Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:300/08.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:AUTOLIQUIDAÇÃO;
LIQUIDAÇÃO ADMINISTRATIVA;
NOTIFICAÇÃO;
REVERSÃO;
SOCIEDADE EXTINTA.
Sumário:I. A eficácia das autoliquidações decorrentes da apresentação de declarações de substituição não depende de qualquer notificação por parte da AT.
II. A eficácia das liquidações de juros emitidas pela AT, na sequência de autoliquidação decorrente da apresentação de declaração de substituição, depende da notificação por parte da AT.
III. O art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, não é aplicável em situações nas quais quer a emissão da liquidação quer o termo do prazo para pagamento da dívida tributária ocorreram em momento ulterior ao do encerramento da liquidação da sociedade comercial.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 05.07.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por C….. (doravante Recorrido ou oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 31662….., que o Serviço de Finanças (SF) de Sintra 4 lhe moveu, por reversão de dívidas de IRC dos exercícios de 2003 e 2004 da devedora originária J…., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados, em que é Oponente C....à execução fiscal n.º 31662…. com termos no Serviço de Finanças de Sintra 4 instaurada por reversão do processo de execução fiscal instaurado contra a devedora originária J….. Lda., com o NIF 50….., referente a dívidas de IRC dos exercícios de 2003 e 2004, no montante de € 925.224,77.

B. Diverge a Fazenda Pública, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, por entender não estarmos, no referente às dívidas tributárias relativas a IRC dos exercícios de 2003 e 2004, perante a falta de notificação da liquidação, por resultarem as mesmas de autoliquidação decorrente da apresentação de declarações de substituição pela sociedade devedora originária.

C. Conforme decorre da alínea D. do probatório, foram entregues pelo sujeito passivo as declarações de substituição referentes aos anos de 2003 e de 2004, sendo que, de tais declarações de substituição resultou o montante de imposto a pagar no valor de € 181.057,90 e € 633.725,04 (fls. 83 e 87).

D. E na sequência da apresentação das declarações de substituição em 02/05/2007, foram emitidas em 04/05/2008 as liquidações a que se refere a alínea E. do probatório, as liquidações n.º 200723… e n.º 200723…., pelo valor de € 633.725,02 e de € 181.057,90, relativas ao IRC dos exercícios de 2003 e 2004, liquidações essas que se reconduzem a autoliquidações levadas a cabo pelo próprio sujeito passivo mediante a apresentação das declarações de substituição, coincidindo tais valores com os declarados.

E. Pelo que, enferma a alínea E. do probatório de incorrecção factual, na medida em que o valor global de €721.909,35 (referente ao exercício de 2003) e o valor global de € 203.315,42 (referente ao exercício de 2004) não correspondem ao valor da liquidação de IRC de um e de outro exercício.

F. Pois o valor global de € 721.909,35 a que se refere a douta sentença, em dívida e objecto da execução fiscal subjacente aos presentes autos de oposição, abrange não só o valor autoliquidado pelo sujeito passivo do imposto e constante da declaração de substituição de 2003, como também abrange o valor concernente à liquidação de juros compensatórios no montante de € 74.032,97 (liquidação n.º 2007…) e a liquidação de juros de mora no montante de € 14.151,36 (liquidação 2007….), conforme documentos de fls.83 a 86.

G. Enquanto o valor de € 203.315,42 a que se refere a douta sentença no probatório abrange não só o valor autoliquidado pelo sujeito passivo do imposto e constante da declaração de substituição entregue com referência ao exercício de 2004, como também o valor relativo a juros compensatórios no montante de € 13.909,21 (liquidação n.º 2007….) e o valor relativo a juros de mora no montante de € 3.986,30 (liquidação n.º 2007….), conforme documentos de fls. 87 a 90.

H. Ainda, conforme print retirado da base de dados e constante dos autos (Sistema de Consultas de IRC – D.R. MOD. 22 de 29-02-2008), as declarações de que decorrem as liquidações do imposto são declarações de substituição apresentadas pelo sujeito passivo que originaram as liquidações em questão no presentes autos – e por isso, autoliquidações -, não existindo qualquer declaração oficiosa da Administração Tributária.

I. Mais decorrendo das certidões de dívida constantes dos autos que efectivamente a dívida de imposto corresponde a € 633.725,02 referente ao exercício de 2003, conforme declaração apresentada pelo sujeito passivo e autoliquidação do imposto por si efectuada, e corresponde a € 181.057,90 no referente ao exercício de 2004, conforme declaração de apresentada pelo sujeito passivo e autoliquidação por si efectuada.

J. Deste modo, a dívida de imposto decorre de liquidações que resultaram da entrega pela sociedade devedora originária das declarações de rendimentos modelo 22, mediante as quais procedeu à autoliquidação do IRC em falta, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 114.º do Código do IRC, na numeração e redacção vigente à data dos factos, não efectuando contudo o pagamento do imposto devido.

K. Conforme estabelecido na alínea a) do artigo 82.º do Código do IRC, a competência para a liquidação do IRC também é atribuída ao contribuinte quando em causa as declarações a que se referem os artigos 112.º e 114.º do Código de IRC, pelo que, conjugando tal norma com as normas constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 109.º, do n.º 1 do artigo 112.º e do n.º 1 do artigo 114.º do Código do IRC (na numeração e redacção vigente à data dos factos), teremos de concluir que ao entregar voluntariamente as declarações de substituição procedeu a sociedade devedora originária à autoliquidação do imposto, constituindo-se no dever de proceder ao pagamento do imposto assim autoliquidado, no montante de € 181.057,90 e de € 633.725,04, e no pagamento de juros de mora e compensatórios nos termos do prescrito nos artigo 101.º do Código do IRC e artigo 35.º da LGT.

L. Assim, a afirmada falta de notificação das liquidações de IRC em apreço nos presentes autos, e na medida em que decorrentes de autoliquidação do imposto, não é fundamento de inexigibilidade da dívida exequenda, porquanto sendo função da notificação levar ao conhecimento do sujeito passivo a liquidação do imposto, verificamos que tal conhecimento do imposto pelo sujeito passivo havia já ocorrido em momento anterior, aquando da entrega, por si, das declarações de substituição, com autoliquidação do imposto, sem o consequente e devido pagamento.

M. E para tal entendimento concorre o disposto no artigo 101.º do Código do IRC, pois que os juros de mora começam a correr de imediato após o termo do prazo para o pagamento do imposto autoliquidado, prescindindo o legislador de qualquer notificação prévia da notificação para tal efeito, mais se legitimando desde logo a cobrança da dívida.

N. Nos termos expostos, a falta da notificação do imposto não se erige como fundamento de inexigibilidade do imposto enquadrável na alínea i) do artigo 204.º do CPPT, e ao decidir julgar procedente a oposição, com base em tal fundamento, incorreu a douta sentença em erro de julgamento de facto, por errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, mais violando o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 96.º, no n.º 1 do artigo 114.º, na alínea a) do artigo 82.º e do artigo 101.º do Código do IRC, na redacção e numeração vigente à data dos factos”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais referiu:

“No processo identificado à margem foi proferida pelo Tribunal a quo sentença que considerou procedente a oposição judicial deduzida pelo ora Recorrido no processo de execução fiscal n.º 316620….., instaurado pelo Serviço de Finanças Sintra 4 contra a sociedade J….., Lda., NIPC 503…… (“a Sociedade”), para cobrança de dívidas de IRC dos anos de 2003 e 2004, no montante global de Euro 925.224,77.

Com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que as dívidas em questão eram inexigíveis porquanto não haviam sido devida e validamente notificadas à Sociedade e respectivos sócios, o que se impunha por via da aplicação conjunta dos arts. 147.º e 163.º do Código das Sociedades Comerciais.

O Ilustre Representante da Fazenda Pública, aqui Recorrente, não se conformou com a decisão proferida e interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, considerando que:

“4. Contudo, é entendimento da Fazenda Pública não estarmos, no referente às dívidas tributárias relativas a IRC dos exercícios de 2003 e 2004, perante a falta de notificação da liquidação, por resultarem as mesmas de autoliquidação decorrente da apresentação de declarações de substituição pela sociedade devedora originária.

(…)

25. Face ao exposto, a afirmada falta de notificação das liquidações de IRC em apreço nos presentes autos, e na medida em que decorrentes de autoliquidação do imposto, não é fundamento de inexigibilidade da dívida exequenda, porquanto sendo função da notificação levar ao conhecimento do sujeito passivo a liquidação do imposto verificamos que tal conhecimento do imposto pelo sujeito passivo havia já ocorrido em momento anterior aquando da entrega, por si, das declarações de substituição, com autoliquidação do imposto, sem o consequente e devido pagamento.”.

Conclui, assim, o Recorrente que:

“L. Assim, a afirmada falta de notificação das liquidações de IRC em apreço nos presentes autos, e na medida em que decorrentes de autoliquidação do imposto, não é fundamento de inexigibilidade da dívida exequenda, porquanto sendo função da notificação levar ao conhecimento do sujeito passivo a liquidação do imposto, verificamos que tal conhecimento do imposto pelo sujeito passivo havia já ocorrido em momento anterior, aquando da entrega, por si, das declarações de substituição, com autoliquidação do imposto, sem o consequente e devido pagamento.

(…)

N. Nos termos expostos, a falta da notificação do imposto não se erige como fundamento de inexigibilidade do imposto enquadrável na alínea i) do artigo 204.º do CPPT, e ao decidir julgar procedente a oposição, com base em tal fundamento, incorreu a douta sentença em erro de julgamento de facto, por errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos da decisão (…) ”.

Naturalmente que o Recorrido não se conforma com o recurso interposto pelo Recorrente porquanto considera que a sentença recorrida não merece qualquer crítica ou reparo, no segmento posto em causa pelo Recorrente e aqui em apreciação.

No entender do Recorrido, o Meritíssimo Juiz a quo aplicou correctamente o direito ao caso em apreço e decidiu com plena justiça ao dar provimento à alegação do Recorrido de que não se verificava um pressuposto processual essencial ao prosseguimento do processo executivo: a exigibilidade da dívida, que, em condições normais, resultaria de notificação comprovada das liquidações efectuadas a cada um dos sócios da Sociedade, na qualidade responsáveis pelas dívidas após a operação de dissolução e liquidação da Sociedade.

Nessa medida, e por uma questão de economia processual, dá-se por integralmente reproduzido o decidido no douto aresto recorrido, em matéria de obrigatoriedade de notificação das dívidas tributárias em causa.

Sem prejuízo, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá ainda o seguinte:

No entender do Recorrente a exigibilidade das dívidas exequendas não estaria nunca dependente da existência de válida notificação à Sociedade ou aos seus sócios das liquidações correspondentes porquanto tais dívidas resultam de declarações de substituição entregues no âmbito de um procedimento de inspecção tributária.

Com efeito, como refere o Recorrente “E na sequência da apresentação das declarações de substituição em 02/05/2017, foram emitidas em 04/05/2007 as liquidações a que se refere a alínea E. do probatório, as liquidações n.º 200723…. e n.º 2007231…., pelo valor de € 633.725,02 e de € 181.057,90, relativas ao IRC dos exercícios de 2003 e 2004, liquidações essas que se reconduzem a autoliquidações levadas a cabo pelo próprio sujeito passivo mediante a apresentação das declarações de substituição, coincidindo tais valores com os declarados”.

Ora, se esta afirmação estará correcta no que se refere ao valor do imposto devido nos anos de 2003 e 2004 - € 633.725,02 e € 181.057,90, respectivamente – o mesmo já não se poderá alegar no que se refere aos juros compensatórios, no valor de € 74.032,97 (para o exercício de 2003) e de € 14.151,36 (para o exercício de 2004).

Estes valores foram unilateralmente fixados e liquidados pela Autoridade Tributária, sem qualquer intervenção da Sociedade, pelo que – tomando por correcta a argumentação do Recorrente - estariam sempre dependentes de válida notificação à Sociedade ou seus representantes, nos termos gerais do art. 36.º do CPPT, na medida em que não foram autoliquidados pela Sociedade.

O argumento invocado pelo Recorrente quanto à desnecessidade das notificações omitidas não seria, assim, aplicável, pelo menos, na parte dos juros compensatórios em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado.

Mas tal argumento – não obrigatoriedade de notificação da liquidação em caso de autoliquidação – não tem, também, no entender do Recorrido, aplicação ao caso em apreço, uma vez que não tem sustentação legal ou jurisprudencial.

Como certamente não se poderá deixar de reconhecer, em caso de autoliquidação a Autoridade Tributária tem uma actuação menos interventiva, limitando-se a validar as declarações apresentadas pelos contribuintes e a emitir os respectivos documentos de cobrança do imposto autoliquidado.

É este carácter singular de autoliquidação efectivado pelo contribuinte que leva J….., Direito Fiscal, 3.ª Ed., Almedina, pp. 326 e segs., a qualificar a autoliquidação como “(...) acto tributário – quer definitivo (caso do IRS e do IRC em que os rendimentos não são englobáveis ou englobados), quer provisório (caso do IRS e IRC em que os rendimentos vêm a ser englobados) – relativamente ao qual, por via de regra, se verifica uma homologação implícita pela administração tributária (...)” (sublinhado e negrito nosso).

Com efeito, e como resulta do exposto supra, nas situações de autoliquidação a Autoridade Tributária intervém com vista à homologação do acto praticado pelo contribuinte, sendo que é através desta homologação que o acto se torna definitivo e vinculativo.

Homologação essa que, no caso do IRC, se traduz na validação da declaração entregue e subsequente emissão da nota de liquidação e guia de pagamento, se o pagamento não tiver sido efectuado em simultâneo com a entrega da Mod. 22.

Sendo este um acto que afecta o contribuinte – refira-se a possibilidade de a Autoridade Tributária corrigir a declaração do contribuinte e considerar haver mais ou menos imposto a pagar do que aquele que foi inicialmente declarado (por exemplo, ao desconsiderar valores de retenção na fonte ou de pagamentos por conta não registados em sistema) - o mesmo só será eficaz em relação ao contribuinte quando validamente notificado, atento o disposto do art. 36.º do CPPT.

Isso mesmo vem sendo reconhecido pela jurisprudência, de que é exemplo o acórdão deste mesmo Tribunal Central Administrativo Sul de 23/03/2010, proferido no proc. n.º 03499/09, em que se concluiu que:

“1. A notificação da autoliquidação do IRC efectuada pelo contribuinte em declaração de substituição, que não pagou, deve-lhe ser notificada por carta registada simples, por não alterar a situação tributária do mesmo;

2. A prova da remessa de tal carta ao contribuinte cabe à AT, não bastando para o efeito, um mero print interno, processado pelos respectivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos CTT, ainda que colectivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal da contribuinte;”

Ora, resulta do probatório - não contestado pelo Recorrente - que o dito acto de homologação das declarações Mod. 22 entregues (actos de liquidação identificados nos autos) não foi validamente notificado à Sociedade nem aos sócios, pelo que se confirma a alegada inexigibilidade das dívidas, como decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo.

Em face do exposto, resta apenas concluir que a sentença proferida não merece, pois, qualquer censura, resultando da correcta aplicação do Direito ao caso concreto.

Nestes termos, e em face do exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, por não comprovado, assim fazendo este Tribunal a costumada Justiça!”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento de facto no que respeita à alínea E) do probatório?

b) Há erro de julgamento em virtude de se tratar de situação onde não se exige notificação por parte da administração tributária (AT)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. Pela Ap. 54/199….., foi registada a nomeação do Oponente e de C….., com o NIF 143…., como gerentes da sociedade J….., Lda., com o NIPC 503 ….e sede na Rua ….Lt…..; Lj. D, ….Queluz, sendo a forma de obrigar com as assinaturas de dois gerentes (cf. Doc. 2, junto com a p. i. a fls. 26 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e documento junto a fls. 21 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Pela AP 73 de 30 de Dezembro de 2005, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Sintra a dissolução e encerramento da liquidação da mesma sociedade (cf. Doc. 2, junto com a p. i. a fls. 26 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e documento junto a fls. 21 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Em 11 de Janeiro de 2006, foi entregue junto da Repartição de Finanças do 7.° Bairro Lisboa a declaração de cessação de actividade da referida sociedade, em 30 de Dezembro de 2015, por motivo de encerramento da liquidação, constando na parte reservada à data, local e assinaturas, a identificação do Técnico Oficial de Contas, J….e do representante legal, com o NIF 1432…. (cf. Doc. 3, junto com a p. i. a fls. 29 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. No decurso de acção inspectiva interna realizada à mesma sociedade, foram apresentadas, em 2 de Maio de 2007, pelo Técnico Oficial de Contas, com a identificação 12…., declarações de substituição modelo 22 referentes aos anos de 2003 e 2004, com o representante legal com o NIF 143…. (cf. Relatório de inspecção tributária a fls. 35 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e certidão a fl. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E. Na sequência do que, foram emitidas as liquidações n.º 2007231…., referente ao ano de 2003, no valor de € 721.909,35 e n.º 2007231…., referente ao ano de 2004, no valor de € 203.315,42, no montante total de € 925.224,77, ambas com data de 4 de Abril de 2007 (cf. Demonstrações de liquidação a fls. 86 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, certidão a fl. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e certidões de dívida a fls. 2 e 3 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. As notificações das liquidações referidas na letra anterior foram remetidas, em 2 de Setembro de 2007, para a Rua….., Lt.; Lj. Dto., ….Queluz, as quais vieram devolvidas com a indicação dos CTT “mudou-se” e “encerrado”, respectivamente (cf. Certidão a fl. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. Contra a mencionada sociedade foi, pelo Serviço de Finanças de Sintra 4 (Queluz), em 21 de Agosto de 2007, instaurado o processo de execução fiscal n.º 31662…., para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos anos de 2003 e 2004, no montante total de € 925.224,77 (cf. fls. 1 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. A sociedade foi citada para os termos da execução em 7 de Setembro de 2007 (cf. informação a fl. 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e alegações do Oponente);

I. Com base em informação dos serviços de 18 de Outubro de 2007, na qual consta, entre o mais, o seguinte (cf. fl. 26 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):


(“texto integral no original; imagem”)

J. Foi, na mesma data, proferido despacho para audição (reversão) do responsável subsidiário, ora Oponente (cf. fl. 27 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K. Ainda a mesma data, foi remetido ao Oponente ofício de notificação audição-prévia (reversão) n.º 14977 (cf. fl. 27 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L. Em 6 de Novembro de 2007, o Oponente exerceu o seu direito de audição prévia, através de requerimento em que conclui pela não verificação dos pressupostos legais da reversão (cf. fls. 34 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. Com base em informação de 6 de Novembro de 2007, na qual consta o seguinte (cf. fl. 26 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):


(“texto integral no original; imagem”)

N. O Chefe de Finanças proferiu, em 15 de Novembro de 2007, despacho de reversão contra o Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, com base em informação dos serviços, com o seguinte teor essencial (cf. a fls. 43 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

(“texto integral no original; imagem”)


O. Foi remetido ao Oponente ofício de citação (reversão) n.º 16510, recebido por pessoa a quem foi entregue, com carimbo dos CTT no aviso de recepção de 7 de Dezembro de 2007 (cf. Doc. 1, junto com a p. i. a fls. 22 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 50 e segs. do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

P. A p. i. da presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra 4 (Queluz) em 8 de Janeiro de 2008 (cf. fl. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).”.

II.B. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

Q. Na declaração de substituição apresentada relativa ao exercício de 2003 foi calculado um valor de imposto a pagar de 633.725,02 Eur. (cfr. fls. 83 e 84).

R. À liquidação constante da declaração referida em Q. foi atribuído, pela AT, o n.º 2007 …… (cfr. fls. 83 e 86).

S. Foi emitida, pelos serviços da AT, liquidação de juros de mora, atinente ao imposto respeitante ao exercício de 2003 referido em Q, no valor de 14.151,36 Eur., tendo como data limite para pagamento o dia 30.07.2007 (cfr. fls. 84 e 86).

T. Foi emitida, pelos serviços da AT, liquidação de juros compensatórios, atinente ao imposto respeitante ao exercício de 2003 referido em Q., no valor de 74.032,97 Eur., tendo como data limite para pagamento o dia 30.07.2007 (cfr. fls. 84 e 86).

U. Na declaração de substituição apresentada relativa ao exercício de 2004 foi calculado um valor de imposto a pagar de 181.057,90 Eur. (cfr. fls. 88 a 91).

V. À liquidação constante da declaração referida em U. foi atribuído, pela AT, o n.º 2007 231…. (cfr. fls. 88 a 91).

W. Foi emitida, pelos serviços da AT, liquidação de juros de mora n.º 2007…., atinente ao imposto respeitante ao exercício de 2004 referido em U., no valor de 3.986,30 Eur., tendo como data limite para pagamento o dia 30.07.2007 (cfr. fls. 88 a 91).

X. Foram emitidas, pelos serviços da AT, liquidações de juros compensatórios n.ºs 2007….., atinentes ao IRC respeitante ao exercício de 2004 referido em U., no valor total de 18.271,22 Eur., tendo como data limite para pagamento o dia 30.07.2007 (cfr. fls. 88 a 91).

II.C. Considerando a matéria de facto aditada, bem como os elementos constantes dos autos, altera-se a redação dos factos E) e F) nos seguintes termos:

E. Na sequência do referido entre Q) e X), foram emitidas as demonstrações de liquidações referente às liquidações ali mencionadas (cf. Demonstrações de liquidação a fls. 86 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, certidão a fl. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e certidões de dívida a fls. 2 e 3 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Foi efetuado registo nos serviços da AT no sentido de que as notificações das liquidações 2007 231…. e 2007 231….. foram remetidas, em 2 de julho de 2007, para a Rua…., Lt. ….; Lj. Dto., …Queluz, as quais vieram devolvidas com a indicação dos CTT “mudou-se” e “encerrado”, respetivamente (cf. Certidão a fl. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Julga-se que, com os presentes aditamentos e correções ao probatório, foi ultrapassado o erro de julgamento de facto invocado nas conclusões E) e F) das alegações de recurso, ficando, deste modo e desde já, decidida esta questão.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, uma vez que parte da dívida exequenda respeita a autoliquidações, pelo que não carecia de existir notificação por parte da AT, constituindo-se o sujeito passivo no dever de proceder ao pagamento do imposto autoliquidado e no pagamento de juros de mora e compensatórios.

Vejamos.

O nosso ordenamento prevê uma variedade de tipologias de liquidações de imposto, podendo as mesmas ser emitidas pela AT ou ser elaboradas pelo próprio sujeito passivo. É neste último caso que se fala em autoliquidação.

Assim, e a título meramente ilustrativo, são claramente emitidas pela AT as liquidações adicionais resultantes de correções efetuadas ou as liquidações oficiosas motivadas por ausência de apresentação de declaração por parte do sujeito passivo.

Da perspetiva do sujeito passivo, a sua atividade declarativa pode ou não implicar autoliquidação de imposto.

A título exemplificativo, no caso do IRS, não se pode falar em autoliquidação na sequência do cumprimento da obrigação declarativa: o sujeito passivo apresenta a sua declaração de rendimentos e é com base nos elementos na mesma constantes que a AT emite a liquidação de imposto (cfr. art.º 75.º do Código do IRS).

No caso do IRC, tendo por referência a disciplina em vigor à data da apresentação das declarações de substituição (2007 – cfr. facto D.), a regra é a de que a liquidação do IRC é feita, em princípio, pelo próprio contribuinte.

Neste contexto, é de chamar à colação o disposto no art.º 82.º do Código do IRC (CIRC), nos termos do qual “[a] liquidação do IRC é efetuada: // a) Pelo próprio contribuinte, nas declarações a que se referem os artigos 112º e 114º; // b) Pela [então] Direção-Geral dos Impostos, nos restantes casos”.

Portanto, nos casos previstos na al. a) do mencionado art.º 82.º o próprio legislador atribuiu ao contribuinte a competência para liquidar (1).

Cumpre, então, analisar quais a declarações previstas nos art.ºs 112.º e 114.º do CIRC e das quais resulta a autoliquidação de imposto.

Assim, o art.º 112.º respeita à declaração periódica de rendimentos, a apresentar, então, até ao último dia útil do mês de maio.

Já o art.º 114.º do CIRC, relativo à declaração de substituição, previa designadamente que “[q]uando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta”.

Ou seja, quer com a apresentação da declaração periódica de rendimentos, quer com a apresentação da declaração de substituição, está-se perante situações de autoliquidação, ou seja, liquidação do imposto diretamente pelo contribuinte, sendo que o pagamento deverá ser feito em simultâneo com a autoliquidação.

Situação distinta é a relativa às liquidações de juros, sejam elas de juros moratórios ou compensatórios.

Com efeito, quanto aos juros moratórios, é de considerar o disposto no art.º 101.º do CIRC, nos termos do qual, no caso de o imposto autoliquidado não ser pago no prazo, começam a correr imediatamente juros de mora. No caso, é de atender à particularidade, in casu, de as liquidações de juros de mora relativas a ambos os exercícios terem sido emitidas pela AT e de ter sido, nas mesmas, definido prazo para pagamento voluntário, findo o qual se passou à sua cobrança coerciva (cfr. factos G., S. e W.).

Quanto aos juros compensatórios, há que atentar no disposto no art.º 35.º da LGT, nos termos de cujo n.º 1 “[s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente…”.

No caso dos juros, seja qual for a sua natureza, a liquidação dos mesmos cabe à AT em situações como a dos autos, o que, aliás, nem é controvertido. Não é pelo facto de os mesmos resultarem de comandos legais que exime a AT de os liquidar e, como tal, assiste direito ao administrado de conhecer os termos dessa liquidação, para que a mesma lhe seja exigível.

Portanto, in casu, temos, de um lado, valor autoliquidado, relativo ao imposto, e, do outro, valor liquidado pela AT, relativo a juros moratórios e compensatórios.

Cumpre, agora, fazer um breve enquadramento em torno do dever de notificação de atos tributários.

A notificação dos atos tributários decorre desde logo do desiderato constitucionalmente consagrado no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”.

Trata-se, pois, de um direito e garantia do administrado.

Ao nível da lei ordinária, decorre do n.º 6 do art.º 77.º da LGT que a eficácia do ato depende da sua notificação.

Quanto à forma das notificações, somos remetidos para os art.ºs 36.º e ss. do CPPT, nos quais são definidas as formalidades subjacentes à notificação dos diversos atos tributários.

Feito este introito, cumpre, desde logo, apreciar o invocado pela Recorrente em torno da inexistência de obrigação de notificação da liquidação, por se tratar de autoliquidação.

Desde já se adiante que lhe assiste razão nesta parte, exclusivamente no que respeita às autoliquidações de IRC.

Com efeito, a notificação a que nos tendo vindo a referir é obrigatória para os atos tributários emitidos pela administração tributária. É nestes casos que cumpre acautelar as garantias dos administrados, para que os mesmos tenham conhecimento dos atos praticados pela AT que lhes digam respeito.

Nos casos de autoliquidação, não se pode falar na existência de um ato tributário de liquidação praticado pela AT, sendo que o próprio legislador configura as liquidações resultantes da apresentação de declarações de substituição como autoliquidações. Assim, é o contribuinte quem calcula e liquida o imposto a pagar, mesmo que, como foi o caso e ao contrário do que resulta da disciplina legal aplicável, não proceda ao pagamento com a apresentação da declaração de substituição.

Ora, estando nós perante uma autoliquidação, o contribuinte tem dela conhecimento, pois foi ele próprio quem a elaborou e submeteu. Ainda que a AT tenha atribuído um número à liquidação de imposto e ainda que a tenha evidenciado na demonstração de liquidação (o que sempre seria essencial, para efeitos de cálculo dos juros e emissão das liquidações a estes respeitantes), isso não altera a natureza da liquidação. Só assim não seria se a AT tivesse corrigido o que fora declarado pelo contribuinte e tivesse, nesse seguimento, procedido a nova liquidação, o que não foi o caso.

“[N]em sempre a externalização da liquidação depende de notificação postal. (…) [T]ratando-se de autoliquidação, a externalização da liquidação segue um regime específico. (…) Nestas situações, a liquidação produz imediatamente efeitos externos, dado que é o próprio sujeito passivo da obrigação de entrega do imposto que a ela procede"(2).

Sendo, pois, autoliquidações não têm de ser notificadas ao contribuinte pela AT (3).

Não havendo obrigação de notificação, por parte da AT, das autoliquidações de IRC, verifica-se erro de julgamento no que respeita à consideração de que houve falta de notificação desses atos e consequente inexigibilidade do tributo.

O mesmo não sucede, no entanto, quanto às liquidações de juros moratórios e de juros compensatórios.

Vejamos.

Como resulta do quadro legislativo em vigor e decorre da matéria de facto provada, as liquidações de juros moratórios e compensatórios, para ambos os exercícios, foram emitidas pela AT (cfr. factos S., T., W. e X.).

Ou seja, se no caso do imposto estamos perante autoliquidações, no caso dos juros estamos perante liquidações administrativas, perante atos praticados pela AT.

Sendo atos em matéria tributária praticados pela administração, a sua eficácia depende da sua válida notificação, como já deixamos expresso. Não afasta esta circunstância o facto de os respetivos pressupostos decorrerem da lei nem se considera que, em situações com a controvertida, resulte da lei que o legislador prescindiu de tal notificação, ao contrário do defendido pela Recorrente, concretamente quanto aos juros de mora. Com efeito, a leitura conjunta dos art.ºs 101.º do CIRC com os art.ºs 36.º e 38.º do CPPT e os concretos factos ora em análise (emissão pela AT de liquidações de juros de mora, com definição de um prazo para pagamento voluntário, findo o qual foi instaurado o PEF – cfr. factos G., S. e W.) implica conclusão em sentido diverso (aliás, se a AT definiu um prazo para pagamento voluntário, só com a notificação do ato o mesmo poderia ser dado a conhecer ao seu destinatário).

Ora, in casu, como decidido pelo Tribunal a quo (nada tendo sido dito quanto a esse entendimento), nada ficou provado no sentido de terem sido validamente efetuadas as notificações das liquidações de juros.

Concretizando.

Como decorre dos factos provados, afirmou-se que os ofícios visando a notificação foram dirigidos à sociedade devedora originária (cfr. facto F.), num momento ulterior ao da sua dissolução e encerramento da liquidação (cfr. facto B.), ou seja, num momento em que já estava extinta [cfr. art.º 160.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].

Como tal, desde logo não se pode notificar o que já não existe, tendo sim de ser notificado quem suceda à sociedade extinta.

A este respeito, chama-se à colação o disposto no CSC, devendo atentar na disciplina nele constante a este propósito.

Assim, genericamente, do art.º 163.º, n.º 1, do CSC, decorrem as regras gerais atinentes ao passivo superveniente. Desta disposição legal extrai-se, desde logo, considerando o seu n.º 2, que, para efeitos de acionamento da generalidade dos sócios, as ações podem ser propostas contra os liquidatários, sendo que, atento o disposto no n.º 1 do art.º 151.º do CSC, “[s]alvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida”.

Concretamente em termos de passivo superveniente relativo a dívidas fiscais, é de atentar no n.º 2 do art.º 147.º do mesmo código, que prevê a disciplina atinente à responsabilidade por dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da dissolução, e do qual resulta a responsabilidade de todos os sócios. Como refere Raúl Ventura(4), “[a] existência, à data da dissolução, de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis não obsta à partilha imediata (…). Em contrapartida, a responsabilidade pelas dívidas fiscais ainda não exigíveis alarga-se a todos os sócios, ilimitada e solidariamente (portanto, muito mais gravosamente do que o estabelecido no art. 163.º para o passivo superveniente)”.

Ou seja, em caso de dissolução e encerramento de liquidação da sociedade e sendo os sócios responsáveis nos termos explanados, deveria ter a AT procedido à sua notificação, o que não ocorreu, como referido pelo Tribunal a quo e nem é posto em causa pela Recorrente.

Como tal, em relação às liquidações de juros compensatórios e moratórios emitidas pela AT, não resultando demonstrada a sua notificação, tal comporta a inexigibilidade da dívida.

Face ao exposto, assiste razão à Recorrente, no que respeita ao decidido na parte atinente às autoliquidações de IRC de 2003 e 2004, mantendo-se, no entanto, o decidido pelo Tribunal a quo quanto ao demais.

Atento o explanado e considerando que o Tribunal a quo não conheceu as restantes questões invocadas pelo oponente na sua petição inicial, e uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

Assim, são as seguintes as questões a decidir em substituição, nos termos do disposto no art.º 665.º do CPC:

a) Verifica-se uma situação de ausência de responsabilidade do oponente, ao abrigo do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, por tal ser juridicamente impossível, e não ser possível ao abrigo da al. a), por não estar demonstrada a sua culpa?

b) Subsidiariamente, o regime constante do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, contém exigência desproporcional ao nível do ónus da prova e atenta contra a capacidade contributiva?

III.B. Da não aplicação do regime constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT

Considera o oponente, em síntese, não ser in casu aplicável o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, porquanto, já estando a sociedade J….. Lda., extinta à data em que a dívida foi posta a pagamento, não pode haver, por consequência, exercício de quaisquer funções nessa sociedade que já não existia.

Vejamos.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º, da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º, da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, previsto no art.º 32.º da LGT, que consagra “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos” (5). Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, ou seja, considerando os potenciais responsáveis à data do término do prazo para pagamento.

Desde já se refira que o momento temporal relevante é o da data efetiva e em concreto até à qual deveria ter sido feito o pagamento voluntário e que, in casu, ocorreu em 2007, na sequência da apresentação das declarações de substituição.

Ora, como já se deixou evidenciado supra, a liquidação do imposto de ambos os exercícios ocorreu já em momento ulterior ao da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade J….., Lda, ou seja, em momento ulterior à sua extinção, motivo pelo qual há uma impossibilidade conceptual de aplicação do disposto no art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT.

Com efeito, o regime ali previsto pressupõe o exercício de funções de gestão à data em que o prazo legal de pagamento ocorreu.

Se na data em que foram apresentadas as declarações de substituição a sociedade já tinha sido extinta(6), naturalmente que o prazo para o pagamento desses valores decorrentes dessas declarações ocorreu também quando a sociedade já tinha sido extinta(7). Se a sociedade já foi extinta, já não existem órgãos sociais, designadamente a gerência.

Na verdade, enquanto o regime previsto no art.º 22.º da LGT lido em consonância com o art.º 147.º do CSC é suscetível de aplicação em casos como o dos autos, ou seja, nos quais a dívida foi posta a pagamento num momento ulterior à extinção da sociedade, o mesmo não se pode dizer quanto ao regime constante da al. b) do n.º 1 do mencionado art.º 24.º da LGT. Este último tem como ponto de partida o exercício de funções no momento em que termina o prazo para pagamento e esse exercício de funções só pode ocorrer se a sociedade existir.

Assim, estando extinta a sociedade no momento em que termina o prazo para pagamento do imposto, já não é conceptualmente aplicável a al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, que tem como pressuposto de partida a existência da devedora originária e dos seus órgãos no momento temporal mencionado. Daí que, aliás, exista o regime próprio no CSC atinente a dívidas fiscais não exigíveis à data da dissolução, distinto do regime geral e até em termos mais exigentes, como referimos, e que poderá ser convocado pela AT(8).

Como tal, assiste razão ao oponente, resultando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

In casu, atentas as questões em apreciação e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte atinente à falta de notificação das autoliquidações de imposto;

b) Julgar naquela parte, em substituição, procedente a oposição e, em consequência, julgar o PEF 3166200…., nessa mesma parte, extinto quanto ao oponente Recorrido;

c) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

d) Registe e notifique.

Lisboa, 22 de maio de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)

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(1) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, p. 140.
(2) José Maria Fernandes Pires (coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 400.
(3) V., a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2003 (Processo: 0316/03) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14.04.2016 (Processo: 07993/14).
(4) Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1.ª Ed., 3.ª Reimp., Almedina, Coimbra, 2003, p. 271.
(5) Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132.
(6) Não cumprindo na presente sede aferir em que moldes foram apresentadas as declarações e por quem, mas sendo seguro que tal ocorreu já depois de extinta a sociedade.
(7) V. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.01.2016 (Processo: 02985/10.0BEPRT).
(8) Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.09.2014 (Processo: 04767/11).
Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.09.2014 (Processo: 04767/11)