Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08752/12
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/01/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:MILITAR DA GNR; PENA DISCIPLINAR.
Sumário:
i) Violados os deveres de proficiência (cfr. art. 11.º, n.ºs 2 e 3, al. a), do RD/GNR), zelo (idem, art. 12.º, n.º 2), isenção (idem, art. 13.º, n.ºs 1 e 2, al. a)), correcção (idem, art. 14.º, n.º2) e de aprumo (idem art. 17.º, n.ºs 1 e 2, al. a)), ficando demonstrado um acentuado grau de culpa do arguido, de que resultou prejuízo para o serviço e para o prestígio e o bom nome da instituição Guarda Nacional Republicana, mostra-se adequada a aplicação da sanção disciplinar de separação de serviço.

ii) Resulta do disposto no artigo 4.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 158/2005, de 20 de Setembro (que estabelece o regime jurídico da assistência na doença ao pessoal do serviço da GNR e da PSP), bem como do seu art. 29.º, n.º 3, (na redacção aplicável) que a perda do vínculo à GNR ou à PSP, incluindo o que resulte de reforma ou de aposentação na sequência de processo disciplinar, implica a perda da qualidade de beneficiário do regime de assistência na doença ali previsto, bem como a devolução do respectivo cartão.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

António …………………………… (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a acção administrativa especial, intentada pelo ora recorrente contra o Ministério da Administração Interna (Recorrido), na qual impugnou o despacho do Secretário Adjunto da Administração Interna, de 30.10.2006, exarado no parecer nº 661-LM/2006, de 29 de Agosto da Auditoria do MAI e notificado por ofício de 24.11.2006, que aplicou ao A. a pena disciplinar de Separação de Serviço.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1) A douta decisão deve ser revogada na medida em que não existem fundamentos suficientes para a aplicação do Recorrente da pena disciplinar de Separação de Serviço, em virtude de se encontrarem violados os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da segurança no emprego, previsto nos artigos 13° e 53º da CRP;

2) Não foram validadas as provas, nomeadamente a testemunhal, indicadas pelo Recorrente;

3) Verifica-se falta de fundamentação do despacho do Sr. Secretario de Estado que aplicou a pena disciplinar dado que não resulta suficientemente claras as condutas, nem se tomou em conta a defesa apresentada pelo Recorrente;

4) A cominação disciplinar aplicada ao Recorrente afigura-se injusta perante o caso concreto;

5) Dado que na graduação da pena não se teve em conta a apreciação dos anos de serviço, a boa conduta como militar e os comportamentos anteriores aos factos, não se encontrando violados os deveres enunciados;

6) Por outro lado, os factos em causa não ocorreram durante o serviço o que também não foi tomado em conta na decisão agora em apreciação;

7) Encontra-se violado o princípio de igualdade na aplicação da pena de Separação de Serviço e o direito à segurança no emprego, em violação aos preceitos legais mencionados;

8) Consequentemente a pena aplicada deve ser revogada e substituída por outra que determine a aplicação ao Recorrente de pena de suspensão agravada ou, em última instancia, reforma compulsiva, dado que não se atendeu aos anos de serviço, categoria, posto, condições previas do Recorrente e todas as circunstancias atenuantes referidas no recurso;

9) Existiu omissão de pronuncia quanto à não verificação e decisão acerca dos pedidos das alíneas c) e d) do pedido formulado, no que respeita nomeadamente à manutenção da qualidade de beneficiário titular para os efeitos do DL 158/2005 de 20/9, mantendo-se na posse do Cartão ADMG e outros, tais como o BI Militar, que devem ser restituídos ao Recorrente;

10) Mostram-se violados os preceitos contidos nos artigos 2º, 7º, 11º, 14º e 105° do RD/GNR; 125º do CPA; 127° do CPP; 13° e 53° da CRP

A finalizar ainda se impetra o douto suprimento de V. Exas. para as deficiências do nosso patrocínio, clamando-se Justiça.



O Recorrido contra-alegou, produzindo as seguintes alegações:

I. O Acórdão, de 10JAN2012, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que aqui se acolhe, foi proferido em plena conformidade à lei e não enferma de qualquer vício, improcedendo todos os argumentos aduzidos pelo Recorrente;

II. O despacho, de 30OUT06, exarado sobre o Parecer n.° 661-LM/2006, da Ex-Auditoria Jurídica, que, nos termos do disposto nos artigos 27.°, alínea f), 33.°, conjugados com os artigos 41.°, n.° 2, alínea c), 42.°, n.° 2 e 43.° do RD/GNR, aplicou ao Recorrente a pena disciplinar de separação do serviço, não merece qualquer censura;

III. No âmbito do processo disciplinar n.° 107/03, foram concedidas ao Recorrente todas as garantias de audiência e defesa e devidamente ponderadas todas as circunstâncias atenuantes de que beneficiou;

IV. O Recorrente infringiu: a) O dever de proficiência (cfr. o artigo 11.°, n.°s 2 e 3, alínea a), do RD/GNR); b) O dever de zelo (cfr. o artigo 12.°, n.° 2, alínea b), do RD/GNR); b) O dever de isenção (cfr. o artigo 13.°, n.°s 1 e 2, alínea a), do RD/GNR); c) O dever de correção (cfr. o artigo 14.°, n.° 2, alíneas a) e h), do RD/GNR); e d) O dever de aprumo (cfr. o artigo 17.°, n.°s 1 e 2, alínea a), do RD/GNR);

V. A pena de separação de serviço é adequada à gravidade das infrações disciplinares cometidas, uma vez que com a sua conduta o Recorrente revelou um acentuado grau de culpa, de que resultou prejuízo para o serviço, para a disciplina e para terceiros, colocando em causa o prestígio e o bom nome da instituição, inviabilizando desta forma a manutenção da relação funcional;

VI. Por Acórdão de 5JAN04, do Tribunal Judicial da Comarca do Entroncamento o Autor foi condenado: "(...) pela autoria material, em concurso real efetivo, de dois crimes de violação agravados, (...) de dois crimes de abuso sexual de crianças, (...) e pela prática como instigador, de um crime de aborto agravado, na forma consumada, (...)" (sublinhados nossos);

VII. A aplicação da pena de separação do serviço não ofendeu o princípio da igualdade, nem é inconstitucional;

VIII. Como bem se esclarece no Acórdão recorrido: "(...) face às circunstâncias e contornos do crime de que vem acusado, não se nos afigura que tal gravidade da conduta e atuação do A. justifiquem um juízo de valor diferente do tomado, no sentido da ilegalidade do despacho, uma vez que consideramos ser a pena aplicada proporcional e conforme ao art. 5° da CRP (...)" (cfr. fls. 18 - onde se lê “art.° 5.° da CRP' deve ler-se "art.° 5.° do CP A").

IX. Embora não seja esta a sede própria para nos pronunciarmos sobre a alegada inconstitucionalidade dos artigos 4.°, alínea b) e 29.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 158/2005, de 20 de setembro, sempre se dirá que a aplicação de tais normas não determina a violação do artigo 64.°, n.° 1, da CRP, na medida em que os visados perdem o direito a um regime especial de proteção na doença, mas ficarão abrangidos pelo SNS.

Junta:

- Duplicados legais;

- Comprovativo da notificação à parte contrária.

Nos melhores de Direito e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser julgado improcedente presente recurso e, em consequência, mantido o Acórdão, de 10JAN2012, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferido nos autos.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, quanto a parte dos pedidos formulados; e

- Se a sentença recorrida errou ao não ter concluído pela invalidade da sanção disciplinar aplicada.


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual se reproduz ipsis verbis:

Face aos documentos juntos aos autos, não impugnados, e por acordo, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 2006, o A. prestava serviço na Brigada n° 2 da Guarda Nacional Republicana como Sargento - Ajudante com o n° …………… - cfr. acordo;

2. Em 09/09/2005, foi deduzida acusação contra António…………………., Sargento - Ajudante com o n° ………….., imputando-lhe a violação dos deveres de Proficiência, Zelo, Isenção, Correcção, Aprumo, "

(...) por ter mantido relações sexuais com Ana………………….., em data não concretamente apurada, entre Novembro de 2000 e os primeiros meses de 2001, no interior de sua viatura e num pinhal próximo da estrada que liga a Atalaia e Tomar, exibindo-lhe uma arma de fogo e ameaçando de morte os pais de Ana………. caso esta contasse a relação sexual entre ambos, criando-lhe medo e receio e pondo em causa de forma consciente a intimidade e a liberdade sexual da mesma, e por nesse mesmo período, também em data não concretamente apurada, ter-se deslocado a casa dos pais de Maria ……… e, na presença da sua irmã Débora, ter mantido relações sexuais, ameaçando-a de que lhe batia e matava os seus pais se lhes contasse o sucedido. Desta forma e conscientemente, o arguido criou medo e receio na Ana…………, pondo em causa a sua intimidade e a liberdade sexual da mesma (...)" - cfr. fls. 481 e 482 do processo instrutor;

3. Em 23/12/2005, após o encerramento da fase da defesa, foi emitido Relatório, pelo Serviço de Justiça da Guarda Nacional Republicana, que se dá aqui como integralmente reproduzido, e que resumidamente, refere "(...) Em 18/03/2003, foram recebidos, no Comando da Brigada Territorial n° 2, os Relatórios imediatos (RELIM) n° 03/03 e 04/03 do Destacamento Territorial de Abrantes, dando conta da detenção do Sargento - Ajudante n° 12/………… - António…………………… do Grupo Territorial de Santarém (...) O presente processo disciplinar relativo ao Sargento - Ajudante n" 12/17/1927 (...) teve origem nos mandados de Detenção, a fls, 4a 6 foi julgado em 05/01/2004, no Tribunal Judicial da Comarca do Entroncamento (fls. 139 a 207), tendo sido condenado à pena única de 14 anos e 3 meses de prisão. O arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido condenado à pena única de 8 anos de prisão. O arguido de seguida recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e foi condenado à pena única de 6 anos e 8 meses. (...) Inquirido o arguido em 06/09/2005, acerca dos factos provados pelo Supremo Tribunal Judicial, o mesmo negou todos os factos de que era acusado. Em 09/09/2005, tendo por base a matéria acusatória provada pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi acusado dos seguintes factos: Facto 1: O Sargento -Ajudante de Inf. n° 12/……… - ANTÓNIO ………………., do efectivo do Grupo Territorial de Santarém, é acusado de, em data o concretamente apurada 'entre Novembro de 2000 e os primeiros meses de 2001 no seu veiculo automóvel, ter levado Ana ………………… para um pinhal perto da estrada que liga Atalaia a Tomar e no interior do veiculo, a arguido tirou uma pistola de um bolso das calças e colocou-a sobre o "tablier" da viatura dizendo "sabes para que serve isto " contares alguma coisa aos teus pais eu mato-os, após o que colocou sobre Ana ……………….., que se mantinha no banco ao lado do banco do condutor e colocou o seu pénis erecto na vagina da mesma.

Facto 2: o arguido agiu com o propósito de manter relações sexuais com Ana …………………….. na forma é pelos meios anteriormente descritos, criando em Ana ………………… medo e receio, consciente de que assim punha em causa a intimidade e a liberdade de Ana ……………………...

Facto 3: O arguido é acusado de, em data não concretamente apurada, entre Novembro de 2000 e os primeiros meses de 2001, ter-se feito deslocar a casa dos pais de Ana ……………………. e, aproveitando a circunstancia de se encontrarem apenas a Ana ……….. e a irmã mais nova, Débora, ter agarrado na Ana ……… e quando esta tentou fugir dizendo que iria contar aos pais, o arguido disse que se ela contasse aos pais lhe batia e os matava. Após isso, o arguido deitou-se sobre Ana ……………… introduziu o seu pénis erecto na vagina da mesma.

Facto 4: O arguido agiu com o propósito de manter relações sexuais com Ana ……………… na forma e pelos meios anteriormente descritos, criando em Ana ………….. medo e receio, consciente de que assim punha em causa a intimidade e a liberdade sexual de Ana ……………….. Facto 5: Em consequência de relações sexuais tidas com o arguido veio a Bruna …………………, a engravidar. Facto de que teve conhecimento a 15/07/2001. Visando interromper aquela gravidez, estabeleceu contacto telefónico para o n° 241361173, pelas 2íh20, usando o seu telemóvel n° ………….. e, dirigiu-se a Abrantes, a casa de Maria ………., com Bruna …………... Uma vez na casa de Maria …………., o arguido transmitiu àquela que Bruna ………… era filha de um amigo dele, que ficara grávida do namorado e que precisava de abortar. Maria ……… acordou proceder à interrupção da gravidez desta, a realizar no dia seguinte, dando logo um supositório, de especialidade farmacêutica não apurada à Bruna ………… para esta colocar nessa noite. No dia seguinte (16 Julho de 2001), o arguido levou de novo a Bruna ……….. a casa de Maria …………, onde a deixou sozinha e aí a foi buscar, passado algum tempo e já apôs a arguida ter feito o aborto na Bruna ………., o arguido foi buscá-la e, para pagamento do serviço efectuado por Maria ………, emitiu, com data de 16/07/2001, e entregou a Maria …………. o cheque nº …………., no montante de oitenta mil escudos, da conta n° ……………. da agência de Abrantes, da Caixa Geral de Depósitos, de que é titular. Facto 6: O arguido agiu, livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de levar a Bruna …………………. a interromper a sua gravidez. Tendo diligenciado junto de Maria …………….pela realização do aborto e pago a quantia que esta lhe exigiu para levar a cabo tal actividade. O arguido teve um papel decisivo quer na determinação de Bruna …………. em aceitar a interrupção da gravidez, quer na determinação de Maria ………. a executar, como executou, os actos necessários à consecução da interrupção da gravidez de Bruna ……………………...

8. Em Fase de Defesa o arguido, não apresentou prova que refutasse os factos de que é acusado, limitou-se a negar os factos de que era acusado não os rebatendo sequer.

9. Na Defesa apresentada, o arguido ainda requereu a audição de onze testemunhas, mas não indicou os factos sobre os quais as mesmas deveriam ser questionadas, Mesmo assim, foram inquiridas todas as testemunhas, mas as mesmas nada acrescentaram ao processo, pois não contrariaram nenhum dos factos, de que o arguido era acusado. (...)

IV - Circunstâncias Atenuantes:

a) O bom comportamento anterior - al. b), do n°l do art. 38° do RDGNR.

b) Condecorado com a Medalha de Assiduidade Uma Estrela, a Medalha de Assiduidade Duas Estrelas e a Medalha de Comportamento Exemplar de Prata - al. h) do n° l do art. 38° do RDGNR.

V - Circunstâncias Agravantes:

a) A premeditação - al. c) do n° l do art. 40° do RDGNR.

b) A acumulação de infracções - al. i) do nº l do art. 40º do RDGNR

V- Parecer:

Face ao exposto, face à natureza das infracções que se apresentam muito graves, propõe-se ao arguido, Sargento - Ajudante nº 12/………. - António …………….., a pena de separação de serviço, a que se refere a al. j) do art. 27º e art. 33° do RDGNR, aprovado pela lei 145/99, de 01 de Setembro" - cfr. fls. 569 a 571 do processo instrutor;

4. Em 23/01/2006, o Comandante do Grupo Territorial profere despacho de concordância com as conclusões e proposta do Oficial Instrutor, quanto aos factos provados, à qualificação da infracção e à pena disciplinar a aplicar, que se dá aqui integralmente reproduzido e que em síntese refere " (...) O Supremo Tribunal de Justiça deu como provados os seguintes factos cometidos pelo arguido, Sargento - Ajudante n" 12/………. - António ………………. e dos quais foi acusado no presente processo (...) 3. Atenuam a responsabilidade disciplinar, o bom comportamento anterior e ter sido condecorado com a Medalha de Assiduidade Uma Estrela, a Medalha de Assiduidade Duas Estrelas e a Medalha de Comportamento Exemplar de Prata, circunstancias previstas nas ais. b) e h) do nº l art. 38º do RDGNR e, agrava-a a premeditação e a acumulação de infracções, circunstancias previstas nas ais. c) e i) do n°l do art. 40° do RDGNR. 4. As infracções foram cometidas com elevado grau de culpa, constituindo assim infracções disciplinares muito graves, pelo que proponho que deva ser aplicada ao arguido a pena de separação de serviço, prevista no art. 33°do RDGNR (...)- cfr. fls. 573 e 574 do processo instrutor;

5. Em 02/02/2006, a Assessoria Jurídica presta parecer, que se dá aqui como integralmente reproduzido, e que refere em síntese "(...) resulta provado dos autos que o arguido praticou os actos constantes da acusação de fls. 494 - 495, designadamente (...) Ora, como as condutas descritas na referida acusação e provadas, quer em sede criminal, quer no presente processo, o arguido violou os deveres de proficiência, zelo, isenção, correcção e aprumo, previstos respectivamente nos arts. 11º, n°2, al. a) e 3, al. a); 12º, n°2, al. b); 13°, n°s l e 2, al a); 14°, nº 2, als. a) e h) e 17°, n° l e 2, ai. a), todos do Regulamento de Disciplina da Guarda, aprovado pela Lei 145/99, de 01 Set.. O arguido tem como circunstancias atenuantes as constantes do art. 38°, n° l, al. b) e h) do RDGNR. Tem como circunstâncias agravantes as constantes do art. 40°, n° l, als. c) e i) do supra citado diploma legal (RDGNR). Não existem outras circunstâncias, face ao exposto entendo que, quer material, quer formalmente (com as observações supra explanadas) o presente processo se encontra apto a ser remetido superiormente com vista à aplicação de uma pena, mormente da pena proposta de Separação de Serviço da Guarda, atenta a extrema gravidade das condutas do arguido susceptíveis de inviabilizarem a manutenção do vínculo funcional por manifestamente geradoras de um descrédito, falta de confiança e de sentido de segurança, por parte da sociedade civil, nos militares da Guarda, maxime da Instituição. " — cfr. fls,575 a 579 do processo instrutor;

6. Em 06/02/2006, o Comandante do Serviço de Justiça da GNR, profere Despacho, que se dá como integralmente reproduzido e que, em síntese, conclui " (...) Face ao exposto, atenta a natureza dos deveres violados e acima descritos, o grau de gravidade das infracções cometidas, que, de acordo com o art. 21° do RDGNR configura infracções disciplinares de natureza muito grave, uma vez que com a sua conduta foi posto em casa o prestigio e bom nome da Instituição Guarda Nacional Republicana, já que o militar, ora arguido, se expôs, deforma extremamente negativa e vexatória para a Instituição, publicamente, ao praticar crimes tão hediondos, com toda a carga negativa que tais actos acarretam, pela sua própria natureza imoral e de exploração e abuso do ser humano, hipotecando com a sua conduta, a confiança e sentido de segurança e lisura que a Sociedade Civil deverá nutrir pela Guarda Nacional Republicana e, atento, ainda, o grau de culpa que se apresenta elevado, tendo resultado avultados e irreparáveis prejuízos para terceiros, mormente para as menores vitimas dos actos horrendos do arguido, que colocaram gravemente em causa o prestigio e o bom nome da Instituição e, consequentemente, susceptíveis de inviabilizarem a manutenção do vínculo funcional; as condições pessoais; categoria e posto do arguido; as circunstancias atenuantes e agravantes, bem como a necessidade de se cercearem os efeitos detraentes da disciplina, resultantes da sua prática, proponho que o, ora arguido, seja punido com a Pena de Separação de Serviço, constante na alínea f) do art. 27°, por força do preceituado na al c) do n° 2 do art, 41, do supra citado diploma legal (RDGNR), porquanto entendo ser esta a medida punitiva adequada, justa e proporcional a todas as circunstâncias presentes e supra descritas, assim se acautelando os fins, quer gerais, quer especiais, da disciplina, maxime da Justiça'' - cfr. fls. 580 a 581 do processo instrutor;

7. Em 22/03/2006, o Chefe do Serviço de Justiça, do Comando Geral da GNR, profere parecer em que relata todos os factos conducentes à acusação e defesa do António ……………………….. e que se dão aqui como integralmente reproduzidos, referindo, entre outros, que pelos factos imputados, " (...) o instrutor qualificou as infracções praticadas pelo arguido como muito graves, nos termos do art. 21° do RDGNR, n° l e ais. a), c) e e) e, ainda, em consideração ao acentuado grau de culpa e à necessidade de se cercearem os efeitos detraentes da disciplina preconizou a aplicação da pena de reforma compulsiva. (...) Em 09/09/05 o instrutor notificou pessoalmente o arguido do conteúdo da nota de culpa não obstante este ter recusado assinar a dita notificação (...) Em 30/09/2005, o arguido apresentou a sua defesa por intermédio de advogado, alegando (...) Nega todos os factos de que é acusado, afirmando que nunca praticou qualquer acto de natureza sexual com as menores (...) Das testemunhas arroladas pelo arguido, relevam os depoimentos de Pedro …………………….. (primo do arguido) que dá conta do envolvimento do arguido com a família das menores ajudando-os financeiramente e frequentando a residência da família; acrescenta que por vezes o arguido saía só com a Bruna e a irmã; João ……………… afirma que o Sr. Luís, pai da Bruna ………, lhe disse que a filha estava grávida do arguido, confirmando de resto o relacionamento deste com a família das menores; Maria ……………………, afirma que não conhece o arguido, e que só o viu no Tribunal que não conhece a Célia …………… nem as respectivas filhas (...) Em 23/12/2005, o instrutor concluiu pela culpabilidade do arguido, reiterando a fundamentação de facto e de direito, constante da acusação, embora alterando a pena preconizada na acusação (reforma compulsiva), propondo em concreto a aplicação da pena de Separação de Serviço (...) Considerandos do Serviço de Justiça:

(...) Em sede judicial, nenhuma das instâncias de recurso logrou absolver o arguido, tal foi a convicção de culpabilidade resultante da prova carreada para os autos. A mesma convicção que inevitavelmente irradia para o processo disciplinar em apreço, reforçada - sem necessidade diga-se - pelas contradições dos depoimentos da Maria …………., enfermeira responsável pelo aborto de Bruna …………., quando é inquestionável que ambos estiveram na sua residência, por duas vezes, para efectuar o aborto; e ainda a incoerência e a fragilidade dos argumentos do arguido, quando afirma em sede de interrogatório «que o cheque de oitenta mil escudos foi entregue a Célia, mulher de Luís …………., para o pagamento de uma prestação do carro», afirmando na resposta à Nota de Culpa que «o cheque referido na acusação destinou-se a liquidar serviços prestados por Maria ……….. à mãe da menor Cecília» (...) A alteração da pena preconizada na acusação (reforma compulsiva) e aquela que em concreto é agora proposta (separação de serviço) não ofende o exercício dos direitos de defesa do arguido, na medida em que ambas revestem a natureza de penas expulsarias, cuja possível aplicação lhe havia sido comunicada na Nota de Culpa, e por isso, nenhuma surpresa poderá causar ao arguido (...) - cfr. fls. 582 a 587 do processo instrutor;

8. Em 22/06/2006, o Conselho Superior da Guarda (CSG), reuniu para deliberar sobre a pena proposta de Separação de Serviço, a António …………………, pelo que tendo sido promovida a votação por escrutínio secreto, obteve o resultado de 19 votos a favor, referindo, antes da votação o Sargento - Chefe …………, representante da Comissão Especializada de Sargentos " (...) é entendimento dos Sargentos do RI que, nestas situações indignas para a categoria de Sargentos e para os profissionais da Guarda, aos militares envolvidos deveria ser aplicada a separação do serviço e tomadas, de imediato, mediadas que acautelassem a situação de o militar não poder exercer qualquer acto de serviço, não lhe ser permitido, inclusive, permanecer dentro das instalações do local onde presta serviço (...)' - cfr. Extracto da Acta do Conselho Superior da Guarda, relativa à reunião de 22/06/2006 a fls.588 a 592 do processo instrutor;

9. Em 24/11/2006, o A. foi notificado do despacho do Secretário Adjunto e da Administração Interna, exarado sobre o parecer n° 661-LM/2006, de 29/08/2006, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, datado de 30/08/2006, que lhe aplicou a pena disciplinar de Separação de Serviço - cfr. fls. 594 a 596 do processo instrutor e 33 a 35 dos presentes autos;

10. A pena disciplinar a que se faz referência no ponto supra, baseou-se no Parecer da Auditoria Jurídica do Ministério da Administração Interna n° 661-LM/2006, de 20/10/2006, com a seguinte fundamentação: " (...) os factos provados consubstanciaram a prática de infracções disciplinares, já que com as condutas adoptadas o arguido infringiu: o dever de proficiência; o dever de zelo; o dever de isenção; o dever de correcção; o dever de aprumo. Não se verifica qualquer circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar. Verificam-se as circunstâncias atenuantes e agravantes constantes da acusação. A pena de separação de serviço, prevista nos arts. 27°, al. f), 33°, conjugados com os arts. 43°, nº 2, al. c), 42º, nº 2 e 43° do RD/GNR, parece adequada à gravidade das infracções disciplinares cometidas, uma vez que com a sua conduta o arguido revelou um acentuado grau de culpa, de que resultou prejuízo para o serviço, para a disciplina e para terceiros, colocando em causa o prestígio e o bom nome da instituição, inviabilizando desta forma a manutenção da relação funcional.

Por Acórdão de 05JAN04, do Tribunal Judicial da Comarca do Entroncamento, o arguido foi condenado " (...) pela autoria material, em concurso real efectivo, de dois crimes de violação agravados, na forma consumada (...) pela prática, em autoria material, na forma consumada, de dois crimes de abuso sexual de crianças (...) e pela prática como instigador, de um crime de aborto agravado, na forma consumada (...) o arguido recorreu para o tribunal da Relação de Évora, que através do Acórdão de 30/11/2004, revogou parcialmente o acórdão recorrido reduzindo a pena inicialmente aplicada para 8 anos de prisão. Não se conformando com a decisão, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, por Acórdão de 17/03/2005, viu a pena reduzida para seis anos e oito meses de prisão (...) " — cfr. fls. 36 a 43 dos presentes autos;

11. A 24/11/2006, o A. assina notificação comprometendo-se a proceder à entrega no dia 29/11/2006, no Comando do Grupo Territorial de Santarém, dos seguintes documentos: Bilhete de Identidade Militar e Cartão da ADMG - cfr. fls. 50 dos presentes autos;

12. Através do Ofício n° 026775, de 07/05/2008, a Direcção - Geral de Protecção Social dos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE) vem informar o A. da inviabilidade de inscrição do A. na ADSE, referindo O seguinte: " Em resposta à carta de K Exª., datada de 2007/04/05, cumpre informar que não é possível aceitar a inscrição, como beneficiário da ADSE, do senhor António …………………….., uma vez que a sua situação não se enquadra no âmbito do disposto no art. 3° do D.L. 118/83, de 25 de Fevereiro, na redacção dada pelo D.L. 234/2005, de 30 de Dezembro, que define o pessoal que pode ser inscrito como beneficiário da ADSE." - cfr. doc. junto pelo A. em 15/05/2007, aos presentes autos;

Não foram fixados factos não provados com interesse para a decisão.



II.2. De direito

O Recorrente suscita a nulidade da sentença por omissão de pronuncia, porquanto o Tribunal a quo não teria apreciado e decidido acerca dos pedidos constantes das alíneas c) e d) da petição inicial, no que respeita à manutenção da qualidade de beneficiário titular para os efeitos do Decreto-Lei n.º 158/2005 de 20 de Setembro, mantendo-se na posse do Cartão ADMG e outros, tais como o BI Militar, que devem ser restituídos ao Recorrente.

Por outro lado, o Recorrente imputa erro de julgamento à sentença recorrida, alegando que, contrariamente ao decidido, existe falta de fundamentação do despacho do Secretário de Estado que aplicou a pena disciplinar, dado que não resulta suficientemente claras as condutas, nem se tomou em conta a defesa por aquele apresentada. Alega ainda que a cominação disciplinar aplicada se afigura injusta perante o caso concreto.

Começamos por verificar do vício de omissão de pronúncia, por ser este conducente à nulidade da sentença.

Neste ponto, conclui o Recorrente: “9) Existiu omissão de pronuncia quanto à não verificação e decisão acerca dos pedidos das alíneas c) e d) do pedido formulado, no que respeita nomeadamente à manutenção da qualidade de beneficiário titular para os efeitos do DL 158/2005 de 20/9, mantendo-se na posse do Cartão ADMG e outros, tais como o BI Militar, que devem ser restituídos ao Recorrente.

Porém, é manifesto que não lhe assiste razão.

Com efeito, necessário é ter presente que resulta do disposto no art. 4.º, al. b) do Decreto-Lei n.º 158/2005, de 20 de Setembro (que estabelece o regime jurídico da assistência na doença ao pessoal do serviço da GNR e da PSP), bem como do seu art. 29.º, n.º 3, (na redacção aplicável) que a perda do vínculo à GNR ou à PSP, incluindo o que resulte de reforma ou de aposentação na sequência de processo disciplinar, implica a perda da qualidade de beneficiário do regime de assistência na doença ali previsto, bem como a devolução do respectivo cartão.

É o que dispõe o artigo 29.º:


Perda da qualidade de beneficiário

1 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os actuais beneficiários familiares ou equiparados que não preencham as condições referidas no artigo 5.º para a inscrição como beneficiário perdem essa condição.

2 — (…)

3 — As pessoas que, por força da aplicação do presente diploma, percam a qualidade de beneficiário, devem proceder à devolução do cartão de beneficiário no prazo de 15 dias após a respectiva entrada em vigor, sem prejuízo da imediata cessação dos direitos inerentes à condição de beneficiário.

Tanto basta para demonstrar que improcedendo o pedido principal – de anulação do despacho punitivo – e em face do regime legal de referência, esta parte do petitório sempre estaria votada – como esteve – ao insucesso.

Pelo que, não se verificando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, tem o recurso nesta parte que improceder.

Continuando, entende o Recorrente que o Tribunal a quo ajuizou mal ao ter sancionado positivamente o acto impugnado, pois que, no seu entender, não existem fundamentos suficientes para a aplicação da pena disciplinar de Separação de Serviço, em virtude de se encontrarem violados os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da segurança no emprego, previsto nos artigos 13° e 53º da CRP. Para além de que se verifica falta de fundamentação do despacho que aplicou a pena disciplinar, dado que não resulta suficientemente claras as condutas, nem se tomou em conta a defesa apresentada. Entende também o Recorrente que na graduação da pena não se teve em conta a apreciação dos anos de serviço por si prestados, a boa conduta como militar e os comportamentos anteriores aos factos, não se encontrando violados os deveres enunciados, sendo que os factos em causa não ocorreram durante o serviço, o que também não foi tomado em conta na decisão agora em apreciação.

Mas também aqui não lhe assiste razão.

Vejamos o que se escreveu a este propósito na sentença recorrida:

O A. delimita a acção, impugnando o despacho de 30/10/2006, que lhe aplicou a pena disciplinar de separação de serviço, pedindo a substituição dessa pena, pela de suspensão agravada ou pela pena de reforma compulsiva, com o respectivo reconhecimento e manutenção de beneficiário titular do cartão ADMG e do bilhete de identidade militar, mediante a declaração da inconstitucionalidade das normas contidas nos arte. 4°, al. b) e 29°, n° 3, do d.l. 158/2005, de 20 de Setembro.

(…)

O A. considera que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 105° do RD/GNR, inexiste a caracterização material e respectiva fundamentação das faltas consideradas provadas, sua qualificação e gravidade.

Antes de mais, cabe referir que este tribunal procede à análise apenas dos factos que, resultando do processo disciplinar, permitem concluir da bem fundada pretensão do a., ou seja, se a decisão em processo disciplinar com os elementos disponíveis no mesmo se encontra conforme à lei, com vista a impor outra pena disciplinar com as restantes consequências.

Em processo disciplinar, tal como sucede no processo penal, a punição tem que assentar em factos que permitam um juízo de certeza sobre a prática da infracção pelo arguido, vigorando em caso contrário o princípio da presunção da inocência do arguido e do princípio “ in dubio pro reo".

Dispõe o art. 127° do código de processo penal, ex vi do art. 7° do RD/GNR que « salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente ».

Como se expende no ac. deste TCAS de 24-05-2007, rec. 06477/02 «não existe uma valoração pré-estabelecida dos meios de prova recolhidos em sede do processo disciplinar, valendo aqui, à semelhança do que acontece com a valoração de prova em processo penal, os mesmos princípios, ou seja, aqueles são apreciados de acordo com a experiência comum do instrutor do processo, cedendo apenas perante casos em que seja manifesta a existência de erro grosseiro na apreciação da prova recolhida».

In casu, no processo disciplinar que se nos apresenta, foi produzida prova de que o recorrente foi acusado e punido em sede penal, por dois crimes de violação agravados, na forma consumada, crimes e, na forma consumada, de dois crimes de abuso sexual de crianças e, ainda pela prática como instigador, de um crime de aborto agravado, na forma consumada, crimes estes a que foi aplicada inicialmente a pena de catorze anos e três meses de prisão, após foi reduzida pelo tribunal da relação de évora, para oito anos de prisão e, em 17 de março de 2005, o sta veio a reduzir a pena para seis anos e oito meses de prisão.

Com base nesses factos, o A. foi punido criminalmente e cumpriu pena de prisão à ordem do processo 371/01.1 JAL, correspondente a metade da pena que lhe foi aplicada.

Ora, o processo disciplinar assenta, precisamente, nos factos produzidos em processo penal, os quais foram devidamente enunciados e dados a conhecer ao A., conforme resulta do probatório supra, entendendo o, ora R., que em sede profissional tais factos têm de ser valorados e retiradas as consequências devidas.

E neste contexto que o R. considerou encontrarem-se violados os deveres de proficiência, de zelo, de isenção, de correcção e de aprumo, pelo que se nos afigura estarmos em presença de factos concretos, perfeitamente identificados, que permitiram o exercício do direito de defesa do, ora a. e aos quais se subsumiu a respectiva valoração e correspondente infracção disciplinar.

Basta atentar no teor do relatório de fls. 569 a 571, no despacho de fls. 573 e 574, no parecer de fls. 575 a 579, no despacho de fls. 581, na informação e despacho de fls. 582 a 587, na acta do conselho superior da guarda, relativa à reunião de 22/06/2006, de fls. 588 a 592, todos do processo instrutor, e ainda ao teor do despacho punitivo exarado sobre o parecer n° 661-LM/2006 e o teor do parecer, cujos fundamentos são expressamente invocados no acto punitivo, para concluir não ter o A. razão nos argumentos alegados e, ora em apreciação (cfr. doc.2 em anexo à p.i.).

Verifica-se falta de fundamentação do despacho do secretário de estado adjunto da administração interna, que aplicou a pena disciplinar?

O acto sindicado dá a sua concordância aos fundamentos da proposta e parecer da auditoria jurídica do ministério da administração interna, e tem subjacente um processo disciplinar que culmina num relatório, uma proposta do senhor comandante geral da GNR que, por sua vez, se apoia num parecer do conselho superior da guarda, e, foi exarado no referido parecer da auditoria jurídica, através de concordância expressa com os fundamentos constantes naqueles documentos, com as correcções expressamente indicadas relativamente à referida proposta, que foram acolhidos "per relationem" como permite o artigo 125° do CPA, apropriando-se dos fundamentos de facto e de direito deles constantes.

E a verdade é que, através do teor do relatório final constante do processo disciplinar e do conteúdo do citado parecer resultaram suficientemente claras para o a., as condutas que lhe eram imputadas e o enquadramento jurídico disciplinar desses factos para que o visado, ora a., pudesse cabalmente desencadear os mecanismos de impugnação contenciosa.

A fundamentação é um conceito dúctil que varia em função do tipo legal do acto administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo daquele acto, um destinatário normal possa ficar a saber porque se decidiu em determinado sentido.

Ora, in casu, dos argumentos invocados permite-se descortinar as razoes de facto e de direito que estiveram na base da punição, qual sejam, o A. com a prática dos factos típicos, ilícitos e culposos deu causa ao processo criminal e ao processo disciplinar.

Veja-se que a razão de ser do regime excepcional constante do artigo 124° da Lei n° 145/99, de 1/9 [RDGNR], foi a de salvaguardar as exigências especiais de tutela disciplinar no corpo especial de tropas da GNR, assegurando os efeitos preventivos e dissuasores desencadeados, em tempo útil, pela execução das penas, uma vez que a disciplina militar, sendo, necessariamente, diversa da existente no funcionalismo público, tem como subjacente uma cultura específica pré-ordenada ao êxito da missão a cumprir.

Neste sentido, a fundamentação do processo disciplinar com a respectiva cominação disciplinar, baseou-se no "acentuado grau de culpa, de que resultou prejuízo para o serviço, para a disciplina e para terceiros", pelo que o r. veio a considerar que a conduta do a. colocou em causa o prestigio e o bom nome da instituição, inviabilizando desta forma a manutenção da relação funcional. acaba por concluir que, por estas razões, se justifica a pena de separação de serviço.

Pelo exposto, afigura-se-nos que estão verificados os requisitos mínimos de fundamentação do acto posto em crise, dado que encontra-se devidamente apresentado o "inter cognoscitivo" do autor do acto, quando refere quais as razões que levaram à aplicação da sanção disciplinar, pelo que carece de razão o alegado pelo A. neste âmbito.

Reportando-nos ao alegado na p.i., refere-se que na graduação da pena não se teve em conta a apreciação da conduta do A. e demais factores que militam a favor do A..

Antes de mais, diga-se, genericamente, que a prova dos factos integradores de infracção disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo, pela convicção do julgador, estando, consequentemente, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova. Face a este princípio, consignado no art. 127° do Código Processo Penal, e aplicável, com as devidas adaptações, aos processos de natureza disciplinar, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, o que significa que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido "devendo ser apreciados de acordo com a experiência comum, com distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica", na ''liberdade para a objectividade" [cfr. Teresa Beleza, "Revista do Ministério Público", ano 19°, pág. 40].

A graduação da sanção disciplinar, dentro dos limites legalmente estabelecidos, constitui uma actividade incluída na discricionariedade imprópria - a chamada justiça administrativa -, podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação v.g., ac. n° 01085/06, do STA de 08/05/2007, in www.dgsi.pt.

Ora, face ao exposto, esta livre apreciação da prova como a própria sanção a aplicar, ficam fora da sindicância do tribunal dado que são campos em que as entidades que aplicam o poder disciplinar encontram balizas dentro do seu próprio modo de actuação por referência a casos semelhantes, encontrando assim uma justiça relativa.

A determinação da medida da pena envolve o exercício de um poder discricionário por parte da administração, o mesmo é contenciosamente insindicável, salvo se for invocado desvio de poder, erro grosseiro ou violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade [cfr., entre outros, os acórdãos do STA, de 1-7-97, da 2a subsecção, proferido no âmbito do recurso n° 41.177, e de 16-2-2006, da 1a subsecção, proferido no âmbito do recurso n° 0412/05, in www.dgsi.pt].

Quer isto dizer que não deve o juiz, em princípio, sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade investida do poder disciplinar, reservando a sua intervenção para os casos em que a pena aplicada revelar erro grosseiro, por manifesta desproporção entre a sanção e a falta cometida, com violação clara do princípio da proporcionalidade [artigo 266°, n° 2 da CRP], princípio que funciona como limite intrínseco ao exercício de poderes discricionários.

No caso em apreço, é exactamente invocada a violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, como garantia constitucional, sustentando o A. que a medida que lhe foi aplicada - separação de serviço - se mostra desproporcionada, partindo da tese de que não foram considerados determinados factos no processo disciplinar, nomeadamente:

- Que nunca praticou qualquer acto de natureza sexual com as menores;

- Que manteve uma relação amorosa com a mãe das menores;

- Que o A. efectuou alguns empréstimos em dinheiro aos pais das menores, sem que estes tenham pago, acabando por ter de interpor acção judicial para pagamento dessa quantia em que foram condenados;

- Quando o A. interpôs a acção judicial aos pais das menores recebeu em troca a participação criminal, que deu origem ao processo-crime e à nota de culpa;

Ora, independentemente, dos juízos de valor que se possam fazer sobre os acontecimentos, o certo é que os factos considerados provados são a matéria-prima do processo disciplinar, até porque transitaram em julgado uma vez que a sentença foi posteriormente confirmada, quer pelo tribunal da relação, quer pelo supremo tribunal de justiça, apesar da redução da pena.

Foi com aqueles factos assentes na ordem jurídica que o processo disciplinar se desenvolveu (não obstante ter havido instrução e defesa e não se terem produzindo novos factos que pudessem contradizer os fixados na sentença) e com aquela decisão transitada em julgado que se apurou a responsabilidade disciplinar.

O A. considera, ainda, que não foram tidos em conta as condições pessoais do A., e outros resultados perturbadores da disciplina, realçando que o A.:

- Iniciou o serviço nas forças armadas, em Outubro de 1973, como soldado;

- Prestou serviços à guarda desde 1977;

- Sempre teve bom comportamento;

- Frequentou com aproveitamento diversos cursos inclusive de promoção;

- Foi condecorado por assiduidade e comportamento exemplar; s foi condecorado com as medalhas de assiduidade de uma estrela e duas estrelas e medalhas de comportamento exemplar de cobre e prata; s quando foi detido no âmbito do processo crime, o A. contava 33 anos de serviço e 363 dias;

- Enquanto esteve no estabelecimento prisional militar, demonstrou grande correcção e educação;

- Actualmente se encontra em regime de liberdade condicional.

Resulta do disposto no art. 41° do regulamento de disciplina da GNR, que: " na aplicação das penas disciplinares atender-se-á à natureza do serviço, à categoria, posto e condições pessoais do infractor, aos resultados perturbadores da disciplina, ao grau de ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou da negligência, em geral, a todas as circunstâncias agravantes e atenuantes"

Ora, apesar destes factores que militam a favor do A., face às circunstâncias e contornos do crime de que vem acusado, não se nos afigura que tal gravidade da conduta e actuação do A., justifiquem um juízo de valor diferente do tomado, no sentido da ilegalidade do despacho, uma vez que consideramos ser a pena aplicada proporcional e conforme ao art. 5° da CRP.

Finalmente, constata-se que da fundamentação do acto punitivo, para onde expressamente esse acto remete, foi exarado verificarem-se as circunstâncias atenuantes e agravantes constantes da acusação,

No entanto, ao contrário do alegado pelo A., apesar dos seus méritos e qualidades profissionais, a gravidade dos crimes cometidos e a sua relevância dentro da instituição militar foram factores determinantes, sendo certo que à míngua de quaisquer outros factos que permitissem atenuar a severidade da sua conduta, entendeu o réu dever aplicar a pena mais grave, pelo que se nos afigura não ter existido desrespeito ao princípio da proporcionalidade.

Considera o A. que não estariam reunidos os circunstancialismos para a violação de alguns deveres, tal como foi julgado disciplinarmente, até porque os factos em causa não se verificaram em serviço.

No art. 2° do RD/GNR, estabelece-se, desde logo, o conceito e bases da disciplina:

" 1- A disciplina, na guarda, consiste na exacta observância das leis e regulamentos, bem como das ordens e instruções emanadas dos legítimos superiores hierárquicos em matéria de serviço, em obediência aos princípios inerentes à condição de militar.

2- A disciplina, na guarda, impõe o respeito e a adesão por parte dos seus membros a um conjunto de normas específicas, baseadas no respeito pela legalidade democrática, como forma de prosseguimento do interesse público, e sempre com observância do princípio da neutralidade nos domínios social, religioso e político, como garantias de coesão e eficiência da instituição (...) "

O dever de correcção, previsto no art. 14°, n°1 do RD, que se dirige essencialmente a aspectos do comportamento que têm a ver com o tratamento respeitoso e consideração devidos a superiores, colegas e público em geral. Este dever exige boa convivencialidade, trato e respeito entre os militares da instituição, independentemente da sua graduação, e com o público em geral, tendo sempre presente que as relações a manter se devem pautar por regras de cortesia, justiça e integridade, estas regras dirigem-se à imediata apreensão do comportamento do infractor por parte das pessoas com quem este se relaciona.

Por outro lado, viola o dever de proficiência, enunciado no artigo 11° do RDGNR, alguém que comete os crimes por que o a. foi condenado, pois não terá, necessariamente, qualquer aptidão para o exercício do serviço militar e de salvaguarda da ordem pública

Na verdade, a imagem que as forças de segurança, como a G.N.R, devem oferecer à população em geral, que não pode ser de desconfiança objectivamente fundada sobre a idoneidade e dignidade dos seus agentes, ficaria afectada seriamente com a permanência no serviço do agente de autoridade indiciado pela prática dos apontados factos criminais.

Fácil se pode entender e concluir que um militar que, mesmo que não tenha praticado esses crimes em tempo útil de serviço, na sua vida privada ou social, se encontra adstrito aos deveres de proficiência, de correcção, que se encontram intrinsecamente dependentes das qualidades pessoais e morais, qualidade essa que terá de ser transversal, quer o A. se encontre em serviço ou na sua vida pessoal, porque como refere o art. 2° do RD/GNR, a conduta orientar-se - á "sempre com observância do princípio da neutralidade nos domínios social, religioso e político, como garantias de coesão e eficiência da instituição"

Nesta perspectiva, estão também em causa a violação dos deveres de aprumo, isenção e zelo, dado que a conduta do A. põe em causa o prestígio, o bom nome da GNR e a própria dignidade do cargo que ocupa, considerando que o mesmo deve estar acima de qualquer suspeita.

Nestes termos, julgo verificadas as infracções aos arts. 11°, n° 2 e 3, al. a); art. 12°, n° 2, al. b); art. 13°, n° 1 e 2, al. a); art. 14°, n° 2, al. a e h) e art. 17°, n° 1 e 2 al. a), todos do RD/GNR e, mesmo que assim não se entendesse, a errada subsunção da conduta do agente a uma determinada previsão normativa não acarretaria a invalidade da decisão punitiva, havendo antes que apurar se aquela mesma conduta preencheria ou não a violação doutro dever a que o mesmo estaria vinculado, pelo que por aqui não procederia a pretensão do A.

Terá o R. violado o princípio da igualdade ao aplicar a pena de separação de serviço?

Afigura-se-nos que não poderá proceder a alegação do A., porque destituída de qualquer sustentação.

Com efeito, o A. teria de provar nos autos que para situação idêntica outros arguidos teriam beneficiado de penas disciplinares mais favoráveis, o que não logrou fazer nos presentes autos, pelo que, por aqui, não poderá proceder tal pretensão.

E será inconstitucional por violação do direito à segurança no emprego a aplicação de tal pena, violando a mesma os arts. 53° e 13° da CRP?

Por tudo o que se encontra exposto, a pena disciplinar aplicada é legal, logo falece a arguição do A. quanto à violação do disposto no art. 13° e 53° da CRP, porque não havendo qualquer ilicitude em todo o procedimento e na aplicação da medida punitiva de separação de serviço, esta apresenta-se justificada porque constitui uma das medidas legais previstas de afastamento definitivo da guarda, com extinção do vinculo funcional e a perda da qualidade de militar, sem prejuízo do direito à pensão de reforma.

Em sentido idêntico, veja-se o acórdão n° 047525 do STA de 29/01/2002: (…)

Não se verifica o invocado padecimento da violação de princípios e normas constitucionais, por preterição do direito à segurança no emprego, dado que este direito cede, quando existe justa causa para a cessação do vínculo funcional, só assim não se entendendo, se do processo e do procedimento resultassem não verificados os pressupostos para a aplicação daquela sanção disciplinar.

Quanto à declaração de inconstitucionalidade de normas tal como a á. a suscitou, a mesma constitui matéria que está cometida do tribunal constitucional, nos termos do art. 281°, da constituição da república portuguesa.

E o assim decidido é de manter integralmente.

A decisão recorrida demonstra, em termos com os quais concordamos, que o Recorrente não tem razão, não se mostrando minimamente plausível que os factos provados possam suscitar qualquer dúvida ou hesitação relativamente à legalidade e à justiça da medida disciplinar aplicada, bem como à sua concreta fundamentação.

Como afirmado pelo Ministério Público no seu parecer, “a pena de separação de serviço mostra-se adequada às circunstâncias do caso, atendendo ao facto de as infracções cometidas serem muito graves e susceptíveis de inviabilizar a manutenção da relação funcional (cfr. também artigo 21°, l e 2, b) e e) do RD), não haver atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do arguido, permitindo a aplicação de pena de escalão inferior (artigo 39°), e a ponderação das atenuantes e das agravantes não favorecer a atenuação. E assim, considerando as regras a observar na graduação das penas previstas no artigo 41°, 1 e 2, c) do RD, não se mostra violadora dos princípios da proporcionalidade e da justiça a opção pela pena de separação de serviço, não competindo aos tribunais apreciar a medida concreta da pena, salvo em caso de erro grosseiro ou ostensivo, por esta ser uma tarefa da Administração inserida na chamada discricionariedade técnica ou administrativa - cfr., entre outros, acórdãos do STA, de 15/12/2004 (proc. 797/04) e de 05.05.2011 (proc. 0934/10) e do Pleno, de 29/03/2007 (proc. 412/05). Também como de certa forma se diz no Ac. do STA de 21.09.2004, P. nº 47146, o desvalor jurídico de natureza penal releva no âmbito disciplinar como índice de qualificação da infracção disciplinar, pelo alarme social que provoca e pela danosidade associada que, em regra, terá para a eficácia funcional do serviço a prática de uma falta disciplinar que seja, ao mesmo tempo, tipificada e já condenada como crime.

Por seu turno, a aplicação desta pena e a perda do direito ao regime especial de assistência na doença não afrontam as normas constitucionais dos artigos 63° e 64°, que não impõem um determinado regime legal, sendo certo que a aplicação da pena de separação de serviço salvaguarda o direito à pensão de reforma (artigo 33° do RD), onde são consideradas as contribuições prestadas para o efeito. E o Recorrente ficará abrangido pelo sistema nacional de saúde, não havendo justificação para manter o regime especial que detinha.

Para além do mais, em boa verdade, certo é que o Recorrente não desferiu ataque eficaz à sentença recorrida, apresentando as suas concretas razões de discordância quanto a esta. Limitou-se, como resulta da leitura da alegação e conclusões do recurso interposto, a repetir a argumentação avançada anteriormente na p.i., relativamente à qual, como já se disse, o tribunal a quo respondeu cabalmente e sem reparo.

Em suma, e para que não subsistam dúvidas, temos para nós que a pena de separação de serviço aplicada ao ora Recorrente, prevista nos artigos 27.º, al. f), 33.º, em conjugação com os artigos 41.º, n.º 2, al. c), 42.º, n.º 2, e 43.º do RD/GNR, não padece dos vícios que o Recorrente lhe imputa, sendo adequada à gravidade das infracções disciplinares cometidas, uma vez que com a sua conduta o Autor revelou, como os autos demonstram, um acentuado grau de culpa, de que resultou prejuízo para o serviço, para a disciplina e para terceiros, colocando em causa o prestigio e o bom nome da instituição. Pelo que aceita-se plenamente que dessa forma se tenha inviabilizado a manutenção da relação funcional, o que justifica a aplicação da pena sancionatória ora impugnada.

Pelo que terá o recurso que improceder integralmente.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Violados os deveres de proficiência (cfr. art. 11.º, n.ºs 2 e 3, al. a), do RD/GNR), zelo (idem, art. 12.º, n.º 2), isenção (idem, art. 13.º, n.ºs 1 e 2, al. a)), correcção (idem, art. 14.º, n.º2) e de aprumo (idem art. 17.º, n.ºs 1 e 2, al. a)), ficando demonstrado um acentuado grau de culpa do arguido, de que resultou prejuízo para o serviço e para o prestígio e o bom nome da instituição Guarda Nacional Republicana, mostra-se adequada a aplicação da sanção disciplinar de separação de serviço.

ii) Resulta do disposto no artigo 4.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 158/2005, de 20 de Setembro (que estabelece o regime jurídico da assistência na doença ao pessoal do serviço da GNR e da PSP), bem como do seu art. 29.º, n.º 3, (na redacção aplicável) que a perda do vínculo à GNR ou à PSP, incluindo o que resulte de reforma ou de aposentação na sequência de processo disciplinar, implica a perda da qualidade de beneficiário do regime de assistência na doença ali previsto, bem como a devolução do respectivo cartão.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste tribunal central administrativo sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 1 de Outubro de 2015

Pedro Marchão Marques

Maria Helena Canelas

António Vasconcelos