recurso.

Da frustração da notificação com hora certa

No que se refere à notificação da liquidação e da decisão da Comissão de Revisão, a sentença entendeu o seguinte:

“(…)Dir-se-á ainda a acrescer aos vícios da notificação mediante editais que esta notificação, que corresponde conforme resulta do seu teor à nota de cobrança da liquidação, nunca poderia produzir os seus efeitos, por a Administração Tributária estar obrigada a notificar em primeiro lugar a decisão tomada na comissão de revisão e bem como a liquidação do imposto e respectivos juros (cfr. artigos 77.º n.º 6, 91.º n.º 2, da LGT e 64.º, n.º 1do CPT).

Impunha-se que a notificação da liquidação de IVA do ano de 1994 e respectivos juros compensatórios aqui em causa fosse efectuada até 01/12/1999, por referência ao mês de Dezembro.

Ora, a decisão em sede de comissão de revisão só foi tomada em 23/12/1999, bem como o acto de liquidação de IVA dos meses de Janeiro a Dezembro de 1994, e foram notificadas à impugnante em 06/ 01/ 2000, sendo que a nota de cobrança apenas foi emitida em 30/12/1999, pelo que em datas posteriores ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação.

Assim sendo, dos autos não resultou provado que a Administração Tributária tenha notificado a Impugnante da liquidação, nem da nota de cobrança de IVA do ano de 1994, meses de Janeiro a Dezembro, dento do prazo de caducidade e, por consequência, tem de se concluir que não produziu quaisquer efeitos, o mesmo é dizer que é como se o acto não tivesse existido.

Assim, tendo-se mostrado que a liquidação só foi efectuada em 23/12/1999 e que foi notificada em 06/ 01/ 2000 há que concluir que o prazo de 5 anos se mostra excedido, com a consequente verificação da invocada caducidade do direito à liquidação.(…)”

A Recorrente alega que a frustração da notificação com hora certa, não obsta a que se tenha como cumprida a notificação pessoal, pois que a "recusa" ou a não comparência do citando em assinar terá que ser dada como suprida nos termos do art.º 38.º n.º 5 e 6 do CPPT.

Como resulta do segmento da sentença transcrito, não foi aí, sequer, considerado relevante analisar a (ir)regularidade da notificação com hora certa uma vez que, em consonância com o entendimento acolhido relativamente ao prazo de caducidade (sua duração e forma de contagem), foi constatado pela sentença recorrida que, pela simples circunstância de a liquidação ter sido efectuada em 23/12/1999, ou seja, já depois do decurso do prazo de caducidade de 5 anos (ocorrido em 01/12/1999), nunca a notificação da liquidação poderia ter sido efectuada antes de completado o prazo de caducidade, já que a sua emissão foi posterior ao seu decurso.

Ora, contra este entendimento a Recorrente nada disse, o que significa que a sua alegação não tem a virtualidade de abalar o decidido, improcedendo este segmento do recurso.


*


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.


Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 4 de Junho de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)