Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:825/10.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA;
OBRAS DE ARTE;
TAXA REDUZIDA.
Sumário:I. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para que um objecto seja qualificado de «obra», na acepção do direito de autor, é necessário que seja «original, na acepção de que é uma criação intelectual do próprio autor».

II. Para beneficiar da taxa reduzida de IVA, o objecto de arte tem de manifestar uma intenção criativa por parte do seu autor, que não é desvirtuada pelo facto de se ter encomendado à autora (aqui recorrida) a criação de bens em que a ela pôde exprimir as suas capacidades criativas na realização da obra, fazendo escolhas livres que reflectem a sua personalidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre para este TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA que julgou procedente a Impugnação Judicial que J.............. deduziu contra os actos de liquidação adicional de IVA, referentes aos exercícios de 2005 [primeiro, terceiro e quarto trimestres] e 2006 [segundo e quarto trimestres] e respectivos juros compensatórios, tudo no valor de global de 33.527,23€.

Termina a sua alegação com as seguintes conclusões [sintetizadas após convite]:

«1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos presentes autos que julga procedente a impugnação parcial deduzida por J.............. das liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2005 e 2006, no montante de € 33.527,33.

2. Diverge a Fazenda Pública do entendimento sufragado na douta sentença, desde logo, porque o julgamento procedente da impugnação assenta, erradamente, e salvo o devido respeito, na premissa de que a impugnante é artista, porque é tal facto, afirma a douta sentença, de conhecimento público, desconhecendo-se, porém, a que obras em causa se refere o Tribunal a quo, considerando que os factos assentes são referentes a todo o tipo de actividade desenvolvida pela impugnante, desde conferências a exposições ou montagens de peças e figurinos.

3. Refere-se o Regime Especial aprovado pelo Decreto-Lei n°199/96, de 18 de Outubro, a "produções originais de estatuária ou de escultura, em qualquer material, desde que as produções sejam inteiramente executadas à mão pelo artista (...); Exemplares únicos de cerâmica, inteiramente executados à mão pelo artista e por ele assinados: (...) ", contudo, a tais requisitos não se refere a sentença para efeito de incluir as obras/actividades em causa, ou de as excluir, no conceito de obra de arte definido pelo Regime Especial aprovado pelo Decreto-Lei n°199/96, de 18 de Outubro.

4. Vejamos que, se o legislador tivesse tido a pretensão de considerar como obra de arte toda e qualquer produção feita pelo artista tê-lo-ia dito, em vez de se referir de forma expressa a produções originais de estatuária ou de escultura inteiramente executadas à mão pelo artista ou se referir a exemplares únicos inteiramente executados à mão pelo artista e por ele assinados.

5. Ora, dos factos assentes na douta sentença resulta apenas a enumeração das facturas, com eventual referência ao nome das peças (alíneas E) e F) do probatório), daí não podendo concluir-se, sem mais, que estejamos perante obras de arte, de acordo com o regime aplicável a que apela a douta sentença.

6. E, quanto às facturas constantes dos factos assentes que se referem à produção de obra em cumprimento de contrato celebrado estamos perante a encomenda de obra e não perante a transmissão de bem que possa qualificar-se como de obra de arte, atenta desde logo a falta de originalidade.

7. Mais não consta de qualquer das facturas, à excepção da factura n°56, a referência à alienação de peça de "exemplar único"; e, designadamente, com referência à peça «Ópio» não estamos perante obra de arte de exemplar único, como prescreve o Regime Especial aplicável em sede de IVA, pois de acordo com os factos constantes da alínea E dos factos provados a peça terá sido objecto de duas operações económicas, uma em que é interveniente a E.............., S.A. e outra a Q.............., S.A., o que nega logo à partida o facto de estarmos perante obra de arte de exemplar único.

8. Sendo que, com referência a tais operações, dos documentos juntos com a p. i. não resulta qualquer anulação de facturas, e a alegação subsequente de anulação das mesmas mostra-se insuficiente, para além de não considerada em sede de sentença, mais não permitindo a prova testemunhal comprovar facto relevante nesta sede.

9. Ainda, quanto à alínea F), ponto i), do probatório deparamo-nos com a produção de 2000 exemplares, o que afasta também aqui a unicidade do exemplar produzido, sendo que se desconhece a que tratamento se refere a douta sentença capaz de elevar 2000 exemplares a "peça de obra única” não se encontrando tal tratamento individualizado identificado ou preciso nos autos, ou na douta sentença.

10. Consideremos, adicionalmente, que a impugnante se encontrava à data dos factos inscrita como artesã, e não como artista plástica, o que determinava uma imposição acrescida à impugnante no sentido de trazer aos autos factos que demonstrassem um efectivo exercício da actividade noutros moldes, com prova inequívoca de que aquelas peças alegadamente executadas e consideradas pela impugnante como obras de arte exemplar único se enquadram efectivamente na categoria de obras de arte de exemplar único - e não fez a impugnante tal prova, incumprindo o comando ínsito no nº1 do artigo 74° da LGT.

11. Ainda se devendo notar o facto de que, ainda que seja a impugnante actualmente artista consagrada na área das artes plásticas, tal facto não faz da sua actividade uma constante e sucessiva produção de obras de arte de exemplar único enquadráveis no regime legal em sede de IVA em causa nos autos, como de resto o provam as facturas constantes do probatório não reconduzíveis a qualquer transmissão.

12. Nestes termos, para que seja aplicável a taxa reduzida de IVA nos termos definidos pela douta sentença teriam de ser as pecas em causa qualificadas como obras de arte, o que não aconteceu, pelo que, se mostra a consideração do Tribunal a quo como viciada por erro de julgamento de facto notório.

13. Por outro lado, deveria o Tribunal a quo ter procedido à verificação de estarmos efectivamente perante transmissões de bens, passíveis de se qualificar como de obras de arte, uma vez que o Regime Especial cuja aplicação afirma e que dá lugar à aplicação da taxa de IVA reduzida se aplica tão-só à transmissão de obras de arte.

14. Pelo que, mesmo que perante obras de arte estivéssemos, seria requisito adicional considerar o teor da operação em causa, factos que o Tribunal a quo se demitiu de aferir.

15. Com efeito, não só não faz a impugnante prova de se tratarem as obras em questão de obras de arte, nem a douta sentença se refere a factos que permitam considerar as obras como obra de exemplar único (não obstante ser essa a conclusão que alcança), como não constam dos autos quaisquer contratos que titulem a transmissão das alegadas peças de arte, pelo que, as operações referentes à sua alienação não são enquadráveis, em sede de IVA, no referido regime especial determinante da aplicação de taxa reduzida de 5%.

16. E as facturas n°s 24, 25, 33, 34, 36, 38, 42, 43, 44, 47, 48, 49, 52, 53, 54, 55, 57, 59, 64 e 70 constantes dos factos provados não se referem a qualquer transmissão de bens, pelo que, não se mostram subsumíveis na previsão normativa referida pela douta sentença e reconduzível à alínea b) do artigo 2º e à alínea b) do artigo 15° do Regime Especial de Tributação de Obras de arte, bem como não se subsumem na alínea a) do nº1 do artigo 18° do CIVA, normativos que se referem indubitavelmente a transmissões de bens.

17. Pois tais facturas titulam operações relativas a montagens, despesas com montagens, exposições, conferências, figurinos e adereços para espectáculo, despesas com guarda-roupa, produção, instalação e transporte, concepção e projecto de instalação, e, por isso, às mesmas não pode ser aplicável a taxa reduzida de IVA, porquanto não em causa qualquer alienação de obra única.

18. Desta forma, verificamos que qualquer dos factos pretendidos reconduzir pelo Tribunal a quo ao conceito de obras de arte se mostra deficientemente qualificado, pois que, ou não está em causa a alienação de qualquer peça, ou está em causa a alienação de peça cujos contornos de execução, por desconhecidos, não permitem a sua consideração como obra de arte, o que não permite a aplicação em sede de IVA da taxa reduzida.

19. Mais atentemos a que, aludindo a douta sentença ao depoimento das testemunhas ouvidas como tendo confirmado os factos, não se percepciona a quais concretos factos provados dizem respeito tais depoimentos, porquanto os factos do probatório resultam provados, de acordo com a douta sentença, conforme documentos constantes dos autos, prescindindo, pois, de prova testemunhal.

20. Concluímos, nestes termos, não se mostrarem os factos dos presentes autos subsumíveis na realidade a que aponta a previsão das normas da alínea b) do artigo 2° e da alínea b) do artigo 15° do Regime Especial de Tributação de Obras de arte, bem como da alínea a) do n°1 do artigo 18° do CIVA, e que permitiria a aplicação às operações em causa da taxa reduzida de IVA.

21. Nestes termos, a douta sentença padece de erro de julgamento de facto, tendo procedido a errónea apreciação dos factos relevantes, violando, assim, o disposto no n°1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária e na alínea b) do artigo 2° e na alínea b) do artigo 15°, ambos do Regime Especial de Tributação de Obras de arte, bem como violando o disposto na alínea a) do n°1 do artigo 18° do CIVA, por não aplicáveis tais normas às operações em causa nos presentes autos e não aplicável às operações em causa a taxa reduzida de IVA.


Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deve ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida, com as devidas consequências legais.

Sendo que V. Exas. Decidindo farão a Costumada Justiça.»





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Notificada da admissão do recurso a Impugnante, e, aqui Recorrida, apresentou na sua contra-alegação as seguintes conclusões:

«35. A Fazenda Pública entende, inexplicavelmente e em absoluta e manifesta contradição com o teor da própria sentença recorrida, que o tribunal a quo não qualificou como obras de arte as peças alienadas pela artista, nos exercícios de 2005 e de 2006.

36. O tribunal a quo concluiu, e bem, que «as peças em causa são obras de arte originais, produzidas pela autora. E, nessa medida, subsumíveis ao conceito de objectos de arte para efeitos de aplicarão da taxa reduzida de IVA à transmissão das mesmas», porque:

37. a conclusão a extrair do descritivo das facturas e nos demais «documentos e informações constantes do processo», considerados como factos provados, é precisamente a contrária à extraída pela AT, ou seja, a leitura dos descritivos das facturas e demais «documentos e informações constantes do processo», evidencia tratarem-se de peças únicas, originais.

38. Acresce ainda o facto que a letra lei não prevê (nem o espirito da norma o exige) a obrigatoriedade de mencionar no descritivo das facturas a expressão «exemplar único», para que à transmissão dos bens descritos nessas facturas seja aplicável a taxa de IVA de 5%, prevista no regime especial para a transmissão de obras de arte de exemplar único,

39. Além do mais a menção «exemplar único» não é utilizada nos usos do comércio de obras de arte porque, por definição de conceito, uma obra de arte é uma peça de exemplar único.

40. Assim sendo, repetimos, não se vislumbra o motivo, se é que existe algum, que levou a AT, perante os documentos acima descritos, a concluir que existem várias obras de arte iguais àquelas que a impugnante, ora recorrida, alienou.

41. Dito por outras palavras, a análise dos documentos não reflecte um único que indício que alvitre justificar a conclusão da AT.

42. Os depoimentos de ambas as testemunhas foram peremptórios em afirmar que todas as obras de arte, em análise no caso sub judice, são peças de exemplar único.

43. Assim sendo, com o devido respeito, que é muito, a sentença recorrida decidiu bem e a AT, no presente recurso, qualificou erroneamente os factos tributários.

44. Sem nada conceder, admitindo, por mera hipótese, que os documentos não permitem concluir claramente que estamos em presença de obras de exemplar único (entendimento que discordamos), o certo é que não há nada que indicie tratarem-se de várias obras iguais pelo que, quando muito, poderia existir alguma dúvida sobre se estamos perante obras de exemplar único ou perante obras «em série», (iguais umas às outras),

45. Ora, nos termos do n°1 do artigo 100° do CPPT, «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.»

46. No caso concreto em apreço, na opinião da ora recorrida, confirmada pela douta sentença do tribunal a quo, os documentos considerados provados na douta sentença e os depoimentos das testemunhas, evidenciam tratar-se de peças de exemplar único. Contudo, mesmo admitido a mera hipótese académica de existir fundada dúvida sobre se o teor dos documentos permite concluir se estamos perante peças de exemplar único, ainda assim, nesse caso haverá que anular os actos tributários de liquidação, na parte que ora se impugna, por força do n°1 do artigo 100° do CPPT, porque, em caso de dúvida, o acto deverá ser anulado, por força do artigo 100° do CPPT.

47. Por último, mas não menos relevante, acrescente-se que, nos termos do artigo 75° n°1 da LGT, «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previmos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal...».

48. A impugnante, ora recorrida, apresentou as declarações de autoliquidação de IVA cumprido, nos termos previstos na lei, as obrigações declarativas a que está sujeita.

49. A impugnante, ora recorrida, considerou nas suas declarações de autoliquidação de IVA que os rendimentos auferidos são provenientes da alienação de obras de exemplar único, razão pela qual aplicou a taxa de IVA de 5%, prevista no regime especial, consagrado para a transmissão de obras de arte de exemplar único.

50. As declarações fiscais apresentadas não revelam omissões ou erros, susceptíveis de impedirem o conhecimento da matéria colectável do sujeito passivo ora recorrido.

51. Não se verifica nenhum dos requisitos previstos no n°2 do artigo 75° da LGT, pelo que vigora a presunção de veracidade das declarações do sujeito passivo ora recorrido.

52. A Autoridade Tributária, quer no relatório de acção inspectiva quer em sede de contestação, quer em sede do presente recurso, não aditou qualquer facto ou documento com vista a ilidir a presunção de veracidade das declarações da impugnante, ora recorrida.

53. «Assim, nestes casos, se a Administrarão Tributaria não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações e a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar como verdadeiro» (cfr. comentário ao artigo 75°, in LGT anotada e comentada por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª Edição. 2012).

54. Por tudo o exposto, nada mais será necessário acrescentar para concluir que o ato tributário de liquidação, na parte que ora se impugna, é anulável com fundamento no artigo 99° alínea a) do CPPT, pelo que bem andou o tribunal a quo.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se douta sentença que anulou o acto tributário de liquidação, assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA.»



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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer de fls. 231.


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Colhidos os vistos legais dos Exmos Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre apreciar e decidir.




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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, as questões apreciar e decidir consistem em saber:
(i) se a sentença enferma de errónea apreciação da matéria de facto, com a consequente violação do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 18.º do CIVA, na alínea b) do artigo 15.º e na alínea b) do artigo 2.º do Regime Especial de Tributação de Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e da Antiguidades, aprovado pelo Decreto – Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro;
(ii) se a sentença recorrida errou na aplicação in casu das regras do ónus da prova, concretamente do disposto no artigo 74.º da LGT.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A)A impugnante J.............. iniciou a atividade profissional em 1995.10.01, dedicando-se ao fabrico de artigos de joalharia e outros, a que correspondia o CAE 032122 (cf. fls. 29 do processo em papel);

B)Em 2002.12.20, candidatou - se ao prémio Fundação Marquês de Pombal, Artes Plásticas – Arte Contemporânea – Jovens Artistas (cf. fls. 30 – Id.);

C)Em 2003.02.05, foi-lhe atribuído o Prémio Fundação Marquês de Pombal 2002, destinado a galardoar a carreira de um jovem artista plástico (cf. fls. 31 e 34 – Id.);

D)Em 2007.05.21, os Impugnantes preencheram e entregaram via internet declaração de substituição Modelo 3 de IRS do exercício de 2005, constante de fls. 140 a 147 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzida, acompanhada dos Anexos B– Categoria B (Regime Simplificado) e H – Benefícios Fiscais e deduções; desta transcreve-se:

a. (…);

b. Modelo 3 – Anexo B;

c. (…);

d. Rendimentos Profissionais, comerciais e industriais

i. (…);

ii. Propriedade intelectual (L404): € 33 669,99;

iii. (…);

e. Modelo 3 – Anexo H;

i. (Q5) – Rendimentos da propriedade intelectual isentos parcialmente – artigo 56º do EBF:

ii. (…)

iii. (L501) – Montante do Rendimento: € 33 669,99;

iv. (…);

E)No ano de 2005, a impugnante J.............. emitiu as seguintes faturas (cf. fls. 60 a 70 do processo em papel):

a. Fatura nº24, emitida em 2005.01.11, a favor de B.............. – Passage du Desir (…), Paris, no montante de €15.925,00, com a menção Isento de IVA – artigo 6/5.d) – Exposição de «J..............»;

b. Fatura nº25, emitida em 2005.01.11, a favor de B.............. – Passage du Desir (…), Paris, no montante de €2.164,98, com a menção Isento de IVA– artigo 6/5.d) – Despesas com a montagem da Exposição de «J..............»;

c. Fatura nº26, emitida em 2005.02.28, a favor de E.............., SA, (…) Lisboa, no montante global de €8.400,00, com as menções IVA – artigo 35º.f) – IVA 5%: €400,00, retenção IRS 10%: 800,00 – Escultura «Coração Independente» - restantes 50%;

d. Fatura nº27, emitida em 2005.07.31, a favor de E.............., SA, (…) Lisboa, no montante global de €1.312,50, com as menções IVA 5%: € 62,50, retenção IRS 10%: € 125,00 – 1ª prestação da peça «Ópio» - Julho;

e. Fatura nº28, emitida em 2005.08.31, a favor de E.............., SA, (…) Lisboa, no montante global de €1.312,50, com as menções IVA 5%: € 62,50, retenção IRS 10%: €125,00 – 2ª prestação da peça «Ópio» - Agosto;

f. Fatura nº29, emitida em 2005.09.06, a favor de E.............., SA, (…) Lisboa, no montante global de €1.312,50, com as menções IVA 5%: € 62,50, retenção IRS 10%: €125,00 – 3ª prestação da peça «Ópio» - Setembro;

g. Fatura nº30, emitida em 2005.07.31, a favor de Q.............., SA, (…) Coimbra, no montante global de €1.312,50, com as menções IVA 5%: € 62,50, retenção IRS 10%: € 125,00 – 1ª prestação da peça «Ópio) - Julho;

h. Fatura nº31, emitida em 2005.08.31, a favor de Q.............., SA, (…) Coimbra, no montante global de €1.312,50, com as menções IVA 5%: € 62,50, retenção IRS 10%: €125,00 – 2ª prestação da peça «Ópio) - Agosto;

i. Fatura nº32, emitida em 2005.09.06, a favor de Q.............., SA, (…) Coimbra, no montante global de €1.312,50, com as menções IVA 5%: € 62,50, retenção IRS 10%: € 125,00 – 3ª prestação da peça «Ópio) - Setembro;

j. Fatura nº33, emitida em 2005.10.24, a favor de V……….., Lda., (…) Lisboa, no montante global de €2.420,00, com as menções IVA 21%: € 420,00, retenção IRS 20%: €400,00 – Montagem da peça «Coração Independente» para a exposição (…);

k. Fatura nº34, emitida em 2005.10.24, a favor de F.............. (…) Lisboa, no montante global de € 6050,00, com as menções IVA 21%: € 115,50, retenção IRS 20%: € 110,00 – Montagem da peça «Valquíria 4» 2004, para a exposição (…);

l. Fatura nº35 - Anulada;

m. Fatura nº36, emitida em 2005.11.24, a favor de Câmara Municipal de Lisboa (…), no montante global de € 7 875,00, com as menções IVA 5%: € 375,00, retenção IRS 20%: €1.575,00 – Produção e execução de uma peça em cerâmica produzida a 2000 exemplares pela F..............;

n. Fatura nº38, emitida em 2005.11.05, a favor de Fundo de Fomento Cultural (…), no montante de €5.000,00, com as menções Isento artigo 9/22;

o. Fatura nº39, emitida em 2005.11.28, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €1.312,50, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: € 62,50, retenção IRS 10%: € 125,00 – 4ª prestação da Peça «Ópio» - Outubro;

p. Fatura nº40, emitida em 2005.11.30, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €1.312,50, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: €62,50, retenção IRS 10%: €125,00 – 5ª prestação da Peça «Ópio» - Novembro;

q. Fatura nº41, emitida em 2005.12.02, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €1.312,50, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: €62,50, retenção IRS 10%: €125,00 – 6ª prestação da Peça «Ópio» - Dezembro;

r. Fatura nº42, emitida em 2005.12.05, a favor de C............. (…) Lisboa, no montante global de €121,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 21%: € 21,00, o IRS 20%: € 20,00 – Conferência sobre arte contemporânea;

s. Fatura nº43, emitida em 2005.12.19, a favor de C............. (…), no montante global de € 26.250,00, com as menções IVA 5%: €1.250,00, IRS 10%: € 2 500,00 – Venda da peça Carrossel (…);

F)No ano de 2006, a impugnante J.............. emitiu as seguintes faturas (cf. fls. 70 a 83 do processo em papel):

a. Fatura nº44, emitida em 2006.01.03, a favor de Câmara Municipal do Fundão (…), no montante global de € 202,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 21%: € 42,00, o IRS 20%: € 40,00 – Conferência sobre Diálogos com Arte;

b. Fatura nº45 – Anulada;

c. Fatura nº46, emitida em 2006.01.03, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €1.425,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: €75,00, retenção IRS 10%: €150,00 – 7ª prestação da Peça «Ópio» - Janeiro;

d. Fatura nº47, emitida em 2006.01.18, a favor de A............ (…), no montante global de €101,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 21%: €21,00, o IRS 20%: € 20,00 – Conferência (…);

e. Fatura nº48, emitida em 2006.01.18, a favor de A............ (…), no montante global de € 830,01, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 21%: €172,57, o IRS 20%: €164,35 – Despesas de montagem de exposição Tractor;

f. Fatura nº49, emitida em 2006.01.18, a favor de EGEAC - EM (…), no montante global de €7.575,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 21%: € 1 575,00, o IRS 20%: €1.500,00 – Figurinos e Adereços para o espetáculo Sobreviver (…);

g. Fatura nº50, emitida em 2006.02.15, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €1.425,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: €75,00, retenção IRS 10%: €150,00 – 8ª prestação da Peça «Ópio» - Fevereiro/06;

h. Fatura nº51, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de € 1 425,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: € 75,00, retenção IRS 10%: € 150,00 – 9ª prestação da Peça «Ópio» - Março/06;

i. Fatura nº52, emitida em 2006.04.08, a favor de Câmara Municipal de Lisboa (…), substituição da fatura nº36, no montante global de € 6.375,00, com as menções IVA 5%: € 375,00, retenção IRS 20%: €1.500,00 – Produção e execução de uma peça em cerâmic a produzida a 2000 exemplares pela F..............;

j. Fatura nº53, emitida em 2006.04.26, a favor de A............, SA (…), no montante global de € 4 750,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA IVA 5%: €250,00, retenção IRS 20%: € 500,00 – Produção Peça Nike (…);

k. Fatura nº54, emitida em 2006.04.26, a favor de O............ (…), no montante global de €2.000,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA IVA 5%: € 347,00, – Produção Exposição Toison D’Or (…);

l. Fatura nº55, emitida em 2006.04.26, a favor de Companhia de Teatro (…), no montante global de €392,80, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA IVA 5%: €68,17, – Despesas n/ corte referente ao guarda-roupa da peça Sobreviver (…);

m. Fatura nº56, a favor de E............, Lda. (…), no montante global de € 1 615,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: € 85,00, retenção IRS 10%: €170,00 – Venda de Peça única;

n. Fatura nº57, a favor de F............ (…), no montante de €8.000,00, com a menção Isento de IVA artigo 14/1 RITI – Produção da Obra Vigoroso e Poderoso;

o. Fatura nº59, a favor de F............ (…), no montante de €2.000,00, com a menção IVA 21%: €347,11 – Prestação de Serviços de Montagem da Peça Vigoroso e Poderoso;

p. Fatura nº60, emitida em 2006.07.10, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €1.425,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: €75,00, retenção IRS 10%: €150,00 – 10ª prestação da Peça «Ópio» - Abril/06;

q. Fatura nº 62, emitida em 2006.07.10, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €1.425,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: €75,00, retenção IRS 10%: €150,00 – 11ª prestação da Peça «Ópio» - Maio/06;

r. Fatura nº63, emitida em 2006.07.10, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €1.425,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: € 75,00, retenção IRS 10%: € 150,00 – 12ª prestação da Peça «Ópio» - Junho/06;

s. Fatura nº 64, emitida em 2006.07.11, a favor de F.............. (…), no montante global de €11.410,98, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 21%: € 2 372,57, retenção IRS 10%: €2.259,60 – Produção, instalação, transporte da peça A Ilha dos Amores;

t. Fatura nº65, emitida em 2006.07.25, a favor de C……….SA (…), no montante global de € 28.500,00, com a menção IVA 5%: €1.500,00, retenção IRS 10%: €3.000,00 – Venda da Peça Coração de Viana;

u. Fatura nº66, emitida em 2006.09.04, a favor de S............ SA (…), no montante global de €9.500,00, com a menção IVA 5%: €500,00, retenção IRS 10%: € 1 000,00 – 1ª Prestação da venda da peça Castiçal Pommery;

v. Fatura nº67, emitida em 2006.09.04, a favor de N............ (…), no montante global de €2.375,00, com a menção IVA 5%: € 125,00, retenção IRS 10%: €150,00 – Venda da Peça presépio;

w. Fatura nº68, emitida em 2006.09.22, a favor de S............ SA (…), no montante global de € 23.750,00, com a menção IVA 5%: €1.250,00, retenção IRS 10%: € 2 500,00 – 2ª Prestação da venda da peça Castiçal Pommery;

x. Fatura nº 69, emitida em 2006.07.10, a favor de Q.............., SA (…), no montante global de €3.825,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 5%: € 225,00, retenção IRS 10%: € 450,00 – 13ª prestação da Peça «Ópio» - Julho/06, 14ª Prestação da Peça Ópio Agosto 2006, 15ª Prestação da Peça Ópio Setembro 2006;

y. Fatura nº 70, emitida em 2006.12.11, a favor de instituto Camões (…), no montante global de €1.010,00, com as menções IVA artigo 35/5.f) do CIVA, IVA 21%: € 210,00, retenção IRS 10%: €200,00 –conceção, projeto de instalação da obra Vigoroso e Poderoso (…);

G) Os exercícios de 2005 e 2006, foram inspecionados e apurado IVA em falta nos montantes global de €33.527,23, dos quais € 29 624,02 de IVA e €3.903,21 de juros compensatórios (cf. fls. 110 do PA);

H) Do relatório elaborado em 2009.11.30, pela Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, constante de fls. 115 a 126 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:

a. (…);

b. III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas:

c.(…);

d. Em face do conteúdo das declarações, foi verificada, nomeadamente, a existência de:

i. Rendimentos inscritos no anexo H da declaração modelo 3 de IRS, como sendo rendimentos isentos parcialmente (artigo 58º do EBF), sem que os suportes documentais tal confirmem;

ii. Operações inscritas nas declarações periódicas de IVA como sendo sujeitas à taxa reduzida de IVA, apesar de as operações efetuadas não constarem da lista I (bens e serviços sujeitos à taxa reduzida de IVA);

e. Não tendo sido obtidos quaisquer elementos esclarecedores, afigura-se que deverão ser sujeitos a tributação os rendimentos declarados, conforme a seguir descrito:

f. III.1 – Correções em sede de IRS

i. A situação descrita, traduziu-se em omissões praticadas na declaração modelo 3 – anexo B, com reflexo no apuramento do rendimento coletável:

ii. Ano 2005

1. (…);

2. Liquidação a efetuar no âmbito da ação inspetiva:

3. Rendimento coletável:

4. Total dos rendimentos: € 71 639,98 x 65% = € 46 565,99;

5. Correção ao rendimento coletável: € 17 676,10;

iii. (…);

g. III.2 – Em sede de IVA

i. Na sequência do exposto, o confronto entre os elementos constantes das declarações periódicas de IVA apresentadas (…), os registos de faturação emitida pelo sujeito passivo (…), bem como a consulta ao anexo J / mod. 10 (…), revela a existência de falta de liquidação de IVA, no respeitante aos períodos a seguir indicados, nos termos do artigo 27º CIVA:


PeríodoBase TributávelIVA ApuradoIVA Dec PerIVA em Falta
2005-03T
8 000,00
1 680,00
1 680,00
2005-06T
7 500,00
1 575,00
1 575,00
2005-09T
15 000,00
3 150,00
3 150,00
2005-12T
15 400,00
3 234,00
770,00
2 464,00
Subtotal
45 900,00
9 639,00
770,00
8 869,00
2005-12T
5 000,00
1 050,00
1050,00
Soma 2015
50 900,00
10 689,00
770,00
9 919,00
2006-03T
4 500,00
945,00
225,00
720,00
2006-09T
6 700,00
1 407,00
335,00
1 072,00
2006-09T
72 000,00
15 120,00
3 600,00
11 520,00
2006-12T
12 000,00
2 520,00
600,00
1 920,00
Subtotal
95 200,00
2006-12T
22 062,00
4 633,02
4 633,02
Soma 2006
117 262,00
24 625,02
4 760,00
19 865,02
h. (….);

I)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº ............, relativa ao período de 0503T, com valor a pagar de €1.520,00 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 15 do processo em papel);

J)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº............, relativa ao período de 0503T, com valor a pagar de €273,35 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 22 do processo em papel);

K)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº ............, relativa ao período de 0509T, com valor a pagar de €1.520,00 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 16 do processo em papel);

L)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº ............, relativa ao período de 0509T, com valor a pagar de €253,73 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 23 do processo em papel);

M)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº............, relativa ao período de 0512T, com valor a pagar de € 6 664,00 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 17 do processo em papel);

N)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº............, relativa ao período de 0512T, com valor a pagar de €1.004,89 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 24 do processo em papel);

O)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº............, relativa ao período de 0603T, com valor a pagar de € 720,00 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 18 do processo em papel);

P)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios nº............, relativa ao período de 0603T, com valor a pagar de €101,94 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 25 do processo em papel);

Q)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº............, relativa ao período de 0606T, com valor a pagar de €1.072,00 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 19 do processo em papel);

R)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº............, relativa ao período de 0606T, com valor a pagar de €140,86 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 26 do processo em papel);

S)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº............, relativa ao período de 0609T, com valor a pagar de €11.520,00 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 20 do processo em papel);

T)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº............, relativa ao período de 0609T, com valor a pagar de €1.398,81 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf.fls. 27 do processo em papel);

U)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº ............, relativa ao período de 0612T, com valor a pagar de € 6 553,02 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 21 do processo em papel);

V)Em 2009.12.15, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº............, relativa ao período de 0612T, com valor a pagar de €729,63 e data limite de pagamento de 2010.02.28 (cf. fls. 28 do processo em papel);

W)Em 2010.05.20, a presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras-3 (cf. carimbo aposto a fls. 4 do processo em papel).

b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provado com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

IV – Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas ouvidas que os confirmaram, que tinham conhecimento direto dos factos a que depuseram, de forma serena, tranquila e pormenorizada.»


**


B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da análise documental aos elementos disponíveis nos serviços e mediante o cruzamento das declarações de IVA (exercícios de 2005 [primeiro, terceiro e quarto trimestres] e 2006 [segundo e quarto trimestres]), a Administração Tributária constatou a existência de operações inscritas nas declarações periódicas de IVA, apresentadas pela Impugnante, como estando sujeitas à taxa reduzida de IVA (5%) e procedeu às respetivas correcções sujeitando-as à taxa normal de IVA (12%), por não constarem da Lista I da Tabela de Bens e Serviços, dando origem às liquidações adicionais de IVA, no montante global de 33.527,23€.

A Impugnante (doravante recorrida) por não se conformar com as correcções efectuadas, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra impugnação judicial visando a anulação das liquidações adicionais mencionadas no parágrafo antecedente.

A impugnação foi julgada procedente, com base na seguinte fundamentação jurídica: «[a]s peças as peças em causa, são obras de arte originais, produzidas pela autora.

E, nessa medida, subsumíveis ao conceito de objetos de arte para efeitos de aplicação da taxa reduzida de IVA à transmissão das mesmas.

Mesmo as peças em cerâmica produzidas pela F.............., foram depois transformadas ou tratadas pela Autora e cabem, pois, também elas, no conceito de obra de arte e como tal consideradas como obra única, para efeitos de determinação da taxa de IVA aplicável

Tal como resulta das Conclusões de recurso acima transcritas, a Fazenda Pública (doravante recorrente) não concorda com o decidido em 1ª instância, por entender, fundamentalmente que « (…) dos factos assentes na douta sentença resulta apenas a enumeração das facturas, com eventual referência ao nome das peças (alíneas E) e F) do probatório), daí não podendo concluir-se, sem mais, que estejamos perante obras de arte, de acordo com o regime aplicável a que apela a douta sentença» (Conclusão 5.), «(…) quanto às facturas constantes dos factos assentes que se referem à produção de obra em cumprimento de contrato celebrado estamos perante a encomenda de obra e não perante a transmissão de bem que possa qualificar-se como de obra de arte, atenta desde logo a falta de originalidade.» (Conclusão 6.) e « Mais não consta de qualquer das facturas, à excepção da factura n°56, a referência à alienação de peça de "exemplar único"; e, designadamente, com referência à peça «Ópio» não estamos perante obra de arte de exemplar único, como prescreve o Regime Especial aplicável em sede de IVA, pois de acordo com os factos constantes da alínea E dos factos provados a peça terá sido objecto de duas operações económicas, uma em que é interveniente a E.............., S.A. e outra a Q.............., S.A., o que nega logo à partida o facto de estarmos perante obra de arte de exemplar único [Conclusão 7.].

Com essa argumentação, a recorrente afirma não poder « [c]oncluir-se, sem mais, que estejamos perante obras de arte, necessariamente, de acordo com o regime aplicável de exemplar único.».

Antes de avançarmos para a análise concreta do caso, importa, deixar claro, que a recorrida foi peremptória, na sua petição inicial (artigo 14.º do respectivo articulado), a restringir a sua discordância às correcções que incidem sobre a aplicação da taxa de IVA aplicada às transmissões que efectuou de obras de arte, as quais em seu entender estão sujeitas à taxa de 5%.

O que significa que a questão de fundo a decidir, é tão só a de saber se às transmissões de bens efectuadas pela recorrida estão sujeitas à taxa deduzida (5%), por aplicação do Regime Especial de Tributação de Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e da Antiguidades, aprovado pelo Decreto – Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro, ou, se, ao invés, é de se aplicar a taxa norma de IVA (12%), como entende e pretende a recorrente.

Para responder à questão nos vem colocada, importa apurar se as operações económicas tituladas nas facturas se referem ou não a transmissão de bens, passíveis de qualificar como «obras de arte», na medida em que apenas estas dão lugar à aplicação de taxa de IVA reduzida.
Vejamos, então.
O imposto sobre o valor acrescentado (IVA) é um imposto sobre o consumo, introduzido no sistema tributário português pelo Dec-Lei 394-B/84, de 26/12, que pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico como de um ponto de vista económico, visto que que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr. artigo 1.º do CIVA).
Sendo que são sujeitos passivos de imposto as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente, com carácter habitual ou ocasional, realizam uma ou várias operações no âmbito de uma actividade económica, nos termos do artigo 2.° do CIVA, o que significa que se trata de um imposto que incide sobre as operações económicas, com vista atingir o consumo, abstraindo-se da qualidade das pessoas que efectuam essas operações.
A partir da aplicação da Directiva 94/5/CE, do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994 (conhecida por 7º Diretiva), ficaram excluídas as isenções das transmissões e as importações de objectos de arte, por parte do autor, seus herdeiros ou legatários, que inicialmente se referiam o n.° 19 do artigo 9.° e a alínea i) do n.° 1 do artigo 13.° do CIVA, pelo que estas disposições foram revogadas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 199/96, que aprovou o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Coleção e Antiguidades.
A inaplicabilidade da isenção, ainda que o transmitente seja o próprio autor das obras de arte ou um seu sucessor, foi confirmada no acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2002, Comissão/Finlândia - processo C-169/00-. (http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d0f130d5c3ee1c68bee0468ba296ba9327cb7bac.e34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4ObNuKe0?text=&docid=85965&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=19228)
Estabelece tal Regime no respectivo artigo 1.º que: «Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado, segundo o regime especial de tributação da margem, as transmissões de bens em segunda mão, de objectos de Arte, de colecção e de antiguidades, efectuadas nos termos deste diploma, por sujeitos passivos revendedores ou por organizadores de vendas em leilão que actuem em nome próprio, por conta de um comitente, de acordo com um contrato de comissão de venda»
De acordo com a alínea b) do artigo 2.° do citado Regime, entende-se, por «objectos de arte», os bens mencionados no Ponto A da lista que lhe está anexa, que aqui se reproduz:
A)Para efeitos do presente Regime Especial, entende-se por objetos de arte os seguintes bens:
Quadros, colagens e peças similares, pinturas e desenhos, inteiramente executados à mão pelo artista, com exclusão dos desenhos de arquitetos, engenheiros e outros desenhos industriais, comerciais, topográficos ou similares, dos artigos manufaturados decorados à mão, das telas pintadas para cenários de teatro, fundos de estúdios ou utilizações análogas (código NC 9701);
Gravuras, estampas e litografias originais, ou seja, provas tiradas diretamente a preto ou a cores em número não superior a 200 exemplares, de uma ou várias chapas inteiramente executadas à mão pelo artista, independentemente da técnica ou do material utilizados, excluindo qualquer processo mecânico ou fotomecânico (código NC 9702 00 00);
Produções originais de estatuária ou de escultura, em qualquer material, desde que as produções sejam inteiramente executadas à mão pelo artista; fundições de esculturas de tiragem limitada a oito exemplares e controlada pelo artista ou pelos seus sucessores (código NC 9703 00 00);
Tapeçarias (código NC 5805 00 00) e têxteis para guarnições murais (código NC 6304 00 00) de confeção manual a partir de desenhos originais fornecidos por artistas, desde que não sejam confecionados mais de oito exemplares de cada;
Exemplares únicos de cerâmica, inteiramente executados à mão pelo artista e por ele assinados;
Esmaltes sobre cobre, inteiramente executados à mão, limitados a oito exemplares numerados e assinados pelo artista ou pela oficina de arte, com exclusão de artigos de bijutaria, ourivesaria ou joalharia;
Fotografias realizadas pelo artista, tiradas por ele ou sob o seu controlo, assinadas e numeradas até ao limite de 30 exemplares, independentemente do respetivo formato ou suporte.».
Por outro lado, e, em conformidade com o estatuído na alínea b) do artigo 15.º, do mesmo diploma: «A taxa reduzida prevista na alínea a) do artigo 18.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado é aplicável:
a) Às importações de objectos de arte;».
Sustenta-se na alegação de recurso que a ausência de «unicidade do exemplar produzido» e a «encomenda» dos bens afasta, desde logo, a qualificação dos bens transaccionados como «obras de arte».
Não acompanhamos essa posição, pelas razões que passamos a explanar.
Como tem sido reiteradamente declarado pelo Tribunal de Justiça o conceito de «obra» é um conceito que deve ser interpretado de modo autónomo e uniforme e que pressupõe que estejam reunidos dois elementos cumulativos, a saber: « [q]ue exista um objeto original, no sentido de que este é uma criação intelectual do próprio autor. Por outro, a qualificação de obra está reservada aos elementos que sejam a expressão dessa criação (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2019, Infopaq International, C-5/08, EU:C:2009:465, n.os 37 e 39, e de 13 de novembro de 2018, Levola Hengelo, C-310/17, EU:C:2018:899, n.os 33 e 35 a 37 e jurisprudência referida)
(Acórdão de 12 de setembro de 2019, Cofemel – Sociedade de Vestuário, SA/G-Star Raw CV, processo C-683/17)
(http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=217668&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=7372125)
Assim, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para que um objecto seja qualificado de «obra», na acepção do direito de autor, é necessário que seja «original, na acepção de que é uma criação intelectual do próprio autor».
A esta luz falece o argumentário expendido pela Fazenda Pública, nas suas alegações recursórias, que não tem a virtualidade de pôr em causa que, in casu, estamos perante uma criação intelectual da própria autora (aqui recorrida) nem consegue demonstrar que a «encomenda» das obras não permite à autora exprimir o seu espírito criativo de modo original e chegar a um resultado que constitua uma criação intelectual própria.
Nem, aliás, a expressão «exemplar único» tem o alcance que a recorrente lhe quer dar, porquanto com esta expressão pretendeu o legislador referir-se às obras de arte originais.
Nesse sentido, afirma José de Oliveira Ascensão, que « (...) original, erroneamente referidos por vezes como respeitantes à obra de exemplar único(Direito Autoral, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1989, p. 216).
A recorrente alega, ainda que à data dos factos a recorrida se encontrava inscrita como artesã, e não como artista plástica, o que no entendimento da Fazenda Pública «[determinava uma imposição acrescida à impugnante no sentido de trazer aos autos factos que demonstrassem um efectivo exercício da actividade noutros moldes, com prova inequívoca de que aquelas peças alegadamente executadas e consideradas pela impugnante como obras de arte exemplar único se enquadram efectivamente na categoria de obras de arte de exemplar único - e não fez a impugnante tal prova, incumprindo o comando ínsito no nº1 do artigo 74° da LGT.».
É necessário recordar, antes demais, que as correcções operadas pela Administração Tributária, que conduziram à aplicação da taxa normal de IVA, foram efectuadas por se considerar que os bens transacionados não se enquadravam no conceito de «obras de arte» e não por se ter então entendido que a recorrida não se encontrava inscrita como artista plástica. Sendo assim, tal argumento aduzido apenas em sede de alegações irreleva para a apreciação da legalidade das correções subjacentes aos actos de liquidação impugnados.
Na verdade, e como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência a fundamentação tem de ser contextual, ou seja, contemporânea do próprio acto não relevando a fundamentação feita a posteriori ou sucessiva (neste sentido, vide, por todos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.06.2002, proferido no processo n.º 047787, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
E, não é de somenos importância realçar que a Administração Tributária está onerada a demonstrar a factualidade que a levou a corrigir as liquidações e, consequentemente, a determinar a aplicação da taxa normal de IVA em termos tais que consiga abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrida e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita, consagrado no artigo 75º, n.º1 da LGT.
Resta, pois, concluir que não tendo a Administração Tributária feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela.
Termos em que improcedem todas as questões suscitadas no recurso.

IV.CONCLUSÕES
I. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para que um objecto seja qualificado de «obra», na acepção do direito de autor, é necessário que seja «original, na acepção de que é uma criação intelectual do próprio autor».
II. Para beneficiar da taxa reduzida de IVA, o objecto de arte tem de manifestar uma intenção criativa por parte do seu autor, que não é desvirtuada pelo facto de se ter encomendado à autora (aqui recorrida) a criação de bens em que a ela pôde exprimir as suas capacidades criativas na realização da obra, fazendo escolhas livres que reflectem a sua personalidade.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]

Ana Pinhol