Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:339/13.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:- IMPOSTO DE RENDIMENTO
- LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
- LIQUIDAÇÃO PROVISÓRIA
- RECURSO HIERÁRQUICO
Sumário:1. Na falta de apresentação tempestiva da declaração periódica de rendimentos, a AT pode proceder a liquidação oficiosa, nos termos do artigo 90.º, n.º 1 alíneas b) e c) do CIRC.

2. Essa liquidação tem natureza provisória, só se tornando definitiva se o contribuinte não vier a apresentar supervenientemente e no prazo de caducidade, a declaração (art.º 101.º do CIRC).

3. Se o fizer, a AT está funcionalmente obrigada a corrigir a liquidação oficiosa de acordo com a declaração e na medida em que a documentação contabilística de suporte e de relato financeiro permitam confirmar os elementos declarados.

4. Se a decisão de recurso hierárquico interposto para a anulação da liquidação oficiosa e a sua substituição por outra concordante com a declaração superveniente apresentada, se limita a manter a liquidação oficiosa com fundamento em que os elementos que acompanham a declaração contêm omissões, erros ou inexactidões, enferma de vício invalidante por erro nos pressupostos.

5. Com efeito, impunha-se outra decisão, que averiguasse ou mandasse averiguar, se necessário em procedimento de inspecção, em que medida a declaração podia ser validada embora corrigida das omissões, erros e inexactidões constatados e não supridos pelo sujeito passivo.

6. Se em procedimento de 2.º grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) a AT procede à análise da declaração superveniente apresentada, opera-se a revogação tácita da liquidação oficiosa, passando os pressupostos da liquidação reportada ao exercício em causa a assentar na matéria colectável declarada, ainda que depois não venha a ser, em procedimento de averiguação ou inspecção, totalmente confirmada por não adequadamente suportada nos elementos da contabilidade ou escrita do sujeito passivo.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “A…, LDA.” na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2010 8… e de juros compensatórios n.º 2010 …, ambas referenciadas ao exercício de 2009.

O Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«
I.
O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial referente a IRC de 2009
II.
A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.
III.
Foi emitido parecer do DMMP no sentido de que a impugnação devia ser julgada improcedente.
IV.
A impugnação tem por objeto a liquidação oficiosa de IRC, referente a 2009, sendo de salientar que não se encontra posta em causa a legitimidade da AT para a emissão da liquidação oficiosa em face da reconhecida omissão declarativa por parte do sujeito passivo.
V.
Nem tão-pouco foi questionado o valor pelo qual foi emitida a liquidação oficiosa, sendo reconhecido que foram cumpridos todos os pressupostos para a emissão da liquidação oficiosa bem como os critérios de quantificação do valor da liquidação oficiosa.
VI.
O que está em causa é assim a possibilidade de o valor da liquidação oficiosa ser corrigido, tendo a douta sentença concluído que constituiria obrigação da AT realizar uma ação de inspeção tendo em vista o apuramento da matéria tributável do sujeito passivo.
VII.
A Fazenda Pública não se conforma com a douta sentença, porquanto, com o devido respeito, não se vislumbra que no caso concreto exista uma obrigação de realizar uma ação inspetiva, pois, tendo o sujeito passivo lançado mão da reclamação graciosa, teve aí oportunidade de apresentar os elementos da contabilidade que teriam servido de base ao apuramento do lucro tributável por si apurado.
VIII.
Cabendo indiscutivelmente ao sujeito passivo o ónus da prova dos valores que pretende ver reconhecidos, sendo que, no recurso hierárquico, veio o sujeito passivo apresentar alguns elementos da contabilidade, verificando-se que estes foram devidamente analisados, tendo a AT concluído que se verificavam incongruências, evidenciadas na informação que sustenta o indeferimento do recurso demonstrando que os documentos não se apresentavam devidamente organizados de modo a justificar os valores declarados.
IX.
Com efeito, se o sujeito passivo apresentou documentos e estes foram analisados, que efeito útil diferente teria um eventual procedimento de inspeção? Recorde-se que é ao sujeito passivo que cabe apresentar a contabilidade, não se vislumbrando como poderia a AT obter elementos, que, a existirem, o sujeito passivo teria apresentado no recurso hierárquico ou na impugnação.
X.
A reclamação graciosa e o subsequente recurso hierárquico e a impugnação judicial constituem assim o meio adequado de prova pelo sujeito passivo, dos factos invocados.
XI.
Neste sentido, veja-se igualmente a norma prevista no nº 5 do artigo 59º do CPPT, que determina a convolação de declaração de substituição em reclamação graciosa.
XII.
Acresce ainda referir que relativamente à declaração modelo 22 de IRC não opera a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo, não bastando ao sujeito passivo apresentar uma declaração para que automaticamente seja afastada a liquidação oficiosa.
XIII.
Importa ainda salientar que da análise dos documentos apresentados em sede de recurso hierárquico se evidenciou existirem irregularidades na organização da contabilidade, não podendo a AT procurar encontrar um “justo valor” como refere a impugnante na sua p.i., pois o apuramento de valor depende da existência de contabilidade que permita o apuramento e controlo do lucro tributável (cf. artigo 123º do CIRC).
XIV.
Assim, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de facto e de interpretação de lei e viola o disposto no artigo 90º do CIRC, bem como dos artigos 74º e 75º da LGT e do artigo 59º, nº 5 do CPPT.
XV.
Sem conceder, acresce ainda referir que a impugnante concluiu pedindo que seja declarada “nula a liquidação oficiosa de IRC de 2009, devendo, em consequência, a AT proceder ouordenar à ora impugnante que proceda à correção da declaração de rendimentos, tendo em conta os documentos considerados “inaceitáveis” por aquela.”.
XVI.
Decorre igualmente de toda a argumentação da impugnante que pretende ver corrigida a matéria tributável em conformidade com os valores por si apurados.
XVII.
Não obstante, verificamos que a douta sentença recorrida determina a anulação da liquidação oficiosa, sem mais. Daí resulta que, não obstante não seja controvertido que a sociedade teve atividade e obteve proveitos sujeitos a IRC, estes ficam sem qualquer tributação, pelo que a douta sentença recorrida vai para além do pedido da impugnante.
XVIII.
Assim, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, indo além do pedido da impugnante, de ver reconhecidos os valores que fez constar na declaração de IRC que apresentou posteriormente à liquidação oficiosa, a douta sentença viola o princípio do pedido e o disposto no nº 12 do artigo 90º do CIRC, bem como o artigo 125º do CPPT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central a dirimir consiste em indagar se a declaração periódica de rendimentos apresentada fora do prazo legal e já depois de efectuada liquidação oficiosa, goza da presunção de veracidade declarativa e deve prevalecer sobre a liquidação oficiosa ainda que se constate, em procedimento de reclamação graciosa ou recurso hierárquico, que a mesma não se acha conforme com os documentos contabilísticos e de relato financeiro que acompanham a declaração do sujeito passivo (ora recorrida).

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

a) Em 07-06-2006, a Impugnante, «A…, Lda.», iniciou a sua atividade, classificada como «Comércio a retalho de jornais, revistas e artigos de papelaria em estabelecimentos especializados», a que corresponde ao CAE 47620 (provado por documento, a fls. 8 do processo administrativo tributário apenso aos autos);
b) Desde o dia 01-01-2009, a Impugnante encontra-se enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de tributação (provado por documento, a fls. 8 do processo administrativo tributário apenso aos autos);

c) Em 15-05-2009, a Impugnante apresentou a declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao primeiro trimestre de 2009, na qual declarou a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto, à taxa reduzida, no valor de €27.104,11, à taxa intermédia, no valor de €0,89, e à taxa normal, no valor de €2.332,29, além de aquisições intracomunitárias de bens e operações assimiladas, no valor de €13.293,80, e declarou um imposto a seu favor no valor total de €4.055,74 (provado por documento, a fls. 11 e 12 da reclamação graciosa apensa aos autos);

d) Em 22-06-2009, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2009 2…, referente ao período de 2008, da qual consta uma matéria coletável de €28.780,95 (provado por documento, a fls. 20 do processo administrativo tributário apenso aos autos);

e) Em 14-08-2009, a Impugnante apresentou a declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao segundo trimestre de 2009, na qual declarou a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto, à taxa reduzida, no valor de €10.873,27, e à taxa normal, no valor de €3.441,17, e declarou um imposto a seu favor no valor total de €2.648,55 (provado por documento, a fls. 13 e 14 da reclamação graciosa apensa aos autos);

f) Em 16-11-2009, a Impugnante apresentou a declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao terceiro trimestre de 2009, na qual declarou a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto, à taxa reduzida, no valor de €6.329,56, e à taxa normal, no valor de €926,24, e declarou um imposto a seu favor no valor total de €2.224,04 (provado por documento, a fls. 15 e 16 da reclamação graciosa apensa aos autos);
g) Em 12-02-2010, a Impugnante apresentou a declaração periódica de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente ao último trimestre de 2009, na qual declarou não ter realizado qualquer operação sujeita a imposto e declarou um excesso de crédito de imposto a reportar no valor de €1.628,76 (provado por documento, a fls. 9 e 10 da reclamação graciosa apensa aos autos);

h) Até ao dia 31-05-2010, a Impugnante não apresentou, para efeitos de IRC, a declaração periódica de rendimentos referente ao período de 2009 (provado por documento, a fls. 15 do processo administrativo tributário apenso aos autos, e por consulta aos elementos constantes dos presentes autos e dos seus apensos);

i) No dia 30-11-2010, os serviços da AT emitiram a liquidação de IRC n.º 2010 …, referente ao período de 2009, da qual consta correções à matéria coletável para €28.780,95, à coleta para €1.562,50 e €4.070,23, referentes ao primeiro e segundo escalão de imposto, respetivamente, às deduções com pagamento especial por conta para €500,00, à derrama municipal para €431,71 e ao IRC a pagar para €5.564,44 (provado por documento, a fls. 9 e 10 do processo administrativo tributário apenso aos autos);

j) Foi ainda emitida a liquidação de juros compensatórios n.º 2010 1…, no valor de €111,59 (provado por documento, de fls. 9 a 11 do processo administrativo tributário apenso aos autos);

k) No dia 11-05-2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual correu termos sob o n.º 3…, onde pediu a declaração de nulidade da liquidação n.º 2010 8…, referente ao período de 2009, nos seguintes termos:

«lº -A sociedade não exerce actividade desde cerca do mês de Setembro de 2009.
2º -Nomeadamente em tal data, havia já encerrado os estabelecimentos abertos ao público, sendo que também na sua sede não se encontrava ninguém que pudesse receber a correspondência que lhe fosse dirigida.
3º -Não se apercebeu a ora signatária de que a sociedade havia sido notificada para proceder à entrega da declaração de I.R.C., relativa ao ano de 2009, pois nem a mesma recebeu qualquer correspondência a si dirigida, se não a que ora se junta.
[…]
7º -Assim, no entender da ora reclamante, existe fundamento para reclamar da presente notificação, quer porque se verificou uma errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários, quer porque a ora reclamante e a sua representante legal S…, nunca anteriormente foram notificadas do que quer que fosse por parte da administração fiscal, tendo em conta que já ninguém ligado à sociedade se encontrava na morada da sua sede, quer porque nunca anteriormente qualquer correspondência foi recebida.
8º Tudo visto, desde já se compromete a ora reclamante a apresentar declaração de I.R.C. relativa ao ano de 2009 no prazo máximo de 30 dias.»
(provado por documento, de fls. 1 a 5 da reclamação graciosa apensa aos autos);

l) À petição de reclamação graciosa, a Impugnante juntou os comprovativos de apresentação das declarações periódicas de Imposto sobre o Valor Acrescentado, para o período de 2009, melhor identificadas nas alíneas c), e), f) e g) do probatório (provado por documento, de fls. 1 a 16 da reclamação graciosa apensa aos autos);

m) No dia 27-06-2011, a Impugnante apresentou declaração periódica de rendimentos (modelo 22), referente ao IRC de 2009, onde indicou, no apuramento do lucro tributável (quadro 07), um resultado líquido do período de €9.227,80 e, nada tendo a acrescer ou a deduzir àquele montante, apurou um lucro tributável e matéria coletável no mesmo valor de €9.227,80, calculando uma coleta de €1.153,48, a qual, após dedução do pagamento especial por conta de €500,00, resultou num IRC a pagar de €653,48 e numa derrama municipal de €92,28, no total de €745,76 (provado por documento, de fls. 16 a 18 do processo administrativo tributário apenso aos autos);

n) Na declaração identificada na alínea anterior, a Impugnante informou ainda que, em 2009, obteve um total de rendimentos e de volume de negócios de €64.336,74 (provado por documento, de fls. 16 a 18 do processo administrativo tributário apenso aos autos);

o) A Autoridade Tributária e Aduaneira qualificou a declaração apresentada pela Impugnante, melhor identificada nas alíneas m) e n) do probatório, como «documento não liquidável» (provado por documento, a fls. 15 do processo administrativo tributário apenso aos autos);

p) No dia 08-07-2011, a Impugnante juntou ao procedimento de reclamação graciosa a declaração periódica de rendimentos, melhor identificada nas alíneas m) e n) do probatório (provado por documento, de fls. 22 a 28 da reclamação graciosa apensa aos autos);

q) Através do ofício n.º 9…, de 18-10-2011, da Direção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o despacho proferido, em 14-10-2011, pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de competências, no sentido de notificar a Impugnante do projeto de indeferimento de reclamação graciosa n.º 3… (provado por documento, de fls. 43 a 48 da reclamação graciosa apensa aos autos);

r) Em 31-10-2011, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia, expondo que cessou a sua atividade em setembro de 2009 e que a declaração periódica de rendimentos por si apresentada corresponde à realidade e está de acordo com os documentos comprovativos do alegado, protestando juntar declarações de cessação e balanço, balancete ou outros documentos contabilísticos (provado por documento, de fls. 49 a fls. 52 da reclamação graciosa apensa aos autos);

s) Através do ofício n.º 9…, de 11-11-2011, da Direção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada para apresentar, naqueles serviços, «os elementos que comprovem o alegado, nomeadamente Balanço/Balancete/Extractos Contabilísticos de todas as contas e documentos de suporte dos registos efectuados e, portanto, dos valores considerados na declaração de rendimentos» (provado por documento, a fls. 53 e 54 da reclamação graciosa apensa aos autos);

t) Em 24-11-2011, a Impugnante requereu a prorrogação do prazo de apresentação dos documentos solicitados pela AT (provado por documento, de fls. 55 a 57 da reclamação graciosa apensa aos autos);

u) Através do ofício n.º 1…, de 02-12-2011, da Direção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada de que, por despacho de 30-11-2011 do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de competências, foi indeferida a reclamação graciosa n.º 3…, com os seguintes fundamentos:
«II -ANÁLISE DO PEDIDO
[…]
Ao consultar os elementos disponíveis informa-se que:
Por falta de entrega da declaração periódica de rendimento, a administração Tributária procedeu oficiosamente à liquidação, relativa ao exercício de 2009, ao abrigo do art° 90° n° 1 alínea b) do CIRC.
A reclamante entregou em 27/06/2011 (…) a declaração de rendimentos relativamente àquele período.
Ao consultar o nosso sistema informático da Gestão dos Fluxos Financeiros constata-se que em 30/11/2010 foi emitida a nota de cobrança com referência à liquidação oficiosa, relativa a IRC 2009, com apuramento de imposto a pagar no valor de €5.676,03 (…).
Pela análise do quadro ―Visão do Contribuinte constata-se que o contribuinte não cessou a sua actividade nem para efeitos de IVA nem para efeitos de IRC (…).
Constata-se ainda que o reclamante não apresentou qualquer documento que comprove o alegado, nomeadamente Balanço/Balancete/Extractos Contabilísticos de todas as contas e documentos de suporte dos registos efectuados e, portanto, dos valores considerados na declaração de rendimentos.
Em face do exposto julga-se ser de indeferir o pedido por falta de prova (n° 1 do art° 74° da LGT), mantendo-se a liquidação em apreço.»

III-INFORMAÇÃO SUCINTA
Realizada a instrução do processo, foi elaborado o projecto de decisão o qual foi comunicado à reclamante através do ofício n° 9… de 18/10/2011. Mediante esse ofício, a reclamante foi notificada para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de audição, direito esse que exerceu em 2 de Novembro de 2011.
O reclamante em sede de audição vem apresentar os esclarecimentos constantes nas folhas 49 a 51 dos autos, onde informa que ―... protesta a reclamante juntar no prazo de dez dias a contar da presente data, declarações de cessação e bem assim Balanço, Balancete ou outros documentos que sirvam de prova ao alegado.‖.
No seguimento do pedido apresentado, foi o contribuinte, em 11/11/2011, notificado a fim de apresentar os referidos elementos (…).
Vem agora o sujeito passivo em 25/11/2011 requerer ―...que seja prorrogado o respectivo prazo até à já mencionada data de 15 de Dezembro, na medida que não é possível apresentar toda a documentação por ―doença súbita‖ do Técnico Oficial de Contas.
Constata-se que o sujeito passivo não apresenta qualquer prova da situação acima descrita nem sequer vem apresentar quaisquer outros elementos relevantes para uma análise diferente daquela que já foi feita.
Pode ainda o sujeito passivo, caso não concorde com o exposto accionar os mecanismos legais como recorrer hierarquicamente ou impugnar judicialmente, nos termos, respectivamente, dos art.°s 66, n° 2 e 102, n° 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Em face do exposto julgo ser de manter o indeferimento do pedido em apreço.»
(provado por documento, de fls. 59 a 64 da reclamação graciosa apensa aos autos);

v) Em 05-01-2012, deu entrada, na Direção de Finanças de Lisboa, do recurso hierárquico, apresentado pela Impugnante, ao qual foi atribuído o n.º 3…, contra o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, pedindo, a final, que fosse considerada a declaração de periódica de IRC de 2009, por si entregue, e que fosse corrigida a liquidação oficiosa emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (provado por documento, de fls. 3 a 5 do recurso hierárquico apenso aos autos);

w) Na petição de recurso hierárquico, a Impugnante afirmou que cessou a atividade no fim de 2009 e, com a mesma, apresentou elementos contabilísticos, nomeadamente balancete, extratos contabilísticos e documentos de suporte aos registos efetuados, referentes ao período de 2009 (facto não controvertido e provado por documento, de fls. 3 a 5 e de 19 a 22 do recurso hierárquico apenso aos autos);

x) Em 17-04-2012, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho no sentido de manter o ato recorrido e de remessa dos autos aos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira («AT»), com os seguintes fundamentos:
«II -Análise do pedido
Vem o contribuinte recorrer hierarquicamente, em 5 de Janeiro de 2012, do despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, exarado sobre o processo de reclamação instaurado no Serviço de Finanças Amadora 3, petição que foi consubstanciada e analisada em sede de recurso hierárquico, em conformidade com o estabelecido no art° 66° e seguintes do CPPT.
(…)
Face aos elementos disponíveis compete informar:
Pela análise do quadro ―Visão do Contribuinte constata-se que a recorrente iniciou a sua actividade em 07/06/2016 e ainda não a cessou (…).
Em 30/11/2010 foi emitida liquidação oficiosa, relativa ao exercício de 2009, nos termos do art° 83° n° 1 alínea b) do CIRC, em virtude da falta de entrega, por parte da reclamante da Declaração Modelo 22 de IRC.
Em 27/06/2011 o sujeito passivo apresenta a Declaração de Rendimentos modelo 22 referente ao ano de 2009, que pretende seja a mesma considerada e liquidada pelos serviços (…).
O sujeito passivo vem juntar aos autos, em sede de recurso hierárquico, documentos contabilísticos, o ―Balancete Geral (Abertura), ―Balancete Geral (Abertura a Dezembro‖ e ―Balancete Geral (Abertura a Fim), os ―Extractos Diários das contas e documentos de suporte aos registos efectuados (folhas 1 a 711 das pastas de contabilidade).
Tendo em conta as alegações, analisados os documentos apresentados e sendo certo que qualquer registo contabilístico deve ser suportado pelos documentos adequados que reflitam a natureza da operação e ainda que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, várias foram as situações que demonstram o contrário, conforme se evidencia de seguida:
-as vendas do mês de Julho encontram-se tituladas por documento interno (…) onde é referido que foram calculados por média dos seis meses anteriores;
-o valor registado como venda não coincide com os documentos apresentados –por ex. relativamente ao Mês de Maio, do confronto entre Doc 238 e Doc 213 resulta:

Vendas a dinheiro
Doc.13 (talões)
Doc.238
(extracto diário)
IVA 5%
7.373,51
4.505,34
IVA 20%
696,75
429,35



deste exemplo, conclui-se que o valor lançado no Diário como ―Venda Dinheiro é inferior ao valor apresentado nos documentos, em que temos talões de venda com valores superiores;
- outro exemplo ―Vendas Dinheiro em Fevereiro constata-se:

Vendas a dinheiro
Doc.26 (Talões)
Doc.157/2
(extracto diário)
IVA 0%
6.458,35
4.582,26
IVA 5%
10.709,92
6.925,51
IBA 20%
692,59
629,92

O que significa que foi contabilizado valores de vendas inferiores ao que constam dos documentos apresentados (Doc.26)
- existência de custos contabilizados em “Diversos”, como no caso de “Refeições” cujos documentos de suporte – facturas – não cumprem os requisitos estabelecidos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA – doc. 98, 103, 104, 158, 160.
-existência de custos contabilizados em 2009, suportados por documentos relativos a 2008- ex. Doc 4, Doc 5, Doc 18, Doc 21, Doc 22, Doc 51 e Doc 52 (confronto com Doc 96/3 e 96/2);
-acresce ainda que o sujeito passivo não apresentou a Declaração Anual Modelo 10-Anexo A, que nos permita aferir os componentes registados nas diversas rubricas.
Face ao exposto e perante as inexactidões detectadas na contabilidade julga-se ser de negar provimento ao presente recurso hierárquico.»
(provado por documento, de fls. 19 a 22 do recurso hierárquico apenso aos autos);
y) Em 26-04-2012, a Impugnante apresentou a declaração de cessação de atividade, para efeitos de IVA, reportada a 31-12-2009 (provado por documento, a fls. 46 e 47 do recurso hierárquico apenso aos autos);

z) Em 25-10-2012, a Diretora de Serviços da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas proferiu despacho no sentido de notificar a Impugnante do projeto de indeferimento do recurso hierárquico, com fundamento em:

«I. Introdução:
Em requerimento dirigido ao Ministro das Finanças, vem o sujeito passivo A…, Lda, NIF 5…, […], nos termos do disposto no n° 2 do artigo 66° do CPPT interpor recurso hierárquico, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de IRC do exercício de 2009, no montante de 5.676,03 €.
[…]
III. Natureza e fundamentos:
Foi efectuada uma liquidação oficiosa por falta de entrega de declaração de rendimentos para 2009; o sujeito passivo entregou a declaração em falta, posteriormente, fora de prazo, não liquidável.
Apresentou a requerente petição de reclamação daquela liquidação, que foi indeferida, recorrendo agora hierarquicamente dessa decisão.
Em 19.04.2012 (ofício n° 3… de 18-04-2012) chegou à DSIRC o citado Recurso Hierárquico para efeitos de informação, proveniente da Direcção de Finanças de Lisboa.
IV. Fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa:
-Por falta de entrega da declaração periódica de rendimento, a AT procedeu oficiosamente à liquidação, relativa ao exercício de 2009, ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 90° do CIRC, sendo emitida em 30-11-2010 a respectiva nota de cobrança com valor a pagar de 5.676,03€.
-Em 27-06-2011 o sujeito passivo entregou a declaração de rendimentos relativamente àquele período, com um valor a pagar de 745,76€, ficando na situação de não liquidável.
-Não se encontrava cessada para efeitos de IVA ou IRC.
-Não juntou à reclamação quaisquer documentos comprovativos dos valores considerados na declaração.
-Aquando do direito de audição, o sujeito passivo protesta juntar os referidos elementos comprovativos, para o que foi notificado; requer prazo mais alargado pelo facto de a contabilidade não estar disponível; acaba por não apresentar os elementos justificativos na fase de reclamação.
-Por falta de prova dos valores considerados na declaração que o sujeito passivo entregou, foi indeferia a reclamação, que pretendia a anulação da liquidação oficiosa e a consideração do valor a pagar da declaração entregue.
V. Recurso hierárquico:
Factos averiguados:
-O sujeito passivo não entregou dentro do prazo previsto no n° 1 do artigo 122° do CIRC a declaração de rendimentos aí prevista.
-Por essa razão, e nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 90° do CIRC, a AT efectuou liquidação oficiosa, com imposto a pagar de 5.676 1 03€, incluindo juros compensatórios.
-A liquidação foi emitida em 30-11-2010 e notificada a 04-01-2011 por registo RY5…PT.
-Em 27-06-2011 o sujeito passivo entregou a declaração em falta, apresentando resultado líquido negativo e imposto a pagar de 745,76€. Por esse facto, manteve-se em situação de não liquidável.
-O sujeito passivo encontra-se inactivo desde Setembro de 2009, mas não apresentou qualquer declaração de cessação, quer para efeitos de IVA quer para efeitos de IRC.
-Efectuou cessação em sede de IVA em 26-04-2012 (alínea a), n° 1 do artigo 34° do CIVA) com referência a 31-12-2009.
Factos alegados:
-O sujeito passivo na petição, vem discordar do indeferimento da reclamação por si apresentada, anteriormente.
-Pretende a anulação da liquidação oficiosa e que seja considerada a liquidação da declaração entregue.
-De facto, não juntou à reclamação graciosa documentos que servissem de suporte à declaração apresentada.
-Dado que existem e constituem dados novos para o processo, requer a junção de balancete, extractos contabilísticos e documentos de suporte aos registos efectuados.
-O TOC irá formalizar oportunamente a cessação em IVA e IRC.
-Apresenta duas testemunhas para confirmação do alegado.
Apreciação dos factos:
-Quando não é apresentada, pelo sujeito passivo, a declaração de rendimentos modelo 22 dentro do prazo, a competência para a liquidação passa a ser da AT, por força do artigo 90° do CIRC.
Essa liquidação oficiosa foi efectuada com base na matéria colectável conhecida, actuando a AT dentro dos seus poderes vinculados.
-A entrega posterior à notificação da liquidação oficiosa da declaração em falta, apresentando valor inferior ao daquela, implica que a declaração seja registada no sistema informático da AT como não liquidável.
Portanto, os pressupostos para a liquidação oficiosa estão cumpridos pela AT, não existindo qualquer ilegalidade.
-Uma forma de contestar a liquidação notificada ao dispor do sujeito passivo, é a Reclamação Graciosa. Esta obedece a determinadas regras.
A reclamação graciosa pode ser deduzida nos termos do artigo 70° do CPPT e do artigo 137° do CIRC.
De acordo com o n°1 do artigo 70° do CIRC, conjugado com a alínea a) do n° 1 do artigo 102° do mesmo código, a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributarias legalmente notificadas ao contribuinte.
A consideração, para efeitos de liquidação, do valor apurado na liquidação entregue, deverá estar sustentado por documentos e outros elementos justificativos dos registos.
Como vimos, esses elementos não chegaram a ser apresentados pelo requerente, na fase de reclamação.
Era sua intenção entregá-los, mas por indisponibilidade do TOC (doença) os referidos documentos não foram disponibilizados a tempo de serem entregues na fase de reclamação.
-Aparecem, agora, na fase de recurso, constando de balancetes, extractos e documentos (duas pastas, 341 documentos).
-Através de Informação prestada na Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, onde o Recurso Hierárquico foi instaurado, verifica-se que foram analisados os elementos juntos aos autos.
Dessa análise verificou-se existirem algumas situações anómalas ou pouco credíveis; por esse facto, a proposta constante da Informação aponta para o indeferimento do recurso, devido a inexactidões detectadas na contabilidade.
-Contudo, iremos reformular a análise dos elementos junto aos autos e retirar as respectivas conclusões.
A empresa possuía dois estabelecimentos: no Hospital da L… e no L… até Fevereiro; a partir de Março manteve apenas o do Hospital da L….
Antes de passar à ―análise concreta das contas, importa referir que foram apresentados os extractos mensais dos lançamentos nos diários, mas não os balancetes mensais consolidados.
A identificação do Diário, do documento (nos extractos) não encontra correspondência nos documentos juntos.
Estes não se encontram classificados e a numeração e sequencial, apenas para efeitos de arrumação na pasta que foi entregue
VENDAS:
Nas referidas pastas enviadas na fase de recurso, existem os extractos bancários das várias contas, além dos documentos correspondentes.
Em cada mês existe um quadro resumo dos montantes apurados em Vendas, agrupando as vendas por taxa de IVA —0%, 5%, 12%, 20%.
Em cada coluna, aparece o montante da venda líquida e o montante do imposto.
Por linha, aparece o valor para cada dia, da venda líquida e do imposto correspondente e o total da linha englobando as vendas e o imposto.
Relativamente a quase todos os meses, os valores registados nos extractos não coincidem com os valores constantes dos mapas auxiliares por meses. Sobretudo, no que respeita às vendas a 0% de IVA, não aparecem talões justificativos. Faltam talões para alguns dias (em alguns meses) embora se encontrem identificados no mapa. O mês de Julho não apresenta qualquer talão de vendas, e possui a indicação no extracto ―média vendas.
Não foram apresentados balancetes mensais que consolidassem os valores dos extractos.
Pelas questões evidenciadas, os montantes das vendas registadas não se mostram muito credíveis.
COMPRAS:
As compras de mercadoria - livros, jornais, artigos de papelaria, pequenas guloseimas -encontram-se documentadas por facturas dos fornecedores: Sociedade P…; A…, Lda.; P…, Lda.; A…, Lda.; V…, Lda.; L…, S A (Publicações); F…, S A.; outros menos relevantes.
As facturas são dirigidas ao sujeito passivo, com a identificação correcta, com indicação das taxas de IVA. Contudo, não temos a certeza de que as compras registadas no Diário correspondam efectivamente ao valor dos custos, pois dada a falta de classificação e numeração dos documentos pode haver devoluções ou notas de crédito que não foram consideradas.
IVA -APURAMENTO:
Pelas razões aduzidas anteriormente, o cálculo do IVA não oferece total confiança, pois os valores do IVA constantes aos mapas auxiliares das vendas e os valores registados nos Diários não coincidem.
DIVERSOS:
Os talões respeitantes a Refeições, não apresentam a indicação do sujeito passivo, não cumprindo os requisitos do n° 5 do artigo 36° do CIVA.
-A análise ora efectuada vem corroborar a verificação dos documentos efectuada em sede de Recurso Hierárquico pela Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa.
Os referidos documentos não atestam a veracidade dos valores constantes da declaração de rendimentos entregue pelo requerente.
Como vimos, essa declaração encontra-se na situação de não liquidável, pelo facto de ter sido entregue após a liquidação oficiosa e apresentar imposto a pagar inferior.
A pretensão do requerente era que a declaração fosse liquidável, tendo para tal enviado os documentos contabilísticos como forma de suportar os respectivos registos.
No entanto, tal não parece plausível por falta de comprovação desses valores e concomitantemente do imposto apurado.
Assim, deve manter-se a liquidação oficiosa ora contestada, não se aceitando o valor de imposto da declaração entregue fora de prazo.
VI. Conclusões
Assim sendo, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deve ser mantida, mesmo depois de analisados os novos factos na fase de recurso hierárquico, razão pela qual o presente recurso hierárquico deve ser indeferido.»
(provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial);

aa) Através do ofício n.º 0…, de 10-12-2012, a Impugnante foi notificada de que o procedimento de recurso hierárquico n.º RHQ …/12 foi indeferido, por despacho de 26-11-2012, conforme fundamentação onde se pode ler:

«I. Factos:
Pelo ofício n° 1… de 29-10-2012 foi o sujeito passivo notificado para exercer o seu direito de audição, nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 60° da LGT, relativamente ao projecto da decisão que recai sobre o presente recurso hierárquico, cujo aviso de recepção foi assinado em 31-10-2012.
O sujeito passivo não entregou dentro do prazo previsto no n° 1 do artigo 122° do CIRC a declaração de rendimentos aí prevista.
Por essa razão, e nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 90° do CIRC, a AT efectuou liquidação oficiosa, com imposto a pagar de 5.676,03€, incluindo juros compensatórios.
A liquidação foi emitida em 30-11-2010 e notificada a 04-01-2011 por registo RY5…3PT. Em 27-06-2011 o sujeito passivo entregou a declaração em falta, apresentando resultado líquido negativo e imposto a pagar de 745,76€. Por esse facto, manteve-se em situação de ―não liquidável‖.
O sujeito passivo encontra-se inactivo desde Setembro de 2009, mas não apresentou nessa data, qualquer declaração de cessação, quer para efeitos de IVA quer para efeitos de IRC.
Efectuou cessação em sede de IVA em 26-04-2012 (alínea a), n° 1 do artigo 34° do CIVA) com referência a 31-12-2009.
II. Análise do Recurso hierárquico:
A análise do enquadramento do sujeito passivo relativamente ao pedido de recurso hierárquico, foi desenvolvida a fls 4/6 do projecto de decisão, enviado juntamente com o ofício acima referenciado.
III. Análise do direito de audição:
-A recorrente começa por referir que “não tem em seu poder a documentação referente ao exercício em causa, a qual ficou na totalidade na posse da AT, para o trabalho de fiscalização, sendo que a mesma AT se havia comprometido a tirar cópias e devolver os originais (ou o contrário), não tendo, no entanto, até à presente data, cumprido o “prometido”.
Pretende que lhe seja dada a possibilidade de reaver os documentos de contabilidade que deixou na AT, de que não tirou cópias, para exercer devidamente o contraditório.
Só tem acesso à demonstração da liquidação de IRC, que indica uma matéria tributável de 28.782,00€.
Ora, os elementos (documentação contabilística) que o requerente juntou ao recurso hierárquico como forma de demonstrar os valores inscritos na declaração de rendimentos que entregou fora de prazo, são de sua inteira responsabilidade.
Não consta, no entanto, no processo que a AT (ou qualquer uma das suas Unidades Orgânicas) se tenha comprometido a fotocopiar os documentos e devolver os originais.
Se a documentação foi entregue na Direcção de Finanças de Lisboa, onde foi instaurado o procedimento de Recurso Hierárquico, e se existiu esse compromisso, será com certeza assumido.
Contudo, nesta fase do procedimento, na Direcção de Serviços de IRC (entidade que possui competência para informar o pedido de recurso) a documentação que o requerente refere faz parte integrante do processo e não pode ser separada.
Obviamente, no final do procedimento -conclusão do processo - os referidos documentos serão devolvidos ao requerente (se foi esse o compromisso assumido na Unidade Orgânica que instaurou o processo).
-Confirma que possuía dois estabelecimentos; o do Hospital da L… não terá funcionado para além de Julho de 2009, sendo que o recheio e algum equipamento (informático) ficaram na posse do proprietário da loja, para compensar rendas em atraso.
Vem o sujeito passivo justificar que o mês de Julho aparece na contabilidade como ―média de vendas‖ pelo facto de lhe terem sido retirados os referidos elementos e equipamentos.
Não existem elementos no processo -documentação enviada pelo requerente -que provem esta afirmação.
Questiona o requerente se a AT “...na busca da verdade tributária não contactou os fornecedores referidos (no projecto de decisão e constantes da documentação contabilística) para duma forma exaustiva e completa, relatarem todos os movimentos assimilados relacionados com o contribuinte n° 5…...”
Atendendo ao artigo 74° da LGT, n° 1 ―O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque‖
O procedimento de Recurso Hierárquico é da iniciativa do contribuinte, nos termos dos artigos 66°, 67° e 76° do CPPT.
Cabe, assim, ao contribuinte a apresentação das provas dos direitos que pretende ver defendidos.
Não cabe à AT no âmbito deste procedimento, a implementação de diligências junto de terceiros, como se de uma inspecção se tratasse (situação em que cabe à AT o ónus da prova).
-O requerente não veio apresentar factos novos (quer de informações ou de documentos) no exercício do seu direito de audição.
Limitou-se a corroborar o que tinha afirmado aquando da petição, argumentando que a AT possui todos os elementos que lhe permitem concluir pelo deferimento da sua petição.
IV. Conclusões
Assim sendo, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deve ser mantida, pelo que o presente recurso hierárquico deve ser indeferido
(provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial);

bb) Através do ofício n.º 1…, de 29-01-2013, do serviço de finanças de Amadora 3, a Impugnante foi notificada de que podia «levantar, junto deste Serviço de Finanças (secção do Contencioso), a duas pastas com os documentos contabilísticos relativos ao exercício de 2009 que deixou em poder da A.T. aquando da apresentação do recurso hierárquico» (provado por documento, a fls. 42 do recurso hierárquico apenso aos autos).
*
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
*
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.
Por exigência legal e transparência processual, cumpre referir que não foi levado ao probatório os factos alegados no artigo 5.º da petição inicial (isto é, «o recheio de uma das lojas da ora impugnante e parte do seu equipamento informático terem ficado na posse do senhorio, como forma de compensação das rendas em atraso»). Isto porque os mesmos encerram matéria conclusiva, constituindo meros juízos ou conclusões, não tendo a testemunha inquirida nos presentes autos sido capaz de concretizar os mesmos».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Mostram os autos e o probatório que a impugnante não apresentou no prazo previsto na lei a declaração periódica de rendimentos referenciada ao ano de 2009.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 117.º do CIRC (redacção à data vigente), “Os sujeitos passivos de IRC, ou os seus representantes, são obrigados a apresentar:
a) ……..
b) Declaração periódica de rendimentos, nos termos do artigo 120.º
c) ……”.

Dispunha o n.º 1 daquele art.º 120.º que “A declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º deve ser enviada, anualmente, por transmissão electrónica de dados, até ao último dia útil do mês de Maio, independentemente de esse dia ser útil ou não útil”.

E de acordo com o art.º 90.º, do CIRC,
“ 1 – A liquidação de IRC processa-se nos seguintes termos:
a) ……………..;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada”.
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
(…)
10 – A liquidação prevista no n.º1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas”.

Pois bem, como dissemos, mostram os autos e o probatório que na falta de apresentação da declaração com relação aos rendimentos de 2009 até 31/05/2010, a AT efectuou em 30/11/2010 liquidação oficiosa em que apurou lucro tributável de 28.780,95 € e imposto a pagar de 5.564,44 € (alíneas h) e i) do probatório).

Em reclamação graciosa da liquidação oficiosa, a recorrida contestou o lucro tributável apurado e, ainda na pendência da reclamação, apresentou a declaração periódica de rendimentos em falta, que juntou ao procedimento de reclamação, e em que apurou o lucro tributável de 9.227,80 € e imposto a pagar de 653,48 € (alíneas k) a m) do probatório).

Em audição prévia sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa, a ora recorrida protestou juntar documentos contabilísticos e de relato financeiro para comprovação dos elementos declarados, o que não veio a fazer no prazo conferido para o efeito, que não tendo sido prorrogado como pedido, conduziu à decisão de indeferimento da reclamação graciosa por falta de prova da situação declarada (alíneas q) a u) do probatório).

Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a recorrida interpôs recurso hierárquico, que instruiu com elementos contabilísticos e de relato financeiro (alínea w) do probatório).

No entanto, o recurso veio a ser indeferido pelas razões exaustivamente transcritas na alínea x) do probatório, destacando-se nomeadamente e no que respeita às vendas que «relativamente a quase todos os meses, os valores registados nos extractos não coincidem com os valores constantes dos mapas auxiliares por meses. Sobretudo, no que respeita às vendas a 0% de IVA, não aprecem talões justificativos. Faltam talões para alguns dias (em alguns meses) embora se encontrem identificados no mapa. O mês de Julho não apresenta qualquer talão de vendas, e possui a indicação “média vendas”. Não foram apresentados balancetes mensais que consolidassem os valores dos extractos»; e no que respeita às compras, destaca-se este segmento da fundamentação do recurso hierárquico: «As facturas são dirigidas ao sujeito passivo, com a identificação correcta, com indicação das taxas de IVA. Contudo, não temos a certeza de que as compras registadas no Diário correspondam efectivamente ao valor dos custos, pois dada a falta de classificação e numeração dos documentos pode haver devoluções ou notas de crédito que não foram consideradas». Mais, se diz que «Os talões respeitantes a Refeições, não apresentam a indicação do sujeito passivo, não cumprindo os requisitos do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA».

De acordo com o disposto no n.º1 do art.º 75.º da Lei Geral tributária, «Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal».

Conquanto se aceite que as declarações de rendimento apresentadas fora do prazo legal beneficiem também da presunção de veracidade na medida em que ainda está em causa a determinação da matéria colectável, já não entendemos assim quando a declaração é apresentada depois da liquidação oficiosa, que é o caso, porque então há já uma matéria colectável determinada pela Administração tributária nos termos da lei que se pretende alterar, corrigindo a liquidação oficiosa.

Neste modo de ver, operam as regras gerais sobre o ónus da prova previstas no art.º 74/1 da LGT com correspondência no art.º 342/1 do Cód. Civil: àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, que no caso se traduz na correcção da liquidação oficiosa por via declarativa.

Isso assente, como se lê, embora a respeito do IRS mas transponível para os autos, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.12.2018, proferido no processo n.º 0220/11.2BEVIS as declarações apresentadas fora de prazo «(…) não gozam da presunção de veracidade (artº 75º nº 1 da LGT), mas no reverso não pode ignorar-se o disposto no artº 76º nº 4 do CIRS, vigente à data dos factos, que alguma razão de ser, na harmonia do sistema legislativo, há-de ter e que a nosso ver possibilita/impõe à Administração Tributária a correcção da liquidação oficiosa por si elaborada quando seja suprida pelo sujeito passivo a sua falta declarativa dentro dos prazos ali previstos. Para o alcance de uma solução justa e legal deve também destacar-se já, que é certo que o conceito de rendimento tributário no C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento - acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos. (…)

Acresce referir que, a liquidação oficiosa efectuada pela AT é por natureza uma declaração provisória ainda que estejamos em sede de IRS uma vez que a AT pode na sequência de inspecção tributária vir a alterar a mesma.

(…) não se aceitando que o nº 2 do artigo 76º do CIRS encerre uma sanção obstativa do alcance do princípio da tributação do rendimento real. Vemos antes na expressão legal do referido preceito uma forma/método(s) de edificar uma liquidação a que será de dar o devido seguimento com as consequências legais, no caso de o contribuinte não a impugnar ou nunca (…) vir a apresentar dentro dos aludidos prazos dos artigos 45º e 46º da LGT qualquer declaração de IRS, situação que não se verificou no caso dos autos.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Também na doutrina, defende Rui Duarte de Morais que a liquidação oficiosa emitida nas situações de omissão do cumprimento das obrigações declarativas pelo sujeito passivo é meramente provisória: «(…) na falta de entrega da declaração periódica de rendimentos (grosso modo, a declaração em que se procede ao apuramento do resultado fiscal do exercício anterior), a administração fiscal procederá, oficiosamente, à liquidação, a qual terá por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada (e da qual não poderá resultar imposto em dívida de valor inferior ao "imposto mínimo" a que estão sujeitos os contribuintes abrangidos pelo regime simplificado) ou na falta de tais dados, os elementos de que disponha.

Temos dúvidas quanto ao sentido desta liquidação oficiosa. Pensamos que o seu sentido mais não é do que prevenir uma eventual caducidade do direito à (a qualquer) liquidação.

O montante assim fixado será, necessariamente, provisório (como de resto é também a autoliquidação, uma vez que fica sempre sujeita a uma eventual correcção posterior pela administração tributária). Na realidade, não faria qualquer sentido que a liquidação oficiosa feita em tais termos pudesse ser havida como adequado substituto da declaração a que o sujeito passivo não procedeu. Para além de tal poder redundar numa vantagem incompreensível do contribuinte faltoso (ao ser tributado com base no resultado de um exercício anterior poderia pagar menos do que aquilo a que estaria obrigado, por ter acontecido uma evolução positiva dos resultados do seu negócio), significaria abdicar de qualquer pretensão de basear a tributação em causa no lucro (no resultado) real ou, mesmo, normal, desse sujeito passivo.

A falta de cumprimento pelo sujeito passivo parece impor à administração, para além de proceder oficiosamente a uma tal liquidação "provisória", o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efectuar uma acção inspectiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa e, também, a sua situação actual» (“Apontamentos de IRC”, Almedina, 2007, págs. 208/209).
Nesta linha de raciocínio, acolhida pela jurisprudência e pela melhor doutrina que sobre o tema se debruçou, a AT não podia, no recurso hierárquico, limitar-se a decidir que os elementos apresentados não eram aptos a suportar a declaração em vista das omissões, erros e inexactidões constatados, antes se lhe impunha o dever de averiguar, ou mandar averiguar, se necessário com recurso à abertura de procedimento inspectivo, em que medida os documentos de suporte contabilístico e de relato financeiro juntos pelo sujeito passivo validavam a declaração e, até onde podiam ser supridas pelo sujeito passivo as omissões, erros e inexactidões constatados (art.º 120.º, n.º 10 do CIRC), tudo visando uma tributação mais aproximada da realidade, como preconizado no art.º 104/2 da Lei Fundamental.

Assim, a decisão de recurso hierárquico que confirmou a liquidação oficiosa não pode manter-se na ordem jurídica com a fundamentação externada, como bem decidiu a sentença recorrida.

E manter-se-á na ordem jurídica a também impugnada liquidação oficiosa que constitui o objecto mediato do recurso hierárquico, como pretende o recorrente?

A nosso ver, a resposta é negativa. Atenta a provisoriedade que caracteriza a liquidação oficiosa, que a jurisprudência e doutrina aliás destacam, a partir do momento em que a AT, em procedimento de 2.º grau procede à análise da matéria colectável declarada pelo sujeito passivo opera-se a revogação tácita daquela liquidação oficiosa, cujos pressupostos cessam, passando a liquidação do exercício em causa a assentar na declaração apresentada ainda que depois, por averiguação ou procedimento inspectivo, não se venham a validar todos os elementos da declaração por não adequadamente justificados na contabilidade.

Em sentido convergente quanto à insubsistência da liquidação oficiosa podem ver-se, entre outros, os seguintes arestos: ac. do STA, de 12/05/2018, proc.º 0220/11.2BEVIS 0286/18; ac. do TCAS, de 09/30/2021, proc.º 451/11.5BELLE.

É, pois, de confirmar a sentença recorrida que decidiu pela anulação da decisão de recurso hierárquico e da liquidação oficiosa que constitui o seu objecto mediato, sendo de negar provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se o recorrente em custas.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha