Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:458/10.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I. No âmbito do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, o ónus da prova da não culpa cabe ao revertido.

II. Não afasta a presunção de culpa constante do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, a prova de que, em exercícios/anos anteriores àqueles em que ocorreu o facto tributário e/ou em que ocorreu o termo para o prazo do pagamento voluntário das dívidas revertidas, o revertido terá atuado de forma diligente, dado ser imprescindível produzir prova reportada aos períodos temporais relevantes.

III. O art.º 148.º do CPPT, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2010 de 18 de abril, não previa a cobrança coerciva de coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do RGIT.

IV. Tendo sido suscitada a falta de notificação dentro do prazo de caducidade de algumas das liquidações que estão na origem de parte da dívida exequenda e não constando dos autos quaisquer elementos de prova suficientemente conclusivos a esse respeito, cabe ao Tribunal a quo, em respeito pelo princípio do inquisitório, diligenciar no sentido de obter tais elementos (ainda que os mesmos se venham a revelar inexistentes, após as diligências de prova efetuadas).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

J... (doravante 1.º Recorrente ou Oponente) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 30.01.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada parcialmente procedente a oposição apresentada pelo primeiro, aos processos de execução fiscal (PEF) n.º 343320030... e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Cascais 2 moveu ao oponente, por reversão de dívidas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), atinentes aos anos compreendidos entre 1999 e 2005, de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), dos exercícios compreendidos entre 2000 e 2004, e de coimas, da devedora originária M... – S..., Lda.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, o 1.º Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I -A douta sentença recorrida considerou parcialmente improcedente a oposição do aqui recorrente decretando em consequência a prossecução dos autos de execução fiscal relativos a IRC-2003, IRC-2002; IVA-2004, IVA-1999, IVA-2005 e IRC- 2004.

II -Não se conforma o recorrente com tal decisão por entender que a mesma fez uma errada apreciação da matéria de facto provada e relevante para decisão da causa e ainda por entender que a mesma viola o disposto no art. 24º da LGT.

III –A douta sentença recorrida reconheceu que dos depoimentos das 4 testemunhas resultou provado o seguinte: Todos eles revelaram possuir conhecimento de factos reportados aos anos 90. (...)todos foram peremptórios em afirmar que, pelo menos durante o período em que privaram com o Oponente, este sempre foi um gestor diligente, que tudo fez para manter a actividade da sociedade “M... – S..., LDA.”, e cumprir com as obrigações que sobre ele recaiam (...)”

IV –Não obstante, o Tribunal a quo não considerou tais factos como relevantes para a boa decisão causa, em virtude das testemunhas não terem um conhecimento especifico referente aos anos das dívidas em causa nos autos, o que constitui no entender do recorrente uma errónea apreciação da matéria de facto provada.

V -No entender do recorrente é por demais evidente que a conduta do gerente da empresa durante os anos 90 é relevante para aquilatar da sua capacidade de gerir de acordo com a diligência exigida a um gerente criterioso, nos anos imediatamente subsequentes.

VI -Tendo se provado que o gerente aqui recorrente foi nos 9 anos imediatamente anteriores ao período das dívidas aqui em causa, inclusive no próprio ano de 1999, um gerente diligente, certamente podemos e devemos concluir que a falta de património para fazer face as dividas de 99 a inicio de 2005 não lhe será com toda a probabilidade imputável.

VII -Estes factos provados são assim suficientes para fazer operar uma presunção judicial, nos termos do disposto nos artigos 349º e 351º do Código Civil.

VIII - Assim, o tribunal a quo andou mal ao não valorizar devidamente factos provados que se mostravam suficientes para retirar a ilação que o recorrente foi, também, durante o período entre 99 e 2005 um gerente diligente,

IX -Realizou, desta da forma, o Tribunal a quo uma errónea apreciação da matéria de facto dada como provada e infringiu o disposto no artigo 351º do Código Civil, ou seja, o regime legal das presunções judiciais ou de facto.

X -Consequentemente, andou mal o tribunal a quo ao considerar, não obstante o que admitidamente considerou provado, não afastada a presunção de culpa decorrente do art. 24º da LGT.

XI -Dos factos apurados resulta que o Recorrente foi um gestor diligente, pelo que se concluímos que o aqui recorrente é parte ilegítima nos autos de execução aqui em causa, ao decidir de modo diferente o douto tribunal violou o disposto no art. 24º da LGT.

XII -Para se apurar se o Recorrente atuou ou não de forma ilícita e culposa ao não efetuar o pagamento dos impostos sub judice terá de se atender ao critério do gestor criterioso e ordenado, que corresponde à adaptação do bonus pater familiae aos administradores das sociedades comerciais.

XIII -Para apurar da conduta do gerente como um bonus pater familiae, com vista ao afastamento da presunção constante do art. 24 da LGT, deve o julgador se focar numa avaliação global da conduta do gerente e não numa avaliação meramente pontual respeitante a um determinada mês ou ano da sua gestão.

XIV -Resulta, assim, com particular evidência, que o facto do Recorrente não ter obtido mensalmente a importância necessária para pagar todos as dívidas periódicas mensais, não consubstancia violação das normas de proteção de credores.

XV -Em suma, o comportamento do Recorrente para além de licito, não é culposo, e não foi a causa adequada para a falta de pagamento das dívidas fiscais em causa nos presentes autos, estando assim afasta a presunção legal de culpa insíta no art. 24º da LGT.

XVI - Consequentemente, não se verificam reunidos os requisitos e pressupostos para operar a reversão contra o Recorrente, pelo que deve o mesmo ser considerado parte ilegítima nos autos de execução fiscal e do mesmo passo o despacho de reversão proferido pela entidade recorrida deve ser considerado ilegal.

Termos em que, concedendo provimento ao recurso deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada na parte em que considerou improcedente o pedido do oponente e substituída por outra que considere ilegal o despacho de reversão, em virtude do recorrente ser parte ilegítima nas execuções fiscais em causa.

Decidindo farão V. Exªs a COSTUMADA

JUSTIÇA!”.

A FP não apresentou contra-alegações.

Por seu turno, nas alegações apresentadas, a 2.ª Recorrente formulou as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença, na parte julgada procedente referente aos processos de execução fiscal n.ºs 343320030..., 3433200401048627, 3433200501094424, 3433200201043471,3433200201043480, 3433200101034138, 3433200601091751, 3433200601128825, referentes a dívidas de coimas aplicadas à sociedade devedora originária e revertidas contra o Oponente, e aos processos de execução fiscal n.º 3433200601004603, 3433200601007084, 3433200501116347, 343320050120700 e 3433200501103865, referentes a dívidas de IVA e IRC referentes aos anos de 2000 a 2002.

II. Contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença, e conforme decorre dos factos constantes das alíneas D). e E). do probatório, o Oponente foi notificado para o exercício do direito de audição no âmbito dos processos de execução fiscal referentes a dívidas de coimas e aí teve a oportunidade, querendo, de exercer o contraditório, verificando-se do pleno cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 23.º da LGT, em conjugação com o artigo 60.º da LGT, uma vez que o Oponente para tal notificado.

III. Sendo que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 0623/12, a que apela a douta sentença no sentido de fazer proceder a oposição deduzida no referente às dívidas de coimas subjacentes aos processos de execução fiscal acima identificados, não é passível de aplicação nos presentes autos, mercê da ausência de coincidência dos factos vertidos nos presentes autos e dos factos em que assenta o referido aresto, pois a premissa factual de que a reversão ocorreu sem audição do revertido, presente na factualidade de tal acórdão, não ocorre nos presentes autos.

IV. Assim, não padece o despacho de reversão da ilegalidade que lhe é apontada, por ter sido o Oponente notificado para o exercício do direito de audição no âmbito do incidente de reversão a que lançou mão o Serviço de Finanças, com consequente reversão das dívidas de coimas, pelo que incorre o Tribunal a quo em errado julgamento de facto, com violação do disposto no n.º 1 do artigo 8.º do RGIT e do n.º 4 do artigo 23.º da LGT, normativo a que foi dado cumprimento.

V. No referente aos processos de execução fiscal referentes às dívidas de IRC e de IVA supra identificados, alegando o Oponente a falta de notificação das liquidações de IVA e IRC, referentes aos anos de 2000 a 2002, dentro do prazo de caducidade, entendemos, e salvo o devido respeito, decorrer da douta sentença deficiente fundamentação da decisão em apreço, bem como incorrer a mesma em errado julgamento de facto determinado, por um lado, pelo incumprimento do princípio do inquisitório vertido no n.º 1 do artigo 13.º do CPPT, e por outro, por consequente por uma errónea apreciação dos factos relevantes para efeitos de decisão.

VI. Relativamente às dívidas de IRC subjacentes aos processos de execução fiscal n.º 3433200601004603 e n.º 3433200601007084, de acordo com a informação do Serviço de Finanças vertida na douta sentença as notificações das liquidações foram efectuadas atempadamente, e portanto dentro do prazo de caducidade, com indicação das receptivas datas, impondo-se quanto a tais dívidas que o Tribunal a quo, investido nos seus poderes de inquisitório, tivesse averiguado acerca de tais liquidações e de tais notificações, por entendê-las, como entendeu (ao desconsidera-las), imprescindíveis ao apuramento da verdade material dos factos.

VII. O comando ínsito no n.º 1 do artigo 13.º do CPPT determina que o apuramento da verdade no referente aos factos alegados pelo Oponente, de falta de notificação dentro do prazo de caducidade, das liquidações em apreço, carecia da prossecução pelo Tribunal a quo do poder dever de ordenar as diligências necessárias à descoberta material dos factos, porque da informação do Serviço de Finanças decorre um princípio de prova da existência de tais notificações ocorridas dentro do prazo de caducidade, a qual o Tribunal se demitiu de considerar, determinando, sem cuidar de investigar, como lhe incumbiria ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPPT, de tais factos, imprescindíveis à boa decisão da causa, daqui decorrendo não só a violação do princípio ínsito no normativo referido, como a consequente errada apreciação dos factos, determinante de erro de julgamento de facto.

VIII. Quanto às notificações das liquidações de IVA subjacentes aos processos de execução fiscal n.ºs 343320050l116347 e 3433200501120700 resulta da informação do Serviço de Finanças a que apela o Tribunal a quo que as liquidações em questão foram efectuadas fora do prazo, pelo que, ao Tribunal incumbiria, quanto a estas, proceder à fixação da matéria de facto, considerando as datas de liquidação de tais tributos, com o fim de aferir da efectiva notificação da liquidação dentro ou fora do prazo de caducidade, com apelo neste segmento também ao princípio do inquisitório, tudo isto com o fim de proceder ao correcto enquadramento jurídico dos factos, pois que só a total ausência de notificação da liquidação permite seja a oposição procedente com base no disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º o CPPT.

IX. Assim, neste particular segmento, verificamos que a douta sentença incorre em violação do princípio do inquisitório e em deficiente fundamentação da decisão de facto, com consequente errada apreciação da matéria de facto.

X. Finalmente, no concernente à liquidação de IRC subjacente ao processo de execução fiscal n.º 3433200501103865, decorrendo da informação do Serviço de Finanças a que a douta sentença se refere que a liquidação do tributo em causa em tal processo de execução fiscal, por ter ocorrido em 07/2005, ocorreu fora do prazo, mais uma vez incumbiria ao tribunal a quo apelar ao poder dever decorrente do artigo 13.º do CPPT, uma vez que o apuramento dos factos relativo à determinação do momento da efectivação da liquidação afigura-se de extrema importância, atento o facto de a liquidação fora do prazo se constituir como fundamento de impugnação judicial, não sendo passível de se constituir como fundamento legítimo de oposição à execução fiscal subjacente.

XI. Nestes termos, também aqui apontamos à douta sentença uma deficiente determinação dos factos relevantes para a decisão, com omissão dos factos relativos à data da liquidação de IRC em apreço nos autos, mercê da não prossecução da descoberta da verdade material dos factos a que se encontra vinculado o Tribunal a quo, em ordem a conhecer dos factos imprescindíveis à boa decisão da causa.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada, no segmento de que aqui se recorre, com as devidas consequências legais.

Sendo que V. Exas., decidindo, farão a Costumada Justiça”.

O Oponente não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento aos recursos.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Quanto ao recurso apresentado pelo 1.º Recorrente:

a) Há erro de julgamento, na medida em que, ficando demonstrada a atuação diligente na década de 1990, por presunção judicial infere-se a atuação diligente do Oponente?

Quanto ao recurso apresentado pela 2.ª Recorrente:

b) Há erro de julgamento em virtude de o oponente ter sido notificado para o exercício do direito de audição, no tocante às dívidas de coimas?

c) Verifica-se erro de julgamento, dado que o Tribunal a quo deveria ter diligenciado no sentido de obter os elementos relativos às notificações das liquidações de IRC e IVA?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) . A 12.04.1993 foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Cascais o contrato de sociedade da “M... – S..., LDA.”, nipc 5..., em que eram sócios gerentes L... e J..., e gerentes os sócios e J..., vinculando-se a sociedade com a intervenção de dois gerentes [cf. cópia da certidão do registo comercial a fls. 27 e 28 dos autos e fls. 35 e 36 do PEF em apenso e prova testemunhal].

B) . Em 06.05.2003 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 343320030..., no Serviço de Finanças de Cascais 2, contra a sociedade “M... – S..., LDA.”, nipc ..., para cobrança de dívida de coima, referente a infracção cometida no período de 2000, com data limite de pagamento a 19.01.2003, pela quantia exequenda de €339,91 [cf. fls. 1 a 2 do PEF em apenso].

C) . Ao processo identificado no ponto anterior foram apensos os seguintes processos de execução fiscal:

D) . Por ofício n.º 12736, de 30.08.2007, foi o Oponente notificada para o exercício do direito de audição prévia, em sede de preparação do processo de execução fiscal n.º 343320030... e apensos para reversão [cf. fls. 70 a 75 do PEF em apenso].

E) . Por despacho de 02.11.2007, da Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Cascais 2, por delegação, foi determinada a reversão do processo de execução fiscal n.º 343320030... e apensos contra o Oponente, pela quantia exequenda de €223.381,82 [cf. fls. 191 a 193 do PEF em apenso].

F) . A 07.01.2008 foi recebida a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls. 6 dos autos]”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, bem como da prova testemunhal produzida, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Foram ouvidas quatro testemunhas pelo tribunal: L..., trabalhador da sociedade devedora originária nos anos 90, D..., companheira do Oponente entre 1991 e 1997, L... e J..., sócios da sociedade devedora originária. Todos eles revelaram possuir conhecimento de factos reportados aos anos 90, mas não especificamente aos anos de 1999 a 2005, anos referentes às dívidas em cobrança coerciva nos presentes autos. Não obstante, todos foram peremptórios em afirmar que, pelo menos durante o período em que privaram com o Oponente, este sempre foi um gestor diligente, que tudo fez para manter a actividade da sociedade “M... – S..., LDA.”, e cumprir com as obrigações que sobre ele recaiam, embora fosse dada preferência ao pagamento de fornecedores, por forma a manter a loja a funcionar”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração (1).

Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação dos factos C) e E) mencionados em II.A:

C) Ao processo identificado no ponto anterior foram apensados os seguintes processos de execução fiscal:
Processo
Tributo
Ano
Valor
Fls. do PEF
Data limite para pagamento voluntário
3433200601000470
IRC
2003
€9.628,97
317 a 318
18/12/2005
3433200401048627
Coima
2003
€ 800,46
290 a 293
27/04/2004
3433200601000977
IRC
2002
€8.300,92
319 a 320
21/12/2005
3433200601004603
IVA
2000 a 2003
€144.031,62
321 a 405
13/01/2006
3433200701006207
IVA
2004
€1.496,40
414 a 415
21/12/2006
3433200501094424
Coima
2002
€ 734,50
314 a 316
28/06/2005
3433200201043471
Coima
2001
€ 339,91
300 a 306
14/05/2002
3433200201043480
Coima
2001
€ 339,91
307 a 313
-
3433200601007084
IRC
2001
€14.836,98
406 e 407
18/01/2006
3433200101028731
IVA
1999
€4.040,30
268 a 289
27/04/2001
3433200101034138
Coima
1999
€ 171,58
294 a 299
17/09/2001
3433200701068644
IVA
2005
€1.496,40
416 a 417
03/05/2007
3433200501116347
IVA
2000
€10.200,00
263 a 265
31/08/2005
3433200501120700
IVA
2000
€2.393,51
266 a 267
09/09/2005
3433200501103865
IRC
2000
€16.545,80
260 a 262
11/08/2005
3433200601066749
IRC
2004
€7.493,11
408 a 409
05/07/2006
3433200601091751
Coima
2006
€ 246,50
410 a 411
23/09/2006
3433200601128825
Coima
2006
€ 246,50
412 a 413
08/11/2006
E) Foi proferido despacho, a 02.11.2007, pela Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Cascais 2, por delegação, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 343320030... e apensos, do qual consta designadamente o seguinte:


«Imagem no original»

[cf. fls. 191 a 193 do PEF em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

G) No âmbito dos PEF 343320030... e apensos foi elaborada informação, a 30.08.2007, com o seguinte teor:


«Imagem no original»

(cfr. fls. 39 do PEF apenso).

H) Na sequência do referido em G), foi proferido, a 30.08.2007, despacho com o seguinte teor:

(cfr. fls. 39 do PEF apenso).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento alegado pelo 1.º Recorrente

Considera o 1.º Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que ficou demonstrado que atuou com diligência, durante a década de 1990, pelo que, por presunção judicial, se infere que essa diligência sempre ocorreu.

Vejamos então.

Antes de mais, refira-se que, não obstante o 1.º Recorrente se insurgir contra a circunstância de determinados elementos, referidos na motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, não constarem do elenco dos factos provados, o mesmo não impugnou a tal decisão, nos termos exigidos pelo art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT.

Com efeito, considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (2).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (3).

Ora, in casu, os ónus que se impõem ao Recorrente não foram cumpridos.

Como tal, a matéria de facto a considerar é a suprarreferida em II.

Prossigamos, então.

In casu, a dívida revertida, na parte relativa a impostos, respeita aos anos compreendidos entre 1999 e 2005, tendo os respetivos prazos para pagamento voluntário terminado entre 2001 e 2007 (cfr. facto C).

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

Demarca ainda duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do art.º 32.º da LGT, que prevê “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos” (4). Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

Feito este introito, cumpre apreciar.

Desde já se adiante que não assiste razão ao 1.º Recorrente.

In casu, não é controvertido que estamos no âmbito da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

O mencionado art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, como já referimos, consagra uma presunção de culpa: presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária.

Esta imputabilidade não se circunscreve ao mero ato de pagar ou não pagar tais dívidas, englobando todas as atuações conducentes à falta de pagamento do imposto.

Com efeito, integram a norma constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT tanto as situações em que o gestor, em funções no momento em que terminou o prazo de entrega ou pagamento, não pagou das dívidas, apesar de a devedora originária ter meios para tal, como as situações em que o gestor atuou de forma a que, no referido momento, não existissem bens no património societário para responder pelos débitos em causa, impossibilitando o pagamento.

Portanto, cabe ao revertido demonstrar que não teve culpa em termos de condução da devedora originária a uma situação que redundou na falta de pagamento das suas dívidas tributárias, face aos padrões de gestão média (cfr. art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais).

Ora, tal não ficou provado.

Com efeito, mesmo considerando a factualidade que, apesar de não segregada, se extrai da motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto (cfr. II.C supra), a verdade é que a mesma não é relevante nos termos exigíveis em causa.

Caberia ao Oponente ter produzido prova que demonstrasse, de forma inequívoca, que a sua atuação não conduziu à situação de depauperamento da devedora originária e essa prova implica que, em termos de período temporal, abarque justamente aquele que é relevante – quer considerando o momento da ocorrência dos factos tributários, quer o momento em que o prazo para pagamento voluntário dos impostos em causa terminou. Esse é o período temporal efetivamente imprescindível para efeitos de prova e sobre a atuação do 1.º Recorrente nesse mesmo período nada foi dito, como decorre da motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Como tal, essa prova não foi feita.

Por outro lado, de modo algum se pode, através de presunções judiciais, extrair, do facto de, durante um determinado período, anterior ao período relevante nos autos, o Oponente ter tido uma atuação diligente, que tal atuação se estendeu no tempo até 2007.

A prova exigível ao revertido tem de ser de modo a demonstrar, de forma inequívoca, que a sua atuação, dentro dos períodos de tempo relevantes, se pautou por critérios de diligência exigíveis a um gestor criterioso e ordenado, o que não sucedeu in casu.

Assim sendo, o Oponente não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impendia, tal como refere o Tribunal a quo.

Face ao exposto, não assiste razão ao 1.º Recorrente.

Passemos à apreciação do recurso apresentado pela 2.ª Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento suscitado pela FP, quanto às dívidas de coimas

Considera, por seu turno, a 2.ª Recorrente que o Tribunal a quo, na parte relativa a dívidas de coimas (a que respeitam os PEF n.ºs 343320030..., 3433200401048627, 3433200501094424, 3433200201043471, 3433200201043480, 3433200101034138, 3433200601091751 e 3433200601128825), incorreu em erro de julgamento, na medida em que ficou provado que o Oponente teve oportunidade de se pronunciar sobre tais dívidas no exercício do direito de audição.

Vejamos então.

No caso, o despacho de reversão foi proferido a 02.11.2007.

Cumpre, a este respeito, fazer uma breve análise do regime atinente à reversão por dívidas de coimas.

A natureza da responsabilidade prevista no art.º 8.º do RGIT foi objeto de debate, na jurisprudência, designadamente junto do Tribunal Constitucional (TC).

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do TC n.º 249/2012 (Processo n.º 789/11), de 22.05.2012, no qual se escreveu o seguinte:

“O Tribunal Constitucional já apreciou, em acórdão tirado em plenário, a questão de saber se é inconstitucional a norma que estabelece a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas coletivas em processo de contraordenação fiscal (Acórdão n.º 561/2011 (…)). Decidiu não julgar inconstitucional tal norma, adotando o entendimento dos Acórdãos n.ºs 129/2009, 150/2009 e 234/2009 (…), lendo -se no primeiro o seguinte:

« [...] O que a norma, por conseguinte, prevê é uma forma de responsabilidade civil, que recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que tenha sido condenada a sociedade ou pessoa coletiva, cujo não pagamento lhes seja imputável ou resulte de insuficiência de património da devedora que lhes seja atribuída a título de culpa.

(…) No caso vertente, importa ter em consideração, antes de mais, que não estamos perante uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou tão pouco de transmissão de responsabilidade contraordenacional.

O que o artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa coletiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.

O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contraordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa coletiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.

A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contraordenacional…” (sublinhado nosso).

Atendendo a esta configuração da responsabilidade, como responsabilidade civil, a questão que se colocou entre a jurisprudência, até à alteração do art.º 148.º, n.º 1, do CPPT, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, foi a de que o processo de execução fiscal não era, à época, meio próprio para se exigir coercivamente dívidas relativas a responsabilidade civil.

Com efeito, até tal momento, não havia normativo legal que permitisse recorrer ao processo de execução fiscal para exigir coercivamente as mencionadas dívidas.

A este propósito, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.02.2012 (Processo: 01147/09), de 19.04.2012 (Processo: 01216/09) e de 11.07.2012 (Processo: 0824/11).

Refere-se, a este respeito, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.06.2012 (Processo: 0623/12), aresto em que se ancora o Tribunal a quo:

“[T]endo em conta a jurisprudência constante daquele Acórdão [do Tribunal Constitucional] nº 437/2011 (e dos demais que se lhe seguiram no mesmo sentido, cfr. acs. nº 518, de 31/10/2011, nº 531/2011, de 9/11/2011, nº 561/2011, de 22/11/2011, nº 629 e 628 de 19/12/2011, nº 37/2012, de 25/1/2012 e nº 249/2012, de 22/5/2012), não se pode dizer que o problema da aplicabilidade do incidente da reversão, previsto na LGT e no CPPT, à efectivação da responsabilidade civil extracontratual dos gestores e administradores por coimas que foram aplicadas à executada durante a sua gerência, ficou definitivamente arrumado.

O Tribunal Constitucional analisou o problema da constitucionalidade do artigo 8º do REGIT numa dupla perspectiva: do ponto de vista substantivo, entendendo que a responsabilidade dos gerentes ou administradores consagrada naquele artigo é titulada pelo instituto da responsabilidade civil delitual ou aquiliana; do ponto de vista adjectivo, defendendo que o recurso, ainda que implícito, ao sistema de reversão das execuções, não constitui um factor de censura constitucional, desde que, em cada caso concreto, seja acautelada a existência de um processo equitativo.

Na primeira dimensão, o artigo 8º do REGIT não é inconstitucional, porque os gestores e administradores «são chamados, a título subsidiário, na exacta medida do dano que produziram à Administração Fiscal ao terem impossibilitado, pela sua administração, a realização do pagamento das coimas devidas. A imputação não prescinde, como realçou então o Tribunal, da verificação dos pressupostos gerais, atinentes ao cometimento de um facto ilícito e culposo, bem como ao nexo de causalidade adequada entre a acção e o dano produzido. Esta configuração da responsabilidade prevista nas alíneas a) e b) do artigo 8.º, n.º 1, do RGIT torna inadequada a convocação de qualquer dos parâmetros contidos nos artigos 30.º e 32.º da Constituição. De facto, e independentemente da questão de se determinar, previamente, o âmbito de aplicação das garantias de defesa em processo criminal quando estejam em causa ilícitos contra-ordenacionais, pode-se concluir liminarmente pela inadequação das mesmas enquanto parâmetros de apreciação da questão em apreço, uma vez que a mesma se localiza num outro lugar do sistema, atinente à responsabilidade extracontratual».

(…) Ao debruçar-se sobre se, no caso concreto em fiscalização, foi ou não acautelada uma tramitação processual mínima que salvaguardasse os direitos de defesa e de contraditório dos sujeitos que foram “chamados” ao processo, o qual, se baseava num título de dívida “originário” que não iria sofrer, por via de tal “chamamento”, quaisquer alterações, o Tribunal Constitucional deixou em aberto a questão de saber se as normas da LGT e do CPPT permitem que se use a execução fiscal movida contra a empresa condenada em coimas para se executar também o “quantum” da responsabilidade civil dos gestores que culposamente não providenciaram para que as coimas fossem pagas.

Actualmente a questão parece estar resolvida, pese embora a ambiguidade da norma da alínea c) do artigo 148º do CPPT introduzida pela Lei nº 3-B/2010 de 18 de Abril, que estabelece que o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva de «coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias».

(…) Antes do aditamento da alínea c) ao artigo 148º do CPPT, apesar da jurisprudência do Tribunal Constitucional, entendia-se que a responsabilidade civil extracontratual emergente de coimas através de processo de execução fiscal não estava prevista no art. 148.º do CPPT. O órgão da execução fiscal apenas tinha legitimidade para promover a execução e a reversão (art. art. 152.º, n.º 1 e 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT) relativamente às dívidas que se enquadravam naquele artigo e não a quaisquer outras.

Deste modo, defendia-se que apenas as dívidas de coimas podiam ser cobradas em processo de execução fiscal, pois estavam previstas no ar 148.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, não havendo obstáculo processual a que pudesse haver reversão, se ela for constitucionalmente admissível; mas relativamente às decorrentes de responsabilidade civil extracontratual considerava-se que não podiam ser cobradas através de processo de execução fiscal e, consequentemente, não podia haver reversão. (cfr. acs. do STA de 1-7-2009, processo n.º 31/08, e de 14-4-2010, processo n.º 64/10).

(…) [N]o caso dos autos, o mecanismo da reversão foi utilizado em data anterior ao aditamento da norma da alínea c) do artigo 148º. Como se vê dos factos assentes, a reversão ocorreu em Setembro de 2009, numa data em que ainda não havia entrado em vigor a Lei nº 3-B/2010. E se a efectivação da responsabilidade do gerente por via do mecanismo da reversão no processo de execução fiscal não estava legalmente prevista, então não era exigível aos potenciais “revertidos” que apresentassem a defesa e contraditório no incidente que o órgão de execução fiscal levantou para o efeito. E se isso não lhe era exigível, a continuação da execução sem que efectivamente tivessem exercido a defesa e o contraditório no âmbito de um outro procedimento relativamente às coimas, ou sem que o tivessem efectivamente exercido através do mecanismo do nº 3 do artigo 23º da LGT, o que não se mostra ter ocorrido nos autos, representa uma violação do direito fundamental previsto no nº 10 do artigo 32 º da CRP.

E assim sendo, há que extrair as devidas consequências.

A audiência dos interessados nos procedimentos sancionadores é uma formalidade, ou um conjunto de formalidades, que tem por objectivo permitir o exercício do direito de defesa. Quando os interessados sejam acusados da prática de um facto ilícito, a sua intervenção no procedimento reveste objectivos de defesa jurídica, que se manifestam na oportunidade que lhe é dada de repelirem e contraditarem eventuais lesões que a decisão administrativa possa causar nos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Neste tipo de procedimentos, a função garantística ou de protecção jurídica sobressai e releva muito mais do que nos procedimentos comuns ou gerais (não sancionadores), pois interferem com a esfera de liberdade e dignidade das pessoas ou com o gozo e exercício de direitos fundamentais. E isto tem consequências jurídicas quando tal direito for indevidamente preterido. É que o direito de defesa no âmbito procedimento desse tipo é de tal modo importante que implica um regime especial em sede de vícios procedimentais. Sendo um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a sua violação determina a nulidade do acto final (cfr. art. 133º, nº 2, alínea d) do CPA).

Deste modo, ao permitir-se a continuação da execução, sem que os recorrentes alguma vez tenham exercido, no âmbito de um processo equitativo, o direito de defesa relativamente às coimas que foram aplicadas à devedora originária, o despacho reclamado enferma de ilegalidade” (sublinhados nossos).

O que resulta desta concreta jurisprudência é que, em momento anterior ao da alteração do art.º 148.º do CPPT, não estava legalmente prevista a possibilidade de as dívidas de responsabilidade civil determinadas nos termos do RGIT poderem ser cobradas através de processo de execução fiscal. Assim, nestes casos, não era exigível aos revertidos o exercício do direito de defesa em relação às coimas nos termos previstos em sede de procedimento sancionador. E não lhe sendo exigível e não tendo sido efetivamente exercido, nos termos referidos no mencionado acórdão, o ato de reversão é ilegal.

Portanto, do que se trata aqui é da efetividade do exercício de um direito, num contexto legal que não consagrava a reversão nos termos atualmente consagrados no art.º 148.º, n.º 1, al. c), do CPPT.

É justamente isto que o Tribunal a quo refere. Não sendo exigível ao Oponente, nos termos explanados, a apresentação de defesa relativamente às coimas, a falta de efetivo exercício dessa defesa reverte contra a AT, justamente por estarmos perante a utilização de um meio que, à época, não abrangia as dívidas de responsabilidade civil por falta de pagamento de coima. Se a efetivação da responsabilidade do gerente por via do mecanismo da reversão no processo de execução fiscal não estava legalmente prevista nestes casos, a mesma só poderia prosseguir se, apesar dessa circunstância, efetivamente o revertido tivesse usado o seu direito de defesa em termos similares aos previstos no âmbito do procedimento sancionador. E tal não ocorreu in casu. Este é o entendimento vertido na sentença recorrida que, em bom rigor, não foi atacado pela 2.ª Recorrente, na medida em que o Tribunal a quo não pôs em causa a notificação mencionada em D) do probatório, sublinhando, sim, o facto de o exercício do direito de defesa não ter ocorrido, inexistindo a “oportunidade de exercer o poder de contraditório, em relação a cada coima ali exigida” – o que decorre claramente do próprio despacho proferido para efeitos do exercício do direito de audição, no qual não constam os elementos essenciais relativos às coimas, o que, per se, limita qualquer direito de defesa nos termos explanados no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo referido [cfr. factos G) e H)].

Como tal, não assiste razão à 2.ª Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento, quanto à falta de notificação

Insurge-se igualmente a 2.ª Recorrente contra o decidido pelo Tribunal a quo, relativamente à alegada falta de notificação das liquidações de IRC e IVA subjacentes aos PEF 3433200601004603, 3433200601007084, 3433200501116347, 3433200501120700 e 3433200501103865, considerando que o mesmo violou o princípio do inquisitório.

Vejamos então.

A falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação constitui fundamento de oposição, enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.

In casu, o Oponente invocou que a devedora originária não foi notificada das liquidações em causa antes de decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, referindo, nos art.ºs 79.º e 84.º da petição inicial, que “todas as liquidações foram notificadas depois daquela data”.

O Tribunal a quo, nada dizendo a este propósito na decisão proferida sobre a matéria de facto (nem na factualidade provada nem na não provada), ancorou-se, na análise de direito, exclusivamente em informação proferida pelo órgão de execução fiscal (OEF), ao abrigo do disposto no art.º 208.º, n.º 3, do CPPT, e na ausência de prova da efetividade das notificações.

Quanto à informação, ainda que se considere que a mesma é uma informação oficial nos termos previstos no art.º 115.º, n.º 2, do CPPT, só tem “força probatória quando devidamente fundamentada”.

Ora, atentando na referida informação, verifica-se que a mesma não contém elementos suficientes, limitando-se a referir a data de notificação constante do sistema interno da AT (que, como é jurisprudência pacífica, não é elemento suficiente para prova da efetividade de uma determinada notificação, por se tratar de um mero registo interno no sistema informático da própria exequente), não mencionando sequer todos os elementos necessários para efeitos de demonstração da notificação dentro ou fora do prazo de caducidade do direito à liquidação. Como tal, a mesma, enquanto meio de prova, é insuficiente.

Por outro lado, compulsados os autos integralmente, nada mais consta dos mesmos a respeito das notificações.

Resta, então, aferir se o Tribunal a quo violou ou não o princípio do inquisitório.

Ora, é certo que cabe em primeira linha às partes demonstrar os factos cujo ónus seja seu – no caso, caberia à FP tal demonstração.

No entanto, o princípio do inquisitório impõe que o Tribunal a quo tivesse ido mais longe.

Tal é um dos princípios que enforma o processo tributário. Atento o mesmo, impõe-se que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material.

Encontra previsão expressa no n.º 1 do art.º 99.º da LGT, nos termos do qual “[o] tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”, encontrando-se previsto, em termos idênticos, no art.º 13.º do CPPT.

O respeito pelo princípio do inquisitório implica, pois, que, sendo relevantes para a descoberta da verdade material, se levem a cabo diligências de prova, quer requeridas pelas partes, quer por iniciativa do próprio Tribunal.

Assim, o respeito pelo princípio do inquisitório reflete-se, desde logo, na decisão de ordenar, mesmo oficiosamente, a realização das diligências necessárias à descoberta da verdade material.

Ora, sendo alegada a falta de notificação das liquidações dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação e atenta a ausência de elementos suficientes a este respeito, o Tribunal tem o poder-dever de os solicitar.

Era, então, pertinente que tivesse sido ordenada a junção de todos os elementos que (i) provem a efetividade da notificação e (ii) que permitam a correta contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação.

In casu, tal não foi feito. Com efeito, tais elementos não constam nem do processo nem do PEF apenso e não foi feita qualquer diligência pelo Tribunal a quo tendente à sua junção.

Assim sendo, assiste nesta parte razão à 2.ª Recorrente, padecendo a sentença em crise de défice instrutório, devendo os autos, nesta parte, retornar ao Tribunal a quo para a realização de todas as diligências instrutórias pertinentes e consequente ampliação da decisão da matéria de facto (provada ou não provada) e prolação de nova decisão quanto a esta exclusiva parte (quer quanto a este vício, quer, caso tal não resulte prejudicado, quanto aos vícios alegados pelo Oponente e cujo conhecimento o tribunal a quo considerou prejudicado).

IV. DECISÃO

Face ao exposto:

a) Nega-se provimento ao recurso apresentado pelo Oponente;

b) Custas pelo Oponente, tendo em conta o benefício do apoio judiciário de concedido;

c) Concede-se parcial provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública e, em consequência:

c.1. Mantém-se a decisão recorrida, no tocante à reversão de coimas;

c.2. Anula-se a sentença recorrida na parte relativa aos processos de execução fiscal n.ºs 3433200601004603, 3433200601007084, 3433200501116347, 343320050120700 e 3433200501103865, determinando-se a baixa dos autos à 1.ª instância, para eventual ampliação da matéria de facto, após realização das pertinentes diligências de prova.

d) Custas pela Fazenda Pública, na parte em que decaiu, fixando-se a sua responsabilidade em 2%, e sem custas quanto ao demais;

e) Registe e notifique.


Lisboa, 14 de outubro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(3) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132.