Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:459/20.0BELRA-S1
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores:ADMISSIBILIDADE DE RECURSO;
INCIDENTE (ART. 128º DO CPTA);
RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA;
COMPETÊNCIA;
FUNDAMENTOS
Sumário:I – É admissível o recurso interposto da decisão que pôs termo ao incidente de declaração de ineficácia dos actos de inexecução indevida, previsto no artigo 128.º do CPTA.
II – No âmbito de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, proferido em procedimento disciplinar, o Presidente da Câmara Municipal possui competência para a emissão de resolução fundamentada.
III - Está devidamente fundamentada a resolução que invoca as seguintes razões no sentido de que o diferimento da execução é gravemente prejudicial para o interesse público: a natureza das funções exercidas pelo Recorrente; a publicidade do processo disciplinar; o atraso que este tem sofrido em virtude de expedientes intentados pelo Requerente, tidos como ilegais e dilatórios; a circunstância de o prazo de suspensão preventiva do exercício de funções do Requerente estar a esgotar-se; e o receio de que a sua presença possa perturbar a instrução e, consequentemente, o apuramento da verdade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A..., melhor identificado nos autos, instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo contra o Município de Pombal, pedindo a suspensão de eficácia do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Pombal, datado de 13.03.2020, na parte em que nomeou o instrutor no procedimento disciplinar instaurado contra o Requerente.
A Entidade Demandada apresentou resolução fundamentada.
O Requerente deduziu, a 15.07.2020, incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.
Por decisão de 27.07.2020, o TAF de Leiria julgou improcedente o incidente deduzido pelo Requerente.
Inconformado com tal decisão, o Requerente recorreu da mesma.
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Nas suas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. O Recorrente não se compadece com a decisão do Tribunal a quo, “Termos em que, pelos fundamentos expostos, julgo improcedente o incidente deduzido pelo Requerente.”
2. Com fundamento no Artigo 35.º, n.º1, alínea a) e no Artigo 36.º n.º1, alínea a) da Lei 75/2013.
3. O poder de representação do Presidente da Câmara Municipal, conferido pelo artigo 35.º, n.º 1, alínea a), da Lei 75/2013, não se confunde com o poder deliberativo de declarar o interesse público municipal.
4. Porém, e mesmo que assim não se entendesse, sempre se dirá que o Sr. Presidente da Câmara delegou as suas competências relativas ao Pelouro dos Recursos Humanos à Vereadora Pelouro dos Recursos Humanos A..., por Despacho n.º 101/2017, de 25 de Outubro de 2017.
5. Tornando-se incompetente para praticar os atos delegados (visto não haver no nosso ordenamento competências simultâneas).
6. Não podendo decidir os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais.
7. O Sr. Presidente não avocou, posteriormente e na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Pombal, as competências delegadas relativas ao Pelouro dos Recursos Humanos.
8. A prática do acto corresponde, assim a um ato incompetente e, portanto, inválido.
9. O Tribunal a quo bastou-se com a simples enunciação das normas legais – 35.º, n.º1, e 36.º, n.º1, a) da Lei 75/2013.
10. Não indagando se as mesmas podiam ser aplicadas, sem qualquer mediação interpretativa ou de remissão para outras normas, ao presente caso.
11. Quanto ao pressuposto/requisito de grave prejuízo para o interesse público em consequência do diferimento da execução do acto administrativo, o Tribunal a quo limitou-se a dar como provadas as invocações genéricas do Requerido, sem qualquer materialização do conceito de interesse público e por que forma o mesmo sairia gravemente prejudicado pelo diferimento.
12. Bastando-se com a enumeração dos fundamentos do Requerido sem aprofundar a requerida análise da sua procedência, desconsiderando a necessidade de os mesmos demonstrarem o grave prejuízo para o interesse público”.
13. Tal não é suficiente!
14. O Tribunal a quo menorizou a necessidade de avaliação, ponderação, fundamentação e motivação.
15. Não pode colher o primeiro argumento enunciado – “(…) Requerente não é um mero trabalhador do Requerido, antes exercendo cargo dirigente, (...) justifica o decurso com urgência do procedimento disciplinar em que é visado, conforme a lei postula”.
16. Tal significaria que o efeito suspensivo previsto no artigo 128.º, n.º 1, do CPA, não teria aplicabilidade para os cargos de dirigentes da administração pública que requeressem a adopção de providência cautelar.
17. Não pode colher, ainda, pelas regras da experiência comum, o segundo argumento.
18. A situação tornou-se pública a partir do momento em que o Requerente foi suspenso preventivamente de funções pelo período de 90 dias.
19. O próprio Requerido, por exigência de funcionamento de serviço, informou o Departamento de Recursos Humanos do Município da suspensão do Requerente.
20. O processo não tem de ser célere porque é do conhecimento público, mas por exigência legal.
21. E o que se adjectiva no terceiro argumento da resolução fundamentada como infundados expedientes são o cumprimento dos requisitos legais, designadamente, o recurso hierárquico necessário, nos termos do artigo 225.º da Lei n.º 35/2014, LGTFP e do art.º 3º, do DL n.º 4/2015.
22. Ao Requerente apenas cabia identificar os actos de execução e pedir a respectiva declaração de ineficácia, não tendo que conhecer ou atacar a validade dos fundamentos da resolução.
23. Deduzido o incidente, competia ao Tribunal a quo verificar a existência da resolução fundamenta e apreciar a validade dos fundamentos invocados.
24. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso.
25. Procedendo o Incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida apresentado a 15/07/2020 pelo ora Recorrente.
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O Recorrido contra-alegou, concluindo desta forma:
1. O presente recurso que intitula de “recurso de agravo” deve ser rejeitado por ser inadmissível legalmente porquanto tal recurso deixou de existir no direito civil em 1 de janeiro de 2008, na sequência da reforma ao CPC operada através do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de agosto;
2. Por mera cautela de patrocínio, cumpre referir que, de todo o modo, não é sequer admissível recurso de apelação decisão que julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, atento o disposto no artigo 142.º do CPTA e no artigo 644.º do CPC.
3. Caso se entenda que o recurso é admissível, cumpre referir que a decisão que julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida está isenta de qualquer censura, devendo manter-se na íntegra.
4. Nas alegações de recurso, o Requerente invoca uma questão nova - a delegação de competências –questão essa que não invocou anteriormente, nomeadamente no requerimento inicialmente apresentado e na resposta à pronúncia do Requerido.
5. Tratando-se de uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso, não pode o tribunal ad quem emitir qualquer juízo.
6. Por conseguinte, toda a matéria alegada pelo Recorrente atinente à delegação de competências não pode ser atendido pelo tribunal ad quem sob pena de se mostrarem violados os mais elementares princípios de processo civil, entre os quais o principio do contraditório e o princípio da igualdade das partes, previstos nos artigos 3.ºe 4.º do CPC, respetivamente.
7. Assim, a matéria vertida nas conclusões 4 a 8, não pode ser atendida pelo tribunal ad quem.
8. Caso o Tribunal ad quem venha apreciar a questão nova suscitada pelo Requerente, não pode deixar de atender ao disposto no artigo 49.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, segundo o qual “o órgão delegante ou subdelegante tem o poder de avocar, bem como o de anular, revogar ou substituir o ato praticado pelo delegado ou subdelegado ao abrigo da delegação ou subdelegação».
9. A resolução fundamentada foi apresentada por quem tinha competência legal para o efeito, o Presidente da Câmara Municipal de Pombal, nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (a qual estabelece o regime jurídico das autarquias locais) segundo o qual que compete ao Presidente da Câmara representar o município em juízo e fora dele, mais decorrendo do n.º 2, alínea a) dessa mesma norma que lhe compete igualmente decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direção dos recursos humanos afetos aos serviços municipais.
10. A resolução fundamentada emitida contém as razões concretas que justificam a prossecução da execução do ato suspendendo, estando suficientemente fundamentado que a sustação da sua execução é suscetível de gerar grave prejuízo para o interesse público.
11. O Requerente limita-se a invocar no incidente deduzido a insuficiência de concretização dos fundamentos da resolução fundamentada, não decorrendo da sua alegação, contudo, que coloque em causa o mérito das razões ali constantes (ou dito de outro modo, não ataca os fundamentos de facto que estão na base da resolução emitida e que, como se disse, permitem fundamentar a necessidade de salvaguarda do interesse público).
12. A suspensão da eficácia do ato implicará demoras injustificadas no procedimento disciplinar instaurado contra o Requerente, manifestamente prejudiciais para o interesse público.
13. Em face de o Requerente ter tornado público – sem qualquer necessidade - que lhe foi instaurado um processo disciplinar, é notório que a providência requerida prejudica gravemente o interesse público.
14. A conduta do Requerente, que se descreveu na resolução fundamentada e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos, revela que a sua permanência nas instalações do Município, afetará irremediavelmente a instrução do processo disciplinar, bem como a investigação criminal em curso, o que, a verificar-se, causará grave prejuízo ao interesse público, que se impõe acautelar.
15. Caso o incidente procedesse, ficarão postos em causa os interesses da eficiência, celeridade, economia e eficácia das decisões administrativas.
16. O ato que está em causa nestes autos – instauração de procedimento disciplinar e suspensão preventiva – é meramente preparatório, não destacável de tal procedimento, não sendo suscetível de impugnação judicial imediata. O que significa que o Requerente apenas pode impugnar o ato final, caso lhe seja desfavorável, com fundamento na ilegalidade resultante da ilegalidade de tal ato preparatório.
Termos em que:
1. Deve o recurso ser rejeitado, por inadmissibilidade legal;
2. Caso assim não se entenda, deve a douta decisão do incidente ser
mantida, na íntegra, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, regularmente notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.
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Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Previamente a qualquer análise sobre a essência do recurso interposto, importa apreciar a questão da sua inadmissibilidade legal, suscitada pelo Recorrido, nas suas contra-alegações.
Afirma o Recorrido que o presente recurso, que o Recorrente intitula de “recurso de agravo”, deve ser rejeitado por ser inadmissível legalmente, porquanto tal recurso deixou de existir no direito civil em 1 de Janeiro de 2008, na sequência da reforma ao CPC, operada através do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24.08 (1ª conclusão).
Mais afirma que não é sequer admissível recurso de apelação de decisão que julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, atento o disposto no artigo 142.º do CPTA e no artigo 644.º do CPC (2ª conclusão).
Por despacho de 16.09.2020, foi admitido o recurso.
No que tange ao primeiro motivo de rejeição invocado pelo Recorrido, lê-se o seguinte no referido despacho:
“(…)
Apreciado o requerimento de interposição de recurso, verifica-se que o recorrente vem reagir, manifestamente, à decisão proferida em 1.ª instância sobre o pedido de declaração de ineficácia de actos de execução indevida e neste caso o recurso é de apelação (cfr. artigos 140.º, do CPTA e 644.º, n.º 1, do CPC).
O recorrido mostrou em contra-alegações de recurso ter apreendido o efectivo objecto do recurso, não tendo assim ficado prejudicado pela incorrecção.
O recorrente veio manifestar o lapso de escrita que incorreu no requerimento de interposição.
Face ao exposto, o recurso é de apelação, sendo irrelevante a incorrecção na identificação na forma de recurso, que se considera rectificado, não sendo assim motivo para a sua rejeição.”
O decidido é para manter.
Independentemente da designação que o Recorrente tenha dado ao seu recurso, estamos perante um recurso de apelação, nos termos dos artigos 140.º, do CPTA e 644.º, n.º 1, do CPC, não ficando o Tribunal vinculado à qualificação efectuada por aquele.
No que se refere ao segundo motivo de rejeição, o despacho supra referido diz o seguinte:
“(…)
O direito ao recurso da decisão em causa … não foi restringido pelo legislador, nem se vislumbram motivos de ordem axiológica que imponham concluir nesse sentido e, assim sendo, a decisão incidental é recorrível nos termos gerais, assegurando assim uma tutela jurisdicional e o direito ao recurso, enquanto decisão proferida no incidente que conheceu o mérito dessa causa incidental e a ela lhe pôs termo (cfr. artigo 142.º, n.º 1, do CPTA e artigo 644.º, n.º 1, al. a), do CPC, aqui aderindo ao entendimento de Aroso Almeida, quando diz que «No que diz respeito às decisões relativas ao incidente de declaração de ineficácia dos actos de inexecução indevida no âmbito do pedido de suspensão de eficácia (artigo 128.º, n.ºs 4 e 5) (…) trata-se de decisões que põem termo a incidentes: do processo cautelar (…). Parece ser, por isso, de considerar que estas decisões se encontram abrangidas pela previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC, que admite a apelação autónoma das decisões que “ponham termo a procedimento ou incidente processado autonomamente” – in, Comentário ao CPTA, almedina, 2017, 4.ª ed., a p. 1124).”
Também aqui o decidido é para manter.
A propósito do art. 644º, nº 1, al. a), afirma Abrantes Geraldes que a “Apelação autónoma apenas abarca a decisão que ponha termo a “incidente processado autonomamente”, condição que se reporta aos incidentes da instância processados por apenso, como corre com a habilitação, mas que é extensiva a outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia. Tal ocorre com os incidentes de intervenção de terceiros …, cada um deles a implicar trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados.” - in Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª ed. Actualizada, págs. 238 e 239.
No caso em apreço, estamos perante uma decisão que pôs termo a um incidente – o incidente de declaração de ineficácia dos actos de inexecução indevida, previsto e regulado no artigo 128.º do CPTA - tramitado no âmbito da própria acção mas dotado de autonomia, pelo que a mesma se encontra abrangida pela previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC, ou seja, admite apelação autónoma. Neste sentido, veja-se o Ac. do TCA Sul de 10.07.2014 (proc. nº 11202/14).
De resto, são inúmeros os exemplos de acórdãos de Tribunais Superiores que admitem e se pronunciam sobre a temática aqui em apreço.
Termos em que se conclui pela admissibilidade do recurso interposto pelo Requerente.
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III - OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar que o Presidente da Câmara Municipal tem competência para emitir a resolução fundamentada bem como ao considerar que inexistem actos de execução indevida.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO

Nas suas contra-alegações, o Recorrido invoca que o Recorrente suscita questão nova: incompetência para a prática de actos delegados.
Desde já se adianta que lhe assiste razão.
Efectivamente, as conclusões 4º a 7º, das alegações do Recorrente, reportam-se a uma questão que não foi invocada anteriormente nem nos articulados nem na decisão recorrida.
Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
A única excepção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.
Tratando-se de uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal ad quem emitir qualquer juízo sobre a mesma.
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Prossigamos relativamente aos demais erros imputados à decisão recorrida.
Afirma o Recorrente que a decisão errou ao considerar que o Presidente da Câmara Municipal tem competência para emitir a resolução fundamentada porquanto o poder de representação do Presidente da Câmara Municipal, conferido pelo artigo 35.º, n.º 1, alínea a), da Lei 75/2013, não se confunde com o poder deliberativo de declarar o interesse público municipal.
Mais afirma que o Tribunal a quo se bastou com a simples enunciação das normas legais – 35.º, n.º1, e 36.º, n.º1, a) da Lei 75/2013, não indagando se as mesmas podiam ser aplicadas, sem qualquer mediação interpretativa ou de remissão para outras normas, ao presente caso.
Embora o Autor não o diga no presente recurso, afirmou no requerimento inicial que cabe à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, declarar o interesse público em qualquer matéria municipal, o que torna juridicamente inexistente ou inválida, por vício de incompetência orgânica, a resolução fundamentada apresentada pelo Requerido.
Assinale-se que, não obstante o Requerente reiterar, no recurso, a existência deste vício, a verdade é que não o faz com a mesma assertividade, antes concentrando o seu esforço na supra referida questão nova: delegação de competências, que pressupõe a competência inicial do Presidente da Câmara Municipal.
Assinale-se ainda que a decisão recorrida não assentou o seu entendimento nas normas referidas pelo Recorrente - 35.º, n.º1, e 36.º, n.º1, a) da Lei 75/2013 – mas sim no artigo 35.º, n.º 1, alínea a) e nº 2, al. a) da Lei n.º 75/2013.
Vejamos, pois.
A “resolução fundamentada” trata-se duma pronúncia administrativa desenvolvida no âmbito e sob a égide estrita dum processo judicial, cuja legalidade cumpre ser exclusivamente sindicada através do competente incidente previsto no art. 128.º, n.ºs 4 a 6 do CPTA – cfr. Ac. do TCA Norte, de 04.10.2007 (proc. nº 01312/05.2BEBRG-C).
A resolução fundamentada em análise foi apresentada pelo Presidente da Câmara Municipal de Pombal.
O incidente no qual a decisão recorrida foi proferida insere-se numa providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo que se consubstancia no despacho do Presidente da Câmara Municipal de Pombal, datado de 13.03.2020, na parte em que nomeou o Instrutor no procedimento disciplinar instaurado contra o Requerente, ora Recorrente.
A providência cautelar foi instaurada contra o Município de Pombal.
Como bem decidiu a decisão recorrida, determina o artigo 35.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (a qual estabelece o regime jurídico das autarquias locais) que compete ao Presidente da Câmara representar o município em juízo e fora dele, mais decorrendo do n.º 2, alínea a) dessa mesma norma que lhe compete igualmente decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais.
Estando aqui em causa determinar, precisamente, se deverá ou não ser suspenso acto proferido em procedimento disciplinar instaurado contra o Requerente, tal contende com matéria de gestão e direcção de recursos humanos e, nessa medida, o Presidente da Câmara Municipal possui competência para a emissão da resolução fundamentada junta aos autos.
Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.
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Argumenta o Recorrente que, quanto ao pressuposto de grave prejuízo para o interesse público em consequência do diferimento da execução do acto administrativo, o Tribunal a quo limitou-se a dar como provadas as invocações genéricas do Requerido, sem qualquer materialização do conceito de interesse público e por que forma o mesmo sairia gravemente prejudicado pelo diferimento, bastando-se com a enumeração dos fundamentos do Requerido sem aprofundar a requerida análise da sua procedência, desconsiderando a necessidade de os mesmos demonstrarem o grave prejuízo para o interesse público.
Vejamos.
O Requerente deduziu, a 15.07.2020, incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, requerendo que seja “proferida declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, designadamente, os actos descritos nos números 5.º, 6.º e 7.º do presente articulado (…)”.
São estes os actos em causa, praticados ao abrigo da resolução fundamentada:
- No dia 30 de Junho de 2020, o Instrutor oficiou o Comissário da Polícia de Segurança Pública de Porto Moniz para proceder à audição do Presidente da Câmara Municipal do referido concelho, no âmbito da instrução do procedimento disciplinar instaurado o Requerente;
- Na mesma data, o referido Instrutor deu conhecimento do pedido de diligência ao Presidente da Câmara Municipal de Porto Moniz;
- Em 30 de Junho de 2020, o referido Instrutor notificou o Requerente para ser ouvido no âmbito do processo disciplinar.
Vejamos o que diz, a este propósito, a decisão recorrida:
“Dispõe o artigo 128.º do CPTA o seguinte, sob a epígrafe proibição de executar o acto administrativo:
“(…) 1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do acto não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do acto
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão”.
Resulta, assim, do artigo 128.º, n.º 1 do CPTA a proibição da Administração executar um acto administrativo uma vez interposta contra ela uma providência cautelar de suspensão de eficácia do mesmo.
Pretende-se com tal proibição assegurar que, uma vez interposta uma providência cautelar com aquele alcance, a autoridade administrativa, a partir do momento em que seja citada para a acção que comporta um pedido de suspensão de eficácia de acto, fique impedida de iniciar ou prosseguir a execução desse acto, estando obrigada a impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados levem a cabo tal execução, a menos que, mediante resolução fundamentada, afirme que a execução se revela imperiosa, dado o seu diferimento ser “gravemente prejudicial para o interesse público” (cf. n.ºs 1 e 2 do citado preceito).
A resolução fundamentada visa obviar aos efeitos paralisantes decorrentes da citação da Administração em acção cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, constituindo, portanto, uma forma de reacção contra a inacção administrativa que a notificação do pedido de suspensão de eficácia gera no respectivo procedimento administrativo.
Para a legalidade e eficácia da emissão de uma resolução fundamentada exige-se que a mesma seja proferida ou emitida por órgão administrativo competente e que na mesma sejam enunciadas as razões ou motivos integradores do preenchimento, em concreto, do pressuposto/requisito de grave prejuízo para o interesse público em consequência do diferimento da execução do acto administrativo, a ponto de não poder sustar-se tal execução até à prolação da decisão judicial cautelar
(…)
Prosseguindo, quanto ao segundo requisito ou pressuposto a que nos referimos supra (enunciação das razões ou motivos integradores do preenchimento, em concreto, do grave prejuízo para o interesse público em consequência do diferimento da execução do acto administrativo), cabe salientar que na explicitação motivadora não devem aceitar-se como válidas referências de tal modo genéricas e conclusivas que não habilitem os interessados e, bem assim, o próprio Tribunal, a entenderem e a aperceberem-se das razões que terão motivado a emissão da resolução fundamentada em questão.
É este o sentido decisório do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.06.2017, proferido no âmbito do Proc. n.º 050/17 (disponível em www.dgsi.pt), do qual mais se extrai o seguinte com relevo para o caso aqui em apreciação:
“(…) a emissão por parte da Administração de uma resolução fundamentada faz impender sobre a mesma especiais deveres/ónus de avaliação/ponderação da concreta situação e de fundamentação/motivação daquela sua decisão, das premissas e razões concretas que justificam a prossecução da execução do acto suspendendo, por a sua sustação gerar grave prejuízo para o interesse público prosseguido com a respectiva emissão, tanto mais que só assim se permite e se possibilita a sua adequada impugnação pelo requerente cautelar e o seu controle jurisdicional.
XXXIV. O Tribunal, no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos actos de execução praticados ao abrigo da resolução fundamentada, não tem de tomar em consideração o periculum in mora, o fumus boni iuris, nem sequer tem de proceder a uma ponderação dos interesses em confronto, visto dever, apenas, verificar se aquela resolução existe, se a mesma foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução [que é a regra geral] seria gravemente prejudicial [e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial] para o interesse público.
XXXV. Toda a suspensão da eficácia de ato administrativo prejudica, por definição, o interesse público que através da emissão do acto se visa prosseguir já que a paralisação provisória dos efeitos do mesmo afecta, inevitavelmente e ao menos «ratione temporis», os resultados e fins por ele promovidos.
XXXVI. Importa, por outro lado, ter presente que a resolução fundamentada não é objeto de impugnação autónoma desligada da existência de actos concretos de execução” – realce nosso.
Aqui chegados, tal como resulta do citado aresto e do teor do artigo 128.º, n.º 4 do CPTA [nos termos do qual o interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão de eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida], temos que o incidente que ora se aprecia terá que ter por objecto concretos actos de execução que o Requerente tenha por indevidos, não podendo constituir objecto deste incidente, por si só e desacompanhada de qualquer execução do acto suspendendo, a própria resolução fundamentada que tenha sido emitida pela autoridade administrativa.
No caso em apreço, o Requerente identifica os actos de execução indevida, cuja declaração de ineficácia pretende com o presente incidente, os quais se reconduzem a várias diligências levadas a cabo pelo instrutor do processo disciplinar no dia 30.06.2020 (melhor identificados nos artigos 5.º a 7.º do articulado correspondente à dedução do incidente ora em análise).
Antes de mais, de referir que está em causa nestes autos a suspensão de eficácia do despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de Pombal em 13.03.2020, na parte em que o mesmo nomeou o instrutor no procedimento disciplinar instaurado contra o Requerente. Os factos subjacentes ao processo disciplinar em causa são, em síntese, o exercício de funções privadas pelo Requerente sem que para tanto tivesse autorização de acumulação de funções.
Por seu turno, o Requerente sustenta na presente acção a invalidade da nomeação do instrutor do processo disciplinar, com fundamento, em suma, na suspeição do mesmo, na violação do artigo 208.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e em vício de falta de fundamentação
Desde já se adiante que, ao contrário do sustentado pelo Requerente, da resolução fundamentada emitida constam expressamente razões concretas que justificam a prossecução da execução do acto suspendendo, de tal modo que julgamos estar suficientemente fundamentado que a sustação da sua execução é susceptível de gerar grave prejuízo para o interesse público.
Com efeito, consta da resolução fundamentada em análise, para além do mais, que:
- o Requerente não é um mero trabalhador do Requerido, antes exercendo cargo dirigente, desempenhando funções de Director do Departamento Municipal de Recursos Humanos, sendo que a relevância das funções desempenhadas, passando pelo crivo do director todas as questões relativas ao pessoal, justifica o decurso com urgência do procedimento disciplinar em que é visado, conforme a lei postula;
- o Requerente tornou público que lhe foi instaurado um processo disciplinar, através de diversos contactos que mantém com os colaboradores do Requerido e com os próprios vereadores, o que impõe que o procedimento disciplinar decorra de forma célere;
- os presentes autos foram instaurados mais de dois meses depois do acto que o fundamenta e após o Requerente ter apresentado inúmeros requerimentos tendo em vista a suspensão da instrução, tendo vindo a praticar sucessivos (e infundados) expedientes com esse objectivo, tanto que brevemente chegaremos ao termo do prazo de 90 dias de suspensão preventiva, estando a instrução numa fase embrionária, o que se deve à conduta do Requerente.
São invocadas razões concretas, portanto, para a não suspensão do acto objecto da presente acção, de modo a manter-se a tramitação do processo disciplinar instaurado contra o Requerente, com isso visando, designadamente, a célere conclusão do mesmo.
Julgamos, do que vem dito, que a resolução fundamentada se encontra suficientemente sustentada, apresentando os motivos pelos quais se considera que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
Mais a mais, em bom rigor, o Requerente limita-se a invocar no incidente deduzido a insuficiência de concretização dos fundamentos da resolução fundamentada, não decorrendo da sua alegação, contudo, que coloque em causa o mérito das razões ali constantes (ou dito de outro modo, não ataca os fundamentos de facto que estão na base da resolução emitida e que, como se disse, permitem fundamentar a necessidade de salvaguarda do interesse público).
(…).”
Analisada a decisão recorrida, verifica-se que a mesma, após identificar as razões constantes da resolução fundamentada, concluiu tratar-se de razões concretas - ao invés de meras generalidades – e que as mesmas permitem fundamentar a necessidade de salvaguarda do interesse público.
O que ressalta da resolução fundamentada apresentada pela Entidade Requerida é que a relevância das funções de um director de departamento de recursos humanos é evidente, pelo que, sendo visado num procedimento disciplinar, urge, para bem do interesse público, que o mesmo decorra com a urgência que a lei postula.
Mais se diz que a conduta que o Requerente tem vindo a manifestar revela que a sua permanência nas instalações do Município, afectará irremediavelmente a instrução do processo disciplinar, o que, a verificar-se, causará grave prejuízo ao interesse público, que se impõe acautelar.
Assim, o que está aqui em causa é uma conjugação de factores: a natureza das funções exercidas pelo ora Recorrente – dirigente de 1º grau de um “departamento particularmente sensível”; “considerado pelos trabalhadores de qualquer município como seu chefe máximo”- , a publicidade do processo disciplinar, o atraso que este tem sofrido em virtude de expedientes intentados pelo Requerente, que o Recorrido considera ilegais e dilatórios, e ainda a circunstância de o prazo de suspensão preventiva estar a esgotar-se.
Afirma-se na resolução fundamentada que “a suspensão preventiva do exercício de funções do Requerente foi determinada pelo facto de a sua presença se mostrar inconveniente para o serviço, tendo em conta os factos que estão em causa, o cargo que exerce … e o facto de se recear que a sua presença possa perturbar a instrução e, consequentemente, o apuramento da verdade.”
Donde, as razões invocadas no sentido de que o diferimento da execução é gravemente prejudicial para o interesse público são sérias e relevantes.
Em suma, no caso concreto, e como se decidiu, a resolução encontra-se formalmente fundamentada e mostram-se válidos os fundamentos da resolução.
Termos em que improcede também o presente fundamento do recurso.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente - cfr. artigos 527º, nºs 1 e 2 do CPC e 189º, nº 2 do CPTA.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 12 de Novembro de 2020

(Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, a Relatora consigna e atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Carlos Araújo e Sofia David - têm voto de conformidade)
Ana Paula Martins