Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:125/23.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
DOMICÍLIO FISCAL DOS ARGUIDOS
DERROGAÇÃO DO SIGILO FISCAL
INTERESSE LEGÍTIMO
DEVER DE CONFIDENCIALIDADE COMUNICANTE
Sumário:I-O direito à informação constitui um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, englobando as duas vertentes, procedimental e não procedimental, o qual visa concretizar os princípios constitucionais da transparência administrativa e do controlo da Administração.
II-Perante a necessidade de conciliar o princípio da administração pública aberta e da cooperação institucional pública com o direito constitucional à privacidade e o caráter sigiloso de certos dados, os conflitos que surjam entre os mesmos, devem ser dirimidos mediante análise casuística dos interesses em jogo e do princípio da proporcionalidade.
III-O objeto do dever de sigilo fiscal são os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal obtidos no procedimento tributário.
IV-A derrogação consagrada no artigo 64.º, nº2, alínea b), da LGT, tem como fundamento a existência de um interesse público prevalente ao de manutenção do sigilo fiscal, não consagrando qualquer dever de cooperação legal, remetendo, tão-só, para legislação própria donde se possa inferir esse mesmo dever de colaboração e auxílio.
V-O artigo 54.º, nº3, do RGCO constitui norma habilitante para efeitos da derrogação plasmada no artigo 64.º, nº2, alínea b), da LGT, porquanto permite inferir a consagração de deveres de auxílio, donde, colaboração e consequentemente de acesso de elementos pessoais por parte das Autoridades Administrativas para efeitos de prossecução dos fins de instrução dos processos de contraordenação, e defesa por parte dos visados.
VI-A informação requerida encontra-se fundamentada de facto e de direito, visa um fim específico e corporiza um interesse legítimo, inexistindo qualquer comportamento desviante ou interesses conflituantes, na medida em que a confidencialidade comunica-se às Autoridades Administrativas a quem sejam facultados os elementos requeridos, conforme resulta clausulado do teor do artigo 64.º, nº3, da LGT, devendo, por isso, ser facultado o requerido e visado domicílio fiscal dos arguidos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, (doravante DRFP) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, através da qual julgou procedente a intimação para prestação de informações, apresentada pelo MUNICÍPIO DE CASCAIS, nos termos do disposto nos artigos 104.º e 105.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicáveis por remissão da alínea c), do artigo 2.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, nos termos dos quais o intimou a fornecer a informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos objeto dos pedidos de informação efetuados, no prazo máximo de dez (10) dias.


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


“52.º

Atento o exposto, não poderá a causa de pedir proceder não só por violar o artigo 64.º da LGT, que impõe o dever de confidencialidade aos dirigentes, funcionários e agentes da AT, a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado, assim como inexistir norma legal que possibilite a transmissão do solicitado dado ao Município, nos termos da al. b) do n.º 2 da mesma norma.

53.º

Não existe base legal específica para aceder à informação à guarda da AT, designadamente, para acesso ao dado domicílio com a finalidade de instrução de processos de contraordenação, estabelecendo as normas habilitantes para a cessação do dever a aplicação exclusiva no âmbito patrimonial e executivo, em sede de tributos.

54.º

A al. b) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT prevê a cessação do dever de sigilo na cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes, significando que é imprescindível uma norma específica que ceda à entidade o acesso a informação protegida pelo dever de confidencialidade.

55.º

A norma derrogatória do dever de sigilo fiscal aplicável aos municípios não abrange procedimentos contraordenacionais.

56.º

Ao contrário do defendido na sentença ora em recurso, que recorreu a uma norma geral de auxílio entre entidades para defender a “inexistência de limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a informação solicitada”, é obrigatório uma norma expressa de acesso aos dados à guarda da AT, estando previstos somente no âmbito executivo.

57.º

A cedência de dados protegidos pelo dever de confidencialidade por parte de um funcionário da AT, sem que exista fundamentação legal que a permita, implica não só responsabilidade disciplinar como responsabilidade criminal para o funcionário que atue em desconformidade com a lei.

58.º

Ademais, existe uma base de dados específica criada para identificar o cidadão perante a Administração Púbica: a Base dados de identificação civil (BDIC), da qual consta o dado morada e que, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º Lei n.º 33/99, de 18 de maio, alterada por último pela Lei 32/2017, de 01/06, é reconhecida a possibilidade de acesso por entidades aos dados constantes da BDIC, constituindo atualmente na base mais atualizada.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença ora recorrida por a mesma configurar violação do previsto no artigo 64.º da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de Agosto, e artigo 26.º, artigo 35.º, n.º 4 e artigo 266.º, todos da Constituição da República Portuguesa, absolvendo a AT do pedido, com as legais consequências.”


***




A Recorrida devidamente notificada apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:


“1. O Recorrente alega que a sentença está ferida de ilegalidade por configurar violação do previsto no artigo 64° da LGT, sendo a recusa legítima em virtude de não existir norma habilitante específica para fazer cessar o sigilo fiscal, havendo violação da lei substantiva relativa à proteção de dados pessoais ao optar pela sua desaplicação.

2. O Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido apresentado pelo Recorrido para obtenção de informações relativas ao domicílio fiscal dos arguidos nos respetivos processos de contraordenação, em razão de existir norma especifica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever legal de cooperação legal da AT com outras entidades públicas previsto no artigo 64.° n.° 2 al. b) da LGT. Os pedidos encontram-se fundamentados no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa nos termos do disposto nos artigos 41° n.° 2 e 54° n.° 3 do RGCO.

3. O enquadramento legal subjacente aos pedidos de informação resulta do poder conferidos às autarquias locais para instruir e decidir sobre matéria contraordenacional nos termos preceituados no artigo 35° n.° 2 alínea n) do RJAL e do disposto nos artigos 33°, 34°, 41° n.° 2, 47°, 50° e 54° n.° 3 do RGCO

4. Como resulta da sentença, e em nosso entender bem, do acervo legal relativo às atribuições do requerente no âmbito dos processos de contraordenação resulta a necessidade do conhecimento do dado domicílio, sendo o n.° 3 do artigo 54° do RGCO "a norma habilitante que especificamente prevê o acesso aquele citado pessoal, e que e apta a afastar o dever de confidencialidade, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.° 2 do artigo 64°da LGT.

5. Resulta provado que o Recorrido fundamentou os seus pedidos de informação no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 41°, no n.° 3 do artigo 54° do RGCO e artigo 64° da LGT, não se apresentando como um mero ente administrativo que necessita de informação para prosseguir as suas atribuições e que, como tal, solicita a colaboração da Autoridade Tributária,

6. Com efeito, de pouco serviria ao Recorrido a atribuição de competência específica para conduzir a fase administrativa dos processos de contraordenaçáo, se depois estivesse impedido de levara cabo as diligências necessárias para o efeito, sem dar oportunidade de defesa ao arguido no processo em cumprimento do exigido na Constituição e na Lei.

7. Ao contrário do que insiste em defender o Recorrente, no RGCO existe norma habilitante que confere ao Recorrido o acesso à informação protegida.

8. Acresce que, o seu direito não pode ser limitado nos termos pretendidos pelo Recorrente, nomeadamente, pela obtenção de informação junto de outra entidade, cujos dados também não são de livre acesso, quando, resulta provado que não existe qualquer impedimento legal ao acesso pretendido pela autoridade administrativa através da base de dados da AT.

9. Por outro lado, também não se compreende a que título o Recorrente vem agora pronunciar-se acerca da qualificação do Recorrido como autoridade tributária, uma vez que os pedidos em apreciação não foram efetuados ao abrigo desses poderes, nem no âmbito de processos executivos por si instaurados.

10. Não podendo deixar de lamentar a atuação da AT que, apesar de reconhecer que o CPPT tem norma habilitante para a satisfação dos pedidos de acesso no âmbito da instrução de processos executivos, continua a obrigar o Recorrido a intentar, no âmbito desses processos executivos, sucessivas ações de intimação para prestação de informações com fundamento nas prerrogativas que lhe assistem enquanto autoridade tributária.

11. Não obstante, voltando ao objeto dos presentes autos, encontra-se demonstrado que se encontra expressamente consagrado na lei que, no âmbito dos processos de contraordenação, a câmara municipal tem os mesmos direitos que as entidades competentes para o processo criminal e que ao abrigo do dever de auxílio no âmbito da instrução, poderá a autoridade administrativa solicitar informação sobre o domicílio atualizado dos arguidos à AT.

12. O artigo 41° n.° 1 do RGCO determina a aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo contraordenacional, sendo indiscutível que o processo contraordenacional está estruturado em moldes idênticos ao processo-crime e que os municípios atuam nas vestes de autoridade administrativa. Do artigo 54° n.° 3 resulta um dever de prestação de auxílio entre várias entidades e serviços públicos no âmbito destes processos.

13. Razão pela qual bem andou o Tribunal a quo ao decidir que “á luz do crivo do princípio da proporcionalidade, na ótica da ponderação dos interesses em jogo, não ficam diminuídos os direitos dos contribuintes, na proteção dos dados pessoais, em confronto com o interesse público subjacente à aplicação de contraordenações (...). ” (fls 16 e 17)

14. É inegável que o sigilo fiscal previsto no n.° 1 do artigo 64° da LGT, enquanto expressão do direito à privacidade dos contribuintes, não é absoluto e deve ser derrogado como resposta a outros bens jurídicos igualmente relevantes, na medida necessária para satisfazer o equilíbrio dos interesses em iogo. Veja-se a este propósito o sumário do Acórdão do STA de 16.11.2011, proferido no processo n.° 0838/11.

15. Também resulta evidente que, de forma a assegurar os direitos fundamentais dos arguidos e atendendo ao interesse público subjacente a estes processos, os elementos protegidos pelo segredo fiscal devem ser cedidos na medida do estritamente necessário.

16. Com efeito, no âmbito da instrução dos processos de contraordenação verifica-se que a manutenção do sigilo pela AT revela-se contrária aos interesses e direitos dos respetivos arguidos, impedindo-os de exercerem os seus direitos constitucionais conforme previsto nos artigos 268°, 32° n.°2e 16° da CRP.

17. Acresce que, conforme resulta do n.° 3 do artigo 64° da LGT, o dever de confidencialidade se mantém assegurado uma vez que se estende a quem obtenha esses elementos da AT,

18. É inequívoca a legitimidade do ora recorrido bem como o seu interesse legítimo qualificado, decorrente das suas atribuições e competências, não podendo este direito ser ilegalmente limitado nos termos pretendidos pelo Recorrente, nomeadamente pela obtenção de informação junto de outra fonte, cujo acesso não é livre.

19. Para além da existência de norma habilitante, também resulta provado nos autos que os pedidos contêm o fim a que se destina a informação e se limitam ao estritamente necessário para o prosseguimento dos autos, revelando-se o meio adequado e necessário para a sua obtenção.

20. Presentemente, a AT faz uso da sua base de dados quando procede à instrução dos processos de execução de coimas aplicadas pelas câmaras municipais (quando estas não são pagas voluntariamente, nem são objeto de impugnação).

21. Pelo que, mais uma vez, bem andou o Tribunal a quo ao entender que os arguidos dos processos de contraordenação da competência do Recorrido não merecem maior, nem menor proteção que os arguidos dos processos de contraordenação instaurados pela AT.

22. Em conclusão, no âmbito da instrução dos processos de contraordenação, a informação solicitada pelo Recorrido deve ser prestada em cumprimento da Lei, em que está expressamente consagrado um dever de auxílio, encontrando-se salvaguardado o segredo em virtude do siglo se estender à entidade que obtém os dados protegidos.

23. Sem conceder no direito lhe assiste por força do previsto no RGCO e na LGT, considera o Recorrido que, por força do presente de intimação, também ser proferido despacho judicial a ordenar a cessação do dever de sigilo relativamente aos pedidos identificados no artigo 10 ao abrigo do artigo 54° n.° 3 do RGCO conjugado com o disposto na al. d) do artigo 64° da LGT, por ter ficado demonstrado que o elemento solicitado é imprescindível para o exercício das competências enquanto autoridade administrativa nos processos de contraordenação em curso e para salvaguarda dos direitos fundamentais dos arguidos.

24. Razões pelas quais deve a sentença ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se a intimação do Ministério das Finanças a prestar as informações requeridas, no prazo máximo de dez dias. 

Nestes termos e com o douto suprimento de Vossas Exas., deve negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida cem as necessárias consequências legais.

Assim se fazendo a costumada Justiça!”


***




O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao presente recurso.



***




Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.



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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:



“Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, considera se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:




A) Através de ofícios dirigidos ao Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1, com o assunto «Pedido de informação», a Diretora do Departamento de Assuntos Jurídicos da Câmara Municipal de Cascais requereu, ao abrigo dos art.º 33.º, n.º 1 do art.º 34.º, n.º 2 do art.º 41.º, n.º 3 do art.º 54.º, todos do RGCO e da alínea n) do n.º 2 do art.º 35.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), informações relativas aos domicílios fiscais de arguidos em processos de contraordenação, que identificou da seguinte forma:

1) C. R., contribuinte fiscal n.º …403 (Processo contraordenação n.º 2 570 2020);

2) A. L. contribuinte fiscal n.º …898 (Processo contraordenação n.º 1 248 2020);

3) D. N., contribuinte fiscal n.º …117 (Processo contraordenação n.º 2 293 2020);

4) O. A, contribuinte fiscal n.º 1…117 (Processo contraordenação n.º 1 652 2020); M. A., contribuinte fiscal n.º …157 (Processo contraordenação n.º 2 674 2020);

5) P. M., contribuinte fiscal n.º …881 (Processo contraordenação n.º 2661 2020);

6) S. L., contribuinte fiscal n.º …896 (Processo contraordenação n.º 2749 2020);

7) J. B., contribuinte fiscal n.º …707 (Processo contraordenação n.º 1 2512020);

8) J. C., contribuinte fiscal n.º ….758 (Processo contraordenação n.º 1 667 2020);

9) J. S., contribuinte fiscal n.º ….556 (Processo contraordenação n.º 1 397 2020);

10) P. M. M., contribuinte fiscal n.º …310 (Processo contraordenação n.º 1--242--2020);

11) L. M., contribuinte fiscal n.º …127 (Processo contraordenação n.º 2-- 476--2020);

12) S. A., contribuinte fiscal n.º …749 (Processo contraordenação n.º 1--409--2021);

13) V. C., contribuinte fiscal n.º …977 (Processe contraordenação n.º 2--470--2022)

14) A. O., contribuinte fiscal n.º …282 (Processo contraordenação n.º 1--1314--2019);

15) J. S. C., contribuinte fiscal n.º …110 (Processo contraordenação n.º 1--86--2022);

16) N. K., contribuinte fiscal n.º …930 (Processo contraordenação n.º 2--790--2021);

17) M. S., contribuinte fiscal n.º …620 (Processo contraordenação n.º 2--940--2021);

18) L. C., contribuinte fiscal n.º …838 (Processo contraordenação n.º 2--1466--2021);

19) A. G., contribuinte fiscal n.º …080 (Processo contraordenação n.º 2--1000--2021);

20) A. A., contribuinte fiscal n.º …748 (Processo contraordenação n.º 2--504--2021);

21) O. P., contribuinte fiscal n.º …894 (Processo contraordenação n.º 2--554--2021);

22) L. A., contribuinte fiscal n.º …721(Processo contraordenação n.9 2--772--2021);

23) J. S. S., contribuinte fiscal n.º …900 (Processe contraordenação n.º 1--1538--2021);

24) M. J., contribuinte fiscal n.º …389 (Processo contraordenação n.92--212--2021);

25) A. S., contribuinte fiscal n.º …286 (Processo contraordenação n.º 2--28--2022);

26) J. F., contribuinte fiscal n.º …399 (Processo contraordenação n.º 2--139--2022);

27) K. S., contribuinte fiscal n.º …988 (Processo contraordenação n.º 2--434--2020);

28) R. S., contribuinte fiscal n.º …796 (Processo contraordenação n.º 2--216--2022);

29) R. M., contribuinte fiscal n.º …076 (Processo contraordenação n.º 6--1409--2021);

30) K. S., contribuinte fiscal n.º …988 (Processo contraordenação n.º 2--434--2020)

31) F. A., contribuinte fiscal n.º …380 (Processo contraordenação n.º 6--66--2022);

32) A. M., contribuinte fiscal n.º …431 (Processo contraordenação n.9 2--540--2022);

33) D. V., contribuinte fiscal n.º …042 (Processo contraordenação n.º 6--1191--2021);

34) Z. B., contribuinte fiscal n.º …835 (Processo contraordenação n.º 2--749--2021);

35) S. B., contribuinte fiscal n.º …510 (Processo contraordenação n.º 2--485--2021);

36) M. J. S., contribuinte fiscal n.º …259 (Processo contraordenação n.º 2--763--2021);

37) G. H., contribuinte fiscal n.º …716 (Processo contraordenação n.º 2--769--2021);

38) M. P., contribuinte fiscal n.º ….728 (Processo contraordenação n.º 2--214--2021);

39) C. L., contribuinte fiscal n.º …430 (Processo contraordenação n.º 2--185--2021);

40) J. D., contribuinte fiscal n.º …411 (Processo contraordenação n.º 3--417--2021);

41) O. C. (Processo contraordenação n.º 3--234--2021), e

42) L. T. (Processo contraordenação n.º 2--741--2021),– cf. docs. 1 a 42, juntos à petição inicial.

B) Através dos ofícios n.os 0007, 0008 e 0039, de 03.01.2023; 0050 de 05.01.203;0091 de 10.01.2023; 0131 de 13.01.2023 e 0138 de 16.01.2023, do Serviço de Finanças de Cascais 1, o Requerente foi notificado dos despachos de indeferimento dos pedidos de informação sobre o domicílio fiscal dos arguidos melhor identificados na alínea que antecede, com os seguintes fundamentos:

«Os pedidos em questão, são formulados ao abrigo do art.º 41, n.º 2 e art.º 54, n.º 3 do Regime Geral de Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto--Lei n.º 433/82, de 27/10.

Sobre pedidos desta índole, remetemos para a Instrução n.° 19, relativas ao Dever de Confidencialidade, art.º 64 da LGT, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, divulgada em 2016--11--21, disponível em http://stcoiabora/an/dsjt/lnstrucoes/DSJT/Paginas/lnstrucao--no19-- 2016.aspx.

De acordo com a Instrução susodita, seguindo o ponto 3.1.4.1 e no que respeita ao disposto no art.º 41 do RGCO, esta refere que estamos perante normas de carácter genérico, que não determinam de forma expressa a quebra do dever de sigilo e a prestação da informação protegida.

Por essa razão, só por si, não constituem fundamento para a cessação do dever de sigilo e acesso à informação protegida, no âmbito da colaboração com a justiça, em matéria processual penal, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT.

Existem, de facto, normas que no âmbito do direito processual penal, preveem a quebra do dever de sigilo e a prestação da informação protegida como por exemplo, o n.º 2 do artigo 135.º do CPP.

Contudo, a quebra desse dever é “por ordem da Autoridade Judiciária”, que no processo penal, são o Juiz, o Juiz de Instrução e o Ministério Público (art.º 1 do CPP).

Por esse motivo, deve ser rejeitada a prestação de informação abrangida pelo dever de sigilo formulada pelos Municípios e Câmaras Municipais, neste âmbito.

Por sua vez, de acordo com o ponto 3.1.4.2 da Instrução, também no âmbito do PCO's cuja tramitação é da competência dos Municípios, estes têm vindo a solicitar à AT informação protegida pelo dever de sigilo, invocando o disposto no n.º 3 do artigo 54 do RGCO, nos termos do qual, as autoridades administrativas poderão solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos.

No entanto, porque este normativo apenas consagra um “dever geral de colaboração”, e não contém uma permissão de acesso em concreto aos dados abrangidos pelo dever de sigilo, não pode fundamentar a cessação do dever de sigilo e a prestação da informação protegida, no âmbito da colaboração com a justiça em matéria de processual penal, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT.

O domicílio fiscal de determinado contribuinte pessoa singular, constitui um elemento identificativo/dado pessoal desse contribuinte (titular do NIF), que está abrangido pelo dever de sigilo nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto--Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, conjugado com o n.º 1 do artigo 36.º e artigo 41.º do mesmo diploma legal (estes últimos, inseridos no Título III, Capítulo II que se refere à proteção de dados pessoais).

Por constituir um dado pessoal relativo a determinado contribuinte pessoa singular, que está abrangido pelo dever de sigilo e que, em concreto, integra a base de dados do registo de contribuinte da AT, a sua transmissão só poderá ocorrer nas condições previstas nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 64.º da LGT.

Ressalvamos, nos casos em que o pedido incide sobre domicílio fiscal de pessoa coletiva, por ser um dado tornado público por via do registo comercial, não está abrangido pelo dever de sigilo e quando solicitado poderá ser facultado pelos serviços.[…]». cf. docs. 43 a 49, juntos à petição inicial.


***




A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:


“Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar como não provados.”



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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:


“A decisão da matéria de facto provada efetuou--se com base no exame dos documentos que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, que não foram objeto de impugnação nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.”



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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a intimação para prestação de informações apresentada pelo Município de Cascais, contra o Ministério das Finanças, intimando-o a fornecer informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos objeto dos pedidos de informação efetuados, no prazo máximo de dez dias.

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, face ao exposto e ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao intimar a Entidade Requerida a prestar as informações referentes ao domicílio fiscal dos arguidos, em processos de contraordenação instaurados pelo Requerente, anteriormente solicitadas ao Serviço de Finanças de Cascais 1 e objeto de recusa competindo, assim, aferir se a questão fática se subsume na derrogação ao sigilo fiscal constante no artigo 64.º, nº2, alínea b), da LGT, porquanto o artigo 54.º, nº3 do RGCO constitui norma habilitante para efeitos da concessão dos elementos pessoais-domicílio fiscal- requeridos.

Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, ao abrigo dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou mesmo supressão ao probatório, razão pela qual o mesmo se encontra, devidamente, estabilizado.

Feito este introito, importa, então, apurar se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são assacados.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto interpretou, erroneamente, o teor do artigo 64.º da LGT, o qual impõe o dever de confidencialidade aos dirigentes, funcionários e agentes da AT, tendo, portanto, de guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.

Mais advogando que, contrariamente ao ajuizado na decisão recorrida inexiste norma legal que possibilite a transmissão dos domicílios fiscais requeridos ao Município, em conformidade com o consignado na alínea b), do n.º 2, do citado artigo 64.º da LGT, porquanto a norma derrogatória do dever de sigilo fiscal aplicável aos municípios não abrange procedimentos contraordenacionais, mas tão somente processos executivos.

Convoca, outrossim, a responsabilidade criminal e disciplinar que advém para os próprios funcionários em caso de desrespeito do sigilo fiscal, e bem assim a existência da base de dados de identificação civil (BDIC) que permite a obtenção de tal informação.

Conclui, assim, que a decisão recorrida viola o artigo 64.º da LGT conjugado com a Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de agosto, e os artigos 26.º, 35.º, n.º 4 e 266.º, todos da CRP.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que existe norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever legal de cooperação da AT com outras entidades públicas, concretamente o artigo 54.º, nº3, do RGCO, subsumindo-se, nessa medida, a situação fática no artigo 64.° n.° 2, alínea b) da LGT.

Densificando, para o efeito, que no âmbito dos processos de contraordenação, os Municípios têm os mesmos direitos que as entidades competentes para o processo criminal e que ao abrigo do dever de auxílio no âmbito da instrução, poderá a Autoridade Administrativa solicitar informação sobre o domicílio atualizado dos arguidos à AT.

Sufragando, nesse particular, que essa é interpretação que se coaduna com a própria competência específica para conduzir a fase administrativa dos processos de contraordenação.

Sustenta, adicionalmente, que à luz do princípio da proporcionalidade, não ficam diminuídos os direitos dos contribuintes, na proteção dos dados pessoais, em confronto com o interesse público subjacente à aplicação de contraordenações. Adensa, aliás, que a manutenção do sigilo fiscal pela AT se revela contrária aos interesses e direitos dos respetivos arguidos, impedindo-os de exercerem os seus direitos constitucionais conforme previsto nos artigos 268. °, 32. ° n.°2 e 16. ° todos da CRP.

Conclui, in fine, que para além da norma habilitante, resulta, outrossim, provado que os pedidos contêm o fim a que se destina a informação e que se limitam ao estritamente necessário para o prosseguimento dos autos, revelando-se o meio adequado e necessário para a sua obtenção.

Subsidiariamente, e por mera cautela, requer que por força da presente de intimação, seja proferido despacho judicial a ordenar a cessação do dever de sigilo relativamente aos pedidos identificados no artigo 1.º ao abrigo do artigo 54.°, n.° 3, do RGCO conjugado com o disposto na alínea d), do artigo 64.º da LGT, por ter ficado demonstrado que o elemento solicitado é imprescindível para o exercício das competências enquanto autoridade administrativa nos processos de contraordenação em curso e para salvaguarda dos direitos fundamentais dos arguidos.

Aqui chegados, atentemos, ora, na fundamentação jurídica em que se esteou a procedência da intimação.

A decisão recorrida, após traçar o enquadramento jurídico da intimação para prestação de informação, e estabelecer os considerandos de direito atinentes ao sigilo fiscal, conclui mediante convocação do Acórdão do STA, prolatado no processo nº 0108/20.6BEFUN, datado de 23 de junho de 2021, que o domicílio fiscal dos contribuintes constitui informação protegida pelo artigo 64.º da LGT.

Ulteriormente, aquilatou da concreta derrogação do sigilo fiscal, entendendo que a questão em contenda era passível de enquadramento no citado artigo 64.º, nº2, alínea b), da LGT, na medida em que o dever de sigilo cessa em caso de “[c]ooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes”.

Densifica, para o efeito, que “[c]omo acertadamente aponta o Requerente, nas vestes de autoridade administrativa, necessita, em diversas fases do processo, de entrar em contacto com o arguido, para lhe dar a conhecer a infração que lhe é imputada, solicitar elementos de prova e, em especial, para lhe dar a oportunidade de exercer o importante direito de audição e defesa (art.º 50.º do RGCO), direitos que têm consagração constitucional –cf. n.º 10 do art.º 32.º da CRP.

O Requerente deve assim proceder à investigação e instrução do processo de contraordenação, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima (n.º 2 do art.º 54.º do RGCO).


Além disso, todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirijam, devendo, por isso, as notificações ser dirigidas ao arguido e comunicadas ao seu representante legal, quando este exista (n.º 1 do art.º 46.º do RGCO e n.º 1 do art.º 47.º do RGCO).


Do acervo legal exposto resulta, pois, que o Requerente prossegue atribuições que pressupõem o conhecimento do dado relativo à morada dos arguidos contra quem instauraram processo de contraordenação, na sua fase administrativa.


Acresce que, na fase de iniciativa e de instrução do processo de contraordenação, as autoridades administrativas poderão solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos (n.º 3 do art.º 54.º do RGCO) para, nomeadamente, conhecer o dado pessoal do arguido relativo ao seu domicílio fiscal, o qual, como já se referiu, é necessário e imprescindível para a condução do processo de contraordenação.”


Concluindo, assim, que é precisamente o citado artigo 54.º, nº3 do RGCO que constitui norma habilitante “[q]ue especificamente prevê o acesso àquele dado pessoal, e que é apta a afastar o dever de confidencialidade, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 2 do art.º 64.º da LGT.”

É, outrossim, adensado que está justificado, e devidamente particularizado o interesse legítimo em obter a aludida informação, porquanto “[n]os pedidos apresentados pelo Requerente junto da AT e na presente intimação, as informações solicitadas são limitadas aos domicílios fiscais dos arguidos, para efeitos de direção e instrução da fase administrativa dos processos de contraordenação, não sendo efetuado um pedido indiscriminado, ilimitado ou desregulado.”

Enfatiza, a final, que para além da comunicação dos aludidos dados não constituir um desvio da finalidade para a qual os mesmos foram recolhidos pela AT, revelando-se, portanto, proporcional, sempre terá de ser valorada a comunicabilidade contemplada no artigo 64.º, nº3, da LGT.

Ora, atentando no supra expendido não se vislumbra que a decisão recorrida padeça da censura que lhe é endereçada, na medida em que realizou uma correta interpretação do regime normativo com a devida transposição para a realidade fática em apreço.

Senão vejamos.

Antes de estabelecermos o competente enquadramento normativo da questão, cumpre relevar que o único pressuposto da prestação de informações que é sindicado no presente recurso se coaduna com a aferição e ponderação da inexistência de limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da AT em prestar a informação solicitada, na medida em que todos os demais, designadamente, tempestividade, legitimidade e recusa prévia são não controvertidos, porquanto assumidos.

Atentemos, então, no quadro jurídico que releva para o caso vertente.

Preceitua o artigo 268.º da CRP sob a epígrafe de direitos e garantias dos administrados que:

“1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.”

Resulta, assim, que o direito à informação constitui um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, englobando as duas vertentes, procedimental e não procedimental, o qual visa concretizar os princípios constitucionais da transparência administrativa e do controlo da Administração, ( artigo 2.º da CRP).

Doutrinando, neste particular, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (1) que “[a] intimação destina-se a efectivar jurisdicionalmente, quer o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos e o conhecimento das decisões, que integra o direito à informação procedimental, quer o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que corresponde ao direito à informação não procedimental. E, neste sentido, o preceito concretiza-se, no plano processual, os direitos e garantias consagrados no artigo 268.º, nºs 1 e 2, da CRP, que se encontram regulados, no plano do direito substantivo, respectivamente, pelos artigos 61.º a 64.º do CPA e, por remissão do artigo 65.º deste Código, pela Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto.”

Mais esclarecendo, de forma inequívoca que, “[e]m qualquer caso, o processo de intimação pressupõe a existência de documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração e não pode servir para impor à entidade administrativa o dever de produzir novos documentos ou praticar actos administrativos ou regulamentares que se considerem em falta, ou organizar dossiers estruturados ou sínteses de documentação administrativa sobre determinada matéria, ou ainda esclarecer quaisquer questões atinentes a anterior actuação administrativa.(2)

Importando, igualmente, ter presente e como bem evidencia a decisão recorrida que, o direito à informação não é um direito absoluto, não podendo, sem mais, prevalecer sobre a tutela -consagrada igualmente na CRP cfr. artigo 26.º da CRP, nºs 1 e 2- à reserva da intimidade da vida privada. Com efeito, em caso de conflito entre esses mesmos direitos há que fazer a devida ponderação sopesando mediante análise casuística dos interesses em jogo, e do princípio da proporcionalidade.

Como aduzido no Acórdão do STA, prolatado no processo nº 0838/11, de 16 de novembro de 2011, “[p]erante a necessidade de conciliar o princípio da administração pública aberta e da cooperação institucional pública (resultante de uma administração pública regida por coordenadas de legalidade e transparência na prossecução do interesse público) com o direito constitucional à privacidade e sequente caráter sigiloso de certos dados, os conflitos que surjam entre o direito à informação em poder da Administração e o direito dos administrados à privacidade terão de ser analisados à luz das disposições que regulam o acesso à informação e das disposições que restringem esse acesso, numa equilibrada ponderação dos interesses em jogo.”

A consagração do sigilo fiscal corresponde, justamente, à extensão e reconhecimento à privacidade no âmbito da atividade tributária, sendo, por isso, de apelar ao normativo 64.º da LGT que plasmou, precisamente, o dever de confidencialidade e as derrogações legalmente consignadas para o efeito.

Dispõe, assim, o citado normativo que:

“1 - Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.

2 - O dever de sigilo cessa em caso de:

a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária;

b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes;

c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;

d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e mediante despacho de uma autoridade judiciária, no âmbito do Código de Processo Penal;

e) Confirmação do número de identificação fiscal e domicílio fiscal às entidades legalmente competentes para a realização do registo comercial, predial ou automóvel.

3 - O dever de confidencialidade comunica-se a quem quer que, ao abrigo do número anterior, obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da administração tributária.

4 - O dever de confidencialidade não prejudica o acesso do sujeito passivo aos dados sobre a situação tributária de outros sujeitos passivos que sejam comprovadamente necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que expurgados de quaisquer elementos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.

5 - Não contende com o dever de confidencialidade:

a) A divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada, designadamente listas hierarquizadas em função do montante em dívida, desde que já tenha decorrido qualquer dos prazos legalmente previstos para a prestação de garantia ou tenha sido decidida a sua dispensa;

b) A publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sectores de atividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade.

c) A notificação, pela administração tributária, de sujeito passivo que disponibilize uma interface eletrónica para efeitos de acionar a responsabilidade solidária deste.

6 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se como situação tributária regularizada o disposto no artigo 177.º-A do CPPT.

7 - Para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 2, e com vista à realização das finalidades dos processos judiciais, incluindo as dos inquéritos em processo penal, as autoridades judiciárias acedem diretamente às bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira.

8 - A concretização do acesso referido no número anterior é disciplinada por protocolo a celebrar entre o Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria-Geral da República e a Autoridade Tributária e Aduaneira.”

Dir-se-á, portanto, que o objeto do dever de sigilo fiscal são os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal obtidos no procedimento tributário.

Como doutrina José Maria Fernandes Pires e outros, (3) “O legislador selecionou como objecto da protecção do direito ao sigilo dois tipos de dados:i)os elementos de natureza pessoal obtidos no âmbito do procedimento tributário, nomeadamente os decorrentes de qualquer tipo de sigilo profissional ou de outro tipo de segredo, ii) os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes.”

Densificando, depois, que “os dados sobre a situação tributária integram os elementos que revelem a situação patrimonial ou a existência ou não de regularização da situação tributária. Quando a lei se refere a dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes deve considerar-se que estão incluídos quaisquer elementos, informatizados ou não, que reflitam a situação patrimonial ou pessoal dos sujeitos passivos, assim como referentes à regularização ou não dessa situação à face da lei tributária. Os elementos de natureza pessoal são aqueles que envolvem a identificação das pessoas e implicam o acesso à reserva da intimidade da vida privada." (4)

No caso vertente, como decorre das alegações da Recorrente e das contra-alegações da Recorrida, é não controvertido que o domicílio fiscal dos contribuintes constitui, efetivamente, dado pessoal abrangido pelo sigilo fiscal.

Com efeito, a dissensão reside no âmbito e extensão da derrogação do dever do sigilo fiscal, entendendo, como visto, a Recorrente que a situação vertente não se subsume, contrariamente ao sentenciado pelo Tribunal a quo, na derrogação consignada no nº2, alínea b), do citado normativo.

Daí que se imponha uma análise do âmbito objetivo da aludida derrogação.

Neste particular, esclarece José Maria Fernandes Pires e outros(5) que: “A administração tributária pode ser composta por várias entidades desde a Autoridade Tributária e Aduaneira, à Segurança Social e aos municípios. Em tais casos, a cooperação entre esses órgãos enquadra-se nesta alínea.(…)as derrogações ao sigilo fiscal devem ser entendidas como normas de carácter excepcional e que, como tal carecem, por regra, de uma previsão expressa. (…) caso a derrogação prevista na alínea b) do nº2 tivesse tamanha amplitude, então seria ilógica, e não se compreenderia a necessidade de previsão legal da derrogação referida na alínea d) do mesmo número, referente à colaboração com a justiça (…)”.

Com efeito, a derrogação no citado normativo tem como fundamento a existência de um interesse público prevalente ao de manutenção do sigilo fiscal, dimanando de norma legal que faculte essa derrogação “no âmbito de específicos deveres de cooperação entre a AT e outras entidades públicas". (6)
No mesmo sentido aponta António Lima Guerreiro (7) também convocado na decisão recorrida- que “[o] dever de segredo cessa igualmente em caso de outras disposições legais que consagrem expressamente o dever de cooperação da administração tributária com outras entidades públicas, nos termos da alínea b) do número 2 do presente artigo (…) a referida alínea não é uma norma de aplicação direta, mas de remissão para os preceitos legais que afastem, no âmbito dos deveres de cooperação da administração tributária com outras entidades públicas, o dever de segredo fiscal (…) é indispensável, pois, para a cessação do dever de segredo, a consagração na lei de poderes gerais de acesso por entidades públicas às informações detidas pela administração tributária.” (destaques e sublinhados nossos).

Dir-se-á, portanto, que a interpretação a retirar do aludido normativo é a de que o mesmo não consagra qualquer dever de cooperação legal, remetendo, tão-só, para legislação própria donde se possa inferir esse mesmo dever de colaboração e auxílio. No mesmo sentido apontam os Acórdãos do STA prolatados nos processos nºs 0108/20, de 23 de junho de 2021, e 0856/20, de 17 de fevereiro de 2021, e bem assim do TCAS proferidos nos processos 108/20, de 30 setembro de 2020, 130/21, de 13 de maio de 2021, 78/21, e 955/20, ambos de 27 de maio de 2021.

Sendo certo que, a questão aduzida pela Recorrente no sentido da “norma autorizadora em branco”, não tem o alcance e os efeitos por si propugnados, tendo, igualmente, sido objeto de Parecer n.° 7/2013 da Procuradoria-Geral da República, publicado na 2ª série do Diário da República a 16 de outubro de 2015, pág. 29828, no qual se convoca, inclusive, Jurisprudência citada anteriormente, e do qual se extrata, designadamente, o seguinte:"9.1 — A primeira das situações em que se prevê a possibilidade de quebra do segredo fiscal diz respeito à cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes. Trata-se, pois, de uma norma autorizadora em branco, que pressupõe, para a respetiva aplicação, a existência de outras normas legais que especificamente prevejam a obrigação, por parte da Administração Tributária, de fornecimento, no quadro da cooperação entre entidades públicas, de informações abrangidas pelo segredo fiscal." (destaques e sublinhados nossos).

Visto o regime normativo que releva para o caso vertente e tecidos os considerandos de direito que se reputam pertinentes, há que transpor os mesmos para o caso vertente e aferir se, como ajuizado pelo Tribunal a quo, existe norma habilitante que consagre esse dever de colaboração, no fundo, e utilizando os termos doutrinais expendidos anteriormente, norma jurídica que consagre poderes gerais de acesso por parte de entidades públicas às informações detidas pela AT.

Como visto, o Tribunal a quo entendeu que a norma habilitante para os efeitos consignados no citado normativo era, efetivamente, o artigo 54.º, nº3 do RGCO, na medida em que o Recorrido prosseguia atribuições que pressupõem o conhecimento do domicílio fiscal dos arguidos contra quem instauraram processo de contraordenação, na sua fase administrativa.

Assim também o entendemos e secundamos. Vejamos porquê.

Para aquilatar da presença de norma habilitante, seu âmbito, extensão e concreta subsunção na derrogação que vimos analisando, há que, previamente, fazer uma incursão sobre a legitimidade, e próprio procedimento contraordenacional dos Municípios.

Preceitua o artigo 35.º, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro), sob a epígrafe de competências do Presidente da Câmara Municipal, concretamente do seu nº2, alínea n), que o mesmo detém, designadamente, competências para “determinar a instrução dos processos de contraordenação e aplicar as coimas, com a faculdade de delegação em qualquer dos outros membros da câmara municipal”.

Estabelecendo, por seu turno, o artigo 33.º do RGCO que “O processamento das contraordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas", sendo que a competência contraordenacional é regulada pelos respetivos diplomas sancionatórios conforme estatuído no artigo 34.° do RGCO.

Mais importa relevar que, da leitura conjugada dos normativos 46.º e 47.º do RGCO, resulta que todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas Autoridades Administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem, sendo certo que se tratando de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação.

Sendo, outrossim, de convocar o consagrado no artigo 50.º do RGCO, o qual regulamenta o direito de audição e defesa do arguido, e do qual dimana que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

Preceituando, neste particular e com especial relevância para o caso vertente, o artigo 54.º do mesmo diploma legal, no concernente à iniciativa e instrução, que:

“1 - O processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia particular.

2 - A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima.

3 - As autoridades administrativas poderão confiar a investigação e instrução, no todo ou em parte, às autoridades policiais, bem como solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos.”

Importando, in fine, ter presente que finda a instrução, concluindo-se pela condenação, deve ser proferida a decisão pela Autoridade Administrativa, com o formalismo legal consignado no artigo 58.º, do RGCO.

Ora, do supra expendido, resulta que, conforme ajuizado e de forma bem fundamentada pelo Tribunal a quo, em diversas fases do processo contraordenacional existe uma previsão legal, expressa, das Autoridades Administrativas estabelecerem contacto com os Arguidos, designadamente, para efeitos do exercício de defesa.

Com efeito, secunda-se o expendido pelo Tribunal a quo, neste concreto particular, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

Do acervo legal exposto resulta, pois, que o Requerente prossegue atribuições que pressupõem o conhecimento do dado relativo à morada dos arguidos contra quem instauraram processo de contraordenação, na sua fase administrativa.

Acresce que, na fase de iniciativa e de instrução do processo de contraordenação, as autoridades administrativas poderão solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos (n.º 3 do art.º 54.º do RGCO) para, nomeadamente, conhecer o dado pessoal do arguido relativo ao seu domicílio fiscal, o qual, como já se referiu, é necessário e imprescindível para a condução do processo de contraordenação.

É aquela a norma habilitante que especificamente prevê o acesso àquele dado pessoal, e que é apta a afastar o dever de confidencialidade, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 2 do art.º 64.º da LGT.

Assim sendo, no que toca à informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos tem de cessar o dever de sigilo fiscal, na medida estritamente necessária para alcançar os objetivos visados com a norma que autoriza o acesso e impõe o dever de cooperação, tendo sempre em atenção a ponderação dos interesses em jogo.”

De facto, atentando no teor do normativo visado e contrariamente ao advogado pela Recorrente ajuíza-se que o artigo 54.º, nº 3, do RGCO consagra poderes gerais de acesso, por parte das Entidades Públicas, às informações detidas pela AT, no fundo, prescreve um dever de colaboração no qual se inscreve, e no que para os autos releva, a atribuição do domicílio fiscal dos visados arguidos.

Como doutrina Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, (8) em anotação ao visado normativo, e relativamente ao dever de colaboração na fase de instrução nela ínsito “Entre estes serviços a que podem ser solicitadas informações assumem especial relevo os serviços da Direcção-Geral dos Impostos encarregados da realização de acções de fiscalização e inspecção tributária. Estas acções têm por objectivos, além da prevenção das infracções tributárias, a averiguação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias (art. 2.°, n.° 1, do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 413/98, de 31 de Dezembro), objectivos esses que se compaginam com o das informações a solicitar, referido no art . 72.°, n.° 1, do RGIT.” (destaques nossos).

Com efeito, esta instrução e o dever de colaboração nele consagrado radica-se, desde logo, no princípio do inquisitório e na descoberta da verdade material, o qual como é consabido, nos processos de cariz sancionatório tem uma dimensão e amplitude superior.

Apelando-se, novamente, ao subsídio doutrinal de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (9) elucidam os citados autores, em anotação ao normativo que vimos analisando que, “este princípio justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade administrativa (art. 266.º, nº1 da CRP) e é corolário dos deveres de justiça e de imparcialidade que devem nortear a sua actividade (art. 266.º, nº2 da CRP)”. (sublinhados nossos).

E por assim ser, não logra provimento o entendimento restritivo da Recorrente, no sentido de que só no âmbito do processo de execução fiscal existe uma expressa consagração de dever de cooperação, na medida em que, como já evidenciado, o citado preceito legal permite inferir a consagração de deveres de auxílio, donde, colaboração e consequentemente de acesso de elementos pessoais por parte das Autoridades Administrativas para efeitos de prossecução dos aludidos fins de instrução dos processos de contraordenação, e inclusive, cabal defesa por parte dos visados.

Aliás, é de difícil conceção, compaginação e mesmo compatibilização a possibilidade de autorização de elementos pessoais, mormente, o domicílio fiscal dos sujeitos passivos numa fase de cobrança coerciva das dívidas, ou seja, em fase executiva, e não se facultar esses mesmos elementos numa fase administrativa e prévia e que visa, desde logo, uma participação do visado em sede de defesa.

Note-se, ademais, que é, desde logo, invocado pela Recorrida que a informação pretendida é necessária à tutela jurisdicional dos direitos ou interesses dos visados contribuintes. Há, portanto, um interesse legítimo na obtenção de tal informação, o qual é, devidamente, densificado, em termos fático-jurídicos.

Com efeito, atentando nos visados requerimentos a Recorrida fundamenta, de facto e de direito, os pedidos que formula, na medida em que, convoca, desde logo, os poderes de Autoridade Administrativa que os Municípios exercem em processos contraordenacionais, convocando, para o efeito, o artigo 35.º do RJAL, os artigos 33.º, 34.º, 46.º e 47.º todos do RGCO e bem assim o artigo 268.º da CRP, relevando, expressamente, que “o cumprimento das obrigações determinadas no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, que determina que "os atos administrativos estio sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei", bem como das previstas nos artigos 46.º e 47.º do RGCO, pressupõe o conhecimento do domicílio atual do arguido: (…) com NIF (…), tendo em vista a eficácia dos referidos atos.”

Convocando, depois, o dever de colaboração, solicitando “o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos.” ao abrigo do artigo 54.º, nº3, do RGCO, desfechando que existe “um dever geral de cooperação entre entidades públicas”, solicitando, in fine, que “seja fornecida no prazo de 30 dias a informação relativa ao domicilio fiscal do(a) arguido (a) anteriormente identificado (a).”

Destarte, dimana inequívoco que os aludidos pedidos não são, de todo, genéricos, constando, desde logo, a expressa identificação do processo de contraordenação, o Nome Completo e o Número de Identificação Fiscal. De adensar, neste concreto particular, que tendo os processos de contraordenação já sido instaurados, os próprios contribuintes têm a expetativa de ser notificados para o seu domicílio fiscal para efeitos, designadamente, de apresentação de defesa. [neste sentido, vide Arestos proferidos nos processos nºs 130/21, de 13 de maio de 2021 e 78/21., de 27 de maio de 2021, os quais não obstante se reportarem a processos executivos se entende, mutatis mutandis, aplicáveis ao caso vertente, na medida em que existe norma habilitante quer no processo executivo, quer no processo contraordenacional].

Daí que, não logre provimento o aduzido quanto ao acesso integral da Base de Dados da AT, mormente o expendido em 19.º e 24.º das alegações de recurso, na medida em que, como é bom de ver, não está em causa o acesso direto e integral à Base de Dados, mas sim à obtenção de um elemento específico e devidamente concretizado, ou seja, o domicílio fiscal dos sujeitos passivos -como visto e, ora, se reitera, devida e especificamente, identificados nos requerimentos visados-.

Ademais, há que ter presente que para além da informação requerida visar, como já evidenciado, um fim específico e comportar e corporizar um interesse legítimo, a verdade é que inexiste qualquer comportamento desviante ou interesses conflituantes, na medida em que a confidencialidade comunica-se às Autoridades Administrativas a quem sejam facultados os elementos requeridos, conforme resulta clausulado do teor do artigo 64.º, nº3, da LGT, o qual preceitua de forma clara que “o dever de confidencialidade comunica-se a quem quer que, ao abrigo do número anterior, obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da administração tributária.”

Carecendo, por isso, de qualquer relevo e fundamento o invocado quanto à, eventual, responsabilidade disciplinar e criminal dos funcionários, não só porque, por um lado, inexiste qualquer infração que permita estabelecer esse nexo de imputabilidade e censurabilidade, e por outro lado, face à aludida comunicação do dever de confidencialidade.

Assentindo-se, outrossim, no ajuizado, acertadamente, pelo Tribunal a quo, quanto à ponderação dos direitos e interesses em jogo, do qual se extrata o seguinte:“[à] luz do crivo do princípio da proporcionalidade, na ótica de ponderação dos interesses em jogo, não ficam diminuídos os direitos dos contribuintes, na proteção dos dados pessoais, em confronto com o interesse público subjacente à aplicação de contraordenações, que é, designadamente, o da preservação da ordem social e a manutenção de certos valores e normais sociais, por forma a atingir os fins de preservar a paz e a tranquilidade pública, a proteger a moral e os bons costumes, a manter a ordem pública, a garantir a segurança e a saúde pública. Aliás, os arguidos dos processos de contraordenação, da competência do Requerente, não merecem nem maior, nem menor proteção relativamente aos seus dados pessoais, que os arguidos nos processos de contraordenação, da competência da AT, para que não se criem entropias no sistema.”

De relevar, in fine, que carece de relevo o aduzido quanto à natureza da dívida, atenta a concreta subsunção normativa que foi ajuizada pelo Tribunal a quo, ademais nunca tal realidade foi contemporaneamente convocada.

E o mesmo se diga no atinente à Deliberação 632/2016, na medida em que, como visto, se entendeu subsumir a realidade fática na derrogação que vimos analisando, com concreta análise e densificação do interesse legítimo, da ponderação da proporcionalidade face aos fins visados e a específica densificação dos requerimentos. Ademais, sempre se dirá que o mesmo visava a derrogação no âmbito dos processos executivos, ainda que a latere se tenha abordado a questão atinente aos processos contraordenacionais, mormente, por remissão para a Base de Dados de Identificação Civil, cujo alcance não tem a amplitude que lhe foi granjeada.

Ajuíza-se, neste e para este efeito, que a alegação atinente ao acesso à Base de Dados de Identificação Civil não tem o alcance que lhe é atribuído pela Recorrente, não só porque em nada contende com o requerido, nesta sede, pela Recorrida -conferindo-lhes até uma legitimidade e valia superior-, como há, outrossim, que clarificar que o conceito de residência/habitação própria permanente não é equivalente ao conceito de domicílio fiscal.

Com efeito, há que ter presente e valorar, neste e para este efeito, que “[a]pesar de o domicílio fiscal e o local de residência habitual serem, em regra coincidentes, os contribuintes podem aderir ao sistema de notificações eletrónicas, indicando, nesse caso, um endereço eletrónico ou ter nomeado representante fiscal, informações estas que constariam do cadastro". (10)

Aliás, como evidenciado pela Recorrida, a manutenção do sigilo pela AT, neste concreto particular, revela-se contrária aos interesses e direitos dos respetivos arguidos, impedindo-os de exercerem os seus direitos constitucionais conforme previsto nos artigos 268.°, 32.° n.°2 e 16.° da CRP.

Ora, face a todo o expendido anteriormente, entende-se que a situação fática se subsume no artigo 64.º, nº2, alínea b), da LGT, no qual, como vimos, se impõe que o dever de sigilo cessa nas situações em que se imponha um dever de cooperação legal da AT com outras entidades públicas, no caso vertente, Municípios na medida dos seus poderes.

Dimana, assim, que a adequação, a necessidade e proporcionalidade estão garantidas, na medida em que o domicílio fiscal é cedido para um fim específico, devidamente concretizado e na medida do estritamente necessário, com a inerente comunicação do dever de confidencialidade.

Destarte, dependendo a cessação do sigilo fiscal da existência de norma habilitante para cooperação da AT e obtenção do dado requerido, a qual, como visto, existe no caso sub judice e tendo sido patenteado e demonstrado o interesse legítimo na sua obtenção, revelando-se o mesmo adequado e necessário para esses fins, inexiste a convocada violação do artigo 64.º da LGT e bem assim da Lei 58/2019 e 59/2019, de 8 de agosto, e dos invocados preceitos constitucionais basilares.

E por assim ser, há que confirmar a decisão recorrida que assim o ajuizou.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 20 de abril de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)




















1) In Comentário ao CPTA, Almedina, 3ª edição revista:2010, p. 690.
2) In Ob. cit, p. 698.
3) Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, LGT comentada e anotada, Almedina, 2015, página 706.
4) In Ob. Cit, pág.709
5) In ob. Cit, página 711.
6) In ob. Cit, página 712
7) Lei Geral Tributária Anotada, Editora Reis dos Livros, páginas 304 e 305.
8) Contra-Ordenações Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 6ª edição, página 410.
9) In Ob. Cit, página 408.
10) In Acórdão do TCAS, proferido no processo nº 130/21, de 13.05.2021