Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07833/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRC, ART. 42.º, N.º 1, AL. G), ENCARGOS NÃO DOCUMENTADOS
Sumário:I. Os encargos para serem fiscalmente dedutíveis têm de estar devidamente justificados por meio de documento (alínea g) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC);
II. O CIRC não estabelece qualquer definição do conceito de “devidamente documentado” ao contrário do que sucede em sede de IVA em que se estabelece a obrigatoriedade de emissão de factura (art. 29.º, 1, alínea b) do CIVA) com as formalidades previstas no n.º 5 do art. 36.º do CIVA;
III. Deste modo, em sede de IRC, o documento justificativo do gasto para efeitos do art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as facturas em sede de IVA;
IV. Os encargos estão devidamente documentados quando contenham os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 07833/14

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada por ………………….., LDA, do acto de indeferimento parcial do recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa das liquidações de IRC e juros compensatórios, relativas ao exercício de 2006 e 2007.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

I - Visa o presente recurso reagir contra a mui douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por ………………….. Lda, no segmento que concerne à parte das correcções que não foram aceites, nomeadamente, quanto às correcções relativas às operações intracomunitárias.
II - A fundamentação da sentença recorrida assenta em síntese, no entendimento de que embora formalmente os documentos de suporte aos custos não se encontrem de acordo com a legislação interna aplicável, é inegável que os mesmas tiveram por base operações intracomunitárias, pelo que se entende que para efeitos de IRC terão de se considerar como documentados aqueles custos, porque comprovadas as aquisições e as vendas das mercadorias que os sustentavam.
III - Destarte, salvo o devido respeito que a Douta Sentença nos merece, e que é muito, somos de opinião em que a mesma padece de erro de facto e de direito.
IV - A ora impugnante, foi objecto de uma acção de fiscalização por parte dos Serviços de Inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, no âmbito da qual foram efectuadas correcções meramente aritméticas à matéria tributável, relativamente, a despesas não documentadas/despesas indevidamente documentadas e custos ou perdas não aceites fiscal mente, bem como à contabilização de custos relativos a compras de mercadorias para as quais não existem os respectivos suportes documentais, (vendas a dinheiro, cartas de porte ou documentos aduaneiros de exportação), nem as mesmas constam do inventario, bem como lançamentos duplicados dos mesmos documentos, que não foram objecto de regularização por parte da impugnante, e também transportes de mercadorias em território nacional que deveriam ter sido debitadas ao cliente ……………, ainda lançamentos contabilísticos cujo valor não corresponde ao valor mencionado no documento de suporte ao respectivo registo.
V - De igual modo foram contabilizadas nas contas de compras no mercado nacional, diversas facturas de aquisição de mercadorias, cuja venda nunca foi comprovada pela ……………, foram ainda contabilizadas facturas em duplicado, não tendo a impugnante procedido à respectiva regularização no final do exercício, e existe ainda um custo de €530.525,91, que não foi repercutido no cliente "…………..Lda.", conforme procedimento usual da empresa em anos anteriores, sendo que os custos não contributivos para a formação do lucro tributável não são aceites fiscalmente.
VI - No que imediatamente releva às aquisições intracomunitárias, não existe no sistema comunitário VIES a indicação qualquer venda efectuada pelo fornecedor …………… & Associados, (com sede em Espanha) à impugnante, sendo que aquela apenas declarou vendas a operadores registados em Portugal no 3.° trimestre de 2006, nos rol dos quais não está incluída a impugnante, donde não se pode concluir por qualquer venda efectivamente ocorrida.
VII - No que concerne às facturas apresentadas é de referir que não correspondem às facturas que se encontram contabilizadas, pois apresentam-se formalmente incorrectas, nomeadamente, não possuem os elementos que devem constar nas facturas, ou seja, não têm morada nem carimbo e no quadrado superior do lado esquerdo não possuem o CIF (que se apresenta aposto manualmente), e não aparece também o número de classificação contabilística que é aposto pelo contabilista, em regra, no canto superior direito do documento efectivamente lançado.
VIII - Refere expressamente o art. 23.º do CIRC a necessidade de comprovação da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, donde resulta que só são contemplados os encargos devidamente comprovados e que sejam determinantes para aquele fim, ou seja, sem embargo da relevância assumida pela realidade jurídico-económica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação efectiva da indispensabilidade do custo na obtenção do proveito, e não apenas a mera possibilidade de obtenção desse proveito, decorrendo daquele normativo legal que a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na actividade societária, equivalendo aos gastos contraídos no interesse da empresa para a formação do perfil lucrativo, numa relação de causalidade económica, não sendo assim dedutíveis os encargos que não se apresentem devidamente documentados, cfr.art. 41.º n.º 1 alínea h) do CIRC, nomeadamente, custos relativamente aos quais a contabilidade não esteja suportado por documento externo de suporte ou em que esse documento se revele insuficiente, sendo que a inexistência de documento externo conforme à lei, destinado a comprovar uma operação para a qual ele deva existir, afecta necessariamente o valor probatório da contabilidade não podendo essa falta ser suprida por documento interno.
IX - O lucro tributável para efeitos de tributação em IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, cfr. art. 17.º n.º 1 do CIRC, a qual deverá, designadamente, estar organizada de acordo com a normalização contabilística e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 17.º do CIRC, e permitir o controlo do lucro tributável, n.º 1 do art. 98.º do CIRC, para que se possa presumir a veracidade dos dados e apuramentos dela decorrentes, ou não, se ao invés se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, art. 75.º da Lei geral Tributária.
X - Sendo a regra de ouro da organização contabilística e aquela que assume maior relevo para o direito fiscal, que é a estabelecida na alínea a) do n.º 3 do citado art. 98.º do CIRC, de acordo com a qual "todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de ser apresentados sempre que necessário".
XI - Legitimada está assim a AT ao efectuar as correcções à matéria tributável da impugnante por incumprimento por parte daquela dos princípios contabilísticos, designadamente, da consistência, da especialização, do custo histórico, da prudência, da substância sobre a forma e da materialidade, que não foram observados, daí resultando que a contabilidade não estava organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor, decorrendo ainda que das demonstrações financeiras não transparece a realidade da empresa, cumprindo assim a AT o ónus de ilidir essa presunção de veracidade contabilística, demonstrando inequivocamente que os factos tributários contabilizados não são verdadeiros, já no que concerne à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe à impugnante o ónus da prova da sua indispensabilidade na obtenção dos proveitos, prova esta que não se mostra efectuada.
XII - É que em tal desiderato o encargo da prova, art. 74.º da Lei Geral Tributária, recai sobre quem o invoque, ou seja deve recair sobre quem alegando o facto correspondente com mais facilidade possa documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos.
XIII - Atento o exposto, concluiremos que quer o acto tributário de indeferimento parcial do recurso hierárquico quer a liquidação adicional de IRC 2006, aqui impugnada, não padecem de qualquer das invocadas ilegalidades ou de qualquer erro que as vicie, porquanto, para além do facto dos documentos de suporte não se encontrarem formalmente correctos, também não se mostra comprovada a materialidade efectiva das alegadas operações tributáveis.
XIV - Concluindo-se pelos motivos expostos que será de manter na ordem jurídica a liquidação_ do IRC de 2006, bem como o acto de indeferimento parcial do recurso hierárquico, ainda a liquidação dos competentes juros compensatórios que se mostram devidos pelo atraso na liquidação.

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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, por um lado, estão em causa aquisições intracomunitárias não existindo no VIES a identificação de qualquer venda efectuada pelo fornecedor “…………….. & Associados” à Impugnante, de onde não se pode concluir que tenha havido venda (conclusão VI), por outro lado, não está comprovada a indispensabilidade dos gastos ora em causa, nos termos do art. 23.º do CIRC, porquanto não estão suportados por documentos externo suficiente que suporte esses gastos (conclusão VII e VIII das alegações de recurso), e nessa medida, as correcções encontram-se em conformidade com o disposto no art. 17.º. n.º 1, art. 98.º, n.º 1 e n.º 3, al. a) do CIRC, pelo que o ónus da prova cabia à Impugnante nos termos do art. 74.º, n.º 1 da LGT (conclusões IX a XIII).


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1- No âmbito de uma acção de fiscalização efectuada à sociedade “………………., Ldª” foram efectuadas correcções ao lucro tributável do exercícios de 2006, e procedeu-se a liquidação adicional de IRC para aquele ano, com o nº…………….., tendo-se apurado um imposto a pagar no valor de € 283.110,58, o qual compreende juros compensatórios. – cfr. Demonstração de Liquidação e de Acerto de Contas, de fls 76 a 78, dos autos.

2- A liquidação mencionada supra, resultou das correcções constantes das “ conclusões do relatório” e encontram-se fundamentadas no Relatório elaborado pelos serviços de inspecção, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido e do qual consta, designadamente, que foram efectuadas correcções ao lucro tributável no montante de € 407.536,52 dos quais: 3.1.1.1.2…. Analisados os elementos contabilísticos verificou-se a utilização de documentos que não são facturas emitidas pelo fornecedor “………… & Associados” por não indicar o número de identificação fiscal e não declarado no sistema “VIES” , e pelo fornecedor “ ……………… C.O”, sem número de identificação fiscal, considerando-se tais despesas como indevidamente documentadas …. sendo que ainda foi apurado que foram contabilizados custos com base em divida de uma letra em nome de “…………………..” que não é cliente nem fornecedor da ……………, assim como os encargos relativos a um processo judicial em nome de ………………, que não é cliente nem fornecedor da impte… constando no entanto do extracto de conta enviado pelo inspeccionado a contabilização de diversas facturas daquela última empresa, pelo que se considerou tais encargos como perdas não aceites fiscalmente - cfr Relatório da I.T. de fls 210 a 510, do P.A. apenso aos autos.

3-Da liquidação de imposto foi apresentado reclamação graciosa que mereceu decisão de indeferimento proferido em 13.08.2010, tendo interposto recurso hierárquico que mereceu despacho de 07.11.2011 proferido pela Directora de Serviços do IRC, no sentido do deferimento parcial da pretensão, notificada ao interessado em 23.01.2012- cfr autos de reclamação apenso aos autos e Despacho aposto sobre a Informação de fls 49 a 78, do rec. Hier. Apenso.

4 - Dá-se aqui por reproduzida a decisão proferida no recurso hierárquico interposto da decisão de reclamação graciosa apresentada pelo impte relativo aos actos de liquidação adicional de IVA do ano de 2006 e 2007 resultante da acção inspectiva referida em 2. –cfr despacho aposto sobre a Informação constante de fls 165 a 191, dos autos.

5 - A presente petição foi enviada a este Tribunal em 23.04.2012, por via postal registada. – cfr documentos de fls 236 e 237, dos autos.

2. Do Direito

Conforme resulta dos autos, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção, no âmbito da qual, e no que importa para os presentes autos, foram efectuadas várias correcções à matéria tributável em sede de IRC.

Não se conformando com essas correcções, deduziu reclamação graciosa que foi indeferida e da qual foi interposto recurso hierárquico, que por sua vez foi deferido parcialmente. Neste contexto, a Impugnante, não se conformando com a parte da decisão que lhe foi desfavorável, deduziu impugnação judicial referente às seguintes correcções:

_ Despesas não documentadas, referentes ao fornecedor “…………… e Associados” e “………………., Ltd”;
_ Custos ou perdas não aceites fiscalmente referentes ao pagamento de uma letra.

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação na parte referente às despesas não documentadas, relativas ao fornecedor “…………… e Associados” e “……………….., Ltd”, e improcedente quanto à outra correcção impugnada.

Cumpre, então, conhecer do recurso da Fazenda Pública que tem por objecto a sentença do TAF de Sintra, na parte respeitante às despesas não documentadas.

A sentença recorrida para julgar procedente a impugnação, na parte respeitante às despesas não documentadas, entendeu o seguinte:
“Embora formalmente os documentos de suporte daqueles custos não se encontrem de acordo com a legislação interna a si aplicável, é inegável que em sede de apreciação das referidas correcções em sede de IVA, se considerou que as mesmas tinham por base operações intracomunitárias (aquisições) e de exportações de bens para terceiros países, pelo que entende-se que para efeitos de IRC se terá de considerar como documentados aqueles custos, na medida em que aí se considerou como comprovadas as aquisições e as vendas das mercadorias que sustentavam aqueles custos. –cfr ponto 4 do probatório ( vd quanto aos princípios da justiça e da imparcialidade aplicáveis ao procedimento tributário o disposto no artº 55º da LGT).”

Insurge-se a Recorrente Fazenda Pública contra o decidido invocando erro de facto e de direito, na medida em que, por um lado, estão em causa aquisições intracomunitárias não existindo no VIES a identificação de qualquer venda efectuada pelo fornecedor “ ………….. & Associados à Impugnante, de onde não se pode concluir que tenha havido venda (conclusão VI), por outro lado, não está comprovada a indispensabilidade dos gastos ora em causa, nos termos do art. 23.º do CIRC, porquanto não estão suportados por documentos externo suficiente que suporte esses gastos, por estarem “formalmente incorrectas, nomeadamente, não possuem os elementos que devem constar nas facturas, ou seja, não têm morada nem carimbo e no quadrado superior do lado esquerdo não possuem o CIF (que se apresenta aposto manualmente), e não aparece também o número de classificação contabilística que é aposto pelo contabilista, em regra, no canto superior direito do documento efectivamente lançado.” (conclusão VII e VIII das alegações de recurso), e nessa medida, as correcções encontram-se em conformidade com o disposto no art. 17.º. n.º 1, art. 98.º, n.º 1 e n.º 3, al. a) do CIRC, pelo que o ónus da prova cabia à Impugnante nos termos do art. 74.º, n.º 1 da LGT (conclusões IX a XIII).

Conforme resulta do relatório de inspecção, as correcções ora em causa assentam no entendimento da AT de que os gastos referentes ao fornecedor “………….& Associados” e fornecedor “………….. não se encontravam devidamente documentados uma vez que não indicam o número de identificação fiscal e relativamente ao primeiro, a operação não está declarada no sistema “VIES” (cfr. ponto 2 dos factos provados).

Ou seja, In casu, os gastos foram desconsiderados por nos documentos de suporte não constar o número de identificação fiscal do emitente, e ainda por a operação não constar do sistema “VIES”.

Com efeito, os encargos têm de estar devidamente justificados por meio de documento para que seja fiscalmente dedutível enquanto custo fiscal (cfr. alínea g) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC).

A questão que se coloca é saber, em concreto, em sede de IRC, qual o conteúdo que o documento deve ter, ou seja, quais as formalidades que deve respeitar determinado documento, para que se tenha por “devidamente documentado”, uma vez que o CIRC não estabelece qualquer noção, ao contrário do que sucede em sede de IVA em que se estabelece a obrigatoriedade de emissão de factura (art. 29.º, .º 1, alínea b) do CIVA) com as formalidades previstas no n.º 5 do art. 36.º do CIVA.

Como se decidiu no Ac. do STA de 05/07/2012, proc. n.º 0658/11 “[e]m sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”

Nesse mesmo sentido, veja-se também o Acórdão do TCAS, de 23/04/2015, proc. n.º 06468, no qual também fomos Relatora, no qual se sumariou o seguinte: “I. Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (na redacção aplicável aos autos), não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando documento, que até poderá ser interno, desde que descreva suficientemente todos os elementos da operação que titulam; II. Os documentos internos terão de conter os elementos essenciais da operação que titulam por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços, o que não ocorre se os documentos internos não identificam de forma adequada as pessoas singulares que prestaram os serviços, nem se encontram assinados quaisquer recibos que atestem quem e quanto recebeu.”

Em suma, conclui-se então, que em sede de IRC, o documento justificativo do gasto para efeitos do art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as facturas em sede de IVA.

In casu, as correcções assentaram na desconsideração dos gastos por as facturas em causa não conterem o número do contribuinte. Considerou a AT que os “documentos justificativos” deviam conter todas as formalidades previstas no n.º 5 e n.º 6 do art. 36.º do CIVA.

Ora, considerando a jurisprudência supra exposta, manifestamente não assiste razão à AT. Para além do mais, havia ainda que atender à particularidade do caso, ou seja, ao facto de os fornecedores em causa serem estrangeiros, e por conseguinte, os documentos que emitem não estão sujeitos às regras do direito interno português.

Por outro lado, há que considerar devidamente documentado um gasto para efeitos de IRC, desde que o documento que o suporta assuma uma forma que se mostre adequada a garantir o pleno exercício da actividade fiscalizadora da AT, possibilitando, por um lado, a comprovação da existência e indispensabilidade de tais gastos, e por outro, averiguar junto dos fornecedores se os respectivos rendimentos foram declarados para efeitos de tributação.

Ora, em sede de decisão do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa referentes às liquidações de IVA referentes às duas operações ora em causa nos autos, decidiu-se anular as liquidações por se entender que, apesar das facturas não conterem o número de contribuinte, como se tratava de fornecedores estrangeiros, não têm de cumprir as formalidades previstas no n.º 5 do art. 36.º do CIVA.

Deste modo, se em sede de IVA a AT aceita que não é exigível o respeito das formalidades do direito interno na emissão das facturas, respeitando, portanto, o direito à dedução de dedução do IVA, então, por maioria de razão, tal exigência também não poderia ter sido imposta em sede de IRC para efeitos do art. 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC, numa mesma acção de inspecção, uma vez que, como já referimos, em sede IRC nem sequer se estabelece quais os requisitos que os documentos justificativos dos gastos devem conter, sendo o IVA muito mais rigoroso a nível das formalidades a serem respeitadas.

Ademais, in casu, o facto de não constar o número de contribuinte das facturas ora em causa não impediu a actividade fiscalizadora da AT, pois conforme resulta da decisão do recurso hierárquico em sede de IVA, consultou-se o VIES para verificar da existência dos fornecedores, tal como já havia sucedido em sede de acção de inspecção, sendo que na decisão do recurso hierárquico confirma-se que o fornecedor “……….. & Associados” é sujeito passivo com sede em Espanha registado no VIES e o fornecedor “………….” considerou a operação como intracomunitária no sistema VIES.

Ou seja, os fins que subjazem à exigência do encargo devidamente documentado, in casu, são salvaguardados, pois a AT não se viu manietada no exercício da sua acção de fiscalização.

Mas sobretudo há que notar que apesar de no relatório de inspecção se referir que uma das operações não está declarada no VIES, a verdade é que, a desconsideração do gasto foi efectuada com fundamento de que se tratava de uma despesa indevidamente documentada nos termos do art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, por o documento que suportava o gasto não respeitar os requisitos previstos no n.º 5 do art. 36.º do CIVA, sendo que, em momento algum se fundamentando a correcção no disposto no art. 23.º do CIRC.

Com efeito, apenas em sede de reclamação graciosa se introduz o discurso do não cumprimento dos requisitos do art. 23.º do CIRC. Aliás, mesmo em sede de reclamação graciosa a decisão intitula a análise destas correcções como “despesas indevidamente documentadas”, tal como foram tratadas e fundamentadas as correcções no relatório de inspecção.

E no que diz respeito ao que a Recorrente Fazenda Pública invoca na conclusão VI, trata-se de fundamento avançado em sede de decisão do recurso hierárquico em sede de IRC, o que não faz parte da fundamentação do acto impugnado, porque posterior a este, e por outro lado, está em contradição do que foi decidido no recurso hierárquico em sede de IVA.

Assim sendo, não há que aferir da verificação dos pressupostos do art. 23.º do CIRC, pois a AT apenas colocou em causa o gasto com fundamento no não cumprimento de formalidades na emissão dos documentos, e portanto, considerou-os não devidamente documentados nos termos da alínea g), n.º 1 do art. 42.º do CIRC, e como vimos, atento aos contornos específicos do caso dos autos, é manifesto que a previsão legal não se verifica, a correcção é ilegal porque as operações estavam devidamente documentadas, deste modo, a sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento, e nessa medida, improcedem in totum as conclusões de recurso.

3. Sumário do acórdão

I. Os encargos para serem fiscalmente dedutíveis têm de estar devidamente justificados por meio de documento (alínea g) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC);
II. O CIRC não estabelece qualquer definição do conceito de “devidamente documentado” ao contrário do que sucede em sede de IVA em que se estabelece a obrigatoriedade de emissão de factura (art. 29.º, 1, alínea b) do CIVA) com as formalidades previstas no n.º 5 do art. 36.º do CIVA;
III. Deste modo, em sede de IRC, o documento justificativo do gasto para efeitos do art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as facturas em sede de IVA;
IV. Os encargos estão devidamente documentados quando contenham os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 21 de Maio de 2015.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso