Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:968/10.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ÂMBITO DA AÇÃO INSPETIVA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I. Sendo juntas informações oficiais aos autos, as mesmas devem ser notificadas ao Impugnante, em obediência ao disposto no n.º 3 do art.º 115.º do CPPT, podendo este, na sequência de tal notificação e no exercício do direito ao contraditório, pôr em causa a autenticidade ou a genuinidade do documento ou pronunciar-se sobre questões prévias ou factos supervenientes ali mencionados.

II. O exercício do direito ao contraditório, na sequência da notificação da informação oficial, não tem um alcance tal que possa ser entendido como a possibilidade de apresentação de um articulado de resposta que abranja toda a matéria controvertida, excetuando os casos referidos em I.

III. O referido em II. não atenta contra a tutela jurisdicional efetiva, porquanto o processo tributário consagra um momento, o das alegações previstas no art.º 120.º do CPPT, onde cada uma das partes pode defender a sua posição, de facto e de direito, designadamente apreciando todos os meios de prova produzidos.

IV. Apenas a junção do processo administrativo tem de ser notificada ao Impugnante e não o seu teor.

V. A falta de notificação das liquidações não constitui, isoladamente, fundamento de impugnação judicial.

VI. Constando do RIT remissão para a ordem de serviço, na qual se determina, como âmbito da ação inspetiva, o IRC e o IVA, considera-se que o mesmo está suficientemente fundamentado nesse conspecto, não obstante, por mero lapso, ali se tenha escrito que a ação inspetiva abrangia apenas o IRC.

VII. Tendo a ordem de serviço emitida abarcado quer o IRC e o IVA, está legitimada a ação da AT quando, no RIT, efetua correções compreendendo ambos os impostos

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

V. C., Lda (doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar:

¾ A primeira, recurso do despacho proferido no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) a 01.09.2011;

¾ A segunda, recurso da sentença proferida a 24.04.2019, no TTL, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada pela Impugnante, que teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, atinentes ao ano de 2005.

A 1.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“I. - A ora recorrente, então impugnante, pronunciou-se a fls. 89 e ss. dos autos recorridos sobre - expressamente - Informação Oficial aí prestada pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, Informação Oficial de que foi notificada pela primeira vez juntamente com a contestação apresentada pela Exma. Representante da Fazenda Pública (RFP).

II. - Tendo a aí impugnante se pronunciado ao abrigo do princípio do contraditório, nos termos do artigo 3.°, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), bem como ao abrigo do artigo 115.°, n.° 3, do CPPT.

III. — No entanto, o tribunal a quo decidiu que a pronúncia apresentada pela impugnante deveria ser parcialmente desconsiderada uma vez que a mesma não é de admitir nos termos do artigo 113.°, n.° 2, do CPPT, devendo ser esta norma a aplicada uma vez que a RFP contestou por adesão à Informação Oficial junta aos autos.

IV. - Com tal despacho e respectivo fundamento não pode a ora recorrente deixar de discordar fortemente uma vez que considera que a circunstância de tal Informação Oficial ter dado entrada nos autos juntamente com a contestação apresentanda pela RFP não é causa suficiente para ignorar a sua específica natureza de informação oficial, nomeadamente a virtuosidade desta constituir meio de prova expressamente admitido ajuízo nos termos do artigo 115.°, do CPPT.

V. - Com efeito, a adesão promovida pela RFP — nos termos da qual fez esta repousar a sua contestação integralmente nos exactos termos e conteúdos da Informação Oficial prestada pela Direcção de Finanças de Lisboa - não equivale a uma fusão desta (Informação Oficial) naquela (Contestação), por forma a que o tratamento a prestar tanto a uma como a outra corresponda, tão somente, ao tratamento que se encontra prescrito para as contestações em sentido próprio deduzidas pela RFP em processo de impugnação judicial.

VI. - A opção expressa da RFP de fazer sua a Informação Oficial prestada nos autos por entidade administrativa — a quem, aliás, não incumbe a representação em juízo dos interesses da entidade administrativa autora do acto impugnando - é opção da inteira responsabilidade da RFP, sendo a mesma totalmente alheia à então impugnante, razão pela qual a mesma não lhe deverá ser oponível.

VII. - Nem pode tal opção ter o alcance que lhe é implicitamente reconhecido pelo Tribunal a quo em sede do despacho sub judice, o qual aceitou sem mais que a Informação Oficial se transvestisse em Constestação mediante uma mera declaração de adesão por banda da RFP» desde logo por manifesta carência de base legal para o efeito.

VIII.— E assim, julga a ora recorrente, que o despacho sub judice não é sustentável, desde logo porque erege como sua norma paramétrica o artigo 113.°, n.° 2, do CPPT, ao invés do artigo 115.°, do CPPT, e do artigo 3.°, do CPC, quando a pronúncia da então impugnante incidiu expressamente sobre a informação oficial trazida aos autos.

IX. — Sugrafar o entendimento expresso pelo tribunal a quo no despacho sub judice corresponde a reconhecê-lo como válido, atribuindo legitimidade a que uma mera opção estratégica da RFP — a de constestar por adesão a prévia informação oficial — equivalha à introdução em juízo de meios probatórios isentos de contraditório por uma das partes (a RFP).

X. - Tal resultado é inadmíssivel pois além de não se encontrar previsto legalmente, viola o mesmo de forma grosseira um dos princípios basilares de uma lide judicial, como o é o princípio fundamental do contraditório e da igualdade de armas das partes no âmbito da lide.

XI. - Ocorre ainda que tal resultado também não traduz nem se coaduna com as linhas gerais e de organização de um processo judicial tributário, pois como resulta claramente dos artigos 110.° e 113.°, ambos do CPPT, a dedução de contestação bem como as demais competências de representação da Administração Tributária em juízo são da exclusiva responsabilidade da RFP, cabendo a esta e somente a esta tal tarefa, sem hipótese de as delegar em qualquer outro órgão ou departamento da Administração Tributária.

XII. - Pelo que nenhuma razão ordena ou aconselha que um documento elaborado por uma entidade meramente administrativa - como o é a Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa — deva ser tratado em juízo como uma contestação» por mais que tal acto processual se adeque formalmente a uma contestação e a ele pretenda aderir a RFP nessa qualidade, uma vez que a Informação Oficial não perde por tal a sua génese, de Informação Oficial, nos termos e para os efeitos do artigo 115.°, n.° 3, do CPPT.

XIII. — Pelo que a admissibilidade da pronúncia que o despacho sub judice pretende parcialmente desconsiderar deve ser sempre aquilatada à luz do artigo 115.°, do CPPT, e não em face do artigo 113.°, do mesmo CPPT, como acabou por ser levado à prática, pese embora o flagrante e grave dano provocado nos legítimos interesses e direitos da ora recorrente.

XIV. - E, atentendo agora à conformidade do despacho sub judice com o disposto no artigo 135.°, n.° 3, do CPPT, é pois claro que com tal normativo não se conforma o predito despacho, afrontando-o mesmo, acabando por colidir também com as imposições que são dirigidas ao processo judicial tributário pelo princípio do contraditório, senão vejamos:

XV. - A interpretação, rectius, a desconsideração do despacho sub judice pelo disposto no artigo 115.°, n.° 3, do CPPT, a qual tem como resultado restringir o alcance do princípio do contraditório - e que foi professada pelo tribunal a quo na decisão sub judice - ao considerar que em processo tributário de impugnação judicial a junção ou primeira notificação da impugnante de uma informação oficial não admite que a aí impugnante se possa pronunciar é contrária ao sentido, conteúdo e alcance do artigo 20.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.

XVI. — Pois O âmbito deste princípio constitucional compreende “que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlucotória) deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 434/87, de 4.11.1987, publicado em BMJ, 371.° - 160).

XVII. - A referida interpretação professada pelo despacho recorrido, no sentido da inaplicabilidade ao caso do disposto no artigo 115.°, n.° 3, do CPPT, é liminarmente contrariada por avisada doutrina, nomeadamente pela afirmada pelo Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa conforme sua anotação ao artigo a que nos vimos de referir: “O teor das informações oficiais é sempre notificado ao impugnante, que poderá pronunciar-se sobre o seu teor (n.° 3 deste artigo 115.°), no prazo geral de 10 dias (art. 153.°, n.° 1, do CPC).”- “Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado”, edição de 2006, pp. 827

XVIII. - E não só, afrontando também o despacho sub judice jurisprudência constante do Acórdão de 29.6.2010 do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), proc. 4080/10: “as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, como resulta mormente, dos art. 118.°, n.° 2, do CPPT e, também, do art° 2º al. e) do CPPT.” - Acórdão do TCAS disponível em www.dgsi.nt

XIX. - Afirmando-se nesse mesmo Acórdão que “III) É por respeito do principio do contraditório que o n.° 3 do art° 115° do CPPT impõe a necessidade de todas as informações oficiais juntas ao processo serem notificadas ao impugnante, necessidade também imposta pelo disposto no art° 526.° do citado Código, na medida em que tais informações oficiais constam, obviamente, de documento (relatório).”

XX. — In casu, encontram-se efectivamente reunidos os pressupostos para que seja admitida na íntegra a pronúncia de fls. 89 e ss. da ora recorrente também à luz do princípio do contraditório (artigo 3.°, do Código de Processo Civil), pois tal pronúncia versa expressamente a respeito de informação oficial e foi apresentada tempestivamente.

XXI. - Assim, e uma vez que a pronúncia da impugnante é legítima, válida e limitada ao teor da informação oficial junta aos autos, deve esta nestes permanecer e neles ser considerada integralmente, não podendo à impugnante ser oponível uma mera opção processual da RFP, nos termos da qual esta decide repousar a sua contestação sobre o conteúdo de prévia informação oficial.

XXII. — Pelo que nenhuma razão legalmente sustentada subsiste e subjaz ao despacho sub judice — de desconsideração parcial da pronúncia de fls. 89 e ss. - e assim este despacho nada mais representa que um injustificado impedimento ao legítimo exercício do contraditório por banda da então impugnante.

XXIII. — O despacho sub judice desconsiderou também requerimento apresentado pela impugnante em sede de sua pronúncia de fls. 89 e ss., nos termos do qual solicitou aos autos que lhe fosse notificado o documento presente a fls. 165 e 167 do processo administrativo, o qual é indicado como suposto fundamento de alegações constantes da Informação Oficial que lhe fora notificada.

XXIV. - Ora, como bem se vê, ao decidir como decidiu o tribunal a quo no despacho sub judice, desconsiderou este também o aí requerido pela então impugnante quanto à sua notificação de documentos apresentados a juízo com a predita Informação Oficial (e, neste caso, ainda que tivessem esses documentos sido juntos por via de simples contestação, nunca tal requerimento podia ser desconsiderado como o foi nos termos do despacho sub judice!) a fls. 165 e 167 do processo administrativo.

XXV. - Impedindo desta forma à então impugnante a possibilidade de sobre esse documento exercer o contraditório a que tem direito nos termos do artigo 115.°, do CPPT, e artigo 3.°, do CPC (ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT), violando mais uma vez estes incisos legais.

XXVI. - Pelo que, e em suma, a decisão interlocutória recorrida violou também os artigos 115.°, n.° 3, do Código de Procedimento e Processo Tributário, os artigos 3.°, 517.°, n.° 1, e 526.°, todos do CPC (aplicáveis ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT), e ainda o artigo 20.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, os quais deveriam ter sido aplicados no sentido de admitir na íntegra a pronúncia de fls. 89 e ss. da ora recorrente.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido mantendo-se a pronúncia de fls. 89 e ss. da ora Recorrente nos autos, assim fazendo V. Exas. a costumada

Justiça”.

O recurso do despacho foi admitido, com subida a final.

A FP não apresentou contra-alegações.

Quanto ao recurso da sentença, o mesmo foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a 2.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao vertido nos arts. 236.º e 249.º, ambos do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT; arts. 46.º e al. a) do n.º 1 do art. 14.º, ambos do RCPIT, assim como deveria ter sido devidamente considerado e valorado pelo respeitoso Tribunal a quo o consignado no acervo documental constante dos autos, maxime

B) ao escopo do vertido em fls. 165 a 167 do PAT apenso aos autos, fls. 170 do PAT apenso aos autos, fls. 129 a 151 do PAT apenso aos autos, fls. 71 a 90 do PAT.

C) Assim como deveria o respeitoso Aerópago a quo, ter devidamente valorado e extraído as corrrectas ilações jurídico-factuais do acervo factual dado como assente nos itens D) I), F) e K) do probatório.

D) Tudo devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade, Princípio do Aproveitamento do acto, Princípio do primado da substância sob a forma e do Princípio da Justiça.

E) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA in totum, da Impugnação judicial aduzida pela Recorrida.

F) Decidindo como decidiu, o respeitoso Areópago a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados.

G) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado, vertido e fundamentado nos itens 15.º ao 54.º das Alegações que supra se aduziram, e das quais, as presentes Conclusões são parte integrante.

H) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual, poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada

JUSTIÇA!”.

A Impugnante apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“I - As presentes contra-alegações têm como referência as alegações e conclusões do recurso interposto pela Exma. Representante da Fazenda Pública (doravante "RFP") da sentença, datada de 24.04.2019, proferida nos autos que correm seus termos sob o n.2 968/10.9BELRS, da 3.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial e decretou a anulação das liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2005 e dos respetivos juros compensatórios. Assenta essa decisão na falta de fundamentação das liquidações adicionais aqui em crise, o que conduz, no caso subjudice, à sua anulação, nos termos do disposto nos artigos 63.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (doravante "RCPIT"), 35.º, n.º 8 e 77.º, n.º 6, ambos da Lei Geral Tributária (doravante designada "LGT") e, 135.º do Código de Procedimento Administrativo ex vi do artigo 2.º, alínea d) do CPPT.

II. - A Fazenda Pública coloca em causa a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo apresentando um único argumento:

- Considera a RFP que, de acordo com a Ordem de Serviço 01200901880, a Ação Inspetiva realizada no âmbito dos presentes autos, havia sido parcial, a efetuar em sedes de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (doravante "IRC") e Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante "IVA"), não obstante, a notificação da ação inspetiva e da fundamentação do ato de liquidação impugnado indicar que aquela tinha por âmbito apenas o IRC referente ao ano 2005, sendo tal discrepância, no entendimento da RFP, um mero lapso de escrita.

III - O Procedimento de Inspeção Tributária, levado a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária, constitui, por natureza, uma atividade intrusiva na esfera do cidadão, justificando-se unicamente por razões de interesse público e, devendo ocorrer, somente, na exata e justa medida para tal fim.

IV - Na medida em que a atuação da Administração Tributária é suscetível de originar grandes impactos financeiros e patrimoniais na vida do contribuinte, é natural que recaia sobre a mesma um conjunto de princípios, deveres e obrigações, por forma a acautelar a regularidade e legalidade da sua ação.

V- Assim, a Administração Tributária exerce as suas atribuições, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, ex vi do disposto nos artigos 55.º da LGT e 5.º do RCPIT, e, é, precisamente, por respeito a estes princípios que foi acolhida uma conceção de Inspeção Tributária harmónica com o moderno Procedimento Administrativo e as garantias dos cidadãos.

VI -O Procedimento Inspetivo, em particular, encontra-se vinculado ao princípio da legalidade, impondo aos órgãos da Administração Pública o dever de atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e, em conformidade com os fins para que os mesmos lhe foram conferidos.

VII - Atendendo ao caso dos autos importa, em primeiro lugar, sublinhar que as liquidações aqui em crise procedem das conclusões do Relatório Final de Inspeção Interna efetuada, no âmbito do Procedimento de Inspeção Tributária, levada a cabo com base na Ordem de Serviço n.s 01200901880 e, ao abrigo do disposto no n.º 3, da al. d), do artigo 62.º do RCPIT, o relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, deve conter o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção, o qual foi fixado, exteriorizado e limitado, nos presentes autos, somente a um tributo - IRC -.

VIII - Em segundo lugar, importa salientar que a Inspeção Interna consubstancia um verdadeiro Procedimento Tributário, assim devendo revelar-se o que dispõe o artigo 69.º, n.º 2, da LGT, norma essa que estabelece a comunicação aos interessados do início do procedimento, salvo quando a comunicação possa pôr em causa os efeitos úteis que visa prosseguir, o que não sucede na situação aqui em crise.

IX - A omissão da comunicação do início do Procedimento, quando deva efetuar-se, constitui um vício do Procedimento suscetível de gerar a anulação da decisão que com base nele for tomada, o qual apenas se considera sanado quando a falta de comunicação não tiver prejudicado efetivamente os direitos do interessado, designadamente, quando este vier a ter conhecimento da existência do procedimento a tempo de nele intervir e, quando este seja idóneo para o efeito.

X - Ora, a alteração do âmbito de uma Ação Inspetiva, não depende, como é evidente, da notificação de um projeto de relatório que indique um âmbito diverso daquele que a AT sustenta existir no Procedimento de Inspeção Tributária, mas, sim, de um despacho interno que devidamente fundamentado deve ser notificado ao contribuinte/Recorrida, conforme sustentado infra.

XI - É pacífico que no caso dos autos, a não comunicação à Recorrida do início do Procedimento, bem como a comunicação desconforme da fundamentação do ato de liquidação (indica que o âmbito de incidência é o IRC e contém correções de IVA), constitui um vício suscetível de gerar a anulação da decisão que com base nele havia sido tomada.

XII - Incorre em ilegalidade a notificação de uma fundamentação inidónea para suportar o ato de liquidação dele resultante.

XIII - E, nunca a Administração Tributária teve o cuidado de diligenciar a notificação de qualquer erro e, nem quando confrontada com tal incorreção, em sede de impugnação judicial, se predispôs a retificar adequadamente, mediante despacho aclaratório, o âmbito da ação inspetiva, se efetivamente fosse essa a sua intenção - corrigir o alegado lapso de escrita -

XIV - Certo é que a Recorrida não teve conhecimento do teor de qualquer despacho que ampliasse o âmbito da ação inspetiva, o que lhe vedou a possibilidade de suscitar a desconformidade entre a fundamentação dos atos tributários aqui em crise e o âmbito indicado no relatório e, bem assim de alertar da inadmissibilidade de todas as conclusões referentes ao IVA.

XV - O que, não só conduz à anulação da decisão tomada no presente Procedimento de Inspeção Tributária, como inquina todos os atos praticados no âmbito do Procedimento Tributário, o que fere de ilegalidades as ditas liquidações.

XVI - Por outro lado, a ser assim, e, tendo o Procedimento de Inspeção em apreço determinado, exteriorizado e fixado o âmbito da ação inspetiva unicamente ao IRC, certo é que ao efetuar correções técnicas em sede de IVA extrapolou largamente o âmbito que havia sido definido no relatório final de Inspeção Interna notificado à Recorrida.

XVII - Assim, sendo o objetivo da presente Ação Inspetiva o apuramento de eventuais divergências entre os dados recolhidos pelos Serviços de Inspeção Tributária e os valores declarados nas declarações fiscais em sede de IRC pela Recorrida, nunca poderiam os mesmos efetuar correções à base tributável do IVA, sob pena de violação expressa do âmbito da ação inspetiva.

XVIII - Não obstante, o relatório, junto aos autos, incidir também sobre questões referentes ao IVA, decretando, correções à base tributável desse mesmo imposto, a verdade é que fixado, exteriorizado e limitado o âmbito da inspeção tributária e constituindo o mesmo o fundamento dos atos de liquidação em apreço, este não pode, sem mais, ser ultrapassado, caso contrário, será a atuação dos Serviços de Inspeção Tributária desconforme com a lei, bem como, ofensiva dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da necessidade - ao causar transtornos superiores aos que a realização do direito à tributação implicava - e, ainda, da imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade e da garantia do sujeito passivo em ser constrangido a um Procedimento Inspetivo confinado aos limites da lei.

XIX - Encontrando-se a Administração Tributária, particularmente, vinculada ao princípio da legalidade, devendo obediência à lei e ao direito, não pode a mesma mostrar-se alheia às consequências práticas e jurídicas de uma ampliação do âmbito da Ação Inspetiva a que estava a submeter a Recorrida, tendo em conta o reflexo que tal situação teria na sua esfera jurídica.

XX - Da factualidade provada nos autos apura-se que, efetivamente, a presente Inspeção Tributária incidiu sobre ambos os impostos, o que não significa que a AT tivesse legitimidade para tal, antes pelo contrário.

XXI - E, conforme refere, e bem, a douta sentença do Tribunal a quo: "Por imperativo constitucional e legal todos os atos da Administração suscetíveis de afetar os interesses legítimos dos administrados, como é o caso dos autos, devem ser devidamente fundamentados", concluindo que " (...) no caso sub judice a fundamentação do relatório de inspeção notificado à Impugnante não é clara, nem suficiente e contraditória quando expressamente, indica que o âmbito de incidência é o IRC e contem correções de IVA."

XXII - A Administração Tributária tendo conhecimento que do ponto 11.2 - Motivo, âmbito e incidência temporal - não constava qualquer referência ao IVA, não lhe sendo legítimo extrapolar o que já havia fixado e limitado para a realização da dita Inspeção, apenas poderia promover pela elaboração de um despacho, durante a execução desta, devidamente fundamentado a alterar o respetivo âmbito, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 15.º do RCPIT, o que nem sequer ocorreu.

XXIII - Em boa verdade, a Administração Tributária mostrou-se totalmente alheia às consequências práticas e jurídicas da violação ad hoc do âmbito da Ação Inspetiva, quando fixa o mesmo a determinado imposto, IRC, e posteriormente faz correções à base tributável de outro imposto, IVA.

XXIV - Bem sabendo que para lhe ser legítimo fazer correções à base tributável daquele imposto, teria a obrigação de indicar o correto âmbito da aludida Inspeção ou em último recurso, elaborar, no momento da prática dos atos de inspeção ou em momento anterior aos mesmos, um despacho devidamente fundamentado, a notificar à Recorrida, por forma a que fosse levado ao conhecimento desta o verdadeiro âmbito da inspeção tributária, o que não sucedeu.

XXV - Este entendimento é tanto mais legítimo, quando nem por uma vez a AT desenvolveu qualquer diligência apta à adequada definição do âmbito da ação inspetiva, conformando-se com a notificada à Recorrida.

XXVI - Assim, tendo em consideração que inexiste, junto aos autos, qualquer documento que indique que o âmbito da menciona Inspeção incidiria sobre o IVA, ou qualquer despacho a retificar aquele ou, ainda a fundamentar a sua alteração, todas as conclusões referentes ao relatório de Inspeção, relativas a tal alargamento são ilegais e, não poderão ter qualquer validade fiscal, nem fundamentar qualquer ato de liquidação.

XXVII - Pelo que, é manifesto que as conclusões obtidas no decurso da Inspeção Tributária - referentes ao IVA e, respetivas correções à base tributável deste imposto - são ilegais, na medida em que não há qualquer suporte para a sua realização:

a) Quer pela fundamentação contraditória presente no relatório de Inspeção - indica que o âmbito de incidência é o IRC e contém correções de IVA

b) Quer pela ausência de despacho retificativo quanto ao âmbito indicado no relatório de inspeção, se efetivamente fosse apenas um lapso de escrita por parte da AT;

c) Quer pela ausência de despacho devidamente fundamentado a determinara alteração do âmbito indicado no relatório de Inspeção.

XXVIII - E, sabendo a Recorrente que a Recorrida apenas teria conhecimento da fundamentação subjacente às liquidações aqui em crise através da notificação do relatório de Inspeção, mais se imporia à Administração Tributária a elaboração de um relatório com uma fundamentação clara, suficiente, congruente e contextual no que diz respeito aos atos tributários em questão.

XXIX - Aliás, o próprio princípio da legalidade - artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT - sempre imporia à Administração Tributária uma atuação bem diferente daquela que empreendeu no presente caso, pois a necessidade de levar ao conhecimento da Recorrida o verdadeiro âmbito da Ação Inspetiva de que se encontrava a ser alvo, bem como a sua fundamentação, é sobremaneira relevante, porquanto, contende com os seus direitos e interesses legítimos em matéria tributária, tendo desde logo em consideração que está a ser objeto de um procedimento intrusivo e de natureza inspetiva.

XXX - Por todo o supra exposto, o comportamento levado a cabo por parte dos Serviços de Inspeção Tributária, no caso dos autos, padece de ilegalidade:

a) Por violação expressa do âmbito da Ação Inspetiva;

b) Por inexistência de qualquer despacho que legitimasse a AT a alterar o âmbito da ação inspetiva;

c) Por falta de fundamentação no que respeita às liquidações adicionais de IVA.

O que não só inquina todos os atos praticados no decurso do Procedimento Tributário como fere de ilegalidade as liquidações que nestes se fundamentam, violando o disposto nos artigos 14.º, n.° 1, al. b), 15.º, 46.º, n.ºs 2 e 3, 63.º, todos do RCPIT, e o artigo 77.º, n.º 6 da LGT.

XXXI - Porquanto, bem andou a douta sentença ao concluir que "Tendo sido notificada a Impugnante, de um relatório com fundamentação contraditória e dependendo a sua eficácia da notificação, as liquidações de IVA ora impugnadas que resultam daquele relatório inquinado, não se podem manter na ordem jurídica (artigo 63.º RCPIT e artigo 77º n.º 6 da Lei Geral Tributária)"

XXXII - Pelo que, outra solução não resta se não julgar procedente a impugnação nos termos requeridos e consequentemente anular as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, por falta de fundamentação das mesmas.

Nestes termos e nos mais de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em sua consequência, manter-se plenamente válida na ordem jurídica a sentença recorrida, assim fazendo V.Exas. a costumada Justiça!”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Quanto ao recurso do despacho interlocutório:

a) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto a Impugnante pronunciou-se sobre a informação oficial em exercício do direito ao contraditório e ao abrigo do art.º 115.º, n.º 3, do CPPT, além de ter requerido a notificação de documentos apresentados em juízo com a informação oficial?

Quanto ao recurso da sentença:

b) Verifica-se erro de julgamento, porquanto não se verifica falta de fundamentação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 14-12-2009, a Impugnante foi notificada das seguintes liquidações de Imposto sobre o Valor acrescentado (IVA) e de juros compensatórios, relativas ao ano de 2005:

- cfr. páginas 16 a 39 do documento 5189819 de 13-04-2010 do Sitaf e teor da informação a fls. 153 do processo administrativo tributário apenso;

B) As liquidações procedem das conclusões do relatório final de inspeção interna efetuada, no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI200901180 - cfr. páginas 40 a 60 do documento 5189819 de 13-04-2010 do Sitaf;

C) Pelo ofício 094459 de 04-11-2009, enviada por carta registada, dirigida a “V. C., Lda, Rua A. R.l V. F. Loja 1.., RC, V. F. X. 2…-000 V. F. X.”, a ora Impugnante é notificada do relatório das correções resultantes de análise interna – cfr. fls. 91 a 93 e relatório composto de 20 folhas, de fls. 71 a 90 do processo administrativo tributário apenso;

D) No relatório das correções resultantes de análise interna, notificado à Impugnante, quanto aos objetivos, âmbito e extensão da ação inspetiva consta:

Imagem: Original nos autos

- cfr. página 45 do documento 5189819 de 13-04-2010 do Sitaf;

E) No relatório de inspeção foram efetuadas correções técnicas que apuraram € 37 957,25 de IVA em falta – cfr. página 44 do documento 5189819 de 13-04-2010 do Sitaf;

F) O Ofício n.º 082599 de 2009/09/29, da Direção de Finanças de Lisboa sobre “Projeto de correcções do relatório de inspeção – artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT)”endereçado a “V. C. Lda, Rua A. R. V. F. Loja 1.. RC, V. F. X., 2..-000 V. F. X.” foi remetido por carta registada sob o n.º RO 302013889PT – cfr. fls. 129 a 151 verso do processo administrativo tributário apenso;

G) Por destinatário ausente: “não atendeu”, em 30-09-2009 foi deixado aviso com seguinte indicação: “avisado na estação de correio de V F X” - cfr. fls. 129 a 151 verso do processo administrativo tributário apenso;

H) A carta registada referida em F e G, foi devolvida ao remetente, em 14-10-2009, com a indicação: “Objecto não reclamado” - cfr. fls. 129 a 151 verso do processo administrativo tributário apenso;

I) Por despacho de 02-04-2009 foi ordenada inspeção interna Procedimento de inspecção interna, ordem de serviço (art. 46.º do RCPIT) n.º OI200901880, de âmbito parcial (alínea a) do n.º 1 do art. 14.º do RCPIT) incidente em IRC e IVA, ano de 2005 ao sujeito passivo: “V. C.,Lda”, morada: Rua A. R. V. F., Loja 1..RC – V. F. X., 2..-000 V. F. X. 1” – cfr. fls. 165 a 167 do processo administrativo tributário apenso, cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

J) Em 10-07-2009, a Impugnante foi notificada por carta registada, ofício 056550 de 09-07- 2009, assinado pelo Exmo. Chefe de Divisão da Inspeção Tributária – Área C – Equipa de Auditoria Informática, da Direção de Finanças de Lisboa, com referência ao “Processo OI200901880” para comparecer neste serviço “ afim de prestar esclarecimentos relativamente à acção levada a cabo no vosso estabelecimento em 2006/02/09” e “(…)nos termos do art. 59.º da Lei Geral Tributária, apresentar nestes Serviços, na data acima referida, fotocópias dos elementos identificados abaixo, relativos ao exercício de 2005 (…): balancete, demonstração de resultados e demais documentos pedidos no ofício, a fls. 168 e 169 do processo administrativo tributário apenso;

K) Em Auto de Declarações datado de 24-07-2009, foram ouvidos e na qualidade de sócios–gerentes da ora Impugnante, sobre a existência de divergências entre os valores constantes da base de dados constantes do CD não regravável recolhido do estabelecimento, em 09/02/2006 e os valores declarados nas declarações fiscais relativas ao exercício de 2005 – cfr. Auto de Declarações a fls. 170 do processo administrativo tributário apenso;

L) Em 29-07-2009 foi entregue ao sócio gerente da ora Impugnante, a seu pedido e no âmbito da OI200901880, “cópia, em CD não regravável (…) do conteúdo do CD não regravável, recolhido em 2006/02/09, contendo cópia dos dados existentes no sistema informático em uso pelo sujeito passivo no seu estabelecimento à data (…)” – cfr. termo de entrega/recibo a fls. 174 do processo administrativo tributário apenso;

M) Em 10-09-2009, a Direção de Finanças de Lisboa rececionou informação da Impugnante em resposta ao pedido de esclarecimentos referido em I – cfr. fls. 175 a 177 do processo administrativo tributário apenso”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Considero os factos provados, atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

N) A Fazenda Pública apresentou, nos presentes autos, contestação, dando na mesma como reproduzida a informação prestada pela divisão de justiça contenciosa, que anexou (cfr. fls. 73 a 84 dos autos em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

O) Na sequência da notificação da contestação e anexo mencionado em N), a Impugnante apresentou articulado, pronunciando-se sobre a questão prévia constante da informação e sobre o demais teor da mesma (cfr. fls. 87 a 100 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

P) Foi proferido nos presentes autos, a 01.09.2011, despacho, com o seguinte teor:

“Veio a Impugnante, a fls. 89 e seguintes dos autos, apresentar articulado de resposta á contestação da Fazenda Pública.

A Fazenda Pública, notificada de tal resposta, defende o seu desentranhamento. A tal pretensão opõe-se a impugnante.

Vejamos.

Ora, efectivamente, o n.° 2 do artigo 113.° do CPPT prevê a faculdade de o Impugnante se pronunciar quando pelo Representante da Fazenda Pública for suscitada questão que obste ao conhecimento do mérito do pedido, sendo esse o caso das excepções expressamente previstas nos artigos 493.° e 494.° do Código de Processo Civil.

Ou seja, entendeu o legislador conceder ao Impugnante a oportunidade de demonstrar que a alegada questão que impedia o Tribunal de conhecer do mérito da causa não se verifica ou não subsiste.

Todavia, no caso dos autos, a FP não se defendeu por excepção mas antes por impugnação. Com efeito, a FP limitou-se a contrariar os factos articulados na p.i ou a afirmar que os mesmos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo impugnante, nos termos consignados no artigo 487, n° 2.° do CPC.

A isto não obsta o facto de a contestação apresentada o ter sido através de remissão para a informação prestada pela Divisão de Justiça Contenciosa, da Direcção de Finanças de Lisboa, a qual, como se percebe, foi elaborada como resposta à p.i e obedece às formalidades a observar pela contestação.

Nestes termos, o articulado de fls. 89 e seguintes não é processualmente admissível, pelo que, com a ressalva que a seguir se fará, deveria tal resposta ser desentranhada.

Ressalva-se, porém, o seguinte: na referida informação, assumida como contestação, a Fazenda Pública aponta como questão prévia a pendência de um processo de inquérito relativo à impugnante.

A essa questão a impugnante respondeu, esclarecendo o Tribunal quanto ao arquivamento de tal inquérito.

Ora, entende o Tribunal que este era o único ponto relativamente ao qual a impugnante podia responder e prestar esclarecimentos, o que fez.

Por ser assim, e mostrando-se impraticável separar a peça processual apresentada, a qual, na sua maior parte, não é processualmente admissível, determina-se o seguinte:

- Manter nos autos a “resposta” à contestação, a qual, porém, se terá por não escrita em tudo o que não respeite aos esclarecimentos prestados relativamente à questão da pendência de um processo de inquérito relativo à ora impugnante.

Notifique” (cfr. fls. 123 e 124 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do recurso do despacho interlocutório

Considera a Impugnante que o despacho recorrido padece de ilegalidade, porquanto se pronunciou sobre a informação oficial em exercício do direito ao contraditório e ao abrigo do art.º 115.º, n.º 3, do CPPT. O mesmo despacho desconsiderou o requerido no sentido de se notificar os documentos apresentados em juízo com a informação oficial.

In casu, a FP contestou, dando como reproduzida a informação oficial prestada pela divisão de justiça contenciosa, na qual se suscitou uma questão prévia e, no mais, se pronunciou sobre o mérito da pretensão da Impugnante vertida na petição inicial.

A 1.ª Recorrente, referindo estar a exercer o seu direito ao contraditório, apresentou requerimento, onde se pronunciou sobre o teor da mencionada informação oficial, quer quanto à intitulada “questão prévia”, quer quanto ao mérito, reiterando, no fundo, o que já resultava da sua petição inicial e, no mais, pondo em causa elementos constantes do processo administrativo (PA).

O Tribunal a quo considerou que tal articulado era admissível, apenas na parte relativa à pronúncia sobre a questão prévia, dando como não escrito tudo o demais.

Vejamos então.

Após a notificação da FP, em sede de impugnação, deve ser apresentada contestação e junto o PA (cfr. art.º 110.º do CPPT).

Juntas que sejam informações oficiais (quer a contestação as dê como reproduzidas, como foi o caso, quer não), as mesmas devem ser notificadas ao Impugnante, em obediência ao disposto no n.º 3 do art.º 115.º do CPPT.
As informações oficiais a que respeita esta disposição legal são reputadas pelo legislador como um meio de prova específico do direito tributário (cfr. art.º 115.º, n.ºs 2 e 3, do CPPT) e consubstanciam-se nas análises feitas, pelo próprio serviço, atinentes à pretensão formulada [cfr. art.º 111.º, n.º 2, al. b), do CPPT], que frequentemente são apresentadas com a contestação.(1)

In casu, a informação oficial foi notificada e naturalmente que a Impugnante podia sobre a mesma pronunciar-se, em exercício do contraditório.

No entanto, este direito de pronúncia não tem um alcance tal que possa ser entendido como a possibilidade de apresentação de um novo articulado, como, no fundo, aconteceu in casu.

Com efeito, o direito de pronúncia sobre meios de prova apresentados, onde se incluem as informações oficiais, é admissível, caso se pretenda pôr em causa a sua autenticidade ou a genuinidade do documento, como decorre do regime constante dos art.ºs 444.º e 446.º do CPC e do n.º 4 do art.º 115.º do CPPT, o que não sucedeu in casu.

Dada a particularidade das informações oficiais, onde é apreciada, de mérito, a pretensão da Impugnante e/ou suscitada matéria de exceção ou alegadas questões prévias, naturalmente que o direito de pronúncia abrange estas últimas (pronúncia sobre exceções ou questões prévias – e, bem assim, sobre factos supervenientes que eventualmente sejam suscitados).

No entanto, o exercício do direito ao contraditório, nestes casos, não tem alcance tal que se permita, na verdade, a apresentação de um novo articulado, reiterando a posição já vertida na petição inicial. Além de se tornar, na verdade, um ato inútil, proibido por lei, porquanto a posição da parte deve ser esgrimida na petição inicial (exceto casos, naturalmente, de existência de factos ocorridos supervenientemente, o que não é o caso dos autos), é uma forma dissimulada de, a coberto do exercício do direito ao contraditório, se apresentar um articulado legalmente não admissível.

Sempre se diga, ademais, que assiste às partes o direito de, em sede de alegações previstas no art.º 120.º do CPPT, se pronunciarem sobre toda a prova produzida nos autos. Trata-se, pois, do momento processualmente oportuno para o efeito. Como tal, não se vislumbra de que forma a tutela jurisdicional efetiva, prevista no art.º 20.º da nossa Lei Fundamental, foi posta em causa com o despacho recorrido.

Assim, o exercício do direito ao contraditório relativo à junção de informação oficial, enquanto meio de prova, não pode ter tal alcance.

Portanto, entende-se que, in casu, o articulado apresentado extravasa o próprio exercício do direito ao contraditório decorrente da notificação prevista no n.º 3 do art.º 115.º do CPPT, motivo pelo qual, ainda que com a presente fundamentação, o despacho recorrido seja de manter.

A este respeito chama-se à colação Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.05.2019 (Processo: 555/12.7BELLE), no qual a ora relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta, onde se refere:

“[S]e com a resposta da Fazenda Pública forem juntos documentos, o impugnante deve ser notificado dessa junção (artº526º do CPC/61), visando-se com essa notificação possibilitar à parte contrária a tomada de posição quanto à genuinidade, autenticidade e falsidade do documento por força das disposições conjugadas dos artigos 115º nº4 do CPPT, 544º e 546º do CPC – vd. Acórdão deste TCA Sul, de 10/16/2007, tirado no proc.º02030/07 (Rel. Desembargador José Correia) e Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, 4.ª ed. 2003, a págs.505.

Mas, também neste último caso, está vedado à parte contrária fazer outro tipo de considerações sob pena de fraude à lei consistente na admissão, em bom rigor, de um novo articulado, não consentido pela lei processual.

Do que vem dito decorre que é legalmente inadmissível a resposta à contestação da Fazenda Pública em que não se suscite questão que obste ao conhecimento do pedido, e que não pode o impugnante suscitar outras questões sobre os documentos com a mesma apresentados que não se prendam com a sua autenticidade.

Vertendo aos autos, constata-se pelo articulado de resposta da Fazenda Pública (consta a fls.144/147 dos autos) que nenhuma questão que obste ao conhecimento do pedido foi ali suscitada. E do novo articulado mandado desentranhar mas cuja cópia ficou nos autos (consta a fls.150/154), logo se alcança que a impugnante se limita a tecer razões, argumentos e considerações à versão dos factos apresentada pela Fazenda Pública que nada têm a ver com resposta a matéria excepcionada.

Por outro lado, e como também se constata deste novo articulado, não vem impugnada a genuinidade de documento ou arguida a falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico ou a falsidade de documento.

Nessa medida, não merece qualquer censura o despacho recorrido em que o Mmo. Juiz a quo, em linha com a jurisprudência e doutrina que citamos, consignou: «…o processo de impugnação apenas admite a Petição Inicial, a Contestação, Resposta à arguição de excepções e Alegações após produção de prova – artigos 102.º a 120.º do CPPT.

Notificado da contestação, a Impugnante apresentou um papel no qual se pronuncia sobre aquele articulado e repete o que já havia dito na Petição, actuação que não é processualmente admissível.

Consequentemente, desentranhe fls.150/154».

Nem venha a impugnante esgrimir com razões de constitucionalidade a sustentar a admissão do articulado de resposta à contestação.

É que, como se diz no Acórdão deste TCA Sul de 10/16/2007, já citado, «a Constituição, ao assegurar o acesso ao direito e aos tribunais, e a tutela efectiva em defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, não proíbe o legislador ordinário de estabelecer regras, atinentes, designadamente, aos prazos e formas por que os cidadãos devem dirigir-se aos órgãos judiciais.

O que no presente processo se decidiu não foi que a recorrente estava impedida de contestar em juízo os actos de liquidação, mas só que o não podia fazer com a resposta à contestação por o objecto desta o não permitir, sendo-lhe igualmente defeso pronunciar-se sobre os documentos que não fosse para pôr em causa a sua autenticidade, por a lei processual lhe não facultar a respectiva apresentação, no condicionalismo verificado»” (sublinhados nossos).

Em suma, sendo certo que a admissibilidade do articulado em causa deveria ter sido apreciada à luz do n.º 3 do art.º 115.º (ainda que em consonância com o art.º 113.º, n.º 2, do mesmo código), essa circunstância não implica decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, dado que, a coberto do exercício do direito ao contraditório decorrente de notificação de informação oficial, a Impugnante extravasou-o, apresentando, na verdade, um articulado de resposta à contestação, na parte relativa à defesa por impugnação, não admissível.

Sempre se acrescente que o despacho recorrido em nada influenciou a decisão da causa, dado que, como referimos, do articulado considerado não escrito nada de relevante se extraía que não decorresse da petição inicial. Tratou-se, no fundo, de um articulado com caraterísticas de alegações finais, mas não no momento oportuno.

Quanto à falta de notificação dos documentos referidos na informação oficial, ou seja, de elementos constantes do PA, refira-se que tal notificação não é obrigatória.

Assim, nos termos do art.º 110.º, n.º 4, do CPPT, o PA deve ser junto aos autos pela FP, aquando da apresentação da contestação, devendo ser organizado nos termos do art.º 111.º do CPPT.

É ainda de ter em consideração o disposto no art.º 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi art.º 2.º, al. c), do CPPT, que impõe à entidade administrativa a obrigação de junção do PA.

Da leitura conjunta dos mencionados preceitos decorre que o legislador entendeu ser suficiente, para assegurar, desde logo, o respeito pelos princípios do contraditório e da igualdade de armas, a notificação da junção do processo administrativo, o que in casu ocorreu.
Com a notificação de tal junção, fica o Impugnante na posse de informação sobre a disponibilidade para consulta e análise do PA, para que possa examinar os documentos juntos ou apensos, para controlo da respetiva autenticidade e suficiência, estando, por essa via, assegurado o direito ao contraditório.(2)

Portanto, não haveria por que ser notificado, total ou parcialmente, o teor do PA à Impugnante. Assistir-lhe-ia o poder dever de consultar o PA e, se entendesse requerer algo nesse seguimento, fazê-lo. O que não fez.

Face ao exposto, improcede o alegado pela 1.ª Recorrente no recurso do despacho interlocutório.

III.B. Do erro de julgamento quanto à falta de fundamentação alegado pela 2.ª Recorrente

Considera a 2.ª Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, na sua perspetiva, o relatório de inspeção tributária (RIT) não padece de falta de fundamentação.

In casu, o Tribunal a quo entendeu que, em virtude de o RIT indicar como âmbito da ação inspetiva o IRC e de, do mesmo, resultarem também correções em sede de IVA, se está perante uma situação de contradição na fundamentação, invalidante.

Vejamos então.

O apuramento da situação tributária dos contribuintes pode ser feito através de atos de inspeção levados a cabo pela administração tributária (AT).
O procedimento inspetivo é, pois, um procedimento tributário, como decorre, desde logo, do art.º 54.º da Lei Geral Tributária (LGT). O então n.º 5 (atual n.º 6) desta mesma disposição legal remete para diploma próprio a regulamentação do “exercício do direito de inspeção tributária” [o então Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT)(3)]. Atentando no n.º 1 do art.º 2.º do RCPIT, “[o] procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributária, a verificação do cumprimento das obrigações tributária e a prevenção das infrações tributárias”.

Como resulta do preâmbulo do DL n.º 413/98, de 31 de dezembro, cujo anexo constitui o RCPIT:

“[T]endo em conta a natureza da actividade inspectiva, a Administração não poderá estar subordinada a uma sucessão imperativa e rígida de actos. Porém, esta circunstância não prejudica a consagração de regras gerais de actuação visando essencialmente a organização do sistema, e consequentemente a garantia da proporcionalidade aos fins a atingir, da segurança dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões, evitando a proliferação de litígios inúteis.

No respeito por estes princípios, a Lei Geral Tributária acolheu uma concepção da inspecção tributária harmónica com o moderno procedimento administrativo e as garantias dos cidadãos.

Assim, a natureza do presente diploma é essencialmente regulamentadora não se pretendendo alterar os actuais poderes e faculdades da inspecção tributária nem os deveres dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que se mantêm integralmente em vigor.

No entanto, a melhor sistematização da acção fiscalizadora incrementará a sua eficiência e eficácia, bem como a segurança do procedimento de inspecção, tendo sido diminuída a margem de discricionaridade(sublinhados nossos).

O RCPIT define, pois, os termos em que deve ser levado a cabo o procedimento inspetivo, consagrando, designadamente, desde os princípios globais em termos de atuação (cfr. art.ºs 5.º a 10.º), à classificação dos procedimentos (cfr. art.ºs 12.º a 15.º), à competência para os mesmos (cfr. art.ºs 16.º a 19.º), ao planeamento e seleção (cfr. art.ºs 23.º a 27.º) e aos termos do procedimento propriamente dito (cfr. art.ºs 28.º e ss.).

Especificamente quanto à classificação dos procedimentos de inspeção tributária, o RCPIT prevê várias classificações, sob diversos prismas.

Concretizando:

a) Quanto aos fins, o procedimento de inspeção pode ser (cfr. art.º 12.º, n.º 1, do RCPIT):

a.1. De comprovação e verificação;

a.2. De informação;

b) Quanto ao lugar do procedimento, o mesmo pode ser (cfr. art.º 13.º do RCPIT):

b.1. Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da AT, através da análise formal e de coerência dos documentos;

b.2. Externo, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso;

c) Quanto ao âmbito, o mesmo pode ser (cfr. art.º 14.º do RCPIT):

c.1. Geral ou polivalente, quando tiver por objeto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários;

c.2. Parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários ou se limite à consulta, recolha de documentos ou elementos determinados e à verificação de sistemas informáticos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, ou ao controlo de bens em circulação.

No tocante ao dever de fundamentação, o mesmo insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão..."(4),para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, olhando exclusivamente para o RIT, no qual radica a fundamentação dos atos de liquidação impugnados e que o Tribunal a quo considerou padecer de vício, por conter fundamentação contraditória, desde já se adiante que não se adere a tal entendimento.

Com efeito, é certo que, como refere a Recorrida nas suas contra-alegações, atento o art.º 62.º, n.º 3, al. d), do RCPIT, do RIT deve constar o âmbito e extensão do procedimento.

No presente caso, no RIT, concretamente no seu ponto II.2., é referido que a ação incide apenas sobre o IRC, sendo que, adiante, são feitas correções quer em sede de IRC quer em sede de IVA.

No entanto, pela leitura integral do RIT percebe-se que se trata de um mero lapso de escrita.

Ademais, e sobretudo, naquele ponto II.2. é feita fundamentação por remissão para a Ordem de Serviço n.º OI200901180, ordem de serviço essa que, como resulta de I) do probatório, estabelece como âmbito do procedimento quer o IRC quer o IVA de 2005.

Ora, o nosso ordenamento permite a fundamentação por remissão (cfr. art.º 77.º, n.º 1, da LGT), pelo que o autor do ato pode, por essa via, fazer sua a fundamentação elaborada por outrem, sem que isso consubstancie qualquer irregularidade.

Caso a Impugnante considerasse que lhe deveria ter sido notificada a ordem de serviço mencionada no RIT, tinha ao seu alcance o expediente previsto no art.º 37.º do CPPT. Não tendo usado do mesmo, sibi imputet.

Assim, considera-se que, face ao teor integral do RIT e face à expressa remissão para a Ordem de Serviço, o RIT não padece de qualquer contradição na sua fundamentação.

Logo, carece de pertinência o alegado pela Impugnante, no sentido de o erro constante do RIT nunca ter sido retificado.

Como tal, assiste razão à 2.ª Recorrente.

Refira-se, paralelamente, que, em sede de contra-alegações, a Impugnante faz menção a uma série de alegadas irregularidades, que extravasam a falta de fundamentação que fundou a sentença recorrida e mesmo o alegado na petição inicial. Sendo certo que parte do alegado se subsume, no fundo, à violação do âmbito da ação inspetiva (vício alegado, que se conhecerá infra), nunca foi, em momento algum e no tempo oportuno, alegada a violação do disposto no art.º 69.º, n.º 2, da LGT, pelo que nada há a dizer a esse respeito.

Atento o exposto em III.B. e considerando que o Tribunal a quo não apreciou, de entre os vícios suscitados na petição inicial, a violação do âmbito da ação inspetiva e a incorreção na notificação das liquidações, e uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

III.C. Da violação do âmbito da ação inspetiva

Considerou a Impugnante, na sua petição inicial, que as liquidações impugnadas padeciam de vício, em virtude de ter sido violado o âmbito da ação inspetiva, dado a AT apenas estar legitimada a atuar em sede de IRC.

A análise desta questão apresenta pontos de confluência com o já referido em III.B., remetendo-se, desde já, para tal ponto, no que respeita à explanação atinente à tipologia das ações inspetivas previstas no RCPIT.

Descendo, no entanto, ao caso concreto, verifica-se que, ao contrário do que refere a Impugnante, a ordem de serviço em causa abrangia quer o IRC quer o IVA, estando, pois, por essa via legitimada a ação da AT.

Carece, pois, de pertinência o alegado quanto à inexistência despacho de ampliação ou alteração do âmbito ou de despacho de retificação, porquanto o procedimento inspetivo, ab initio, abrangia ambos os impostos.

Por outro lado, não se alcança de que forma a atuação da AT atentou contra os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da necessidade, da imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade e da garantia do sujeito passivo, porquanto, como referido, a AT atuou dentro dos limites que a lei lhe confere e dentro do âmbito da ordem de serviço oportunamente emitida.

Como tal, improcede o alegado pela Impugnante.

III.D. Da incorreção na notificação das liquidações

Alegou ainda a Impugnante, na sua petição inicial, que as liquidações em crise são ilegais, por terem sido notificadas através de registo simples e não através de carta registada com aviso de receção.

Vejamos.

A falta de notificação do ato de liquidação ou ilegalidade na notificação não constitui, isoladamente, fundamento de impugnação judicial. Com efeito, a falta de notificação do ato contende não com a sua legalidade, mas com a sua exigibilidade (art.º 77.º, n.º 6, da LGT), pelo que, ainda que se verificasse, a mesma não atingiria a validade do ato impugnado, sendo que, em sede de impugnação, é apenas aferível esta última.
Aliás, em sede de impugnação judicial, a eficácia invalidante da notificação só é relevante quando esteja em causa a apreciação da caducidade do direito à liquidação,(5) questão que não é do conhecimento oficioso e que não foi alegada.

Como tal, o invocado pela Impugnante a este respeito não será conhecido, por não configurar fundamento de impugnação judicial.

Quanto aos juros compensatórios, foi apenas suscitada a sua ilegalidade, em virtude dos vícios apontados à liquidação de imposto. Não se verificando esta, mantêm-se igualmente as liquidações de juros.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso do despacho interlocutório;

b) Custas do mencionado recurso pela V. C., Lda;

c) Conceder provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, revogando-se a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a impugnação, com a consequente manutenção dos atos impugnados;

d) Custas pela V. C., Lda, em ambas as instâncias;

e) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de dezembro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

















1) Cfr. o Acórdão do TCAS, de 26.06.2014 (Processo: 07141/13): “Estamos (…) perante um meio de prova existente no direito tributário, sendo que tais “informações oficiais são as prestadas pela inspecção tributária sobre a matéria de facto pertinente e as prestadas pelos serviços da administração tributária sobre os elementos oficiais que digam respeito à colecta impugnada e restante matéria do pedido (…) “ // Daquilo que se trata é, pois, das informações integradas no processo administrativo que, no âmbito da impugnação judicial, é enviado ao Representante da Fazenda Pública e que se destina a ser remetido ao tribunal, independentemente de ser, ou não, apresentada contestação (…) // Quer isto dizer que informações oficiais e relatório de inspecção tributária são realidades distintas e que não se confundem. [As informações oficiais] (…) não se destinam a ‘fundamentar o acto tributário’”.
2) Cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 31.05.2012 (Processo: 00264/10.1BECBR), onde se refere: “Remetido o processo administrativo ao Tribunal, ou porque a Fazenda Pública o fez no cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou porque o juiz do processo o ordenou nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, devem todas as partes serem notificadas, com excepção da Fazenda Pública, se a hipótese de remessa tiver sido a primeira, da sua junção aos autos, por aplicação subsidiária (artigo 2.º, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário) na falta de norma expressa no Código de Procedimento e de Processo Tributário o disposto no artigo 84.º, n.º 6 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. // Realce-se que a notificação é da junção do processo administrativo e não a notificação integral do processo administrativo”.
3) Sobre os antecedentes deste diploma, v. Jesuíno Alcântara Martins, Procedimento e Processo Tributário, Instituto de Formação Tributária, Lisboa, 2002, pp. 89 e 90. V. igualmente a Resolução do Conselho de Ministros n.º 119/97, publicada no Diário da República, I Série-B, n.º 160, de 14.07.1997.
4) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
5) Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 488 e 489.