Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03462/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2009
Relator:José Correia
Descritores:IRC. CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I) -Respeitando a liquidação impugnada IRS de 2003, nos termos do disposto no nº1 do artigo 45° da LGT, o direito de liquidar o tributo caducava se a liquidação não fosse validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, resultando do nº 2 do referido normativo que o prazo de caducidade se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
II) -Da interpretação do citado inciso legal resulta que para obstar à caducidade do direito à liquidação são necessários dois requisitos cumulativos, a saber, a liquidação do imposto, bem como a sua notificação validamente efectuada, acarretando a falta de um daqueles requisitos a invalidade do acto de liquidação do imposto.
III) -Decorrendo dos autos que está em causa um imposto periódico respeitante ao ano de 2003, o prazo de caducidade iniciou-se no dia 31/12/2003, pelo que, não se verificando qualquer facto interruptivo ou suspensivo, o prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto em causa terminou em 31/12/2007.
IV) -Assim sendo, tendo o impugnante sido notificado em 11/02/ 2008, já se tinha consumado a caducidade do direito à liquidação, o que afecta não só a sua eficácia, impedindo na prática que se produzam os efeitos a que se destinava, como a própria legalidade do acto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:
1. - Inconformada com a decisão proferida pela Mª Juíza do TAF de Almada que julgou procedente a presente impugnação que João ...e Maria ..., deduziu contra a liquidação de IRS referente ao exercício de 2003, veio a FAZENDA PÚBLICA, recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul de tal sentença, pedindo a sua revogação.
Formulou as seguintes conclusões:
4.1. - A liquidação de IRS em causa, resultou de uma acção interna de inspecção, com consequente elaboração de relatório de fiscalização, e de cujas correcções propostas, foi o contribuinte devidamente notificado (alíneas a), b) c) e d) do ponto III - 1 da sentença).
4.2. - Foi emitida a nota de demonstração de IRS n° 2007 5004613410, datada de 04/12/2007, no montante de € 1 385 043,19, enviada para a residência fiscal do contribuinte (Rua ..., LISBOA), através do registo postal n° RY453804442PT.
4.3. - Através do registo n° RY453825221PT, remetido para o mesmo endereço, foi notificado o contribuinte relativamente à demonstração de liquidação de juros, bem como da demonstração de acerto das contas, constando nos autos a devolução ao remetente, da correspondência expedida e bem assim a sua entregue junto do Serviço de Finanças, à data de 11/02/2008 (alíneas d), f), g) e h) do ponto III - 1 da sentença).
4.4. - Na sua sentença proferida, invoca o Tribunal como normativos aplicáveis, o preceituado pelos artigos 36°, 38° e 39° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, concluindo pela utilização imperativa do Aviso de Recepção.
4.5. - E bem assim pela perfeição da notificação, na data constante do Aviso de Recepção incluso nos autos, a qual, diga-se, é a mesma constante do Termo de Entrega elaborado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, o que demonstra a extemporaneidade da sua assinatura.
4.6. - Como se retira do conteúdo do aviso de recepção, o contribuinte foi avisado pelos CTT Correios em 12/12/2007, pelas 11:05 horas, na sua residência fiscal, relativamente ao local onde se deveria que deveria deslocar para proceder ao levantamento da correspondência a si dirigida pelos Serviços da Administração Tributária. O que de todo não fez, nem mandou fazer como lhe competia.
4.7. - Dispõe o n° 3 do artigo 38° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que as notificações relativas à liquidações de tributos, que resultem de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos de audição, são efectuadas por carta registada, sendo que nos termos do preceituado pelo n° 1 do art° 39° do CPPT, presumem-se efectuadas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
4.8. - Nos presentes autos, o registo correspondente à notificação da liquidação, data de Dezembro de 2007 (11/12/2007), pelo que, sendo o 3° dia útil, o dia 14/12/2007, foi o contribuinte validamente notificado a partir desta data.
4.9. - Não é oponível, como invocado na sentença, o facto de os invólucros dos registos conterem a indicação de ''devolvido ao remetente", dando assim por verificado um efeito devolutivo, impeditivo da aplicação da presunção estabelecida pelo n° 1 do artigo 39° do CPPT, atendendo a que, diferentemente de outras menções promotoras de tal efeito devolutivo (p.ex. "não habita este endereço, endereço errado ou insuficiente, paradeiro desconhecido, etc.), a menção inscrita nos invólucros sub-judice, apenas transmite uma vontade de não recebimento da correspondência, que reitera-se, foi correctamente endereçada para a residência fiscal do contribuinte, como os próprios autos atestam.
4.10. - Não se descortina qualquer lapso ou omissão pela Administração Tributária, nomeadamente relacionados com o eventual cumprimento por parte do contribuinte, do preceituado pelo artigo 43° do CPPT.
4.11. - Do exposto, resulta que o contribuinte foi notificado da liquidação de IRS dentro do prazo de caducidade legalmente estabelecido, não podendo pois proceder o entendimento preconizado na sentença proferida, por, salvo melhor interpretação, se fundamentar em erro nos pressupostos e violação do direito aplicável, nomeadamente o n° 3 do artigo 38° e n° 1 do artigo 39° do CPPT.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
Porém, V. Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.
Não houve contra -alegações.
O EPGA emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os autos vêm à conferência após a recolha dos vistos legais.
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2. - Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório:
Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos, consideramos assente a seguinte factualidade:
A) Na sequência da ordem de serviço nº OI200701654, foi efectuada uma análise interna de âmbito parcial com vista ao controlo fiscal interno dos rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis - Categoria G auferidos no exercício de 2003 pelos Impugnantes - cf. documento de fls. 77 e sgs do PAT;
B) Em consequência, foi elaborado o relatório cujo teor se dá por integralmente reproduzido, contendo as correspondentes correcções - cf. documento de fls. 77 e sgs do PAT;
C) Através do ofício n° 97812, registado com aviso de recepção datado de 27/11/2007, foi o Impugnante notificado das correcções resultantes da acção inspectiva, bem como do relatório referido na alínea anterior - cf. documento de fls. 29 dos autos e de fls. 76 do PAT;
D) Na sequência do referido relatório, foi emitida nota de demonstração de liquidação adicional de IRS que consta a fls. 66 dos autos, com o n° 2007 5004613410, datada de 4/12/2007, no montante de €1 385 043,19, enviada através do registo postal n° RY453804442PT;
E)Com data de 5/12/2007, foram emitidas a nota de demonstração de liquidação de juros, bem como da demonstração de acerto de contas relativa à compensação n° 2007 00007203853, enviadas através do registo postal n° RY453825221PT e n° RY453741402PT respectivamente - cf. documento de fls. 67 e 68;
F) Os invólucros das notas indicadas nas alíneas anteriores foram devolvidos ao seu remetente - cf. fls. 66 a 68;
G) Consta de fls. 63 e 64 cópia de um aviso para levantamento de correspondência registada, relativo aos registos postais n°s RY453804442PT, RY453825221PT e RY453741402PT contendo aposta a assinatura e identificação do respectivo destinatário -o Impugnante, e a menção de que o objecto a que o mesmo se refere foi levantado em 11/02/ 2008;
H)Com a mesma data foi elaborado termo de entrega das mencionadas demonstrações, contendo a identificação dos registos postais indicados na alínea anterior - cf. documento de fls. 62.
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Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
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Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
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3. - Fixada a factualidade relevante, vejamos agora o direito donde emerge a solução do pleito, sendo certo que as conclusões de quem recorre balizam o âmbito de um recurso concreto (artºs. 684º e 690º do CPC).
É inquestionável o regime segundo o qual este Tribunal aplica o Direito ao circunstancialismo factual que vem fixado, pelo que a questão que se impõe neste recurso é a de saber se ocorre a caducidade do direito à liquidação com as consequências extraídas na sentença recorrida.
A Mª Juíza «a quo» fundamentou assim a decisão de improcedência daquele fundamento (causa de pedir) da impugnação:
“ Nos termos do disposto no artigo 36° do CPPT, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
Dispõe ainda o artigo 38° que as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes.
Do n° 3 do artigo 39° do CPPT resulta que havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicilio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
Das normas acabadas de citar resulta a conclusão de que a notificação em causa nos autos tem-se por efectuada no dia 11/2/2008, conforme resulta da alínea G) dos factos assentes, por ter sido a data em que o aviso de recepção se mostra assinado pelo seu destinatário.
Vejamos agora que consequência extrair de tal facto, o que nos reconduz à questão invocada pelos Impugnantes da caducidade do direito à liquidação.
A liquidação em causa respeita a IRS de 2003.
Nos termos do disposto no nº1 do artigo 45° da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, resultando do nº 2 do referido normativo que o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Resulta da interpretação da norma citada que para obstar à caducidade do direito à liquidação são necessários dois requisitos, a saber, a liquidação do imposto, bem como a sua notificação validamente efectuada.
Faltando um daqueles requisitos de verificação cumulativa, é a própria validade do acto de liquidação do imposto que está em causa.
Ora, resultando dos autos que está em causa um imposto periódico (IRS), e respeitando o mesmo ao ano de 2003, o prazo de caducidade iniciou-se no dia 31/12/2003, pelo que, não se verificando qualquer facto interruptivo ou suspensivo, o prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto em causa terminou em 31/12/2007.
Assim sendo, à data da notificação dos actos impugnados, já se tinha consumado a caducidade do direito à liquidação, o que afecta não só a sua eficácia, impedindo na prática que se produzam os efeitos a que se destinava, como a própria legalidade do acto, mostrando-se assim, procedente o pedido dos Impugnantes.”
Concorda-se inteiramente com o assim fundamentado e decidido, acolhendo-se, outrossim, as razões jurídicas ditadas pelo EPGA no seu douto parecer evocando o teor do que pelo MP na 1ª instância foi emitido.
Na verdade, nos autos está em causa o IRS referente ao ano de 2003, pelo que o prazo se deve contar desde o dia 31 de Dezembro de 2003, sendo o seu termo «ad quem» o dia 31 de Dezembro de 2007.
Os impugnantes afirmam (e demonstram) que foram notificados somente em Fevereiro de 2008.
Flúi dos autos que a Demonstração da Liquidação de IRS, a Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios respeitante ao mesmo imposto e a Demonstração de Acerto de Contas datam de 5.12.2007, havendo os invólucros das mesmas sido devolvidos ao remetente.
Dos autos consta ainda cópia de um aviso para levantamento de correspondência registada, relativo ao registo dos referidos invólucros, constando, desse aviso, a assinatura e identificação do respectivo destinatário e, bem assim, que o objecto a que o mesmo se refere foi levantado em 11/02/2008, havendo, com a mesma data sido elaborado termo de entrega das mencionadas Demonstrações.
Determina o nº 3 do art. 39º do CPPT que "Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário".
E, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 36° do CPPT "Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados".
Ora, por injunção do art. 45° da LGT, "O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro" (n° 1), sendo que "O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (...)" (n° 2).
«In casu», estamos em presença de um imposto periódico, como é o IRS, e, respeitando o mesmo ao ano de 2003, o prazo de caducidade do direito de liquidar terminava em 31.12.2007.
Sendo assim, como é, nenhuma censura merece a sentença recorrida, sendo de confirmar na íntegra.
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4. -Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 10/11/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)