Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:359/12.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:FACTURAÇÃO FALSA.
INDÍCIOS
Sumário:Não constituem indícios sérios e consistentes da emissão de facturação falsa por parte dos contribuintes a mera existência de facturas emitidas em seu nome na contabilidade de terceiros.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

F............... e A..............., melhor identificados nos autos, vieram intentar impugnação judicial contra as liquidações nºs ………… a ……… e ………….. a…………., referentes a IVA e juros compensatórios dos anos de 2006 a 2009, no valor global de €276.160,22, emergentes de correcções efectuadas em sede de IVA pelos Serviços de Inspecção Tributária.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 106 e ss., (numeração do SITAF), datada de 01 de Outubro de 2019, julgou procedente a presente impugnação, anulando as liquidações impugnadas.

Desta sentença foi interposto recurso, conforme requerimento de fls. 130 e ss., (numeração do SITAF).

Inconformada com a sentença, vem a Fazenda Pública apresentar recurso, alegando nos termos seguintes:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial interposta por F............... e A..............., contribuintes fiscais n.ºs …………. e…………, deduzida contra os atos de liquidações adicionais de IVA, e dos correspondentes juros compensatórios, relativos aos exercícios de 2006 a 2009, no valor de €276.162,22.

B. Tais liquidações resultam das correções efetuadas pelos SIT em sede de IVA, no âmbito de procedimentos inspetivos realizados à situação tributária dos impugnantes, relativamente aos exercícios económicos de 2006 a 2009, por se ter constatado a existência de fortes indícios de operações fictícias.

C. Nesse contexto, foi apurado pelos SIT que as faturas sob escrutínio, não tinham correspondência com a realidade e que titulavam operações simuladas, exigindo aos Impugnantes, os montantes correspondentes a todo o IVA mencionado nessas faturas, em face do preconizado na alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º do Código do IVA.

D. O Tribunal a quo decidiu: “(...) - julgo procedente a presente impugnação, anulando-se, por ilegais, as liquidações impugnadas (...) custas pela Fazenda Pública (...)”.

E. A douta Sentença concluiu em suma que “(...) não logrou a Autoridade Tributária e Aduaneira cumprir com o ónus de prova que sobre sim impendia, não se demonstrando a menção indevida de IVA, pelos Impugnantes, nas faturas sob escrutínio (...)”.

F. Porém, não pode a Representação da Fazenda Pública, com o devido respeito, conformar-se com a douta Sentença, aqui recorrida, face ao entendimento de que a mesma procede a um desacertado julgamento da matéria de facto, incorrendo em consequente erro de julgamento de direito, pois a AT fez prova de que se encontram verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação ou seja, de que in casu, existem indícios sérios de falsidade das faturas.

G. Com efeito da análise efetuada, caberia aos Impugnantes o ónus da prova, o que efetivamente não sucedeu.

H. Neste âmbito, o thema decididendum, assenta em saber se a AT provou os pressupostos legais de que as faturas eram falsas.

I. A Representação da Fazenda Pública considera que a AT em face dos indícios recolhidos em sede de procedimento inspetivo realizado para apuramento da situação tributária dos ora Impugnantes provou os pressupostos legais a que estava adstrita.

J. Conforme decorre dos autos, os Impugnantes exerciam a sua atividade num centro de fotocópias de pequena dimensão, sem trabalhadores ao seu serviço e sem estrutura adequada para a realização de operações de grande materialidade.

K. E porque relevante se invoca desde já as posições assumidas pelo ilustre Magistrado do Mistério Público, no âmbito dos dois pareceres proferidos que integram os presentes autos, e onde se pronuncia pela improcedência da impugnação, com base nos seguintes fundamentos: // (Parecer n. º179/2017) // “(...) // Ora, considerando os factos apurados em sede inspetiva e atendendo aos motivos constantes do RIT, tendo a AT recolhido indícios fortes de facturação falsa, cabia aos Impugnantes o ónus de demonstrarem que as operações constantes das facturas em causa se tinham efetivamente realizadas, ou seja, que as referidas facturas titulam operações reais, e que foi pago o respetivo preço, em conformidade com o que dispõe no artigo 74.º, N.º 1, da LGT.

É, pois, ao contribuinte que incumbe o ónus da prova dos pressupostos do direito à dedução do imposto, o que no caso, os Impugnantes não lograram fazer.

Como tem vindo a ser decidido, maioritariamente pelos nossos Tribunais, a lei basta-se com a recolha e verificação de indícios fortes, sérios, fundados, por parte da AT, não exigindo desta a «...prova provada de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este (...) não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respetivos suportes, destarte posta em crise face àqueles “fundados indícios” (v. Acórdão do STA, de 24-04-2002, Rec. N.º 102/2002; Acórdão do TCAS, de 22-05-2011- Rec. N.º 4665). // (...) // No mesmo sentido, já se tinha pronunciado o TCAN, no seu Acórdão de 23-03-2001, ao decidir que existindo indícios sérios da inexistência das operações tituladas por facturas falsas, compete ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente (...)”. (Parecer complementar n.º 16/2019) // “(...) As questões suscitadas pelos Impugnantes já foram objeto de análise por parte do Ministério Público e sobre as mesmas foi emitido parecer em 18-05-2017. (...)

Nos presentes autos estão em causa não apenas as faturas emitidas pelos Impugnantes àquele contribuinte, e em relação a essas já foi decidido naquele processo que correspondem a operações reais, mas também a outros sujeitos passivos.

Assim, e pese embora a decisão ali proferida e os elementos, entretanto carreados para os autos, após a prolação desse parecer, afigura-se-nos não permitirem estes alterar a posição anteriormente assumida, excepto na parte das operações económicas declaradas nas facturas emitidas pelos Impugnantes e em nome de José Luís Rodrigues (...)”.

L. Assim, a Representação da Fazenda Pública chama à colação o Acórdão do TCA – Norte que sobre os indícios recolhidos pela AT consagra que “(...) [C]omo tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central administrativo Norte, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LG), competindo à administração tributária, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade" - vide Ac. do TCAN de 14/03/2012, proferido no Proc. n.º 03636/04- Viseu.

M. E, “[F]eita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação - cfr. Acórdão do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 21-012008, processo n.º 2887/04 Viseu de 27-01-2001, processo n.º 455/05.7BEPNF de 18-03-2011, processo n.º 456/05. BEPNF.

De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do STA de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da LGT”- vide Ac. TCAN de 14/03/2012, proferido no proc. 03636/04- Viseu.

N. E que indícios foram recolhidas pela AT? Reitera-se que foram desenvolvidas pelos SIT “(...) todas as diligências necessárias para a conformação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tribuários e para a indagação de factos tributários não declarados pelos sujeitos passivos em conformidade com as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º do RCPIT” ( à data).

O. Em síntese, e conforme resulta do Relatório da Inspeção Tributária que integra os autos, os STI: (i) acederam às instalações dos sujeitos passivos inspecionados; (ii) examinaram e requisitaram os elementos da contabilidade do ora Impugnantes; (iii) Encetaram diligências junto do técnico de contas e foram solicitados esclarecimentos sobre a situação tributária dos impugnantes e examinados elementos fiscalmente relevantes em posse de demais obrigados tributários; (iv) lançou mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros sujeitos passivos (utilizadores), para obter os referidos indícios. (Repare-se que as faturas sob escrutínio foram recolhidas pelas Direção de Finanças de Santarém, em sede de análise aos utilizadores de facturas emitidas pelos Impugnantes). 

P. Dos autos resultam ainda outros elementos que apontam no sentido da falta de aderência à realidade da facturação em causa sendo estes os seguintes:

- A falta de estrutura empresarial dos emitentes das faturas;

- A falta de atividade comprovada face à faturação emitida;

- A falta de elementos documentais que caracterizam as prestações subjacentes a cada fatura;

- A falta de demonstração da efetividade do pagamento correspondente a cada factura;

- Os montantes envolvidos nas faturas em causa e a falta de movimentos bancários que lhe correspondam.

Q. No Acórdão do TCAN de 28/03/2013 estipulou-se que “ (...) a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da LGT.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág.311.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado” - vide Acórdão do TCAN de 28/02/2013, proferido no proc. n.º 00383/08.4BEBRG (Realçado nosso).

R. A AT deu cumprimento, como se lhe impunha, ao princípio do inquisitório (vide artigo 58.º da LGT), demonstrando os pressupostos da tributação, pelo que contrariamente ao decidido pelo Meríssimo Juiz, o ónus da prova da prova relativamente à veracidade das mesmas recaia sobre os Impugnantes.

S. Na sentença proferida “(...) [foi dado como provado, no processo 1807/10.6BELRA, que os Impugnantes não tinham emitido as facturas referentes ao então Impugnante José Luís Costa Rodrigues nem dele receberam qualquer valor]. Ora, na senda do parecer proferido pelo Ministério Público, a Representação da Fazenda Pública alerta que nos presentes autos, não estão apenas em causa a discussão das faturas emitidas pelos Impugnantes àquele contribuinte, mas a um leque mais alargado de utilizadores.

T. Com respeito à prova testemunhal produzida nesse processo (a Representação da Fazenda Pública refere-se à dos aqui Impugnantes), trazemos à colação o afirmado no Acórdão do TCAN: “(...) Trata-se de uma situação em que haverá que avaliar a prova com particular prudência, uma vez que é sobejamente conhecida a “praga” avassaladora “facturas falsas” que assolou o comércio, bem como a experiência nos dá conta da particular fragilidade da prova testemunhal neste domínio, onde se cruzam interesses diverso, onde muitos lucram à custa do erário público [cfr. Acórdãos deste TCAN de 12/10/2006 (Processo 0300/02) e de 15/02/2013 (Processo 489/06.4BEBRG)] - vide Ac. do TCAN de 28/02/2013, proferido no proc. nº 00383/08.4BEBRG (...)”.

U. Relativamente à posição firmada pelo Meríssimo Juiz, que “(...) não há demonstração que os valores inscritos em tais facturas tenham sido recebidos pelos Impugnantes (...)”, a Representação da Fazenda Pública reitera que através do recurso à informação cruzada, além das faturas em escrutínio (em muitas destas é possível visualizar que em nome da gerência consta “F...............”, e também encontram-se cópias dos “canhotos” de cheques emitidos à ordem de “F...............”), pelo que salvo melhor entendimento, o ónus da prova caberia aos Impugnantes.

V. Também, não resulta dos autos, que os Impugnantes foram “vitimas de quem abusivamente utilizou o seu bom nome”, sendo certo que se encontra pendente o Processo de Inquérito relativamente aos Impugnantes, face às faturas sob escrutínio, por não terem correspondência com a realidade e titularem operações simuladas.

W. Neste desiderato, e contrariamente ao entendimento do Juiz a quo, impõe-se concluir que os indícios recolhidos de falsidade das faturas são sólidos e consistentes, dado que o circuito económico e financeiro subjacente às mesmas mostra-se descaracterizado, pelo que ao desconsiderar as faturas em exame, a AT cumpriu com o ónus que sobre si recai de descredibilização dos títulos em referência.

X. Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente Recurso proceder, sendo revogada a douta sentença, com o julgamento totalmente improcedente nos presentes autos de impugnação.»


X

Os recorridos F............... e A..............., apresentaram contra-alegações ao recurso interposto, expondo conclusivamente o seguinte:

«I - Os Impugnantes foram sempre colaborativos com a AT ao longo de toda a acção inspectiva, decorrendo de todo o constante dos autos:

a) terem sempre afirmado nada ter a ver com faturas falsas;

b) desconhecerem todos os sujeitos passivos indicados;

c) nunca terem recebido quaisquer cheques emitidos em nome de F...............;

d) sempre se disponibilizarem a autorizar o acesso às suas contas bancárias por parte da Administração Fiscal.

II - A AT, ao invés de se socorrer do instituto do levantamento do sigilo bancário, optou por se refugiar na inversão do ónus da prova para, no caso, imputar o ónus aos Impugnantes de uma probatio diabólica.

III - Em momento algum a Recorrente afirma e/ou prova que as facturas em causa foram emitidas pelos Recorridos, que do relatório de inspeção resultasse que estes tivessem contacto algum ou qualquer espécie de ligação com os utilizadores das respectivas facturas, tampouco que tenham recebido alguma eventual comissão pela “venda de facturas”, ou recebido qualquer valor dos montante referentes a qualquer cheque a eles endossado.

IV - No caso aqui trazido a apreciação, não está em causa a desconsideração de facturas tidas como falsas, como bem afirma o Tribunal a quo, trata-se, isso sim, de liquidação de IVA sobre alegados emitentes de tais facturas, por apelo à alínea c) do número 1 do artigo 2.0 do CIVA — pelo que o ónus da prova, neste caso cabe à Autoridade Tributárias, por força do estatuído no artigo 74, n.º1 da LGT.

V- Ao contrário do que defende a Recorrente respaldando-se no parecer do MP, de que a sentença proferida no âmbito do processo 1807/10.6BELRA, apenas se pronunciou em relação ao ali Impugnante, decorre do facto de só ele ter ido a Juízo, contudo, não poderia o tribunal, no processo de formação da sua convicção, deixar de tirar as ilações pertinentes, quando, e no caso, todos os demais “utilizadores”, foram-no no mesmo contexto e âmbito em que se desenvolveram as acções inspectivas que deram lugar àquela decisão.

VI- Não se compreenderia assim, que dentro do mesmo quadro fáctico como o que resulta do Relatório Final dos Serviços de Inspecção da Recorrente, se considerasse uma determinada realidade relativamente aos aqui Impugnantes quando em confronto com um determinado agente económico (J…………………), porque este recorreu a Tribunal, e que servissem os restantes para, com base numa pretensa inversão do ónus da prova, levar a uma impocedência da presente acção com base nos mesmos factos.

VII - Posto isto, “Resulta, no entanto, provado que as facturas reputadas de falsas não constavam da contabilidade dos Impugnantes e que o contacto com os posteriores utilizadores foi efectuado por sujeitos que não os Impugnantes, sem que se mostrasse que actuassem sob ordem ou no interesse destes. Em suma, não logrou a Autoridade Tributária cumprir com o ónus de prova que sobre si impendia, não se demonstrando a mencão indevida de IVA, pelos Impugnates, nas facturas sob escrutínio.”

Por Fim,

VIII - Dúvidas não restam de que não obstante a existência do nome com menção “Gerente” nas facturas e da existência de cheques a ela endossados, facto é que não existe qualquer prova nos autos de que F............... ou o seu marido tenham recebido um cêntimo que fosse a propósito de tais facturas ou de um outro qualquer meio ou artíficio fraudulento. Pretender a contra-prova disso constituiria uma intolerável probatio diabolica.

IX - Bem andou o Tribunal a quo ao ter decidido pela procedência in toto da impugnação ali apresentada, assim se devendo manter.

Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá o presente Recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos efeitos legais, justamente porque não violou qualquer preceito, maxime o respeitante às regras do Ónus da Prova mencionadas pela recorrente.

Assim, mantendo o Recorrido farão Vossas Excelência a sempre esperada Justiça!”

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se pela improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação:

«1. Foi realizada, entre 30 de Novembro de 2010 e 03 de Agosto de 2011 e em cumprimento das ordens de serviço 01201004345/346 e 012001010458/459, uma acção de inspecção referente aos Impugnantes e aos anos de 2006 a 2009, tendo sido apurado IVA em falta no valor de €242.038,97 - Cfr. Relatório de Inspecção Tributária [RIT], de págs. 70 a 91 SITAF;

2. A acção referida em 1) foi criada "no âmbito da instrução de processos de Inquérito, tendo por base uma informação da Direcção de Finanças de Santarém enviada a estes serviços na qual consta indício de crime de fraude fiscal", sendo analisada a actividade dos Impugnantes, que “consiste, na exploração de um centro de fotocópias e papelaria, integrado no Instituto Superior de Gestão sito no Lumiar" - cfr. RIT, a págs. 75 SITAF;

3. No dia 20 de Julho de 2011 foi emitido o relatório final da acção referida em 1), onde consta que "Tendo-lhes sido solicitados, os documentos relativos aos exercícios de 2006 e 2007, afirmaram que não os tinham em seu poder, uma vez que de acordo com informação do contabilista, os mesmos teriam sido entregues ao Sr. José Eurico, seu familiar, o qual se encontra em parte incerta. (Vide anexo 1). Os sujeitos passivos declararam ainda desconhecer a existência de facturas emitidas em seu nome a não ser aquelas que existem e constam na sua contabilidade, afirmando desconhecer por completo os "clientes" que declararam aquisições, através da sua identidade referida no Anexo P. Questionados quanto à existência de cheques emitidos a seu favor, negam o recebimento de qualquer desses cheques e dizem querer disponibilizar o acesso às suas contas bancárias a fim de que seja verificado que tais verbas não deram entrada nas referidas contas. (Vide anexo 1). Nesta visita verificou-se que os sujeitos passivos, não têm trabalhadores ao seu serviço, o espaço reservado ao desenvolvimento da sua actividade é muito reduzido, não dispondo de estrutura adequaria para a realização de operações- que assumem grande materialidade [...] De referir ainda, que não existem elementos comprovativos de que estes sujeitos passivos, tivessem adquirido a outros operadores económicos resmas de papei em grandes quantidades, de forma a tomar possível a sua venda aos vários utilizadores que declararam aquisições tao elevadas. Não há pois qualquer evidência de que algum operador tivesse efectuado vendas aos S. P. ………. e F……………., conforme se pode provar através da inexistência de Anexos O e P. (Vide anexo2)

[...] III.1.2 Informação da Direcção de Finanças de Leiria

Utilizador: J………………, NIF:……………)

No âmbito da acção de inspecção efectuada pela D Finanças de Santarém ao s.p. J………….., que usa a designação comercial de "R…………….", verificou- se o registo na sua contabilidade de facturas de valor significativo, cujos emitentes foram o Sr. A............... (NIF ………………) e sua mulher F............... (……………) [...] Estes documentos reportam-se aos exercícios de 2006, 2007, 2008 e 2009 e encontram-se relacionados nos quadros de apuramento de IVA que constam no anexo 3 deste relatório. Os valores registados na contabilidade do utilizador “R…………" são os seguintes: [...] Total F………… [...] IVA 49.648,20 [...] Total A……. [...] IVA 116.244,50

111.1.3 Informação da Direcção de Finanças de Leiria

Utilizador: I............... Lda., (NIF ……………..)

- Também de acordo com os elementos (facturas, extractos de conta e relatório de 2006) enviados pela DF de Leiria, tivemos conhecimento de um outro operador, que utilizou facturas emitidas por A............... e F..............., relativamente aos exercícios de 2006 a 2009 cujos documentos se encontram também relacionados nos quadros que constituem o anexo 3 deste relatório. Os valores registados na contabilidade da I………… são os seguintes [...] F............... [...] 23.204,04 [...] Total Abdul 9.819, 06 Os factos descritos nas informações provenientes da DF de Santarém e Leiria referem fortes “indícios de utilização e contabilização de facturação falsa" e por consequência a prática de crime fiscal de fraude qualificada, tendo em conta a materialidade dos documentos.

111.1.4 Outros Utilizadores - Cruzamento de anexos O/P Através de consulta ao sistema informático, nomeadamente cruzamento de anexos O/P juntos à declaração anual das entidades, verifica-se a existência de valores declarados por mais três utilizadores referentes a facturação emitida pelo sujeito passivo F................ Os valores conhecidos são os que constam nos quadros seguintes:

111.1.4.1 – L………….. Lda. - ………… – L….. [...] F............... [...] 10.700,12

111.1.4.2 – O…………. Lda. - …………. – L…….. [...] F............... [...] 12.048,09

111.1.4.3- H…………. -NIF: ……….- Montijo [...] F............... [...] 4.157,16 [...] A………….. [...] 12.480,00 [...]

III.1.6 Conclusões/Correcções propostas: Em sede de IVA

Face à informação transmitida pelas Direcções de Finanças de Leiria e Santarém e pelas diligências por nós efectuadas, as operações económicas declaradas nas facturas emitidas pelos sujeitos passivos A............... e F............... não têm correspondência real e titulam apenas operações simuladas, apesar de estarmos perante a regularidade formal dos documentos, contrapõe-se o mesmo à inexistência material das operações.

Assim, em sede de IVA ir-se-á exigir os montantes correspondentes a todo o IVA mencionado nas facturas, de acordo com o preceituado na alínea c) do nº1 do artº 2o do CIVA. Nos termos deste normativo, o imposto mencionado nas facturas emitidas pelos sujeitos passivos, ainda que referente a operações sobre as quais recaem fortes indícios de que foram realizadas nos exactos termos descritos neste relatório (operações simuladas), o imposto indevidamente liquidado pelo sujeito passivo, continua a ser devido e exigível. Uma vez que as facturas encontradas junto dos utilizadores, não constam na contabilidade dos sujeitos passivos, os valores apurados irão ser adicionados aos valores por estes declarados em sede de IVA. Relativamente ao sujeito passivo F..............., propõe-se o reinicio da actividade com efeitos a partir de 31 de Março de 2007, a fim de serem efectuadas as respectivas correcções.

VII - Infracções verificadas - Sobre os factos relatados foi elaborada uma informação preliminar, a qual foi enviada para a Divisão de Crimes Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa, tendo dado origem aos processos de inquérito nº 2051/10.81DLSB em nome de A............... e o P.I. nº 2052/10.6 IDLSB referente a F................ Relativamente a estes processos de inquérito foi proposta a sua agregação ao processo de Inquérito nº10/2010.OIDTSR, a correr termos no Ministério Público de Santarém. A falta de entrega do imposto liquidado, apurado nos termos dos artº 19 a 25º, ambos do CIVA, constitui uma infracção ao disposto no artº 26º do CIVA. Esta infracção está prevista e é punível nos termos da a) do nº2 do artº 104º do RGIT.

IX - Direito de audição - fundamentação

Nos termos dos artigos 60º do RCPIT e da LGT foi o projecto de correcções enviado ao sujeito passivo, através do ofício nº051473 de 14/06/2011 para que este querendo exercesse, num prazo de quinze dias o direito de audição prévia previsto nos citados normativos. Em 29/06/2011 os sujeitos passivos vieram exercer o direito de audição que lhe fora concedido, através de documento escrito, correspondente à entrada nº 069507. Neste documento, os sujeitos passivos A............... e F............... alegaram o seguinte:

1 - Manifestaram desconhecer o teor do projecto de correcções que lhes fora enviado, afirmando nada terem a ver com a passagem de facturas falsas, bem como desconhecerem todos os sujeitos passivos indicados no referido projecto. 2 - Afirma nunca ter recebido os cheques emitidos em nome de F..............., pois tais quantias não terão sido recebidas nem depositadas nas suas contas bancárias. A este propósito, à semelhança do que já haviam referido em termo de declarações, reafirmam esta dispostos a autorizar o acesso ás suas contas bancárias por parte da Administração Fiscal, a fim de demonstrarem que não estão envolvidos no recebimento dos valores constantes nas facturas. Porém não identificaram qualquer conta bancária para o efeito, pelo que se desconhece as contas bancárias de que estes sujeitos passivos são titulares. 3 - Afirmam não concordar com as correcções que lhe foram propostas, uma vez que nada tiveram a ver com a emissão das facturas ali mencionadas. 4 - Alegam contradições no projecto de relatório, uma vez que este apenas propões correcções em sede de IVA e não incide em matéria de IRS.

Conclusão:

Refira-se que, o CIVA, na alínea b) do nº 1 do seu artº2º considera sujeitos passivos As pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA."

Ora neste enquadramento os sujeitos passivos F............... e A............... são sujeitos passivos de IVA, na medida em que constam como emissores das facturas utilizadas por um grupo de agentes económicos, que terá deduzido este IVA no âmbito da sua actividade. De facto, o Imposto Sb o Valor Acrescentado, opera, pelo método do crédito de imposto. Ou seja, o sujeito passivo assume a qualidade de devedor ao Estado pelo valor do imposto facturado aos clientes nas vendas efectuadas em determinado período (Imposto liquidado ou imposto a favor do Estado). Em contrapartida o mesmo sujeito passivo é credor do Estado pelo imposto suportado no mesmo período (imposto suportado ou imposto a favor do sujeito passivo). Logo, o IVA a entregar ao Estado será a diferença entre aquele débito e este crédito. O apuramento do IVA assim a pagar efectua-se tal como vem preconizado nos Artºs. 19º a 27º do Código do IVA, sendo os sujeitos passivos obrigados a entregar nos cofres do Estado o IVA assim apurado e exigível nos termos do art. 28º nº 1, enviando à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA a declaração periódica referida no art. 42º nº 1 al. b), do mesmo Código, que a empresa cumpriu atempadamente. Liquidando os sujeitos passivos imposto nas facturas emitidas aos seus clientes, estes, na posse de tais documentos estavam em condições de proceder à dedução do mesmo e até eventualmente ficarem em situação de reembolso perante o Estado (nºs. 4 a 8 do Artº 22º do Código do IVA) o que poderá levar a um duplo prejuízo para o Erário Público. Pelo exposto conclui-se que os sujeitos passivos A............... e F..............., em sede de direito de audição prévia, não apresentaram elementos novos, susceptíveis de alterar as correcções propostas, pelo que se vão manter as correcções propostas em sede de IVA." - Cfr. Relatório de Inspecção Tributária [RIT], de págs. 70 a 91 SITAF;

4. No dia 30 de Agosto de 2011 foram emitidas, em nome dos Impugnantes, as liquidações ……… a ……… e ……… a ………, referentes a IVA e juros compensatórios dos anos de 2006 a 2009, no valor global de €276.160,22 e com "Data Limite De Pagamento Voluntário" a 31 de Outubro de 2011 - cfr. liquidações, a págs. 17 a 66 SITAF;

5. No dia 25 de Janeiro de 2012 foi carimbado, no Tribunal Tributário de Lisboa, o original da petição inicial do presente processo - cfr. carimbo, a págs. 3 SITAF;

6. No dia 17 de Março de 2015 foi elaborado ofício pelos Serviços do Banco ……….., onde consta que "Em resposta ao oficio de V. Exa., acima referenciado, informamos que F..............., A..............., são titulares de uma conta de Depósitos à Ordem nº………………, nesta Instituição." - cfr. ofício, a págs. 376 SITAF;

7. No dia 05 de Setembro de 2017 foi emitida certidão no processo 1807/10.6BELRA, da qual consta que "nos presentes autos foi proferida sentença a qual foi devidamente notificada e transitou em julgado cm 20.03.2017" e onde se diz que “E. F............... e A..............., em representação de F……………. ("FH") e de C…………. ("Copycentre"), respetivamente, não emitiram ao Impugnante faturas relativas ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços, não tendo recebido deste qualquer valor - cf. depoimento de F............... e A...............; cf. RIT referente à inspeção realizada pela AT a F............... e A............... que constam de fls. 297 a 495 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; F. O Impugnante não contactou com F............... e A............... para adquirir os produtos em causa, mas antes com E……….. e M……………. - cf. declarações do Impugnante; ” e

“Verificamos, portanto, que o Impugnante não transforma, pelos seus próprios meios, qualquer matéria-prima, atuando antes como um verdadeiro intermediário no fornecimento destes produtos aos seus clientes, não carecendo, por isso, de uma significativa estrutura de meios humanos e técnicos para a prossecução da sua atividade. Ficou também provado nos presentes autos que o Impugnante vendeu, efetivamente, os bens que contabilizou e declarou como tendo sido vendidos nos anos de 2006 a 2008, tendo ainda ficado provado que a maior parte dos seus clientes são entidades públicas (cf. pontos B. e C. dos factos provados). Ou seja, dúvidas não restam que o Impugnante realizou os fornecimentos de bens declarados nos anos de 2006 a 2008. Contudo, a AT defende que as faturas emitidas pelos fornecedores F….. (F...............) e C……. (A...............) respeitam a operações simuladas, uma vez que estes fornecedores não dispõem de uma estrutura empresarial que possa ter permitido realizar os fornecimentos em causa ao Impugnante. Ora, a verdade é que F............... e A............... afirmaram de forma inequívoca que não foram eles que forneceram os produtos em causa, tendo este facto sido confirmado pelo próprio Impugnante (cf. pontos B., E. e F. dos factos provados). Aliás, o Impugnante, nas declarações que prestou perante este Tribunal, afirmou que os produtos em causa foram negociados e pagos a E………… e M…….. (cf. ponto F. dos factos provados). E, portanto, inequívoco que não foram F............... e A............... que forneceram os produtos em causa ao Impugnante, razão pela qual os indícios recolhidos pela AT a seu respeito não podem, sem mais, fundamentar a conclusão que o Impugnante não adquiriu os bens titulados pelas faturas em referência. Ou seja, sendo certo que não foram F............... e A............... que venderam ao Impugnante os produtos em causa, a verdade é que, tendo cm conta o recorte probatório dos presentes autos, tal não significa que os mesmos não tenham sido adquiridos a E……….. e M……., tal como referido pelo Impugnante, sendo que dos autos não consta que tenham sido encetadas quaisquer diligências instrutórias por parte da AT no sentido de confirmar junto daquelas pessoas se, efetivamente, terão realizado os fornecimentos em causa. Estas diligencias instrutórias teriam sido essenciais para comprovar a existência da alegada simulação, uma vez que é incontroverso nos presentes autos que o Impugnante realizou os fornecimentos que contabilizou e declarou nos exercícios em causa (ct. teor do RIT - ponto B. dos factos provados). Por outro lado, quanto ao transporte dos produtos, ficou provado nos presentes autos que era efetuado diretamente pelo Impugnante ou através da contratação de transportadoras (cf. ponto D. dos factos provados), pelo que consideramos que a inexistência de viaturas próprias com alargada capacidade de transporte não revela que as aquisições não foram efetuadas nos termos em que foram contabilizadas e declaradas. Diga-se que considerando que não foram colocados em causa pela AT os fornecimentos realizados pelo Impugnante nos anos de 2006 a 2008, a verdade é que podemos sempre concluir, por maioria de razão, que de alguma forma os produtos terão sido entregues aos seus clientes. E apesar de se registarem algumas incongruências quanto aos códigos dos produtos e disparidades quanto aos preços praticados, a verdade c que, no contexto concreto dos presentes autos, tal não é suficiente para sustentar a conclusão que estamos perante operações simuladas. Assim sendo, considerando o recorte probatório dos presentes autos, não podemos acompanhar a conclusão retirada pela AT no RIT dc que as faturas da F…… c da C………… titulam operações simuladas, uma vez que não foram recolhidos tactos-índice que revelem, com a necessária certeza, que o Impugnante não adquiriu os produtos em causa. Releva ainda para a esta conclusão a circunstância de a AT não ter recolhido qualquer facto-índice que, de alguma forma, revele que o Impugnante não efetuou o pagamento dos bens constantes da faturas da F….. e da C…….. (ct. RIT - ponto B. dos factos provados). Acresce ainda referir que tendo em conta que é incontroverso nos presentes autos que os fornecimentos declarados pelo Impugnante foram efetivamente realizados (cf. ponto B. dos factos provados), não poderia a AT ter simplesmente acrescido à sua matéria coletável o valor total (sem IVA) das aquisições realizadas a estes dois fornecedores. Com efeito, não havendo dúvidas que os fornecimentos foram realizados pelo Impugnante, é inelutável a conclusão, por maioria de razão, que teve que adquirir os produtos que vendeu, não podendo, por isso, a sua matéria coletável ser alterada nos termos em que foi. O que se impunha era que a AT considerasse que o Impugnante incorreu em custos na aquisição dos produtos que forneceu, podendo, para tanto, recorrer aos próprios elementos da contabilidade para determinar o correspondente custo de aquisição. O que a AT não fez. Por esta razão, verificamos que a AT corrigiu incorretamente a matéria coletável do Impugnante em sede do IRS quanto aos exercícios de 2006 a 2008. Nesta conformidade, concluímos que procedem as alegações do Impugnante quanto às faturas emitidas pelos fornecedores F…. (F...............) e C……. (A...............)." - Cfr. certidão, a págs. 411 a 440 SITAF

8. Por ofício de 14 de Março de 2019, referente ao inquérito 10/10.8IDSTR, do Departamento de Investigação e Acção Penal [DIAP] - Secção de Almeirim, foi solicitada informação sobre o estado do presente processo - cfr. ofício, a págs. 462 SITAF.


X

Factos não provados // Não se provou que os Impugnantes: // A- tenham emitido as facturas que estão na base do IVA corrigido; // B- tenham recebido os valores constantes das facturas ora em crise, ou qualquer valor a elas referente.

Motivação da decisão sobre a matéria de facto

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, bem como o do PA apenso aos autos.

Os factos dados como não provados decorrem da inexistência de substrato probatório que os estribe. // Com efeito, consta do relatório de inspecção que os utilizadores das facturas reputadas falsas nunca contactaram com os Impugnantes, constando ainda que "não foi comprovado efectivamente, o recebimento de eventual comissão pela "venda de facturas". // Mais resulta que foram emitidos cheques para pagamento das referidas facturas, sem que se encontre demonstrado que tais valores entraram na esfera patrimonial dos Impugnantes, mormente na conta à ordem referida no facto provado 6).

Não se podem, então, dar como provados os factos referidos em A) e B).»


X

2.2. De Direito.

2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 106 e ss., (numeração do SITAF), datada de 01 de Outubro de 2019, que julgou procedente a presente impugnação, anulando as liquidações impugnadas.

2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«No presente caso, no entanto, não se está perante uma desconsideração de facturas reputadas falsas, mas sim [perante] … a liquidação de IVA sobre os alegados emitentes de tais facturas, por apelo à alínea c) do número 1 do artigo 2.º do CIVA - pelo que o ónus de prova, neste caso, cabe à Autoridade Tributária. // Aquele preceito dispunha, na redacção à data, que "1 - São sujeitos passivos do imposto: [...] c) As pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente IVA em fatura”; // Ou seja, para responsabilizar os Impugnantes pelos valores de IVA contidos nas facturas sub judice, cumpria que fosse determinado que as facturas foram por eles emitidas – (…) // Ora, compulsados os autos, não existem factos que se possam reputar como suficientes para estribar as liquidações ora em discussão. // Com efeito, não se mostra provado que tenham sido os Impugnantes a emitir as facturas em questão, facto que sempre negaram. [Aliás, foi dado como provado, no processo 1807/10.6BELRA, que os Impugnantes não tinham emitido as facturas referentes ao então Impugnante J………… nem dele receberam qualquer valor]. // Por outro lado, não há demonstração que os valores inscritos em tais facturas tenham sido recebidos pelos Impugnantes. // Resulta, no entanto, provado que as facturas reputadas de falsas não constavam da contabilidade dos Impugnantes e que o contacto com os posteriores utilizadores foi efectuado por sujeitos que não os Impugnantes, sem que se mostrasse que actuassem sob ordens ou no interesse destes.»

2.2.3. A recorrente assaca à sentença sob escrutínio erro de julgamento. Invoca falta de aderência à realidade das facturas em causa e que as mesmas foram emitidas em benefício dos seus emitentes, os impugnantes.

Apreciação. A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a de que:

«Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. // Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução»[1].

No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
i) Foi realizada, entre 30 de Novembro de 2010 e 03 de Agosto de 2011 e em cumprimento das ordens de serviço 01201004345/346 e 012001010458/459, uma acção de inspecção referente aos Impugnantes e aos anos de 2006 a 2009, tendo sido apurado IVA em falta no valor de €242.038,97 (n.º 1).
ii) Do RIT (III.1.6.) consta que as operações económicas declaradas nas facturas emitidas pelos sujeitos passivos A............... e F............... não têm correspondência real e titulam apenas operações simuladas, apesar de estarmos perante a regularidade formal dos documentos, contrapõe-se o mesmo à inexistência material das operações.
iii) Os sujeitos passivos declararam ainda desconhecer a existência de facturas emitidas em seu nome a não ser aquelas que existem e constam na sua contabilidade, afirmando desconhecer por completo os "clientes" que declararam aquisições, através da sua identidade referida no Anexo P. Questionados quanto à existência de cheques emitidos a seu favor, negam o recebimento de qualquer desses cheques e dizem querer disponibilizar o acesso às suas contas bancárias a fim de que seja verificado que tais verbas não deram entrada nas referidas contas (RIT, n.º 3).
iv) Verificou-se que os sujeitos passivos, não têm trabalhadores ao seu serviço, o espaço reservado ao desenvolvimento da sua actividade é muito reduzido, não dispondo de estrutura adequada para a realização de operações que assumem grande materialidade [...] De referir ainda, que não existem elementos comprovativos de que estes sujeitos passivos, tivessem adquirido a outros operadores económicos resmas de papel em grandes quantidades, de forma a tomar possível a sua venda aos vários utilizadores que declararam aquisições tao elevadas. Não há, pois, qualquer evidência de que algum operador tivesse efectuado vendas aos S. P. A……. e F…………, conforme se pode provar através da inexistência de Anexos O e P. (RIT, n.º 3).
v) «Assim, em sede de IVA ir-se-á exigir os montantes correspondentes a todo o IVA mencionado nas facturas, de acordo com o preceituado na alínea c) do nº 1 do art.º 2º do CIVA. Nos termos deste normativo, o imposto mencionado nas facturas emitidas pelos sujeitos passivos, ainda que referente a operações sobre as quais recaem fortes indícios de que não foram realizadas nos exactos termos descritos neste relatório (operações simuladas), o imposto indevidamente liquidado pelo sujeito passivo, continua a ser devido e exigível. Uma vez que as facturas encontradas junto dos utilizadores, não constam na contabilidade dos sujeitos passivos, os valores apurados irão ser adicionados aos valores por estes declarados em sede de IVA. (RIT (III.1.6.).
vi) Os sujeitos passivos F............... e A............... são sujeitos passivos de IVA, na medida em que constam como emissores das facturas utilizadas por um grupo de agentes económicos, que terá deduzido este IVA no âmbito da sua actividade. (…) sujeitos passivos A............... e F..............., em sede de direito de audição prévia, não apresentaram elementos novos, susceptíveis de alterar as correcções propostas, pelo que se vão manter as correcções propostas em sede de IVA." - Cfr. Relatório de Inspecção Tributária [RIT, direito de audição].
vii) Não se provou que os impugnantes tenham emitido as facturas que estão na base do IVA corrigido.
viii) Não se provou que os impugnantes tenham recebido os valores constantes das facturas ora em crise, ou qualquer valor a elas referente.

A recorrente tem em vista reverter o decidido na instância, imputando aos recorridos a emissão das facturas reputadas de falsas, o que justificaria a liquidação do imposto com base no disposto no artigo 2.º/1/c) do CIVA. A recorrente não impugna a matéria de facto assente (artigo 640.º do CPC).

As liquidações em apreço têm como base normativa o disposto no artigo 2.º/1/c) do CIVA. Nos termos do preceito citado, «São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA».

Dos elementos coligidos nos autos, forçoso se torna concluir que a recorrente não logrou demonstrar os pressupostos da sua actuação, ou seja, que as facturas alegadamente falsas existentes na contabilidade de terceiros foram emitidas pelos impugnantes/recorridos. Não existem elementos nos autos que liguem as facturas em apreço à acção, actividade ou benefício dos impugnantes. Não foram recolhidos elementos na contabilidade ou nos registos dos impugnantes que liguem o circuito financeiro ou documental das facturas em apreço à esfera jurídica dos impugnantes. Pelo que não existem indícios sérios e consistentes da emissão de facturação falsa por parte dos impugnantes que permitam justificar as liquidações adicionais de IVA em exame.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma de erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)


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[1] Acórdão do STA, de 27.02.2019, P. 01424/05.2BEVIS 0292/18.