Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:592/13.4BELSB
Secção:SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:10/18/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL
FACTO ILÍCITO E CULPOSO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
CRIME
PRESCRIÇÃO
ALARGAMENTO DO PRAZO
Sumário:I – O artigo 498º do Código Civil fixa no seu nº 1 como prazo regra da prescrição do direito de indemnização o de três anos, mas abre as portas, no seu nº 3, a prazos de prescrição extraordinários nos casos em que o facto ilícito que alicerça o pedido de indemnização civil constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo.
II – É perante o contexto factual que for concretamente provado que deve ser aferido se se encontram verificados, no caso, os pressupostos do ilícito criminal que haverá de justificar a extensão do prazo prescricional nos termos do artigo 498º nº 3 do Código Civil, por remissão do artigo 5º da Lei nº 67/2007.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 592/13.4BELSB

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A…. (devidamente identificado nos autos) instaurou em 05/03/2013 no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa Ação Administrativa Comum sob a forma de processo ordinário contra o ESTADO PORTUGUÊS, na qual reportando-se a acidente ocorrido em 14/03/2008, peticionou a condenação do Réu a pagar-lhe: i) a diferença entre o salário que auferia à data do acidente e a pensão de aposentação que ficou a receber; ii) uma indemnização para ressarcimento de danos morais no valor de 60.000,00 €.
Por saneador-sentença de 19/01/2016 pela Mmª juíza do Tribunal a quo absolveu o réu ESTADO PORTUGUÊS do pedido com fundamento na prescrição do direito de indemnização.
Dessa decisão interpôs recurso o autor, ao qual foi concedido provimento por acórdão deste TCA Sul de 21/04/2016 (Procº nº 13.102/16), com revogação da decisão recorrida e baixa dos autos à 1ª instância para que aí prosseguissem os seus termos.
Prosseguindo os autos na 1ª instância, veio a ter lugar, após saneamento dos autos com delimitação do objeto da ação e enunciação dos temas da prova, audiência de discussão e julgamento na qual foram prestados depoimentos pelas testemunhas arroladas (cfr. respetiva ata de 19/01/2018). Na sequência do que foi proferida a sentença de 21/02/2018 pela qual foi julgada improcedente a exceção de prescrição e julgada procedente a ação foi o réu ESTADO PORTUGUÊS condenado em ambos os pedidos formulados pelo autor, sendo a liquidar em execução de sentença o pedido relativo aos danos patrimoniais.
É desta sentença de que, inconformado, o ESTADO PORTUGUÊS interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. Considera o Recorrente que os factos elencados sob o n.º 17 dos Factos Provados não deveriam ter sido dados como provados; e, inversamente, da conjugação dos documentos já constantes dos autos, mais concretamente, fls. 223 e 229 do “Processo Administrativo", deveriam ter sido os factos correspondentes do processo instrutor dados como provados, sob os n.º 41 e 42:

“41 - O resultado da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada em 20 de dezembro de 2016, relativa ao acidente ocorrido em 14 de março de 2008, foi o seguinte:
Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções
Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho
Mantém-se a desvalorização de 28,5%, já anteriormente atribuída de acordo com o capítulo I nº 1.1.1 alínea b); Cap III nº 7 da TNI”.
42 - O resultado da Junta de Recurso da Caixa Geral de Aposentações realizada em 06 de junho de 2017, relativa ao acidente ocorrido em 14 de março de 2008, foi o seguinte:
A desvalorização passou de 28,5%, para 39,94% de acordo com o capítulo I nº 1.1.1 alínea c); Cap III nº 7 da TNI”.

2. Dos excertos dos depoimentos das testemunhas (gravados em acta do dia 19/01/2018) G… (depoimento gravado entre as 01:25:57 e as 1.40.00), J…. (depoimento gravado entre as 1:40.50 e as 1.47.00) e T…. (depoimento gravado entre as 1.03:00 e as 1.22.35) e, bem assim, a análise conjunta das suas declarações integrais, deriva que a Mma Juiz entendeu não relevar para efeitos de decisão final, com o que julgou incorrectamente a matéria de facto que lhe foi presente.

3. Resultando claro que se impõe ainda que sejam tidos por provados os factos, alegados na contestação sob os artigos 44º e 46º, sugerindo-se a inclusão, sob o n.ºs 43 e 44 dos seguintes Factos Provados:

43 - O uso da estrutura para fazer descer a secretária seria a alternativa mais cómoda para o Autor e seus colegas, na medida em que evitaria que os mesmos tivessem que a carregar manualmente pelas escadas.

44 - O R não ordenou nem consentiu essa utilização ou colocou essa estrutura para içar a mesa.

4. Da conjugação dos depoimentos das testemunhas, resulta, sem qualquer margem para dúvidas, que em momento algum, para além do transporte desse mobiliário, algum representante do R, que supervisionasse as funções executadas no local, tenha ordenado ou consentido que o A. e seus colegas utilizassem essa estrutura para fazer descer a mesa em causa.

5. E muito menos que tal estrutura tenha sido ali instalada para fazer descer essa ou outra peça de mobiliário com mais de 15 kg de peso, sendo, aliás, conhecidas as concretas e exclusivas razões da instalação de tal estrutura elevatória: constituía apenas uma solução de recurso para a subida de materiais de construção (placas de pladur) que pesam cerca de 10/15 kg.

6. Com tal, relativamente ao equipamento em causa, adequado ao transporte destas cargas muito mais leves, foram adoptados cuidados, designadamente, não permissão de subida dos “sacos de megafino” com cerca de 40 kg de peso; e para além destas não se impunha que fossem adoptadas quaisquer outras medidas de segurança no sentido de serem minimizados os riscos de utilização da referida estrutura elevatória.

7. A avaliação do risco diz-nos claramente que a descida da mesa pela estrutura era manifestamente desadequada: o A. e os dois colegas que compunham a sua equipa, e ainda com a ajuda de mais dois cadetes do Instituto, deveriam ter descido a secretária pelas escadas, que tinham as dimensões suficientes e adequadas para realização da tarefa em segurança, por certo, com um maior esforço.

8. Não obstante, decidiram, por sua exclusiva vontade, contra as mais elementares regras de prudência, efectuar tal manobra de descida da mesa com cerca de 80 kg que, até então, ninguém tinha realizado e que não estava relacionada com trabalhos que devessem ser realizados pelo A. e colegas.

9. Sendo que, tal factualidade, para além de resultar patente dos depoimentos atrás transcritos, resulta igualmente manifesta das regras de experiência e do senso comum, tal como as circunstâncias físicas que existiam - e eram manifestas - impediam a colocação e descida da secretária por essa estrutura.

10. Face à matéria de facto que deve ser dada como provada, conclui-se que o R. não violou qualquer dever de cuidado a que estivesse obrigado com vista a evitar situações como o acidente ocorrido, o que poderia ter evitado.

11. Não permitindo o acervo fáctico que se alcançou, a afirmação de que a violação das regras de segurança que legalmente cabem ao R. Estado deve ser considerada como causa do acidente, bem como da relação de causalidade adequada entre a inobservância das normas de segurança e o acidente.

12. Ao invés do decidido na sentença posta em crise, deverá considerar-se que não existiu qualquer comportamento ilícito, uma vez que, logrou o R., ora Recorrente provar, em concreto, que não ordenou nem consentiu na utilização dessa estrutura, com o que, demonstrou as providências concretas que foram tomadas, ilidindo a invocada presunção de culpa in vigilando que está consagrada no art. 493º CC.

13. Fundando-se a presente acção em responsabilidade civil extra-contratual do Estado, o prazo geral de prescrição do direito de indemnização é o estabelecido no arts 498º, nº 1, do Código Civil, aplicável «ex vi» arts 5º da Lei nº 67/2007, de 31-12.

14. Este prazo começa a correr a partir do momento em que o lesado teve conhecimento dos elementos constitutivos ou dos pressupostos do direito à indemnização.

15. Ora, tendo o acidente dos autos ocorrido a 14-03-2008, quando a presente acção foi intentada, em 05/03/2013 e o Ministério Público citado, em representação do Estado, em 08/03/2013, já há muito se mostrava esgotado o putativo direito de indemnização.

16. Considerando-se que logo na petição inicial o A. terá alegado violação das regras de segurança, sendo estas alegações suficientes para, depois de provadas, se considerar ter existido uma conduta qualificável de crime, sempre se dirá que é ao A., ora recorrente que incumbe o ónus de alegar e provar que, em concreto, se mostravam preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime de ofensas à integridade física grave por negligência.

17. Isto porque o prazo previsto no invocado n.º 3 do art. 498.º é excepcional, sendo insofismável que é para a noção de crime definida pelo direito penal que este nº3º do art.498º C. Civ. remete.

18. No caso em apreço mostrando-se apenas alegado na p.i. o “cumprimento ordens do superior hierárquico”, e a “violação disposições legais e regras de segurança higiene e saúde no trabalho" de onde retira a existência de culpa da entidade empregadora na produção do acidente, tal não basta para que haja preenchimento do tipo negligente invocado.

19. É que, não se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência: a violação de um concreto dever objectivo de cuidado, a produção de um resultado típico e a imputação objectiva desse mesmo resultado típico.

20. A produção deste resultado só poderá ser imputada ao agente se este tiver actuado com negligência, conforme artigo 15º do C.P, e pressupõe um nexo causal entre a acção do agente e o resultado produzido, causalidade essa apurada segundo um juízo de prognose póstuma e, de acordo com um critério de “causalidade adequada (art. 10º do Código Penal).

21. De qualquer forma, face à matéria de facto que deve ser dada como provada, conclui-se que o R. não violou qualquer dever de cuidado a que estivesse obrigado nem quaisquer das regras de segurança que legalmente lhe cabem, sendo que, os factos causadores do acidente foram executados em plena conformidade com a lei, sem que ocorresse qualquer conduta omissiva consubstanciadora de violação do dever objectivo de cuidado por parte de titulares dos órgãos, funcionários ou agentes do Réu Estado, não podendo, pois, servir de fundamento à imputação objectiva do resultado.

22. Até porque, tendo o acidente resultado de causa não imputável a qualquer violação de regra de segurança e tendo ocorrido dentro do risco normal da actividade em causa - sendo que o Réu Estado não potenciou, nem aumentou esse risco -, não se verificam os elementos típicos para que a acção negligente assuma relevância penal.

23. É irrelevante qualquer invocação de culpa da entidade empregadora estabelecida na lei civil para efeitos de responsabilidade civil, sendo sempre indispensável a imputação ao agente a título de culpa efectiva.

Pois sem culpa, não há crime (nullum crimen sine culpa), de harmonia com o princípio da culpa estabelecido no art.13º do Código Penal de onde resulta que no direito criminal, a culpa não se presume.

24. Mostrando-se demostrado porque in casu não está alegado nem provado o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do ilícito em causa, o prazo prescricional a ter em conta nunca poderá ser a constante dos arts.118º, nº1º, al. c), CP e 498º, nº3º, C.Civ.

25. O que, ao invés do decidido, deve ditar a procedência da arguida prescrição do direito de indemnização.

26. Porém e sem conceder por mera cautela, sempre se dirá que deve a douta sentença recorrida ser alterada, e julgada a acção totalmente improcedente por não provada, e em consequência, o R. Estado ser absolvido do pedido.

27. Pois, tendo o acidente ocorrido por causa não imputável a qualquer violação de regras de segurança, deve tal acidente (ocorrido ao serviço de entidades empregadoras públicas) ser regulado – como foi - pelo regime previsto no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.

28. Razão pela qual, o Autor teve direito, desde logo, em termos de reparação em espécie, a todas as prestações de natureza médica e afins, adequadas à situação em concreto, conforme preceitua a alínea a), do nº 3, do artº 4º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.

Tal como teve direito, nos termos da alínea b), do nº 4, do citado art. 4º, a indemnização correspondente à redução na capacidade de ganho, devido à sua incapacidade permanente.

29. É que a responsabilidade objectiva quanto à reparação de danos materiais resultantes de acidentes em serviço na Administração Pública é regulada pelo citado Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, que constitui, para efeitos do disposto no nº 1, do art. 1º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, lei especial.

30. Afastada que está a actuação culposa dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes do Estado, tanto basta para se concluir que está arredada a obrigação de indemnizar do Réu Estado.

E mesmo quanto aos danos não patrimoniais, sob pena de ocorrer violação do princípio de ressarcimento dos danos.

31. Assim não se entendendo, sempre se dirá que, em relação à compensação arbitrada a título de danos morais, atenta a factualidade dada como provada, entende o Recorrente que o montante arbitrado a este título na sentença recorrida foi incorrectamente doseado e, como tal, merecendo censura, deve ser substancialmente reduzido.

32. Na realidade, o mesmo não se mostra adequado aos princípios de equidade e razoabilidade que devem pautar a aplicação da justiça, não se encontrando em sintonia com outras indemnizações que os tribunais superiores têm aplicado - ao invés do referido na douta sentença em crise.

33. Pois, o dano produzido, face à matéria de facto que deverá ser dada como provada, de onde resulta dos autos que o A. não ficou afectado de qualquer incapacidade permanente absoluta para as suas funções nem para todo e qualquer trabalho, tão-pouco lhe tendo sido atribuído uma desvalorização de 47,68%, mas sim de 39,94%.

34. Considera o ora Recorrente que o valor fixado peca por excesso, por a matéria dada como provada que consta dos nºs 14 a 38, 41 e 42 não sustentar o juízo quantitativo de equidade formulado pelo Tribunal a quo, sempre devendo ser, neste ponto, alterada a decisão, fixando-se a indemnização num valor mais ajustado, substancialmente inferior ao arbitrado.

35. Em suma, julgando, a presente acção procedente, por fundamentada e provada, e em consequência condenando o R. nos pedidos formulados, a Mma Juiz, não subsumiu correctamente os factos ao direito.

36. E, decidindo como decidiu, este Tribunal, violou o disposto nos artigos 349º, 493°, 496.º, n.º 4 e 498.º n.º 3, todos do C.C., arts 3º, alínea a), 14º, nº 1, 31º, alínea a) e 34º, nº 2, todos do DL 50/2005 de 25 de Fevereiro, arts. 1º, nº 1, 3º e 5.º da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, artºs 118º, nº1º, al. c) e 148.º, n.º 1 e 3 do C.P e ainda o nº 3 e alínea b), do nº 4 do artº 4º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.


O Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, tendo concluído formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
1 - Em consequência do acidente em serviço, o A. foi submetido à Junta Superior de Saúde (JSS) da PSP, em 27.09.2011, que lhe graduou a IPP em 47,68% e o considerou incapaz para todo o serviço, cfr. fls. 148 e 149 do pa. Por despacho proferido pela Direção da Caixa Geral de Aposentações (CGA) em 23.02.2012, foi reconhecido ao autor o direito à aposentação com efeitos a 27.09.2011, isto é, com efeitos à data em que a JSS considerou o autor incapaz para todo o serviço da PSP em virtude das lesões de que ficou a padecer com o acidente em serviço, crf. documento junto aos autos, via SITAF, em 15.09.2017.

2 - Acresce que o autor alegou tais factos nos artigos 23.º e 24.º da pi, sendo que o Recorrente os aceitou expressamente – vide art.º 40.º da Contestação.

3 – Pelo que o descrito no n.º 17 dos factos provados é rigorosamente correto, estando tudo documentado no p.a. e nos autos, nada justificando, portanto, que seja alterado.

4 - Depois de várias juntas médicas da CGA, o A. foi presente a junta médica realizada em 06.06.2017, para que lhe fosse fixado o grau de incapacidade parcial, a compatibilidade com o exercício das suas funções e a capacidade residual para o exercício de outra função compatível, já na situação de aposentado em virtude das lesões sofridas no acidente em serviço, cfr. documento junto aos autos em 15.09.2017 onde consta “(…) tendo sido considerada a situação existente em 2011-09-27…”, isto é, a situação considerada pela JSS de incapacidade para todo o serviço da PSP.

5 - O A. não requereu a aposentação sob que forma fosse; não tinha, à data daquela (2012) idade para se aposentar – o A. nasceu em 25.11.1963, cfr. certidão de nascimento junta aos autos via SITAF em 15.09.2017 nem havia sofrido qualquer pena expulsiva, a sua aposentação decorreu, unicamente, da incapacidade de que ficou a padecer na sequência do acidente em serviço de que foi vítima, pois que antes do acidente em serviço o A. não possuía qualquer doença ou deformidade – vide facto provado n.º 18.

6 - Assim, os resultados das Juntas Médicas da CGA de 20.12.2016 e 06.06.2017, na parte em que consideraram que das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções, não pode ser levada em conta, por contraditório com o facto que aquela mesma entidade praticou em 23.02.2012. Aliás, o autor já intentou ação administrativa de anulação de ato administrativo, por falta de fundamentação e erro manifesto e grosseiro, que corre termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, U.O. 5, sob o processo n.º 2788/17.0BELSB.

7 – Não devendo, portanto, ser aditado aos factos provados o pretendido pela Recorrente sob os factos 41 e 42.

8 - Não deve ser atendida a pretensão do Recorrente de que se acrescente aos factos provados os pontos 43 e 44, a saber:

43 – O uso da estrutura para fazer descer a secretária seria a alternativa mais cómoda para o Autor e seus colegas, na medida em que evitaria que os mesmos tivessem que a carregar manualmente pelas escadas.

44 – O R. não ordenou nem consentiu essa utilização ou colocou essa estrutura para içar a mesma”.

9 - Em relação ao “facto” a que o Recorrente atribui o n.º 43, em primeiro lugar, e salvo melhor opinião, o que consta naquele ponto (43) não são factos mas meras conclusões.

10 - Se assim não se entender, há a dizer que as conclusões que o Recorrente retira dos depoimentos que transcreveu não são corretas. As testemunhas declararam, apenas, que seria possível descer a mesa pelas escadas. No entanto, a primeira (G…..) afirmou que seria muito difícil dado o peso do móvel, e a segunda (T…..) afirmou que seria necessário mais pessoal e a dificuldade seria muito maior. A testemunha J….., indicada pelo Recorrente, até declarou “… eles não conseguiram trazer aquilo pelo peso pelas escadas…”, cfr, depoimentos supra transcritos.

11 - O que é um facto irrefutável é que não ficou demonstrado, no local e aquando do acidente, que, efetivamente, era possível descer a mesa pelas escadas, dado o peso da mesma e a falta de pessoas suficientes para a carregar! Logo, nunca poderá ser um facto provado.

12 - No que concerne ao segundo facto a que o Recorrente atribui o n.º 44 – “O R. não ordenou nem consentiu essa utilização ou colocou essa estrutura para içar a mesa” - o mesmo não deve ser considerado, pois que não ficou provado. O que ficou provado é bem diferente.

13 - Analisados os depoimento da testemunha indicada pelo autor, T…., da testemunha comum a ambas as partes G….., e da testemunha indicada pelo Recorrente, J….., todos supra transcritos, verifica-se:

- A estrutura foi colocada por pessoas diferentes do autor e colegas que o acompanhavam na tarefa de fazer descer a mesa;
- O autor e os colegas que o acompanhavam desconheciam, portanto, a razão pela qual foi montada aquela estrutura;
- A estrutura não teria um aspeto tão frágil ao ponto de ser óbvio para qualquer pessoa que não aguentaria o peso da secretária, pois aguentou aquele móvel a descer até cerca de 2,5 metros;
- Verificando a dificuldade e/ou até impossibilidade de descer a mesa pelas escadas, dado o peso da mesma, o autor perguntou à pessoa responsável – o Chefe P….., que era o responsável pela Secção de Obras do ISCP – se poderia utilizar a estrutura que estava montada no local, ao que lhe foi respondido que sim;
- Se ninguém ordenou ao autor e colegas que utilizassem a estrutura montada no local, o certo é que ninguém alertou para o risco de utilização da mesma, nem proibiu a sua utilização; pelo contrário, deu autorização – o chefe P…… – para que fosse utilizada.

14 - Pelo que deve improceder o pedido de aditamento à matéria de facto o ponto 44 requerido pelo Recorrente.

15 - O dever de cuidado que impende sobre a Recorrente, entidade empregadora, consiste em assegurar aos trabalhadores as condições de segurança em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo, para o efeito, aplicar as medidas necessárias, tendo em conta os princípios de prevenção, designadamente integrar a todos os níveis do serviço a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adoção das convenientes medidas de prevenção.

16 - A alegação de que a secretária poderia ser transportada pelo autor e seus dois colegas, em braços e pelas escadas do edifício é mera suposição, sem qualquer suporte factual.

17 - O empregador tinha montado no local uma estrutura que permitia o transporte, a carga, de materiais do 1º andar para o rés-do-chão. Não só não avisou o autor e seus colegas de que tal estrutura não poderia ser utilizada por insegura para tamanho peso, como, questionada – através de um seu representante, o Chefe P…. – permitiu expressamente que o fosse.

18 - O empregador tem o dever de proceder, na conceção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de proteção a integrar no conjunto das atividades do serviço e a todos os níveis da avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adoção de convenientes medidas de prevenção, planificando-a num sistema coerente que tenha em conta a componente técnica e a organização do trabalho.

19 - A entidade empregadora tinha conhecimento direto do peso e medidas do móvel a transportar do primeiro andar para o rés-do-chão, bem como da capacidade/resistência da estrutura que tinha montado no primeiro andar, onde se encontrava o móvel a transportar. Não só não evitou o uso desse estrutura, alertando para os perigos da dita utilização, proibindo-o mesmo, como até o consentiu expressamente.

20 - Pelo que o a Mª. Juiz a quo não apreciou de forma incorreta a prova produzida, já que a mesma vai toda no sentido de que a entidade empregadora não cuidou, minimamente que fosse, de programar a atividade a ser realizada, prevendo os meios necessários a que fosse levada a cabo com toda a segurança, quer se utilizasse a dita estrutura, quer fosse utilizado outro meio alternativo que, a propósito, jamais poderia ser a utilização das escadas para o transporte de um móvel com aquelas dimensões e peso!

21 - A entidade empregadora do autor violou, portanto, as mais elementares regras de cuidado, higiene e saúde no trabalho!

22 - Dúvidas não podem levantar-se/subsistir de que existe um nexo de causalidade direto e necessário entre a conduta da entidade empregadora – que não planeou a atividade a realizar nem dotou os seus trabalhadores dos mais elementares meios de segurança, colocando-lhes à frente dos olhos uma estrutura com a aparência de adequada à tarefa a realizar – e o acidente que vitimou o autor.

23 - Foi o facto de a entidade empregadora do autor ter colocado à disposição do mesmo a utilização de uma estrutura que não oferecia segurança, sem qualquer outra alternativa viável, ainda que não o tenha “obrigado” a utilizar a dita estrutura, que viria a causar o acidente, já que a dita estrutura colapsou e atingiu o autor.

24 - Ficou demonstrado que:

- O autor e os colegas que o acompanhavam na tarefa a realizar utilizaram uma estrutura existente no local que não foi feita por eles;
- A responsabilidade da colocação e condições regulares da estrutura não cabia ao autor nem aos seus colegas;
- Não foi apresentada alternativa viável para o transporte da mesa/secretária;
- A estrutura não teria um aspeto tão frágil ao ponto de ser óbvio para qualquer pessoa que não aguentaria o peso da secretária, pois aguentou aquele móvel a descer até cerca de 2,5 metros;
- Não obstante, a estrutura não estava dotada de condições de segurança adequadas ao transporte da mesa/secretária de forma a evitar o acidente, pois que cedeu com o peso daquela;
- O acidente em serviço deveu-se ao facto de a estrutura ter cedido e ter causado a compressão do autor;
- Não foram cumpridas as devidas regras de segurança, de modo a evitar o ocorrido, isto é, o facto de a estrutura ter cedido com o peso da secretária.

25 - Provado está, portanto, que houve violação das regras de segurança, ainda que com mera negligência consistente na violação do dever de cuidado, pois que foi colocada uma estrutura que não oferecia segurança, não se tendo observado o dever de evitar o uso da mesma, e até o tendo permitido expressamente.

26 - O resultado foi a ofensa à integridade física do autor, de molde a configurar conduta passível de constituir crime, preenchendo a previsão do disposto no n.º 3 do art.º 498.º do CC, aplicando-se o prazo de prescrição da lei penal, por remição do art.º 5.º da Lei 67/2007, de 31 de dezembro.

27 - Não se verifica, portanto, a exceção da prescrição.

28 - É um facto, devidamente documentado nos autos, que a JSS da PSP realizada em 27.09.2011 atribuiu ao autor uma IPP de 47,68% com incapacidade para todo o serviço da PSP, e que a junta médica da CGA, realizada em 06.06.2017, reconheceu uma IPP de 39,94%. Esta última entidade procedeu à sua aposentação com efeitos a 27.09.2011 por despacho de 23.02.2012.

29 - Independentemente da incongruência das juntas médicas da CGA, o certo é que o autor viria a ser aposentado unicamente em virtude das lesões de que ficou a padecer no acidente em serviço, cfr. supra já se explicou.

30 - Dado que está provada a culpa da entidade patronal na eclosão do acidente que vitimou o autor e levou à sua aposentação, tem direito a ser indemnizado por todos os danos de molde a colocá-lo na situação anterior à do sinistro, desde logo à diferença entre a remuneração ilíquida e o valor da aposentação ilíquido, nos termos do disposto no art.º 3.º da Lei 67/2007, de 31 de dezembro.

31 - Existindo, como existe, culpa da entidade empregadora, o autor tem direito, para além das prestações previstas no DL 503/99, de 20.11, da diferença entre o salário que auferia à data do acidente e a pensão de aposentação que passou a auferir, de acordo com o disposto no art.º 18.º da Lei 100/97, de 13 de setembro.

32 - Já quanto aos danos não patrimoniais, ainda que a IPP reconhecida ao autor não tenha sido a de 47,68% mas a de 39,94%, o certo é que todas as restantes consequências do acidente descritas nos factos provados 14 a 38, inclusive, bem como o ter sido considerado incapaz para todo o serviço da PSP, são de enorme gravidade, levando mesmo à necessidade de recorrer a consultas psiquiátricas, cfr. facto provado n.º 25.

33 - À data do acidente o autor tinha 44 anos de idade, cfr. certidão de nascimento junta aos autos em 15.09.2017, tendo sido aposentado com 48 anos de idade, pelo que o valor arbitrado para indemnização dos danos não patrimoniais não é excessivo, desde logo comparando-o com vasta jurisprudência supra indicada.


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Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ DAS QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, as questões essenciais a resolver em recurso são:
- a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto - (conclusões 1ª, 2ª parte, 2ª e 3ª);
- a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos e aplicação do direito, quanto à questão da exceção perentória da prescrição que julgou improcedente - (conclusões 10ª a 25ª das alegações de recurso);
- a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos e aplicação do direito, quanto à decidida procedência do pedido indemnizatório - (conclusões 26ª a 36ª das alegações de recurso).

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade com relevância para o conhecimento da suscitada exceção da prescrição, nos seguintes termos, ipsis verbis:
1 – O A. na sequência de acidente de serviço, ocorrido em 14.03.2008, veio a ser aposentado em Março de 2012 (confissão do A./ cfr. artºs. 12º e 79º e 80º da p.i.).

2 - A presente acção deu entrada em juízo em 05.03.2013 (cfr. autos).

3 – O R. foi citado na presente acção, em 08.03.2013 (cfr. autos).

4 – O A. no dia do acidente estava a cumprir ordens de transporte de mobiliário, bem como ao usar a estrutura existente no local de acidente, correspondente a estrutura elevatória montada no corredor exterior do 1º andar do edifício do ISCA (prova testemunhal).

5 – A estrutura elevatória estava suspensa numa roldana por onde circulavam as cordas, às quais foi amarrada a mesa, com mais de 80 kg (prova testemunhal).

6 – A estrutura dispunha de um barrote de madeira vertical, até ao tecto, preso ao gradeamento (prova testemunhal).

7 – O barrote a tábua que sustentava e permitia o funcionamento da estrutura elevatória não estavam espiados com cordas ou cabos (prova testemunhal).

8 – O sinistro ocorrido e do qual o A. padeceu foi resultado da estrutura ter cedido e ter sido o A. atingido pela estrutura e ter embatido no gradeamento de ferro (prova testemunhal).

9 – O A. e os colegas que compunham a sua equipa usaram de estrutura existente no local, que não foi pelo A. e seus colegas colocada (prova testemunhal).

10 – A estrutura cedeu com o peso da secretária no início da descida da mesma (prova testemunhal).

11 – O acidente que vitimou o A. deveu-se ao facto da estrutura ter cedido e ter causado a compressão do A. (prova testemunhal).

Tendo a Mmª Juíza do Tribunal a quo consignado que «Nada mais logrou-se provar com relevância para a apreciação e decisão da excepção de prescrição do direito de indemnização»

E foram ainda dados como provado com relevância para a decisão do mérito da ação, em acréscimo aos factos provados para o conhecimento da matéria da prescrição, os seguintes factos provados, ipsis verbis:
12 - No dia 14.03.2008, cerca das 10H20, o A. acompanhado de mais dois colegas de trabalho, no ISCP, utilizou estrutura elevatória existente no local, no corredor exterior do 1º andar (cfr. docºs.1 e 2 juntos com a p.i., e admissão por acordo).

13 - O A. com os seus dois colegas, e ainda com a ajuda de mais dois cadetes do Instituto, começaram a içar uma mesa com pelo menos 80 kg de peso, estrutura que cedeu a veio a atingir o A. na cabeça, e foi ainda atingido na zona lombar pela roldana (cfr. docºs.1 e 2 juntos com a p.i., e admissão por acordo).

14 - O A. após ter sido atingido foi conduzido ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, onde lhe foi diagnosticado traumatismo toráxico da coluna dorso lombar e cervical (cfr. docº. 2 junto com a p.i., e admissão por acordo).

15 - O A. foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas à coluna, em: 01.10.2008 na Clinica de S...; em 02.09.2009, em 19.03.2010, em 15.10.2010. e em 23.03.2011, na Clinica da C... de C... (cfr. doc.3 junto com a p.i., e admissão por acordo).

16 – Entre 23.09.2011 e 11.01.2012 o A. fez tratamentos fisiátricos e noutros, no Hospital M... principal em Lisboa (cfr. docº.4 junto com a p.i., e admissão por acordo).

17- Em consequência das lesões sofridas de que ficou a padecer o A. foi presente à Junta Superior de Saúde da PSP que o considerou incapaz para todo o serviço, e graduou a IPP em 47,68%, e foi o A. aposentado pela Caixa Geral de Aposentações (admissão por acordo).

18 - Antes do acidente o A. era uma pessoa saudável e com alegria de viver, e não apresentava qualquer defeito físico (prova testemunhal).

19 - Antes do acidente o A. deslocava-se com frequência à sua terra Natal, a conduzir automóvel, onde tinha terrenos com oliveiras (prova testemunhal).

20 - O A. na época da azeitona dirigia e auxiliava nessa actividade (prova testemunhal).

21 - O A., antes do acidente, sempre que podia dedicava-se à caça, nas zonas de Vilar Formoso, Alentejo e Alenquer (prova testemunhal).

22- O A, antes do acidente, cultivava a sua horta na sua residência (prova testemunhal).

23 - O A., antes do acidente, saía todos os dias para o trabalho e sentia-se uma pessoa útil e activa (prova testemunhal).

24 - O A. após o acidente ficou dependente de terceira pessoa para cuidar da sua higiene pessoal, bem como tomava as refeições com auxilio de terceira pessoa, o que fazia-o sentir diminuído e envergonhado ( prova testemunhal).

25 - O A. por não voltar à sua vida activa sentiu enorme desgosto e angustia, tendo de recorrer a consultas pediátricas (cfr. docº. 5 junto com a p.i., e admissão por acordo, e prova testemunhal).

26 - O A. apesar de clinicamente curado não consegue permanecer na mesma posição, quer sentado, quer de pé, por períodos superiores a 30 minutos (prova testemunhal).

27 - Após o acidente o A. não consegue caminhar durante mais de 20/30 minutos (prova testemunhal).

28 - Após o acidente, o A. nos dias mais frios tem de tomar as refeições de pé, porque não consegue estar sentado (prova testemunhal).

29 - Após o acidente o A. não consegue conduzir por mais de trinta minutos (prova testemunhal).

30 - Após o acidente, o A. na posição de deitado tem de estar de costas voltadas para cima, por causa do material que lhe foi implantado (prova testemunhal).

31 - Após o acidente, o A. nos dias em que as dores são mais intensas tem de caminhar curvado (prova testemunhal).

32 - O A. pode vir a perder os movimentos dos membros (prova testemunhal).

33 - O A. tem dores permanentes que o acompanharão o resto da vida (prova testemunhal).

34 - O A. por não poder trabalhar os seus dias são longos e iguais (prova testemunhal).

35 - O A. depende de ansiolíticos para dormir (prova testemunhal).

36 - O A. não pode estar exposto aos raios solares, nomeadamente na praia, por causa do material que lhe foi implantado (prova testemunhal).

37 - O A. não pode caminhar na areia, por esta não ser firme e regular (prova testemunhal).

38 - O A. deixou de poder ir à caça (prova testemunhal).

39 - O valor da pensão de aposentação do A. é de 946,53 euros (admissão por acordo).

40 - O salário ilíquido do A. era de 1.540,46 euros (admissão por acordo).


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B – De direito

1. Da decisão recorrida
O recorrido A…… instaurou em 05/03/2013 no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa a presente Ação Administrativa Comum sob a forma de processo ordinário contra o ESTADO PORTUGUÊS, peticionando, por referência ao acidente ocorrido em 14/03/2008, a condenação deste a pagar-lhe: i) a diferença entre o salário que auferia à data do acidente e a pensão de aposentação que ficou a receber; ii) uma indemnização para ressarcimento de danos morais no valor de 60.000,00 €.
No saneador-sentença proferido em 19/01/2016, a Mmª juíza do Tribunal a quo começou por apreciar e decidir a questão prévia que ali identificou ser a da «inaplicabilidade do regime do DL. nº 503/99, de 20.11 e da Lei nº 100/97, de 13.9» , em face do que havia sido invocado pelo ESTADO PORTUGUÊS na sua contestação, passou a apreciar a exceção da prescrição do direito de indemnização, a qual havia sido invocada pelo réu ESTADO PORTUGUÊS na sua contestação, que veio a julgar procedente, o que conduziu à decisão de absolvição do réu do pedido.
Dessa decisão interpôs recurso o autor, ao qual foi concedido provimento por acórdão deste TCA Sul de 21/04/2016 (Rec. nº 13.102/16), com revogação da decisão recorrida e baixa dos autos à 1ª instância para que aí prosseguissem os seus termos.
Prosseguindo os autos na 1ª instância, veio a ter lugar, após saneamento dos autos com delimitação do objeto da ação e enunciação dos temas da prova, audiência de discussão e julgamento na qual foram prestados depoimentos pelas testemunhas arroladas (cfr. respetiva ata de 19/01/2018 – fls. 450 ss. - SITAF).
Na sequência do que foi proferida a sentença de 21/02/2018 pela qual foi julgada improcedente a exceção de prescrição, e julgada procedente a ação foi o réu ESTADO PORTUGUÊS condenado em ambos os pedidos formulados pelo autor, sendo a liquidar em execução de sentença o pedido relativo aos danos patrimoniais.
É desta sentença que vem interposto o presente recurso pelo ESTADO PORTUGUÊS, mas apenas na parte em que deu procedência dos pedidos formulados na ação, já que não pondo em causa a decisão de improcedência da exceção da prescrição.

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2. Do recurso do ESTADO PORTUGUÊS
O recorrente ESTADO PORTUGUÊS começa por imputar à sentença recorrida erro de julgamento quanto à matéria de facto, seja pugnando que o facto nº 17 dado como provado o não deveria ter sido (vide conclusão 1ª, 1ª parte); seja defendendo que deveriam ser dados como provados outros factos, que pretende deverem ser aditados ao probatório (vide conclusões 1ª, 2ª parte, 2ª e 3ª).
Invoca também ter a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos e aplicação do direito, quanto à questão da exceção perentória da prescrição que julgou improcedente (vide conclusões 10ª a 25ª das alegações de recurso).
E, subsidiariamente que incorreu em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos e aplicação do direito, quanto à decidida procedência do pedido indemnizatório (vide conclusões 26ª a 36ª das alegações de recurso).
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3. Da apreciação e análise do recurso
3.1 Do imputado erro de julgamento da matéria de facto
3.1.1 Propugna o recorrente ESTADO PORTUGUÊS que o elencado em 17. Do probatório não deveria ter sido dado como provados e que inversamente, deveria ser considerado provado os resultados das juntas médicas da Caixa Geral de Aposentações realizadas e, 20/12/2016 e em 06/06/2017, que explicita (vide conclusão 1ª das alegações de recurso).
3.1.2 Sucede que não se perspetiva erro de julgamento da matéria de facto em que tenha incorrido o Tribunal a quo e que seja motivador, nos termos do artigo 662º nº 1 do CPC (ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), da modificação pretendida.
3.1.3 O vertido em 17. do probatório decorre do que foi alegado pelo autor nos artigos 23º e 24º da sua Petição Inicial (de que «em consequência das graves lesões que ficou a padecer o A. foi presente à Junta Superior de Saúde da PSP que o considerou incapaz para todo o serviço, graduando a IPP em 47,68%» e que «em consequência, a Caixa Geral de Aposentações procedeu à sua aposentação») e expressamente aceite pelo réu ESTADO PORTUGUÊS na sua contestação (o que este fez no artigo 40º deste seu articulado).
3.1.4 E deve ser mantido, não obstante a menor precisão, já que é à junta médica da Caixa Geral de Aposentações que incumbirá a confirmação e a graduação da incapacidade permanente – cfr. artigo 38º nº 1 alínea a) do DL. nº 503/99, de 20 de novembro (Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e as Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública), sendo que resulta simultaneamente dos documentos constantes dos autos que o autor foi aposentado pela Caixa Geral de Aposentações (o que sucedeu por despacho de 23/02/2012 - cfr. Doc. nº 2 junto aos autos por requerimento de 18/09/2017).
3.1.5 Colocado perante os factos relevantes para a decisão da causa, tal como foram trazidos ao processo, e adquiridos em julgamento o julgador, feita a apreciação da prova, descrimina-os na sentença (cfr. artigos 90º nº 1 e 94º nºs 3 e 4 do CPTA e artigo 607º nºs 3 e 4 do CPC).
Foi o que o Tribunal a quo fez.
3.1.6 Já a factualidade que o recorrente ESTADO PORTUGUÊS pretende dever ser dada como provada em substituição do elencado em 17. do probatório, consubstanciando circunstâncias ocorridas não só após a data em que o autor foi aposentado (por incapacidade), mas posteriores ao momento em que a ação foi instaurada e contestada sem que qualquer das partes a tenha alegado em primeira instância, não tendo, assim, a Mmª Juíza do Tribunal a quo sido confrontada com a mesma.
Pelo que não se pode concluir incorrer a sentença recorrida em erro de julgamento motivador da substituição do elencado em 17. dos factos provados nos termos propugnados pelo recorrente ESTADO PORTUGUÊS, nem é de admitir o seu aditamento, enquanto factos supervenientes, que não foram alegados como tal oportunamente (cfr. artigo 86º do CPTA e artigos 588º e 589º do CPC), nem se mostram relevantes para a decisão da causa, tal como foi configurada.
3.1.7 Não há, pois, que proceder à pretendida modificação, não merecendo acolhimento a conclusão 1ª das alegações de recurso.
3.1.8 Propugna também o recorrente ESTADO PORTUGUÊS que deviam ter sido dados como provados, com base na prova testemunhal produzida, o alegado nos artigos 44º e 46º da sua contestação, e que, assim, deve ser aditada a seguinte factualidade, nos seguintes termos (vide conclusões 2ª e 3ª das alegações de recurso):

- «O uso da estrutura para fazer descer a secretária seria a alternativa mais cómoda para o Autor e seus colegas, na medida em que evitaria que os mesmos tivessem que a carregar manualmente pelas escadas»;

- «O R não ordenou nem consentiu essa utilização ou colocou essa estrutura para içar a mesa».

3.1.9 O Recorrente ESTADO PORTUGUÊS alegou com efeito, no artigo 44º da sua contestação, que «O uso da roldana para fazer descer a secretária seria a alternativa mais cómoda para o Autor e seus colegas, na medida em que evitaria que os mesmos tivessem que a carregar manualmente pelas escadas».
Sendo que os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, cuja gravação ouvimos integralmente, que incidiram os seus depoimentos sobre esta matéria (mormente aqueles cuja transcrição é efetuada pelo recorrente nas suas alegações de recurso), por terem estado envolvidos, na ocasião, nas operações de transporte do mobiliário, referem efetivamente que o mobiliário (incluindo a mesa em questão) foi descido pela estrutura elevatória que se encontrava montada no corredor exterior do 1º andar do edifício (cfr. 1. do probatório) e que a alternativa seria usar as escadas do edifício, mas que o peso da secretária, que era muito, tornava muito difícil essa tarefa.
3.1.10 Independentemente dos juízos de valor que possam ser ou não formados a partir deste facto, e das consequências jurídicas que dele possam derivar (o que constituirá já julgamento de direito, e não de facto), a verdade é que foi alegado e submetido a instrução, tendo sido produzida prova testemunhal sobre ele, que deve ser atendida. Aliás, a Mmª Juíza não deu tal facto como «não provado». Simplesmente não o elencou nos factos provados (talvez por se ter focado mais na alegação factual que havia sido feita pelo autor na Petição Inicial e prestado menor atenção ao que foi alegado pelo réu ESTADO PORTUGUÊS na contestação).
3.1.11 O Tribunal a quo, devia, assim, ter atentado no alegado pelo réu no artigo 44º da sua contestação, e produzida prova testemunhal sobre ele, como sucedeu, nos termos em que o foi, sendo os depoimentos testemunhais prestados consentâneos nesse sentido, deve ser dado como provado.
3.1.12 Já não é assim quanto ao segundo dos factos que o recorrente ESTADO PORTUGUÊS pretende dever ser dado como provado com base na prova testemunhal.
Seja porque não corresponde ao que foi alegado no artigo 46º da sua contestação, como invoca (o que alegou no artigo 46º da contestação foi: «o acidente ocorreu dentro do risco normal e permitido de qualquer atividade, sendo que o Réu não potenciou, nem aumentou esse risco», o que se traduz não num facto mas num juízo conclusivo e de valor).
Seja porque em nenhum outro momento processual foi alegado, ainda que às testemunhas tenham sido colocadas perguntas no sentido de saber se foi ordenada ou autorizada a utilização estrutura elevatória que se encontrava montada no corredor exterior do 1º andar do edifício, mas sem que se esteja perante factos instrumentais, ou que sejam complemento ou concretização de outros que tenham sido alegados pelas partes, que houvesse a considerar nos termos do disposto no artigo 5º nº 2 alíneas a) e b) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA.
Seja porque de todo o modo os depoimentos prestados não permitem formar uma convicção firme, ou pelo menos minimamente segura, no sentido pretendido, que é de sinal negativo, já que as respostas das testemunhas, quando confrontadas com tal questão, se apresentam como hesitantes. A este propósito a testemunha T…. referiu do conhecimento dele «não foi ninguém que mandou lá colocar o objeto»; mas também que não estava presente, e não sabe «de quem foi a iniciativa de fazer descer a mesa por aquela estrutura»; a testemunha G….. afirmou que «O chefe foi questionado se podia ser usada a roldana, e ele disse que sim», mas também que «ele (chefe) não disse que era para usar a roldana, disse que podia ser usada» e a testemunha J….., que esteve no local no dia anterior ao sinistro, afirmou que «ninguém deu instruções nenhumas quanto ao modo de descer as coisas».
3.1.14 Assim, merecendo apenas acolhimento parcial as conclusões 2ª e 3ª das alegações de recurso, adita-se aos factos provados o seguinte:

«41 - O uso da estrutura elevatória para fazer descer a secretária seria a alternativa mais cómoda para o Autor e seus colegas, na medida em que evitaria que os mesmos tivessem que a carregar manualmente pelas escadas».
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3.2 Do imputado erro de julgamento quanto à questão da exceção perentória da prescrição
3.2.1 O réu ESTADO PORTUGUÊS invocou na sua contestação ocorrer a exceção perentória da prescrição do direito indemnizatório reclamado pelo autor, com fundamento no decurso do prazo legal de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, nos termos do disposto no artigo 498º nº 1 do Código Civil, ex vi do artigo 5º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro (vide artigos 20º a 38º daquele seu articulado).
Contrapôs o autor na réplica não ocorrer prescrição, por não se aplicar, no caso, o prazo de 3 anos previsto no nº 1 do artigo 498º do Código Civil, mas o prazo mais longo, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, nos termos do qual “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo é este o prazo aplicável” e que na Petição Inicial alegou factos suficientes para caracterizar o crime de «ofensas à integridade física grave por negligência», em virtude do acidente ter sido causado por uma conduta negligente do réu, ilícita e culposa, que foi causa adequada dos danos verificados.
3.2.2 Abordando a exceção perentória da prescrição do direito a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgou-a improcedente.
Decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«O A. veio interpôr a presente acção administrativa comum, na qual formula os seguintes pedidos:
a) Pagar ao A. a diferença entre o salário que auferia à data do acidente e a pensão de aposentação que ficou a receber;
b) Pagar ao A. a indemnização para ressarcimento de danos morais no valor de 60.000,00 ( sessenta mil) euros.

Os pedidos formulados pelo A. fundamentam-se em condita ilícita e culposa que terá gerado o acidente em serviço sofrido pelo A., em 14.03.2008, que entende o A. que gerou danos patrimoniais e não patrimoniais pelos quais deve o R. responder, e pedidos indemnizatórios com recurso ao instituto da responsabilidade civil extra-contratual.
Com relevância para a arguida prescrição do direito à indemnização, dispõe o artº.5º/Lei nº. 67/2007, de 31.12., o seguinte:
“Artigo 5.º Prescrição
O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”

O que significa que a resposta à questão da procedência e/ou improcedência da arguida prescrição do direito de acção a mesma reside no regime contido no artº.498º/CC, preceito legal que no seu nº1, estabelece o seguinte:

“ 1 – O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”

Ora, dos factos provados, conclui-se que:
1º - O acidente teve lugar em 14.03.2008;
2º - O A. já havia interposto acção com o mesmo objecto da presente em 19.07.2012;
3º - A presente acção deu entrada em juízo em 05.03.2013;
4º – O R. foi citado na presente acção, em 08.03.2013;
5º - Na sequência do acidente o A. reformou-se em Março de 2012;
6º - O acidente deveu-se a conduta negligente imputada ao R., que atingiu a integridade física do A., ao ponto de o impedir de continuar no activo como trabalhador, levando-o à reforma.

Mas o que aqui releva é que os factos que traduzem a arguida conduta ilícita e culposa reportam-se ao acidente, e aquele teve lugar em 14.03.2008, data que releva para o início da contagem do prazo estabelecido no artº.498º/1/CC, mas é, ainda, de considerar, ainda, que o A. alegou, e provou, que:

- usaram de estrutura existente no local, que não foi pelo A. e seus colegas colocada;
- a estrutura existente não se mostrava dotada de condições adequadas de molde a evitar o acidente;
- a estrutura cedeu com o peso da secretária no inicio da descida da mesma;
- o acidente em serviço do A. deveu-se ao facto da estrutura ter cedido e ter causado a compressão do A.;
- a responsabilidade da colocação e condições regulares de utilização da estrutura não cabia ao A., nem aos seus colegas;
- não foram cumpridas as devidas regras de segurança, de molde a evitar o ocorrido, isto é, o facto da estrutura ter cedido com o peso da secretária.

A pergunta seguinte é se tais factos, provados, relevam para efeitos de interrupção da prescrição, já que dispõe o artº.498º/3/CC, que:

“ Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”

Provado está que houve violação de regras de segurança, mas o que de per si não é qualificável como crime. Invoca o A. em sede da réplica o crime de ofensas corporais.
Provado está que o acidente que vitimou o A. , o atingiu na sua integridade física, e deu lugar à sua aposentação, o que nos remete para o crime de ofensas corporais graves, previsto no artº.143º/Código Penal, que estabelece o seguinte:
Artigo 143.º (Ofensas corporais graves)
Quem ofender o corpo ou a saúde de outrem, de forma a:
Mutilá-lo gravemente, privando-o de um importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;

a) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a sua capacidade de trabalho, as suas capacidades intelectuais, a sua capacidade de procriação ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;

b) Provocar-lhe doença que ponha em perigo a vida, doença particularmente dolorosa ou permanente, outra enfermidade ou anomalia psíquica grave e incurável ou aborto;

será punido com prisão de 1 a 5 anos.”

A teoria geral da infracção penal decompõe o conceito de crime em cinco elementos:
- a acção (humana),
- típica;
- ilícita;
- culposa;
e punível.

Ensina o Professor Figueiredo Dias (¯Direito Penal, Parte Geral‖, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 244-245) que é preferível na construção do conceito de crime ou facto punível que se privilegie como elemento básico do sistema a compreensão das concretas acções/omissões (dolosas e negligentes) que se apresentam como jurídico-penalmente relevantes e assim se dê primazia à doutrina da realização do tipo de ilícito. Acção ou facto ilícito-típico que só será punível se for culposo, ou seja, se puder ser pessoalmente censurado ao agente, por se revelar (o facto) expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pelo qual este tem de responder.

O tipo de ilícito contém, além do mais, a descrição de uma situação objectiva, de uma conduta ou comportamento humano voluntário (a acção típica) que viola um concreto bem jurídico que o legislador entendeu carecer de tutela penal. Mas, sendo o ilícito típico um ilícito pessoal, dele fazem, necessariamente, parte o dolo (como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo) e a negligência (como violação do dever objectivo de cuidado ou como criação de um risco não permitido).

Temos, então, em elemento subjectivo do tipo ou tipo subjectivo de ilícito (doloso ou negligente) como elemento integrante (a par do tipo objectivo) do tipo incriminador. Este tipo de construção é assumido por uma boa parte dos penalistas portugueses.

Dolo e negligência são entidades complexas, que englobam um conjunto de elementos constitutivos dos quais uns relevam ao nível do tipo de ilícito subjectivo, outros ao nível do tipo de culpa. Sendo o dolo conhecimento/representação e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito e a negligência violação do dever de cuidado ou criação de um risco não permitido, neste conspecto, são elementos do ilícito típico.

Mas, segundo o autor que vimos seguindo, o dolo não se reduz à representação e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito (tal como a negligência não se esgota na violação de um dever objectivo de cuidado).

O dolo exprime uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença do agente perante o dever-ser jurídico-penal. Enquanto, que a negligência é expressão de uma atitude pessoal de descuido ou de leviandade do agente perante o mesmo dever-ser jurídico-penal.

Apurando-se como elementos constitutivos do tipo de culpa (culpa dolosa e culpa negligente). ¯O dolo – escreve o Professor Figueiredo Dias, ob. cit., 257 - é conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo e a negligência violação do dever objectivo de cuidado ou criação de um risco não permitido (…) mas o dolo é ainda expressão de uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença e a negligência expressão de uma atitude pessoal de descuido ou leviandade perante o dever-ser jurídico-penal; e, nesta parte, eles são elementos constitutivos, respectivamente, do tipo de culpa dolosa e do tipo de culpa negligente”. É aquela atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas que o citado autor designa por ¯momento emocional” que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo do dolo, mas que já não pertence ao tipo de ilícito, mas à culpa ou tipo de culpa, traduzindo ¯a vera essência do tipo de culpa doloso‖ (pág. 489). O elemento intelectual do dolo só poderá, pois, afirmar-se ¯quando o agente actue com todo o conhecimento indispensável para que a sua consciência ética se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do seu comportamento».

Em suma: o dolo só existirá quando o agente actue com conhecimento e vontade de realização do tipo-de-ilícito e com conhecimento ou consciência da ilicitude da sua actuação, ou seja, «sempre que o ilícito típico seja fundamentado por uma censurável posição da consciência-ética do agente perante o desvalor do facto, pressuposto que aquela se encontrava correcta e suficientemente orientada para esta» (op. cit., págs. 199/204).

Ora, face à matéria de facto provada dir-se-á que o R. através dos funcionários que instalaram a estrutura e que dela deviam cuidar, não podiam ignorar das condições da mesma, nem tão-pouco do seu carácter não adequado para suportar pesos como o da mesa do acidente; e o que se pode concluir é que não foram provados factos suficientes para provar um conduta dolosa, mas mostra-se provado como verificado uma conduta negligente traduzida na violação do dever de cuidado em duas vertentes:

- dotar a estrutura de condições de segurança, designadamente colocação de espias, reforçando a sua resistência e segurança de utilização;

- impedir a utilização da estrutura por pesos que são incompatíveis com uma utilização prudente e segura.

Além disso, provado está o resultado infligido ao A., como resultado da conduta imputada aos serviços do ora R., e por isso, apura-se a verificação de conduta passível de constituir crime, e por isso, preenche-se a previsão do disposto no artº.498º/3/CC, o que dita a improcedência da arguida prescrição do direito de indemnização pretendido pelo A., já que passando a prescrição a cinco anos ao invés de três, a acção interposta revela-se tempestiva.»

3.2.3 O recorrente ESTADO PORTUGUÊS insurge-se quanto ao assim decidido, defendendo, em suma, que alegado na Petição Inicial, é insuficiente haja preenchimento do tipo legal de crime negligente invocado; que no caso em concreto não se mostram preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência: a violação de um concreto dever objetivo de cuidado, a produção de um resultado típico e a imputação objetiva desse mesmo resultado típico; que da matéria de facto dada como provada não se pode concluir que o réu ESTADO PORTUGUÊS, através dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, tenha violado qualquer dever de cuidado a que estivesse obrigado nem quaisquer das regras de segurança que legalmente lhe cabiam; que o acidente resultou de causa não imputável a qualquer violação de regra de segurança e ocorreu dentro do risco normal da atividade em causa, não tendo o Réu potenciado ou aumentado esse risco, não se verificando os elementos típicos com relevância penal, concluindo que, não estando alegado nem provado o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito em causa, o prazo prescricional a ter em conta nunca poderá ser a constante dos artigos 118º nº 1, alínea c) do Código Penal e 498º nº 3 do Código Civil, o que, ao invés do decidido, devia e deve ditar a procedência da arguida prescrição do direito de indemnização - (vide designadamente conclusões 10ª a 25ª das alegações de recurso).
3.2.4 Como se disse já no acórdão deste TCA Sul de 21/04/2016, proferido nestes mesmos autos, (tendo por objeto de recurso o saneador-sentença de 19/01/2016, pelo qual a Mmª juíza do Tribunal a quo havia absolvido o réu ESTADO PORTUGUÊS do pedido com fundamento na prescrição do direito de indemnização) o autor funda o pedido indemnizatório que formula na presente ação (que faz corresponder, no que tange a danos patrimoniais, à diferença entre o salário que auferia à data do acidente e a pensão de aposentação que ficou a receber e no que respeita a danos morais, na quantia de 60.000,00€), no instituto da responsabilidade civil extracontratual, que convoca e para que remete, como expressamente decorre do que alegou e expôs na petição inicial, em concreto nos artigos 84º a 91º daquele seu articulado.
E é essa a configuração, de pedido indemnizatório formulado ao abrigo do instituto e regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, que o autor dá à sua pretensão. O que foi também reconhecido pelo Tribunal a quo.
A circunstância de o sinistro ocorrido em 14/03/2008, no qual o autor funda o pedido indemnizatório, ter sido qualificado como acidente em serviço (qualificação que, nos termos do disposto no artigo 7º nº 7 do DL. nº 503/99, compete à entidade empregadora), não é inócua. Com efeito ela implicará que deva ser aplicado o regime de acidentes em serviço no que lhe respeite, incluindo quanto ao ressarcimento dos respetivos danos.
Pelo que colocar-se-á, então, a questão de saber se assiste ao autor o direito a obter do ESTADO PORTUGUÊS, através da presente ação, e ao abrigo do regime (geral) da responsabilidade civil extracontratual do Estado (atualmente o decorrente da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro), a indemnização que aqui peticiona pelos alegados danos decorrentes do identificado acidente, qualificado como acidente em serviço, precisamente com vista a cobrir os danos patrimoniais e não patrimoniais não cobertos pelo regime dos acidentes em serviço (o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e as Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública constante do DL. nº 503/99, de 20 de Novembro).
3.2.5 Mas essa é uma questão que se prenderá com a apreciação da bondade da pretensão. Previamente, há que aferir se o direito indemnizatório reclamado pelo autor através da presente ação, foi exercício dentro do respetivo prazo de prescrição, à luz do quadro normativo aplicável, que é o decorrente do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
3.2.6 A prescrição é uma forma de extinção de direitos, que assenta na necessidade de pôr termo à incerteza sobre o seu exercício e na presunção do seu abandono por parte do respetivo titular.
Na base do instituto da prescrição está, portanto, a negligência real ou presumida do titular do direito, que não o exercendo dentro do prazo fixado legítima a presunção de abandono desse exercício (vide, Carlos Alberto da Mota Pinto, in, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, págs. 371).
3.2.7 O prazo da prescrição começa a contar a partir do momento em que o direito pode ser exercido (cfr. artigo 306º nº 1 do Código Civil) sendo que no âmbito específico da prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual o legislador estabelece a presunção de que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do conhecimento de tal direito por parte do lesado (cfr. artigo 498º nº1 do Código Civil), e quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo defendendo que o momento do conhecimento do direito de indemnização pelo lesado se ajusta ao momento do conhecimento dos pressupostos condicionantes da responsabilidade, fazendo assim apelo a um mínimo de objetividade no qual se alicerce a contagem do respetivo prazo (vide, a título ilustrativo Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, volume I, página 585; Almeida e Costa, in, Direito das Obrigações, 4ª edição, página 401; Vaz Serra, in, Prescrição Extintiva e Caducidade, página 199; Vaz Serra, in, Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 95, 96 e 97; Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil Anotado, 4ª edição, volume I, página 503 e os Acórdãos do STA de 27-04-2006, Rec. 0304/05 e de 01-06-2006, Rec. 257/06 in, www.dgsi.pt).
3.2.8 Dispõe o artigo 5º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, sob a epígrafe “prescrição” que “…o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”
O n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil estatui que “…o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.”
Mas dispõe o nº 3 do mesmo artigo que “…se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, este é o prazo aplicável.”
Assim, o artigo 498º do Código Civil fixa no seu nº1 como prazo regra da prescrição do direito de indemnização o de três anos, mas abre as portas, no seu nº 3, a prazos de prescrição extraordinários nos casos em que o facto ilícito que alicerça o pedido de indemnização civil constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo.
3.2.9 Na situação dos autos, perscrutada a Petição Inicial, constata-se nela que o autor fez uma descrição circunstanciada do contexto em que ocorreu o evento danoso (vide designadamente os artigos 5º a 18º e 53º a 58º da Petição Inicial), em termos de tempo, modo e lugar, explicitando concomitantemente em que medida não foram observadas as regras de segurança que no seu entender eram devidas invocando o respetivo quadro normativo (vide designadamente os artigos 59º, 60º, 73º, 74º, 75º, 76º e 77º da Petição Inicial).
3.2.10 O Tribunal a quo, após baixa dos autos na sequência do acórdão deste TCA Sul de 21/04/2016, após delimitação do objeto da ação e enunciação dos temas da prova, levou a cabo audiência de discussão e julgamento (cfr. respetiva ata de 19/01/2018), na sequência do que foi proferida a sentença de 21/02/2018, objeto do presente recurso, na qual foi fixada a matéria de facto dada como provada após instrução.
3.2.11 Entre a matéria de facto dada como provada nos autos (incluindo já a alteração supra efetuada), está a seguinte:
– O A. no dia do acidente estava a cumprir ordens de transporte de mobiliário, bem como ao usar a estrutura existente no local de acidente, correspondente a estrutura elevatória montada no corredor exterior do 1º andar do edifício do ISCA - (cfr. facto nº 4);

– A estrutura elevatória estava suspensa numa roldana por onde circulavam as cordas, às quais foi amarrada a mesa, com mais de 80 kg - (cfr. facto nº 5);

– A estrutura dispunha de um barrote de madeira vertical, até ao tecto, preso ao gradeamento – (cfr. facto nº 6);

– O barrote a tábua que sustentava e permitia o funcionamento da estrutura elevatória não estavam espiados com cordas ou cabos – (cfr. facto nº 7);

– O sinistro ocorrido e do qual o A. padeceu foi resultado da estrutura ter cedido e ter sido o A. atingido pela estrutura e ter embatido no gradeamento de ferro – (cfr. facto nº 8);

– O A. e os colegas que compunham a sua equipa usaram de estrutura existente no local, que não foi pelo A. e seus colegas colocada – (cfr. facto nº 9)

– A estrutura cedeu com o peso da secretária no início da descida da mesma – (cfr. facto nº 10)

– O acidente que vitimou o A. deveu-se ao facto da estrutura ter cedido e ter causado a compressão do A. – (cfr. facto nº 11);

– No dia 14.03.2008, cerca das 10H20, o A. acompanhado de mais dois colegas de trabalho, no ISCP, utilizou estrutura elevatória existente no local, no corredor exterior do 1º andar – (facto nº 12);

– O A. com os seus dois colegas, e ainda com a ajuda de mais dois cadetes do Instituto, começaram a içar uma mesa com pelo menos 80 kg de peso, estrutura que cedeu a veio a atingir o A. na cabeça, e foi ainda atingido na zona lombar pela roldana – (facto nº 13)

– O uso da estrutura elevatória para fazer descer a secretária seria a alternativa mais cómoda para o Autor e seus colegas, na medida em que evitaria que os mesmos tivessem que a carregar manualmente pelas escadas – (facto nº 41).

3.2.12 É perante o contexto factual que for concretamente provado nos autos que deve ser aferido se se encontram verificados, no caso, os pressupostos do ilícito criminal que haverá de justificar a extensão do prazo prescricional nos termos do artigo 498º nº 3 do Código Civil por remissão do artigo 5º da Lei nº 67/2007.
Pelo que a primeira observação que há a fazer é que a consideração feita na sentença recorrida, a propósito do contexto factual do acidente, de que dos factos provados se conclui que ele se deveu «a conduta negligente imputada ao R., que atingiu a integridade física do A., ao ponto de o impedir de continuar no activo como trabalhador, levando-o à reforma» traduz um juízo conclusivo, de natureza valorativa, sem que se suporte, ou pelo menos se mostre suportado, juridicamente.
O mesmo sucedendo com a afirmação de que «Provado está que houve violação de regras de segurança», já que em momento algum a sentença recorrida explicita quais sejam. Pelo que estava por apurar o concerto ilícito imputável ao ESTADO PORTUGUÊS, por via do comportamento dos seus titulares de órgãos, funcionários ou agentes.
3.2.13 Ora na situação dos autos, o que em primeiro lugar importava aferir era se o concreto contexto concretamente factual apurado permitia concluir pela verificação de factos ilícitos e culposos integradores da obrigação de indemnizar, à luz do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007.
Atenha-se que nos termos do artigo 9º do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais entidades públicas (Lei nº 67/2007) consideram-se ilícitas “…as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”. Sendo que também existe ilicitude “…quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”, ou seja “…quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço” (vide, entre outros, o acórdão deste TCA Sul de 24/11/2016, Rec. nº 10241/13, in, www.dgsi.pt/jtca).
E que a respeito da culpa prescreve o artigo 10º da Lei nº 67/2007 que “…a culpa dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor” (nº 1).
3.2.14 E porque estava em causa saber se o direito à indemnização reclamada não estava prescrito por o autor beneficiar da extensão do prazo prescricional nos termos do artigo 498º nº 3 do Código Civil (por remissão do artigo 5º da Lei nº 67/2007), impunha-se também averiguar se o ilícito (civil), isto é, os factos que o consubstanciam, integravam simultaneamente os pressupostos do alegado ilícito criminal.
3.2.15 A sentença recorrida respondeu positivamente, afirmando que «…face à matéria de facto provada dir-se-á que o R. através dos funcionários que instalaram a estrutura e que dela deviam cuidar, não podiam ignorar das condições da mesma, nem tão-pouco do seu carácter não adequado para suportar pesos como o da mesa do acidente; e o que se pode concluir é que não foram provados factos suficientes para provar uma conduta dolosa, mas mostra-se provado como verificado uma conduta negligente traduzida na violação do dever de cuidado em duas vertentes:

- dotar a estrutura de condições de segurança, designadamente colocação de espias, reforçando a sua resistência e segurança de utilização;

- impedir a utilização da estrutura por pesos que são incompatíveis com uma utilização prudente e segura.»

3.2.16 A alegação feita pelo autor na Petição Inicial no sentido de não terem sido observadas as regras de segurança, que no seu entender eram devidas, reportou-se ao quadro normativo que invocou ser o constante dos artigos 3º alínea a), 14º nº 1, 31º alínea a) e 34º nº 2 do DL. nº 50/2005, de 25 de fevereiro (diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, aplicável à administração pública central, regional e local, aos institutos públicos e às demais pessoas coletivas de direito público – cfr. artigo 1º nºs 1 e 2), os quais dispõem o seguinte:

“Artigo 3.º
Obrigações gerais do empregador
Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
(…)”
“Artigo 14.º
Estabilidade e rotura
1 - Os equipamentos de trabalho e os respetivos elementos devem ser estabilizados por fixação ou por outros meios sempre que a segurança ou a saúde dos trabalhadores o justifique.
(…)»
“Artigo 31.º
Disposições gerais
A fim de proteger a segurança dos operadores e de outros trabalhadores, os equipamentos de trabalho devem:
a) Ser instalados, dispostos e utilizados de modo a reduzir os riscos;
(…)»
«Artigo 34.º
Elevação de cargas não guiadas
(…)
2 - Durante a utilização de equipamentos de trabalho móveis de elevação de cargas não guiadas devem ser tomadas medidas para evitar o basculamento, o capotamento, a deslocação e o deslizamento dos equipamentos e deve ser controlada a sua correta aplicação.
(…)»

3.2.17 Ora, distintamente do que foi concluído na sentença recorrida, não existem elementos factuais apurados no processo que permitam chegar à asserção de que a estrutura elevatória montada no local não era «adequada para suportar pesos como o da mesa do acidente», por simplesmente nada se ter provado nesse sentido.
E nada se provou, também, quanto à finalidade para a qual foi montada essa estrutura, designadamente se o foi para a movimentação de mobiliário de (ou para) o 1º andar do edifício, ou para a movimentação de materiais de obra, a que as testemunhas aludiram terem sido por ela também içadas.
Como também não se apurou quais as condições de segurança que deviam ter sido adotadas, e não foram, seja na instalação, seja no manuseamento, da estrutura elevatória.
Na verdade, quanto à estrutura elevatória que existia no local e que foi utilizada, o que se apura nos autos é que nela estava suspensa uma roldana, por onde circulavam as cordas, às quais foi amarrada a mesa; que a estrutura dispunha de um barrote de madeira vertical, até ao tecto, preso ao gradeamento; que o barrote, a tábua que sustentava e permitia o funcionamento da estrutura elevatória, não estavam espiados com cordas ou cabos.
3.2.18 Por outro lado, é necessário que se verifique nexo de causalidade adequada entre a regra de segurança concretamente omitida e o evento danoso.
E na situação dos autos apenas o que se apurou foi que a estrutura cedeu com o peso da secretária quando esta estava a ser descida para o piso inferior.
3.2.19 E o ónus de alegação e prova dos factos que constituirão a violação das regras de segurança, e dos que haverão de permitir o estabelecimento do respetivo nexo causal (entre a regra de segurança violada e o evento danoso), com vista a obter indemnização pela integralidade do danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente, qualificado como acidente em serviço, mas não cobertos pelo regime dos acidentes em serviço, incumbe ao autor, reclamante da indemnização, de acordo com a regra do ónus da prova (cfr. artigo 342º nº 2 do Código Civil), por se tratarem, precisamente, de factos constitutivos do direito indemnizatório invocado.
Neste sentido, vide a tal respeito, ainda que no âmbito do regime de reparação dos acidentes de trabalho civilistas:
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2018, Proc. n.º 750/15.7T8MTS.P1.S1, em que se sumariou, designadamente, que «O ónus da alegação e da prova dos factos que constituem a violação das regras de segurança incumbe aos beneficiários do direito à reparação e à seguradora, por, relativamente aos primeiros (quando peticionada esta reparação especial) serem factos constitutivos do direito invocado, e por, relativamente à segunda (quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade) por serem factos modificativos/extintivos da sua responsabilidade
- o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/07/2012, Proc. n.º 236/10.6TTEVR.E1, onde, entre o demais, se sumariou que «Para que se verifique a responsabilidade da entidade empregadora pela reparação do acidente de trabalho, nos termos previstos nos artigos 18.º e 79.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, é necessário que se prove: (i) que a entidade empregadora se encontrava obrigada a observar determinadas regras de segurança, que não observou; (ii) que foi o desrespeito dessas regras de segurança que deu origem ao evento danoso (acidente).»;
- o acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/05/2015, Procº n.º 220/11.2TTTVD.L1.S1, onde se sumariou designadamente que «a imputação à entidade empregadora da responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho decorrente de violação de normas de segurança, nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) que sobre a empregadora recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; b) que aquela as não haja, efetivamente, cumprido: c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente».
3.2.20 Na situação dos autos o que se apura é que a estrutura elevatória cedeu quando por ela se encontrava a ser descida a secretária.
Mas não obstante se constatar o seu peso elevado, de mais de 80 Kg (que também terá motivado que ela se encontrasse a ser manobrada por três pessoas, o autor e seus dois colegas, contando ainda com a ajuda de mais dois cadetes do Instituto), nada se provou que permita concluir que a estrutura elevatória, mormente tal como se encontrava montada, não era adequada para suportar tal peso. Nem que, assim, deviam ter sido adotadas duas medidas alternativas, ou dotar a estrutura de condições de segurança, designadamente através da colocação de espias, reforçando a sua resistência e segurança de utilização ou impedindo a utilização da estrutura por pesos incompatíveis com uma utilização prudente e segura.
3.2.19 Sabemos hoje que se a secretária não tivesse sido transportada do 1º andar para o piso térreo através daquela estrutura elevatória garantidamente o acidente não teria ocorrido.
Mas do facto de a estrutura ter cedido, desencadeando o acidente (sendo que as concretas causas do colapso não estão descritas nem foram apuradas, designadamente desconhece-se os mecanismos pelos quais o barrote se encontrava preso ao gradeamento, se esse barrote se desprendeu do gradeamento ou se se partiu ou fraturou), não pode fazer-se um juízo, que será sempre ligeiro e meramente superficial, de que se tivesse sido impedida a utilização daquela estrutura elevatória para transportar a secretária o acidente não se dava, nem se pode retirar daí que ao não ter sido estabelecida tal proibição (ou restrição) foi incumprida uma regra de segurança.
3.2.21 Aqui chegados, tem pois que concluir-se que a sentença recorrida errou ao considerar terem sido incumpridas (culposamente) regras de segurança, integradoras do ilícito civil (originando a obrigação de indemnizar integralmente os danos decorrentes do acidente em serviço ao abrigo do regime geral da responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos) e do ilícito penal.
Pelo que, inverificado este, não beneficiava o autor da extensão do prazo de caducidade por efeito do disposto no artigo 498º nº 3 do Código Civil, ex vi do artigo 5º da Lei nº 67/2008, estando o peticionado direito à indemnização já prescrito, por a ação ter sido instaurada e o réu para ela citado após o prazo de três previsto no nº 1 do artigo 498º.
3.2.22 Deve, pois, revogar-se a decisão de improcedência da invocada exceção perentória da prescrição, e em substituição, reconhecendo-a, absolver o réu ESTADO PORTUGUÊS do pedido.
O que se decide.
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3.3 Do invocado erro de julgamento quanto à decidida procedência do pedido indemnizatório
Em face do supra decidido quanto à questão da prescrição, fica prejudicado o conhecimento deste imputado erro de julgamento, de que, assim, nos abstemos de conhecer.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional revogando-se a decisão recorrida e, reconhecendo a prescrição do direito indemnizatório, absolver o réu do pedido.
~
Custas pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 18 de outubro de 2018
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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)


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Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues Almada Araújo


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Paulo Heliodoro Pereira Gouveia