Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:28/18.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:A LEI NÃO PREVÊ A POSSIBILIDADE DE ESTRUTURAÇÃO DE DESPACHO DE INDEFERIMENTO LIMINAR DE P.I. DE IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL.
O QUE LEGISLADOR PREVENIU FOI A NECESSIDADE DE FAZER PARTE DO PROCESSADO DE IMPUGNAÇÃO DE UMA CÓPIA DO PROCESSO ARBITRAL (CFR.ARTº.27, DO R.J.A.T.).
RECURSO DE DECISÃO PROFERIDA POR UM TRIBUNAL ARBITRAL (ARTºS.25, 27 E 28, DO RJAT).
FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL JUNTO DOS T.C.ADMINISTRATIVOS.
EXCESSO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “ULTRA PETITA”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL.
ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
FUNDAMENTO DE PRONÚNCIA INDEVIDA. ARTº.28, Nº.1, AL.C), DO RJAT.
ABRANGE A ALEGADA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL.
VINCULAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA À JURISDIÇÃO DO CAAD.
PORTARIA DE VINCULAÇÃO 112-A/2011, DE 22/03.
ARTº.2, DA PORTARIA DE VINCULAÇÃO 112-A/2011, DE 22/03.
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. DECISÕES-SURPRESA.
ARTºS.16, AL.A), E 28, Nº.1, AL.D), DO RJAT.
DECISÃO DE DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE SOMENTE SE APLICA À INSTÂNCIA DE IMPUGNAÇÃO JUNTO DO T.C.A.
TAXA DE JUSTIÇA.
ARTº.6, Nº.7, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA A CONSIDERAR NA CONTA FINAL DO PROCESSO.
PRESSUPOSTOS DA DISPENSA DO SEU PAGAMENTO.
DECISÃO APROVEITA A TODOS OS SUJEITOS PROCESSUAIS.
Sumário:1. O pedido de impugnação de decisão arbitral em matéria tributária segue a tramitação prevista no C.P.Civil, em especial os artºs.644 a 670, “ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do R.J.A.T. (cfr. dec.lei 10/2011, de 20/1), assim não prevendo a lei a possibilidade de estruturação de um verdadeiro despacho de indeferimento liminar do articulado inicial de impugnação, embora possibilite ao relator o conhecimento de quaisquer questões, oficiosas ou suscitadas pelas partes, que obstem ao conhecimento do objecto da impugnação (cfr.artº.655, do C.P. Civil).
2. O legislador não prevê, no artº.27, do R.J.A.T., a necessidade de produção de despacho de indeferimento liminar da petição de impugnação, quando a mesma não for, de imediato, acompanhada de cópia do processo arbitral em causa. Antes, o que legislador preveniu foi a necessidade de fazer parte do processado de impugnação de uma cópia do processo arbitral, a fim de o Tribunal Central Administrativo poder decidir a mesma com conhecimento de causa.
3. Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, do R.J.A.T., com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C.P.Civil.
São eles, taxativamente, os seguintes:
a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b-Oposição dos fundamentos com a decisão;
c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;
d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
4. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
5. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.
6. Em sede de regime da arbitragem tributária, deve, antes de mais e levando em consideração a jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, enquadrar-se no fundamento de pronúncia indevida consagrado no citado artº.28, nº.1, al.c), do R.J.A.T., a impugnação da decisão arbitral também com base na alegada incompetência material do Tribunal arbitral (cfr.ac.T.Constitucional 177/2016, II série do D.R. de 3/5/2016).
7. A A. Fiscal vinculou-se à jurisdição do CAAD, associando-se a este mecanismo alternativo de resolução de litígios, nos estritos termos e condições consagrados na Portaria de Vinculação 112-A/2011, de 22/03 (cfr.artº.4, nº.1, do R.J.A.T.). A questão da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD está intimamente relacionada com o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, enquanto corolário do princípio constitucional da legalidade a que está submetida a mesma A. Fiscal no seu agir (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa; artº.30, nº.2, da L.G.T.).
8. É no artº.2, da citada Portaria de Vinculação (cfr.112-A/2011, de 22/03) que se encontram as limitações impostas pela Administração Tributária ao âmbito de competência material da arbitragem recortado no artº.2, do R.J.A.T.
9. Estabelece-se no artº.3, nº.3, do C.P.C., que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento desta norma, operado pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, visou-se a proibição da prolação de decisões-surpresa e aplicando-se tal regra não apenas na 1ª. Instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos. Deve, pois, concluir-se que o princípio do contraditório, o qual se configura como um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as citadas decisões-surpresa.
10. O princípio do contraditório (princípio básico do nosso direito processual reconhecido genericamente no artº.3, do C.P.Civil), consagrado no artº.16, al.a), do R.J.A.T. (fundamento de impugnação arbitral previsto no artº.28, nº.1, al.d), do R.J.A.T.), deve ser assegurado através da faculdade conferida às partes de poderem pronunciar-se sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo. A concretização deste princípio está bem patente, por exemplo, no artº.17, nº.1, do R.J.A.T., no qual se concede à Administração Tributária o exercício do direito de resposta ao requerimento apresentado pelo sujeito passivo. Outro afloramento deste princípio encontra-se no artº.18, nº.1, al.b), do R.J.A.T., norma em que se impõe a audição das partes quanto a eventuais excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido. Por último, refira-se que a observância deste princípio pode ser dispensada em casos de manifesta desnecessidade e atenta a especial preocupação de celeridade que norteia o processo arbitral (cfr.artº.29, nº.2, do R.J.A.T.).
11. A decisão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça somente tem aplicação no âmbito da presente instância de impugnação da decisão arbitral junto deste T.C.A.Sul, que não na instância arbitral.
12. Nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso.
13. O artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento. O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”. É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
14. A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial. Por outro lado, refira-se que a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do Tribunal a dispensar o pagamento do aludido remanescente da taxa de justiça, importando concluir que o juiz pode exarar tal decisão a título oficioso, embora sempre na decisão final do processo.
15. A maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
16. As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados.
17. No que se refere à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil).
18. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedido, aproveita a todos os sujeitos processuais.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo do artº.28, do dec.lei 10/2011, de 20/1, dirigida a este Tribunal visando decisão que julgou totalmente procedente o pedido pelos impugnados, A……….. e M………, formulado no âmbito do procedimento arbitral nº.188/2017-T, o qual tinha por objecto mediato actos de liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativos ao ano fiscal de 2012 e no montante total de € 356.588,32.
X
O apelante termina as alegações da impugnação (cfr.fls.4 a 13 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-A decisão arbitral ora impugnada ao ter deliberado julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e ao declarar a invalidade originária do ato de alteração, proferido pelo Chefe de Divisão da Divisão de Inspeção Tributária V da Direção de Finanças do Porto, em data desconhecida (porque omitida no texto do próprio ato e no da sua notificação) decorrente de incompetência relativa; bem como, declarar a anulação dos efeitos lesivos produzidos medio tempore pelo ato de alteração no período que precedeu a prolação do despacho de ratificação, no período que precedeu a prolação do despacho de ratificação, nos termos do artigo 164.°, n.° 5, in fine, do CPA, tudo isto em consequência de ter julgado um acto de ratificação ilegal, cometeu, em primeiro lugar, pronúncia indevida, uma vez que excedeu a competência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral;
2-Na verdade, a competência dos Tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.° 1 do artigo 2.° do RJAT. Estabelece aquela norma que:
«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.»;
3-Por outro lado, a competência dos Tribunais arbitrais também depende dos termos da vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais arbitrais constituídos nos termos do RJAT, cfr. art. 4° do RJAT;
4-Nos termos das als. a) e b) da Portaria n° 112-A/2011, ficam excluídas do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais arbitrais as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131° a 133° do Código de Procedimento e de Processo tributária”, bem como, “pretensões relativas a atos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”;
5-Inexiste, pois, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos Tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT;
6-Ora, o Tribunal arbitral delimitou como questão a conhecer: “da invalidade, eficácia e efeitos do despacho de ratificação, ou seja, se operam ex tunc ou ex nunc", cfr. 2° § da pág. 49 da decisão arbitral;
7-E, a final, deliberado declarar que tal despacho é ilegal;
8-Nos termos das competências do Tribunal Arbitral taxativamente enumeradas no n.° 1 do artigo 2.° do RJAT, bem como da Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4° do RJAT, não está incluída a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos administrativos;
9-Na verdade, o que o Tribunal arbitral fez foi apreciar da validade da ratificação sanação que, como se sabe, é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia e determinar a sua invalidade, tendo, em consequência, determinado que a ratificação não produziu quaisquer efeitos medio tempore;
10-Mais, foi a declarada invalidade de tal ratificação que determinou a procedência do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelos então requerentes, em virtude da declaração de invalidade originária do acto de alteração, proferido pelo Chefe de Divisão de Inspecção Tributária V da Direcção de Finanças do Porto;
11-Não há, efectivamente, suporte legal que sustente a condenação da AT em outros pedidos que não a da declaração de invalidade: 
b) De actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos cuja administração seja cometida à AT, desde que tenham sido precedidos de recursos à via administrativa prévia necessária, prevista nos termos dos artigos 131° a 133° do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
(c) De actos de fixação da matéria tributável sem recurso a métodos indirectos, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;
(d) De actos de determinação da matéria tributável sem recurso a métodos indirectos;
(e) De actos de fixação de valores patrimoniais, para efeitos de imposto, cuja administração seja cometida à AT;
(f) De actos de liquidação de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente sobre exportação de mercadorias;
(g) De pretensões relativas a imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum (PAC) ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas;
(h) De atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), imposto especiais sobre o consumo (IEC's) e outros impostos indirectos sobre mercadorias que não sejam sujeitas a direitos de importação;
12-Assim, resulta claro que a declaração de invalidade de um acto administrativo - despacho de ratificação - sanação, com a consequente declaração de invalidade originária do acto por incompetência relativa e a determinação da anulação dos efeitos lesivos produzidos medio tempore pelo acto de alteração no período que precedeu a prolação do despacho de ratificação, se encontra excluída do âmbito da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD;
13-Donde, o Tribunal Arbitral ao se ter considerado como competente para apreciar a legalidade do despacho de ratificação e, por virtude de tal conhecimento, ter decidido pela sua invalidade e, consequentemente, pela invalidade originária do acto de alteração, decorrente do vício de incompetência relativa e ao ter anulado os efeitos lesivos produzidos medio tempore pelo acto de alteração no período que precedeu o despacho de ratificação, foi para além da sua competência material tendo incorrido em pronúncia indevida, o que acarreta a anulação da decisão arbitral ora impugnada;
Ainda que assim não se entenda, sem conceder
14-Em segundo lugar, o acórdão Arbitral ora impugnado, violou o princípio do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes estão estabelecidos no artigo 16° do RJAT;
15-Efectivamente, deliberou o Tribunal Arbitral declarar inválido o acto de sanação porquanto, pese embora tenha dado como provado que o despacho de ratificação tem a data de 2017/05/04, cfr. ponto 4.1.34 (Fundamentação-Factos provados) e tenha admitido a sua junção aos autos, cfr. ponto 4.1.36 (Fundamentação-Factos provados), entendeu que tal despacho de ratificação não terá sido praticado em tal data, mas sim, em data posterior ao prazo de 30 dias previsto no artigo 13° n°1 do RJAT, em data posterior ao encerramento da discussão e que foi praticado na pendência dos autos, cfr. último §, a pág. 49 e 1° §, a pág. 50 do Acórdão Arbitral ora impugnado;
16-Ou seja, quer isto dizer que o Tribunal Arbitral não dá o acto de ratificação como tendo sido praticado na data que consta do documento, mas sim, numa outra data que presume que seja a data da junção do documento aos autos, 07/11/17;
17-Ora, tendo em conta que o Tribunal Arbitral questiona a genuinidade/autenticidade do documento, fê-lo sem ter dado prazo à AT para produzir prova destinada a convencer o Tribunal de que a data que consta do documento é a data em que o mesmo foi praticado;
18-De facto, o Tribunal arbitral apenas notificou a AT para se pronunciar sobre um pedido de alteração do pedido e da causa de pedir de modo a que o Tribunal reconheça a ilegalidade do acto relativamente aos efeitos já produzidos e que a convalidação/ratificação só tenha efeitos para o futuro;
19-Nestes termos, houve uma violação flagrante do princípio do contraditório, porquanto, foi proferida uma decisão arbitral “surpresa” destruindo a força probatória plena de um documento, cuja junção aos autos foi aceite, sem que se tenha dado à AT a possibilidade do contraditório, isto em completo atropelo dos elementares princípios do contraditório e das normas processuais civis que impõem o exercício do contraditório pela parte que apresenta o documento, cfr. art. 444° a 448° do CPC;
20-Donde, ainda que não tenha ocorrido pronúncia indevida, a decisão arbitral é também anulável, em virtude da violação do princípio do contraditório;
Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça
21-Atendendo ao facto de o valor do recurso ser superior a € 275.000,00 requer-se que esse Venerando Tribunal se pronuncie e decida, a final, pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que estamos em sede de impugnação de decisão arbitral, que não há lugar à produção de prova testemunhal e que ao Tribunal se pede que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, cfr. art. 6° n° 7 do RCP;
22-Termos pelos quais e, como o douto suprimento de V. Ex.as, incorrendo a decisão arbitral ora impugnada nos vícios constantes das als. b), c) ou d) do n° 1 do art. 615° do CPC, deve a mesma ser anulada, com todas as legais consequências.
X
Os impugnados produziram contra-alegações (cfr.fls.49 a 55 do processo físico), onde expenderam o seguinte quadro Conclusivo:
1-Os exponentes tomaram conhecimento da pendência dos presentes autos de impugnação de decisão arbitral através de comunicação que a AT dirigiu aos autos do processo arbitral tributário que, sob o n.° 188/2017-T, correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) cfr. doc. n.° 1, adiante junto;
2-Apesar de ainda não terem sido notificados para os termos dos presentes autos, consultada a pauta pública de distribuições, disponível online, verificaram os exponentes que os presentes autos foram distribuídos, na 1.ª Espécie, em 7/3/2018;
3-Contactada telefonicamente, a secretaria desse venerando Tribunal Central deu conta de que o pedido de impugnação de decisão arbitral a que os presentes autos dizem respeito foi remetido através de correio eletrónico em 6/3/2018 e que, no respetivo requerimento, a AT protestou juntar cópia do processo arbitral referente à decisão arbitral impugnada; 
4-No entanto, e segundo a informação igualmente prestada telefonicamente pela secretaria desse venerando Tribunal Central, não se encontra ainda registada no sistema de gestão processual (SITAF) a protestada junção de cópia do processo arbitral;
Isto visto.
5-Dispõe-se no art. 21°, n.° 1, do RJAT:
A decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respetivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral [...];
6-Da norma acabada de citar resulta que a junção da cópia do processo arbitral é um elemento que deve, obrigatoriamente, acompanhar o pedido de impugnação deduzido ao abrigo desse preceito legal;
7-Isto é: o prazo de 15 dias fixado no art. 27.°, n.° 1, do RJAT funciona como o dies ad quem quer para a apresentação do pedido de impugnação de decisão arbitral quer para a apresentação da cópia do processo arbitral (assim como das alegações e respetivas conclusões, por força da remissão do art. 27.°, n.° 2, do RJAT);
8-Como salienta a doutrina, esta norma revela “a preocupação do legislador em consagrar como elemento fundamental à instrução do pedido de recurso ou de impugnação a cópia do processo arbitral" (CARLA CASTELO TRINDADE, RJAT Anotado. Almedina, 2016, p. 516);
9-No mesmo sentido: “O pedido de impugnação é apresentado no Tribunal Central Administrativo acompanhado de cópia do processo arbitral" (JORGE LOPES DE SOUSA, “Comentário ao RJAT” in Guia da Arbitragem Tributária. Almedina, 3.ª ed., p. 243); 
10-A apresentação de cópia do processo arbitral revela-se assim como um dos elementos essenciais em que o pedido de impugnação de uma decisão arbitral tributária se deve consubstanciar;
11-Assim, a inobservância do requisito de que o pedido de impugnação de uma decisão arbitral tributária seja acompanhado de cópia do processo arbitral determina que tal pedido de impugnação não se possa considerar validamente apresentado e, consequentemente, não possa ser admitido;
12-A verificar-se, tal inobservância deverá conduzir à mesma consequência que resultaria da falta de apresentação, com o pedido de impugnação, das alegações ou das respetivas conclusões - isto é, ao indeferimento liminar;
13-Numa situação paralela - referente à falta de apresentação de alegações com o pedido de recurso de uma decisão arbitral tributária - decidiu o Supremo Tribunal Administrativo que “[o] recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral [...] deve ser acompanhado de alegação [...] Na falta dessa alegação, o recurso não deve ser admitido” (Ac. STA14-5-2015, Proc.º 0359/14);
14-Da mesma forma que não seria admissível que no requerimento de interposição de recurso (ou no pedido de impugnação de decisão arbitral tributária) protestasse vir juntar as respetivas alegações em data posterior, também não se afigura como admissível (face ao teor assertivo do art. 27.°, n.° 1, do RJAT) que o possa fazer relativamente à cópia do processo arbitral;
15-E a idêntica conclusão se chega por aplicação das regras relativas à apresentação de documentos na fase de recurso: nos casos em que a lei admite a apresentação de documentos na fase de recurso - e, por força do art. 27.°, n.° 1, do RJAT, este é um desses casos - tais documentos têm de ser juntos com a apresentação das alegações;
16-Como refere LUIS BRITES LAMEIRAS (Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil. Almedina, 2.ª ed., p. 121), “Em primeiro lugar, os documentos têm de ser juntos às alegações. [§] É a única ocasião prevista para a junção; significando que o desacompanhamento do documento à peça processual, imediatamente deverá implicar a respetiva rejeição;
17-Ao que fica dito não se contraponha qualquer (desconhecida) demora por parte do CAAD em emitir cópia certificada do processo arbitral;
18-Em primeiro lugar, e antes do mais, porque um tal motivo ou fundamento não foi sequer invocado pela AT como justificação para a circunstância de o pedido de impugnação não ser acompanhado de cópia do processo arbitral;
19-Por outro lado, no art. 27.°, n.° 1, do RJAT não se exige que seja apresentada cópia certificada do processo arbitral: pelo contrário, o legislador basta-se com a exigência de apresentação de “cópia do processo arbitral.”;
20-Pelo que a junção de uma cópia simples do processo arbitral seria suficiente;
21-Ora, qualquer uma das partes nos processos arbitrais tramitados no CAAD tem acesso online ao sistema de gestão processual através do sítio www.caad.pt e, por essa via, pode, imediatamente e a partir do seu próprio terminal informático, proceder diretamente à impressão ou à gravação num suporte digital de uma cópia integral de todo o conteúdo do processo arbitral;
22-Finalmente, ainda que fosse exigível a apresentação de uma cópia certificada, caberia ao impugnante proceder com diligência e zelo na sua obtenção em tempo útil para poder ser apresentada juntamente com o pedido de impugnação;
23-Diligência e zelo que, manifestamente, a AT não revelou no caso presente;
24-Terminando o prazo para a apresentação do pedido de impugnação no dia 6/3/2018, a AT apenas veio requerer no CAAD cópia integral do processo arbitral através de correio eletrónico expedido no dia 5/3/2018, pelas 18h37 e, portanto, já bastante depois de encerrado o expediente desse dia - cfr. Doc. n.° 2, p. 2, adiante junto;
25-Daí que o requerimento apenas tenha tido entrada no secretariado CAAD no dia seguinte, isto é, no último dia do prazo de que a AT dispunha para deduzir o pedido de impugnação - cfr. cit. doc. n.° 2, p. 1;
26-Donde, uma eventual obtenção tardia da cópia do processo arbitral - a ser esse o caso, o que se desconhece - apenas é imputável ao comportamento relapso e pouco diligente da própria AT;
27-De resto, a AT nem sequer cuidou de juntar às suas alegações uma cópia da própria Decisão Arbitral impugnada;
28-Pelo que, não tendo a cópia do processo arbitral acompanhado o pedido de impugnação de decisão arbitral tributária apresentado em juízo, afigura-se que o pedido de impugnação de decisão arbitral tributária a que os presentes dizem respeito será inadmissível, por inobservância do disposto no art. 27.°, n.° 1, do RJAT;
Sem prescindir,
29-Ainda que seja de se admitir a possibilidade de o impugnante, aquando da apresentação do pedido de impugnação de decisão arbitral tributária, poder protestar juntar em momento posterior a cópia do processo arbitral exigida pelo art. 27.°, n.° 1, do RJAT, tai junção não pode ser postergada sine die e, muito menos, sem a invocação de qualquer justificação e sem que sejam prestadas quaisquer satisfações a esse respeito ao Tribunal;
30-Protestada a junção da cópia do processo arbitral, a definição do momento em que tal junção virá a ter lugar não pode ficar na disponibilidade da vontade do impugnante ou submetida ao critério arbitrário deste;
31-Dado que a lei impõe expressamente que a cópia do processo arbitral acompanhe o pedido de impugnação, mesmo a admitir-se que o impugnante possa protestar a sua junção em momento posterior, tal junção deve ter lugar com a maior brevidade e o impugnante deve empenhar toda a sua diligência no cumprimento desse seu dever sob pena de, a não ser assim, se fazer letra morta daquele requisito legal;
32-Donde: quando no pedido de impugnação de decisão arbitral o impugnante proteste juntar a cópia do processo arbitral, tal junção deve ter lugar dentro do prazo geral supletivo fixado no art. 29.°, n.° 1, do CPTA por via da remissão do art. 27.°, n.° 2, do RJAT;
33-Sob pena de, não sendo assim, se considerar então como definitivamente incumprido o requisito legal que o legislador impôs sobre o impugnante de fazer acompanhar o pedido de impugnação de cópia do processo arbitral;
Ora,
34-Nos presentes autos, a AT apresentou em juízo o pedido de impugnação através de correio eletrónico expedido em 6/3/2018 mediante requerimento ao qual juntou as suas alegações e respetivas conclusões;
35-Nessa mesma peça processual protestou juntar a cópia do processo arbitral exigida pelo art. 27.°, n.° 1, do RJAT;
36-Isto, não obstante não ter invocado qualquer fundamento ou avançado qualquer motivo para a não junção imediata dessa mesma cópia nem tão-pouco ter requerido a concessão de qualquer prazo para esse efeito;
37-Por força do art. 29.°, n.° 1, do CPTA ex vi do art. 27°, n.° 2, do RJAT, o termo do prazo para a AT proceder à junção da cópia do processo arbitral que protestou juntar ocorreu no dia 16/3/2018;
38-Podendo, eventualmente, proceder à junção em falta em qualquer dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa.
39-Ou seja: poderia ainda a AT proceder à junção do processo arbitral nos dias 19, 20 e 21 de março, desde que liquidando e pagando a correspondente multa;
40-Sucede que, de acordo com a informação que a secretaria transmitiu telefonicamente, à data da remessa da presente exposição a juízo não se encontra registada no sistema de gestão processual a junção, pela AT, da cópia do processo arbitral exigida pelo art, 27.°. n.° 1, do RJAT;
41-Circunstância que leva a concluir que não tenha ainda sido junta, pela AT a cópia do processo arbitral tributário que no pedido de impugnação aquela protestara juntar;
42-Pelo que, não tendo a cópia do processo arbitral acompanhado o pedido de impugnação de decisão arbitral tributária nem tendo sido tempestivamente junta, afigura-se que o pedido de impugnação de decisão arbitral tributária a que os presentes dizem respeito será inadmissível, por inobservância do disposto no art. 27.°, n.° 1, do RJAT;
43-Termos em que, vindo a confirmar-se que não cumprimento tempestivamente da obrigação de apresentação de cópia do processo arbitral prevista no art. 27.°, n.° 1, do RJAT, se conclui pela inadmissibilidade do pedido de impugnação de decisão arbitral tributária a que os presentes autos dizem respeito e, consequentemente, se peticiona a V. Exc.a que profira despacho liminar de indeferimento;
44-Tudo sem prejuízo da improcedência quanto à questão de fundo da pretensão impugnatória deduzida nos presentes autos e à qual, na eventualidade de sobre a mesma vir a recair despacho de admissão, os exponentes não deixarão de responder no prazo que para esse efeito lhes vier a ser assignado.
X
Notificada a entidade impugnante para se pronunciar sobre a suscitada preterição de formalidade legal em sede de dedução de impugnação (cfr.despacho exarado a fls.62 do processo físico), veio apresentar resposta a tal questão, a qual se encontra junta a fls.66 a 72 do processo físico, terminando a defender que o requerimento apresentado pelos impugnados não é admissível e deve ser desentranhado, ou, caso assim não se entenda, que seja julgada improcedente a suscitada preterição de formalidade legal.
X
Notificados do teor desta resposta, os impugnados juntaram novo requerimento ao processo no qual terminam como nas contra-alegações supra identificadas (cfr.fls.88 a 90 do processo físico).
X
Foi cumprido o artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (“ex vi” do artº.27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1), não tendo o Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitido pronúncia sobre a presente impugnação (cfr.fls.92 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão arbitral impugnada julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.38-verso a 43 do processo físico):
4.1.1 A “G….. I…… SGPS, SA", (... SGPS) é uma SGPS, constituída em 01-07-1998, com o capital social inicial de 6 000 000,00 €, representado por 1 200 000 ações com o valor nominal de 5,00 €, sendo o seu objeto a gestão de participações sociais (cfr. pp. 48/54 do PA e 8 do RIT, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
4.1.2 À data da constituição da sociedade eram detentores do capital (cfr. p. 8 do RIT):
“Texto integral com imagem”


X
A decisão arbitral impugnada considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto é a seguinte: “…Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596.º, nº 1 e 607.º n.ºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, n.º 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido, bem como nas posições assumidas pelas partes…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Arbitral julgou procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, deliberou, além do mais:
1-Declarar a invalidade originária do acto de alteração de rendimentos, efectuado nos termos do artº.65, nº.4, do C.I.R.S., assinado pelo Chefe de Divisão Dr. A………. e identificado no nº.4.1.27 do probatório supra, devido a vício de incompetência relativa;
2-Declarar a anulação dos efeitos lesivos produzidos “medio tempore” pelo acto de alteração;
3-Julgar procedente o pedido de anulação das liquidações identificadas nos nºs.4.1.29 e 4.1.31 do probatório supra;
4-Condenar a Autoridade Tributária a devolver aos requerentes os montantes pagos relativos a imposto e juros compensatórios;
5-Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1).
X
Deve este Tribunal começar por examinar e decidir a questão prévia da inadmissibilidade legal do presente pedido de impugnação de decisão arbitral, pedido este que devia, alegam os impugnados, ser liminarmente indeferido, devido ao não cumprimento, tempestivo, da obrigação de apresentação de cópia do processo arbitral prevista no artº.27, nº.1, do R.J.A.T. (cfr.artº.1 a 43 das contra-alegações produzidas pelos impugnados).
Antes de mais, se dirá que o requerimento junto pelos impugnados não deve ser desentranhado do processo, dado que prevê a lei a possibilidade dos mesmos produzirem contra-alegações (cfr.artº.145, nº.1, do C.P.T.A., “ex vi” do artº.27, nºs.1 e 2, do dec.lei 10/2011, de 20/1 - R.J.A.T.).
Por outro lado, é igualmente de vincar que o pedido de impugnação de decisão arbitral em matéria tributária segue a tramitação prevista no C.P.Civil, em especial os artºs.644 a 670, “ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do R.J.A.T. (cfr.Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, pág.523 e seg.), assim não prevendo a lei a possibilidade de estruturação de um verdadeiro despacho de indeferimento liminar do articulado inicial de impugnação, embora possibilite ao relator o conhecimento de quaisquer questões, oficiosas ou suscitadas pelas partes, que obstem ao conhecimento do objecto da impugnação (cfr.artº.655, do C.P. Civil).
Abordemos, então a questão prévia da inadmissibilidade legal do presente pedido de impugnação de decisão arbitral, devido ao não cumprimento, tempestivo, da obrigação de apresentação de cópia do processo arbitral prevista no artº.27, nº.1, do R.J.A.T.
Estabelece-se neste artigo que o pedido de impugnação deve ser dirigido ao Tribunal Central Administrativo, acompanhado de cópia do processo arbitral onde foi produzida a decisão impugnada. Esta obrigatoriedade de envio da cópia do processo arbitral existe também quando as partes recorram da decisão arbitral, ao invés de a impugnarem (cfr.artº.25, nº.4, do R.J.A.T.). Bem se compreende esta preocupação do legislador em consagrar, como elemento fundamental à instrução do pedido de recurso ou de impugnação, a cópia do processo arbitral, na medida em que o Tribunal que irá analisar um ou outro deve estar munido de todos os elementos do mesmo processo a fim de poder decidir com conhecimento de causa (cfr.Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, pág.523).
O que o legislador não prevê, no citado artº.27, do R.J.A.T., é a necessidade de produção de despacho de indeferimento liminar da petição de impugnação, quando a mesma não for, de imediato, acompanhada de cópia do processo arbitral em causa. De resto, como já se concluiu supra, não prevê a lei a possibilidade de estruturação de um verdadeiro despacho de indeferimento liminar do articulado inicial de impugnação.
Antes, o que legislador preveniu, foi a necessidade de fazer parte do processado de impugnação de uma cópia do processo arbitral, a fim de o Tribunal Central Administrativo poder decidir a mesma com conhecimento de causa.
Revertendo ao caso dos autos, do exame do articulado inicial de impugnação (cfr.fls.3 a 13 do processo físico), apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira junto deste T.C.A. Sul no pretérito dia 7/03/2018, se ressalta o facto de a entidade impugnante protestar juntar certidão do processo arbitral nº.188/2017-T, o que ocorreu em 29/03/2018, data em que juntou certidão do processo arbitral e suporte em CD-Rom (cfr. requerimento junto a fls.18 do processo físico).
Ora, tal junção de certidão do processo arbitral e suporte em CD-Rom ocorreu durante a tramitação do presente processo de impugnação (v.g. a notificação do Digno P. G. A. nos termos e para os efeitos do artº.146, nº.1, do C.P.T.A., “ex vi” do artº.27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1, aconteceu somente no pretérito dia 21/06/2018 - cfr.fls.92 do processo físico), assim em nada obstaculizando à cabal decisão do mesmo.
Sem necessidade de mais amplas considerações, indefere-se a questão prévia suscitada pelos impugnados.
X
A entidade impugnante dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em sinopse, que nos termos das competências do Tribunal Arbitral, taxativamente enumeradas no artº.2, nº.1, do R.J.A.T., bem como da Portaria 112-A/2011, de 22/03, “ex vi” do artº.4, do R.J.A.T., não está incluída em tal competência a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos administrativos. Que o Tribunal Arbitral ao se ter considerado como competente para apreciar a legalidade do despacho de ratificação e ter decidido pela sua invalidade e, consequentemente, pela invalidade originária do acto de alteração, decorrente do vício de incompetência relativa e ao ter anulado os efeitos lesivos produzidos “medio tempore” pelo acto de alteração no período que precedeu o despacho de ratificação, foi para além da sua competência material tendo incorrido em pronúncia indevida, o que acarreta a anulação da decisão arbitral ora impugnada (cfr.conclusões 1 a 13 da impugnação). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à decisão arbitral recorrida o vício de pronúncia indevida previsto no artº.28, nº.1, al.c), do R.J.A.T.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, o qual foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/1, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.
São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, pág.536).
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/9/2010, rec.1149/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5265/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.6817/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.).
Regressando ao regime da arbitragem tributária, deve, antes de mais e levando em consideração a jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, enquadrar-se no fundamento de pronúncia indevida consagrado no citado artº.28, nº.1, al.c), do R.J.A.T., a impugnação da decisão arbitral também com base na alegada incompetência material do Tribunal arbitral (cfr.ac.T.Constitucional 177/2016, II série do D.R. de 3/5/2016; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/10/2016, proc.9711/16; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pág.545 a 548).
Em sede de competência, os tribunais arbitrais funcionam no CAAD tendo sido condicionada a vinculação da Administração Tributária à jurisdição destes tribunais a emissão de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça (cfr.portaria 112-A/2011, de 22/03). Por outras palavras, a A. Fiscal vinculou-se à jurisdição do CAAD, associando-se a este mecanismo alternativo de resolução de litígios, nos estritos termos e condições consagrados na citada portaria 112-A/2011, de 22/03 (cfr.artº.4, nº.1, do R.J.A.T.). A questão da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD está intimamente relacionada com o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, enquanto corolário do princípio constitucional da legalidade a que está submetida a mesma A. Fiscal no seu agir (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa; artº.30, nº.2, da L.G.T.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pág.172; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.98 e seg.).
É no artº.2, da citada Portaria de Vinculação (cfr.112-A/2011, de 22/03) que se encontram as limitações impostas pela Administração Tributária ao âmbito de competência material da arbitragem recortado no artº.2, do R.J.A.T.
No caso “sub judice”, os impugnados elegem como objecto de pronúncia arbitral, no articulado inicial deste processo, as liquidações identificadas nos nºs.4.1.29 e 4.1.31 do probatório supra, mais identificando como uma das causas de pedir o vício de incompetência relativa, de que padece o acto de alteração dos rendimentos identificado no nº.4.1.27 da matéria de facto acima exarada, o qual afecta a legalidade das mesmas liquidações, enquanto actos consequentes (cfr.artºs.487 a 592 do articulado inicial do processo arbitral, cuja cópia se encontra no vol.I, do CD do processo arbitral junto na contra-capa do presente processo).
Ora, tal pedido de constituição de Tribunal arbitral enquadra-se, em sede de competência material destes Tribunais, no artº.2, nº.1, al.a, do R.J.A.T., mais se encaixando na previsão do corpo do artº.2, da citada portaria 112-A/2011, de 22/03, por interpretação “a contrario”, dado não se enquadrar nas excepções previstas nas alíneas a) e b) do mesmo normativo (cfr.Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pág.108 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.116 e seg.). Em conclusão, estamos, manifestamente, perante pedido de constituição de Tribunal arbitral visando a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.
Tal situação não se modifica, em virtude da conduta da A. Fiscal no âmbito do processo arbitral, ao ter junto ao processo a declaração de ratificação do órgão competente para a dita alteração de rendimentos (Director de Finanças do Porto), não rubricada nem paginada, identificada no nº.4.1.34 do probatório supra, situação que originou um pedido de alteração objectiva da instância por parte dos impugnados e respectiva admissão pelo Tribunal arbitral, tudo conforme consta dos nºs.4.1.36 e 4.1.37 da matéria de facto acima exarada.
Nestes termos, sem necessidade de mais amplas considerações, não se verifica qualquer pronúncia indevida de que padeça a decisão arbitral impugnada, mais sendo o Tribunal arbitral competente para conhecer do pedido objecto do presente processo.
Aduz, ainda e em síntese, a entidade impugnante que a decisão arbitral é anulável em virtude da violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes estão estabelecidos no artº.16, do R.J.A.T. Que o Tribunal Arbitral questionou a genuinidade/autenticidade do documento de ratificação junto ao processo pela impugnante. Que não concedeu prazo à mesma para produzir prova destinada a convencer o Tribunal da genuinidade/autenticidade de tal documento. Que houve uma violação flagrante do princípio do contraditório, porquanto, foi proferida uma decisão arbitral “surpresa” destruindo a força probatória plena de um documento, cuja junção aos autos foi aceite, sem que se tenha dado à impugnante a possibilidade do contraditório (conclusões 14 a 20 da impugnação). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à decisão arbitral recorrida o vício previsto no artº.28, nº.1, al.d), do R.J.A.T.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Estabelece-se no artº.3, nº.3, do C.P.C., que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento desta norma, operado pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12, visou-se a proibição da prolação de decisões-surpresa e aplicando-se tal regra não apenas na 1ª. Instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos. Deve, pois, concluir-se que o princípio do contraditório, o qual se configura como um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões-surpresa (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/5/2011, proc.3514/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6900/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2015, proc.8167/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/3/2016, proc.8981/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.368).
Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do R.J.A.T., e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
O princípio do contraditório (princípio básico do nosso direito processual reconhecido genericamente no artº.3, do C.P.Civil), consagrado no artº.16, al.a), do R.J.A.T., deve ser assegurado através da faculdade conferida às partes de poderem pronunciar-se sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo. A concretização deste princípio está bem patente, por exemplo, no artº.17, nº.1, do R.J.A.T., no qual se concede à Administração Tributária o exercício do direito de resposta ao requerimento apresentado pelo sujeito passivo. Outro afloramento deste princípio encontra-se no artº.18, nº.1, al.b), do R.J.A.T., norma em que se impõe a audição das partes quanto a eventuais excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido. Já o princípio da igualdade das partes se encontra consagrado no artº.16, al.b), do R.J.A.T., concretizando-se no reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, nomeadamente, para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/3/2016, proc.8981/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/04/2019, proc.98/18.5BCLSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.184 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pág.362 e seg.).
Ainda, refira-se que a observância destes princípios pode ser dispensada em casos de manifesta desnecessidade e atenta a especial preocupação de celeridade que norteia o processo arbitral, tudo levando em consideração os princípios da oralidade e imediação e a própria autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo (cfr.artº.29, nº.2, do R.J.A.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/04/2019, proc. 98/18.5BCLSB; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pág.558).
Voltando ao caso concreto e examinando a decisão arbitral impugnada cuja cópia se encontra junta a fls.20 a 46 do processo físico, não vislumbra este Tribunal que a mesma decisão arbitral tenha violado os ditos princípios do contraditório e da igualdade das partes ou possa consubstanciar uma decisão-surpresa. Especificamente, no que diz respeito ao exame do documento de ratificação junto ao processo arbitral pela Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr.nº.4.1.34 do probatório supra), situação que, desde logo, já consubstancia o cumprimento dos ditos princípios, igualmente haverá que vincar o facto de a impugnante ter sido notificada pelo Tribunal arbitral com vista a pronunciar-se sobre a supra citada alteração objectiva da instância em virtude da junção do mencionado documento de ratificação, ocasião em que poderia apresentar a sua versão sobre o mesmo documento, tal como sobre as consequências processuais da sua junção, nada tendo feito (cfr.nº.4.1.38 do probatório supra).
Concluindo, improcede a presente impugnação quanto à alegada violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes pela decisão arbitral exarada no presente processo.
Resta examinar e decidir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (conclusão 21 da impugnação).
Deve referir-se, antes de mais, que a decisão arbitral impugnada fixou o valor do presente processo em € 356.588,32, ao abrigo dos artºs.3, nº.2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e 97-A, nº.1, al.a), do C.P.P.T. (cfr.cópia da decisão arbitral junta a fls.20 a 46 do processo físico).
Examinando o Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (cfr.artº.6, do mesmo Regulamento), conclui-se que o regime de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto no artº.6, nº.7, do R.C.P., não se aplica subsidiariamente aos Processos de Arbitragem Tributária.
Com estes pressupostos, a decisão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça somente tem aplicação no âmbito da presente instância de impugnação da decisão arbitral junto deste T.C.A.Sul, que não na instância arbitral (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/03/2018, proc. 31/17.1BCLSB).
Avançando.
As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6582/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).
Examinemos, agora, o pedido de aplicação do regime previsto no artº.6, nº.7, do R.C.P., em virtude do que se deve dispensar o requerente do pagamento do remanescente da taxa de justiça que vai para além do valor de € 275.000,00, visto estarem reunidas as condições para tal.
Nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6582/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).
O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:
Artigo 6.º
Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.
4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.
5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.
Mais se deve referir que a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do Tribunal a dispensar o pagamento do aludido remanescente da taxa de justiça, importando concluir que o juiz pode exarar tal decisão a título oficioso, embora sempre na decisão final do processo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6582/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.236).
Por outro lado, a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:
Artigo 530º.
Taxa de justiça
(…)
7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.85).
Por outro lado, quanto à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedido, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/04/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9420/16).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo nesta instância de impugnação de decisão arbitral, a conduta processual das partes e a pouca complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo dar-se provimento ao pedido da entidade impugnante.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente a presente impugnação e, em consequência, confirma-se a decisão arbitral recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO E CONFIRMAR A DECISÃO ARBITRAL exarada no âmbito do procedimento arbitral nº.188/2017-T, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira em custas, mais se ordenando que, somente na presente instância de impugnação de decisão arbitral, se proceda à estruturação da conta de custas, tendo em conta o máximo de € 275.000,00 fixado na Tabela I, anexa ao R.C.P., e desconsiderando-se o remanescente nos termos do artº.6, nº.7, do mesmo diploma.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 25 de Junho de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)



(Mário Rebelo - 1º. Adjunto)



(Patrícia Manuel Pires - 2º. Adjunto)