Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1078/20.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL;
PENHOR;
INVENTÁRIO.
Sumário:O despacho que considerou inidónea a garantia oferecida do penhor do inventário padece de erro nos pressupostos de facto, porque não considerou que, naquele, estavam relacionados, além dos veículos automóveis, outros bens.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação de judicial apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT, pela sociedade «M......, LDA» contra o despacho do Diretor de Finanças Adjunto, datado de 17.07.2020, que indeferiu o pedido de aceitação de garantia e o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia, no âmbito do processo de execução fiscal n.°………., instaurado para cobrança de dívida de IVA do ano de 2016, no valor total de € 744.094,40.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

« I. O Reclamante veio interpor reclamação ao abrigo do artigo 276.° do CPPT, contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finança de Alenquer que indeferiu o pedido de aceitação de garantia e o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia, no âmbito do processo de execução fiscal n.°…………, instaurado para cobrança de dívida de IVA do ano de 2016. Pela sentença, ora recorrida, veio o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo conceder provimento à Reclamação apresentada e, consequentemente, anular o despacho reclamado.

II. Como resulta do probatório, designadamente do seu ponto 12 que integra a informação prestada pela DF Lisboa ao OEF, a Reclamante ofereceu como garantia a constituição de penhor sobre o seu inventário, o qual “integra maioritariamente bens sujeitos a registo, em concreto veículos automóveis’’.

III. Está aqui em causa a garantia prevista no art.° 666°, n°1 do Código Civil, preceito este referente à noção de penhor, que dispõe:

"1. O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro".

IV. Incidindo o penhor sobre certa coisa móvel não suscetível de hipoteca, vem o DL n.° 74/75, de 12 de fevereiro que regula o sistema de registo da propriedade automóvel referir no seu art.° 4° n.° 1 que “Os veículos automóveis podem constituir objeto de hipotecas legais, judiciais ou voluntárias”. A insusceptibilidade de penhor sobre esta categoria de bens móveis, vem ainda reforçada no corpo do art.° 8° deste mesmo diploma: “Os veículos automóveis não podem ser objecto de penhor”.

V. Tal insusceptibilidade de penhor dos veículos automóveis, expressamente querida pelo legislador, não se afigura derrogável ainda que bens desta natureza estejam inseridos num acervo de bens que o contenham, pois que a lei não procede a esta distinção. Nesta senda, a analogia referida na sentença ora recorrida no sentido de equiparar o inventário de uma empresa ao estabelecimento comercial como forma de justificar a penhorabilidade daquele assenta em pressupostos erróneos.

VI. Com efeito, cumpre atentar na distinção entre ambas as realidades. O estabelecimento comercial é um conceito jurídico, em certa medida estabilizado na doutrina/jurisprudência, sendo de atentar que o valor do mesmo é de complexa fixação por não corresponder a uma mera soma dos seus elementos, conforme se extrai do acórdão de 18/04/2002 do STJ (proc. n.° 02B538):” I - O estabelecimento comercial, envolve um conceito normativo, cuja identidade se revela através da funcionalidade económica e destino comercial, industrial ou agrícola, de prestação de serviço, ou outro fim empresarial lícito como objecto negocial de livre circulabilidade como individualidade de direito, e diferente da soma atomística das partes dos seus valores componentes. II - Não é essencial que a organização comercial esteja em movimento, essencial é que a estrutura organizativa esteja potencialmente apta ou vocacionada, à funcionalidade e ao destino”. Já no que respeita ao inventário de uma empresa, estamos em presença de um conceito contabilístico, que segundo a NCRF 18 (norma contabilística de relato financeiro) corresponde a ativos que estejam numa das seguintes condições: a) Detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial; b) No processo de produção para tal venda; ou c) Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços (cfr. § 6 da referida norma contabilística). É de notar que a sua mensuração deve ser realizada através do seu custo ou do seu valor realizável líquido (cfr. § 9 da mesma NCRF).

VII. A sentença recorrida pretende justificar a possibilidade de constituição de penhor sobre os bens móveis sujeito a registo (veículos automóveis) em causa pelo facto de os mesmos estarem inseridos no inventário da Reclamante, sendo esta a realidade que estaria subjacente à constituição de penhor, porquanto considera ser uma realidade patrimonial equivalente ou análoga ao estabelecimento comercial (este sim suscetível de penhor). Oblitera, porém, o Tribunal recorrido que a natureza de ambos os conceitos é distinta: uma de natureza eminentemente jurídico-normativa que justifica o seu tratamento como coisa passível de ser objeto de direitos (o estabelecimento comercial), a outra de natureza eminentemente contabilística, relevante para efeitos de relato financeiro o qual visa cumprir os objetivos informativos inerentes à contabilidade (o inventário).

VIII. O Órgão de Execução Fiscal, ao recusar a prestação de garantia através da constituição de penhor sobre o inventário da Reclamante, teve presente a concreta garantia oferecida na medida em que notou que o valor patrimonial do inventário era maioritariamente composto por veículos automóveis, e uma vez que estava em causa bens móveis sujeitos a registo, o juízo de idoneidade a emitir passaria também pela legalidade da constituição da garantia segundo as normas supra referidas, designadamente o disposto no art.° 666°, n°1 do Código Civil e o disposto nos art.°s 4°/n.°1 e 8° do o DL n.° 74/75, de 12 de fevereiro, pelo que o despacho em causa respeitou o direito constituído e não violou o disposto nos artigos 52.° n.° 2 da LGT e 199.° n.° 2 do CPPT.

IX. Portanto, mal esteve o Tribunal a quo ao entender que o despacho que indeferiu o pedido de aceitação de garantia violou o disposto nos artigos 52.° n.° 2 da LGT e 199.° n.° 2 do CPPT, concluindo pela sua anulação; ao manifestar tal entendimento, a sentença recorrida procedeu a uma errónea interpretação do disposto no art.° 666°, n°1 do Código Civil e ainda do disposto nos art.°s 4°/n.°1 e 8° do o DL n.° 74/75, de 12 de fevereiro, pelo que deve ser revogada e substituída por acórdão que reconheça a legalidade da decisão que recusou a prestação de garantia nos termos propostos pela Reclamante.

X. Por outro lado, e na sequência do entendimento supra explanado acerca da legalidade da decisão atinente à recusa da garantia oferecida pela Reclamante, a Fazenda Pública entende não estarem reunidos os pressupostos para a dispensa parcial de prestação garantia relativamente ao restante da dívida exequenda que não venha a estar garantida através da constituição de penhor sobre o inventário da Reclamante.

XI. Decorre do ponto 12 do probatório que o OEF baseou o indeferimento no seguinte entendimento ínsito na informação que lhe foi prestada: “ Atento o exposto no ponto anterior, uma vez que, nesta fase, não dispomos de todos os elementos necessários à avaliação da (in)suficiência dos bens da Reclamante suscetíveis de constituir garantia, a eventual apreciação de isenção parcial de prestação de garantia só poderá ser aferida numa fase posterior, após constituição de nova garantia e subsequente avaliação ( sem olvidar que a requerente detém na sua disponibilidade bens que poderão constituir garantia da dívida aqui em apreço)’’.

XII. Ora, claro está que o entendimento vertido na no trecho da informação supra transcrito remete para o que foi explanado acerca da recusa da garantia parcial da dívida exequenda através da constituição de penhor sobre o inventário da Reclamante, pois a referência feita na aludida informação através da expressão “Atento o exposto no ponto anterior" está diretamente a fazer remissão para o ponto “E) Da análise da garantia prestada". E nesta medida, o OEF esclarece que sendo peticionado uma dispensa parcial da prestação de garantia, tal dispensa não poderá se alhear do montante que estará já garantido na execução fiscal.

XIII. Assumindo o OEF que inexistia ainda, de forma efetiva, naquele momento, uma garantia parcial da dívida aceite nos autos executivos, não poderia concluir que os autos reúnem todos os elementos factuais pertinentes para apreciar esta parte da pretensão da Reclamante recorrida, sendo assim legal a conclusão alcançada pelo OEF no sentido de considerar que naquela fase não estaria preenchido o requisito de insuficiência (in casu parcial) de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, tal como previsto no art.° 52.°, n.° 4 da LGT.

XIV. Ao entender de forma diversa, a sentença recorrida fez uma incorreta apreciação da matéria factual explicitada no probatório (designadamente no seu ponto 12) à luz do direito aplicável, tendo assim violado o disposto nos n.°s 1, 2 e 4 do art.° 52° da LGT, e incorrendo em erro de julgamento, devendo também nesta parte ser revogada. 

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, com exceção da parte que julga extinta parcialmente a Reclamação, por impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido e anulação de ato de penhora sobre saldo de conta bancária.

Assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!


TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO RELATIVAMENTE AOS ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL ACIMA IDENTIFICADOS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»

A Recorrida notificada do recurso interposto, apresentou as suas contra-alegações, concluindo, nos termos que se reproduzem:

«A) A FAZENDA PÚBLICA apresentou recurso da Sentença proferida, em 23 de dezembro de 2020, pelo Tribunal Tributário de Lisboa («Tribunal a quo»), na parte em que se pronunciou acerca da reclamação apresentada, pela RECORRIDA, ao abrigo do disposto no artigo 276.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário («CPPT»), e que julgou procedente o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do despacho, de 17 de julho de 2020, do Senhor DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO, da DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA, que indeferiu o pedido de aceitação de garantia e o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia, no âmbito do processo de execução fiscal n.°………….., instaurado para cobrança coerciva de dívida de IVA do ano de 2016.

B) A FAZENDA PÚBLICA fundamenta o seu recurso no argumento de que a garantia apresentada, sob a forma de penhor de inventário, não é idónea, uma vez que a grande parte dos bens que compõe o inventário da RECORRIDA são veículos automóveis e que, pelo facto destes bens se tratarem de bens móveis sujeitos a registo não podem ser objeto de penhor.

C) Quanto ao pedido de dispensa (parcial) da prestação de garantia, a FAZENDA PÚBLICA alega que o órgão de execução fiscal só estará em condições de o apreciar quando houver já, efetivamente, uma garantia avaliada e prestada no processo de execução fiscal pois, só posteriormente, se poderá aferir da possibilidade de dispensa do remanescente (cf. pontos 21, 22 e 23 das alegações de recurso).

D) No entendimento da FAZENDA PÚBLICA, só depois de existir uma garantia prestada e aceite pela Administração tributária é que o órgão de execução fiscal estará em condições de apreciar a (in)suficiência de bens penhoráveis (in casu parcial), que constitui pressuposto essencial da referida dispensa de prestação de garantia (cf. ponto 24 das alegações de recurso).

E) Contudo, não poderá proceder o entendimento preconizado pela FAZENDA PÚBLICA nas suas alegações de recurso, devendo ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

F) A RECORRIDA informou o Serviço de Finanças de Alenquer que pretendia prestar garantia sob a forma de penhor mercantil sobre o seu inventário, uma vez que não possuía, no seu ativo, quaisquer outros bens suscetíveis de assegurar o pagamento da dívida e que lhe tinha sido recusada a emissão de garantia bancária para esse efeito.

G) Ora, o penhor mercantil prestado pelo próprio executado constitui uma garantia suscetível de assegurar os créditos em sede de execução fiscal.

H) De resto, o penhor encontra-se inclusivamente previsto no artigo 199.°, n.° 2, do CPPT, enquanto garantia suscetível de ser considerada idónea.

I) No que respeita à qualificação do penhor, o artigo 666.°, n.° 1, do Código Civil, prevê que o penhor é uma das garantias especiais das obrigações, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

J) É pacífico na doutrina e na jurisprudência que a menção a «certa coisa móvel» exige apenas a necessidade de o objeto do penhor não ser «abstrato», mas concreto, não no sentido de determinado, mas no sentido de apreensível, identificável ou suscetível de determinação.

K) Podem ser objeto de penhor, as universalidades de facto que constituam «coisas compostas», assim como, o poderão ser, igualmente, as coisas fungíveis, tal como previstas nos artigos 206.° e 207.° do Código Civil.

L) A constituição de um penhor permite que o credor pignoratício, em caso de incumprimento, se aproprie da coisa ou do direito empenhado, pelo valor que resulte da avaliação realizada após o vencimento da obrigação e, dessa forma se faça pagar do valor da dívida.

M) O penhor mercantil é válido, mesmo sem a entrega dos bens de equipamento, ficando o proprietário mero detentor (neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 28 de junho de 2005, no processo n.° 0426760).

N) Assim, constituindo o penhor mercantil de bens uma garantia idónea para efeitos de suspensão da execução fiscal, não pode a Administração tributária recusá-la se a mesma se revelar apta a garantir, ainda que parcialmente, os créditos tributários.

O) Neste contexto, a RECORRIDA prestou garantia (ainda que parcial) sob a forma de penhor mercantil sobre o seu inventário, o qual é constituído quer por veículos automóveis que por outros bens móveis, razão pela qual o penhor constituído incidiu sobre a universalidade de bens que compõe esse inventário.

P) E, no que respeita à definição de Inventário, o parágrafo 6 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 18, refere que «Inventários (existências): são activos:

(a)Detidos para venda no decurso ordinário da actividade empresarial;

(b)No processo de produção para tal venda; ou

(c)Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços».

Q) De onde resulta que, os veículos automóveis que constituem o inventário da RECORRIDA são meras mercadorias, que se destinam a ser comercializadas no âmbito da sua atividade.

R) Com bem referiu O Tribunal ã quo, «cremos, ser pacífico aceitar que uma garantia - como sucede com o penhor - pode incidir sobre o inventário de uma empresa, enquanto universalidade de bens perfeitamente autonomizáveis e identificáveis, não existindo qualquer impedimento legal nesse sentido (cfr., neste sentido, acórdão do STA, de 23-05-2019, proc. 0827/18.7BELRA, disponível em www.dgsi.ptl».

S) No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado pelo Tribunal a quo, refere-se, pois, que «não existe na lei qualquer impedimento absoluto, relativo ou parcial que limite a possibilidade de penhora ou constituição de garantia sobre o inventário de uma pessoa colectiva».

T) A Administração tributária não contesta a possibilidade de constituição de garantia através de penhor de inventário. Aquilo que a Administração tributária contesta é a possibilidade de ser constituído penhor sobre um inventário que contenha, no todo ou em parte, bens que, individualmente considerados, não possam ser objeto de penhor, como é o caso dos veículos automóveis.

U) No entanto, há que distinguir a circunstância referente à prestação de garantia sobre bens móveis concretos e determinados, daquela em que a garantia é prestada sobre uma universalidade de bens fungíveis, e neste âmbito, a posição assumida pela Administração tributária parece configurar uma confusão entre duas realidades jurídicas distintas.

V) É perfeitamente admissível a possibilidade de constituição de garantia sobre bens móveis de natureza composta ou fungível, o que, no caso de uma determina empresa, poderá ser o caso das matérias-primas, produtos intermédios na cadeia produtiva, produtos finais, os denominados stocks, entre outros, que constituem uma fonte de geração de riqueza e, como tal, um instrumento essencial para o desenvolvimento da atividade dessas empresas.

W) A penhora dos bens que integram o inventário ou ativo das empresas encontra-se prevista no artigo 221.°, n.° 2, do CPPT, no qual se prevê que «A penhora de bens móveis que façam parte do ativo de sujeitos passivos de IVA, ainda que dele isentos, pode ser feita mediante notificação que discrimine os bens penhorados e identifique o fiel depositário».

X) Por seu turno, o n.° 4 do referido preceito legal refere que «A penhora efetuada nos termos do disposto no n.° 2 não obsta a que o executado possa dispor livremente dos bens, desde que se trate de bens de natureza fungível e assegure a sua apresentação, no prazo de cinco dias, quando notificado para o efeito pela administração tributária».

Y) Se a penhora, realizada pela Administração tributária, de uma universalidade de bens que tenham natureza fungível, assume uma realidade distinta, e um procedimento diferenciado, da penhora de um bem concreto e determinado, também assim terá de suceder, por maioria de razão, com a constituição de penhor.

Z) Em suma, nada impede que a RECORRIDA possa constituir um penhor sobre o seu inventário, constituído por uma universalidade de bens fungíveis, detidos para venda, ainda que essa universalidade possa integrar veículos automóveis.

ÁÁ) Acresce que, no ato de constituição do penhor, e atendendo ao facto de o penhor sobre o inventário traduzir uma garantia sobre uma universalidade de bens fungíveis, a própria RECORRIDA obrigou-se a manter, durante o tempo em que vigorar o penhor mercantil, um inventário com valor global idêntico àquele que foi indicado para efeitos de constituição de garantia.

BB) Pelo que, como bem referiu o Tribunal a quo, caso o órgão de execução fiscal constate a ocorrência de uma redução do valor do inventário, em relação ao valor garantido, aquele poderá exigir ao executado o reforço da garantia, ou a prestação de nova garantia idónea, nos termos previstos no artigo 52.°, n.° 3, da LGT, e nos artigos 169.°, n.° 8, e 199.°, n.° 5, do CPPT.

CC) Por outro lado, nada obsta, também, que o órgão de execução fiscal, em caso de incumprimento do executado, possa converter o penhor sobre inventário em penhora.

DD) A este respeito, como referiu o Tribunal a quo - e como, de resto, foi deliberado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo supra citado, de 22 de maio de 2019, proferido no processo n.° 0827/18.7BELRA - a impenhorabilidade prevista no artigo 737.°, n.° 2, do CPC, (isenção de penhora dos instrumentos de trabalho e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado) não se aplica às pessoas coletivas.

EE) Importa igualmente ter em conta que a constituição de hipoteca sobre os veículos que também integram o inventário da RECORRIDA impediria a mesma de exercer a sua atividade, uma vez que, dedicando-se esta à compra e venda de automóveis, ficaria impossibilitada de transacionar a sua mercadoria. 

FF) Por outro lado, importa ter em conta que, nos termos do citado acórdão do STA de 22 de maio de 2019 (0827/18.7BELRA), caso o executado disponha de bens em inventário, os quais são considerados bens penhoráveis, não poderá preencher - por esse motivo - os pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia, ou seja, a «manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido» a que alude o artigo 52.°, n.° 4, da LGT.

GG) Foi, de resto, por essa razão que a RECORRIDA não requereu a dispensa total de prestação de garantia.

HH) Por último, regista-se que nada obsta que o executado preste garantia sobre esse inventário mediante o mecanismo jurídico que lhe for menos gravoso, no que respeita ao condicionamento do exercício da atividade, e que, ainda assim, garanta - em caso de necessidade de execução da garantia pela Administração tributária - a possibilidade de cobrança coerciva e satisfação da dívida.

II) Em suma, tendo o juízo de idoneidade da garantia, realizado pela Administração tributária, assentado, única e exclusivamente, no facto de o inventário ser composto (parcialmente) por veículos automóveis, não tendo a mesma realizado, sequer, qualquer diligência de avaliação dos referidos bens do inventário, a decisão que indeferiu a garantia prestada pela RECORRIDA é ilegal, como bem decidiu o Tribunal a quo.

JJ) Em face de todo o exposto, deve ser negado provimento ao recurso e mantida a Sentença recorrida.

KK) Quanto ao pedido de dispensa (parcial) da prestação de garantia, a FAZENDA PÚBLICA alega que o órgão de execução fiscal só estará em condições de o apreciar quando houver já, efetivamente, uma garantia avaliada e prestada no processo de execução fiscal pois, só posteriormente, se poderá aferir da possibilidade de dispensa do remanescente (cf. pontos 21, 22 e 23 das alegações de recurso).

LL) No entanto, não poderá proceder o recurso interposto pela FAZENDA PUBLICA, quanto a este segmento, pois, como bem decidiu O Tribunal a quo, «tendo a Reclamante demonstrado, face ao valor total do activo, a insuficiência de bens económicos para prestar garantia, atendendo a que a Administração tributária nada alegou, e muito menos demonstrou, como lhe competia, a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa da Reclamante, nem dos autos resulta qualquer evidência de dissipação dolosa de património por parte da Reclamante, reunidos os pressupostos para que a Reclamante pudesse beneficiar da dispensa parcial da prestação de garantia conforme havia requerido.

Em suma, a Reclamante provou, como lhe competia, um dos requisitos alternativos para a dispensa da prestação de garantia — insuficiência de bens. Por seu turno, não ficou demonstrada, pela Administração Tributária, a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa da Executada».

MM) Ora, O artigo 52.°, n.° 4, da LGT, prevê que «A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.»

NN) Como ficou provado nos Autos, a RECORRIDA requereu à Administração tributária a aceitação de uma garantia parcial (penhor mercantil sobre inventário) e solicitou a dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente, demonstrando, para esse efeito, a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.

OO) Tendo a RECORRIDA demonstrado o preenchimento de um dos dois pressupostos de que depende a isenção de prestação de garantia, concretamente, a manifesta falta de meios económicos relevada pela insuficiência de bens penhoráveis e, não tendo a Administração tributária invocado que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, encontravam-se reunidos os pressupostos de que depende a referida dispensa.

PP) Como expressamente referiu o Tribunal a quo, a RECORRIDA apresentou o seu balanço contabilístico e, do mesmo, é possível concluir que o valor total do ativo da sociedade é inferior ao valor da garantia a prestar.

QQ) Por outro lado, a Administração tributária não solicitou quaisquer informações ou elementos adicionais.

RR) Nestes termos, a Administração tributária estava em condições de apreciar e decidir sobre a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, não podendo proceder o argumento segundo o qual após a efetiva aceitação da garantia é que se poderá avaliar e decidir sobre a isenção de garantia quanto ao remanescente, pois, independentemente, de qualquer acréscimo ou redução no valor da garantia efetivamente prestada no processo de execução fiscal, o património da RECORRIDA será sempre aquele do qual foi feita prova, pela mesma, com o pedido de dispensa de garantia (apresentado no prazo de 15 dias previsto no artigo 170.°, n,° 1, do CPPT).

SS) Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pela FAZENDA PÚBLICA e mantida a sentença recorrida, com as demais consequências legais.

TT) Por último, entende a RECORRIDA que, atendendo à complexidade da causa, e uma vez que a sua conduta processual não se afigura merecedora de censura nem foram utilizados quaisquer meios que possam ser reputados de inúteis, desadequados ou dilatórios, deverá ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que o valor a pagar é desproporcional tendo em conta a tramitação processual e a utilidade económica da ação, ou, caso assim não se entenda, deverá o valor a pagar ser substancialmente reduzido, nos termos do disposto no artigo 6.°, n.° 7 do Regulamento das Custas Processuais.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS NÃO DEIXARÃO DE SUPRIR, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA, MANTENDO-SE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO.

MAIS SE REQUER A DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 6.º, N.° 7, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central, pugnou no seu douto parecer pela improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, dada a natureza do processo, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se:
(i) a sentença recorrida procedeu a uma errónea interpretação do disposto no artigo 666.°, n°1 do Código Civil e ainda do disposto nos artigos 4.° n.°1 e 8° do o DL n.° 74/75, de 12 de Fevereiro;
(ii) a sentença recorrida fez ou não uma incorreta apreciação da matéria factual explicitada no probatório (designadamente no seu ponto 12) à luz do direito aplicável, tendo assim violado o disposto nos n.°s 1, 2 e 4 do artigo 52.° da LGT.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1. A Reclamante é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de veículos automóveis (por acordo);
2. Em data concretamente não apurada, mas em Outubro de 2019, a Reclamante recebeu a notificação adicional de IVA n.°……….., no valor de € 671.719,88 bem como a liquidação de juros compensatórios n.°…………, no valor de € 69.343,57, tendo como data limite para pagamento voluntário o dia 25-11-2019 (por acordo; cfr. certidão de dívida a fls. 1 a 5 do processo de execução fiscal - PEF - apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Em 03-12-2019 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Alenquer, em nome da Reclamante, o processo de execução fiscal n.°……….., para cobrança de dívida proveniente de IVA do ano de 2016 no valor total de € 744.094,40 (cfr. fls. 1 a 5 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 
4. Em 13-01-2020 foi recebida pela Reclamante, citação para o processo de execução fiscal identificado no número antecedente, constando na mesma como valor para efeitos de constituição de garantia o montante de € 938.297,88 (cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial e fls. 18 e 19 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 10-02-2020 a Reclamante requereu junto do Serviço de Finanças de Alenquer, a prestação de garantia, sob a forma de penhor mercantil do seu inventário, até ao valor contabilístico dos bens imóveis que compunham o mesmo, no montante de € 344.876,95 e a dispensa da garantia quanto à restante dívida exequenda (cfr. documento n.° 3 junto com a petição inicial e fls. 8 a 14 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Conjuntamente com o requerimento identificado no número antecedente foi apresentado o balanço e inventário da Reclamante, com indicação dos bens que integram o mesmo (cfr. e fls. 22 a 24 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. Em 28-02-2020 foi elaborada pela Direcção de Finanças de Lisboa informação com o seguinte teor:
Informação


«imagem no original»


(cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial e fls. 34 e 35 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Sobre a informação identificada no número antecedente recaiu despacho concordante do Director de Finanças Adjunto proferido em 03-03-2020, com o seguinte teor:


(cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial e fls. 36 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. A informação e despacho identificados em 7) e 8) foram comunicados à Reclamante através do ofício n.° 666, de 13-03-2020, entregue à Reclamante em 17-03-2020 (cfr. fls. 37 e 38 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Em 22-06-2020 a Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em 2) (cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial a fls. 94 a 98 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11. Em 30-06-2020 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Alenquer, requerimento de prestação de garantia ao qual juntou declaração de constituição de penhor mercantil sobre o inventário, cujo valor contabilístico ascendia a € 304.220,72, e pedido de dispensa de prestação de garantia quanto ao remanescente da dívida (cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial e fls. 41 a 62 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12. Em 15-07-2020 foi pela Direcção de Finanças de Lisboa elaborada informação a propor o indeferimento do requerimento identificado no número antecedente, com o seguinte teor: 

«imagem no original»


(cfr. documento n.° 1 junto com a petição inicial e fls. 85 a 89 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13. Sobre a informação identificada no número antecedente recaiu despacho concordante do Director de Finanças Adjunto proferido em 17-07-2020, com o seguinte teor:


(cfr. documento n.° 1 junto com a petição inicial e fls. 85 a 89 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14. Em 15-07-2020 a Reclamante tomou conhecimento do acto de penhora n.° …………… que incidiu sobre o saldo de conta bancária titulada pela Reclamante na Caixa ………. de Vila Franca de Xira (por acordo; cfr. fls. 100 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15. A informação e despacho identificados em 12) e 13) foram comunicados à Reclamante através do ofício n.° 891, de 21-07-2020, entregue em 17-07-2020 (cfr. fls. 84 e 85 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
16. A presente Reclamação foi remetida por correio electronico ao Serviço de Alenquer em 2707-2020, tendo dado entrada neste Tribunal em 13-08-2020 (cfr. fls. 1 dos autos e fls. 91 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 
17. Por despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Alenquer em 07-08-2020 foi revogado o acto de penhora n.° ………..identificado em 14) (cfr. fls. 93 a 95 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
18. O acto de penhora n.° ……….. identificado em 14) foi cancelado (cfr. informação de fls. 335 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
19. Através de notificação datada de 19-11-2020 foi comunicado pelo Serviço de Finanças de Alenquer à reclamação o seguinte:
«imagem no original»

20. O despacho identificado no número antecedente foi comunicado à Reclamante através do ofício n.° 1012, de 20-07-2020 (cfr. fls. 96 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
21. A proposta de garantia bancária solicitada pela Reclamante junto da Caixa …………. de Vila Franca de Xira foi recusada (cfr. fls. 96 do PEF apenso a fls. 167 a 302 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
22. A Reclamante não é proprietária de bens imóveis (cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 
23. Em 31-12-2019 o activo total da Reclamante ascendia ao montante de € 578.366,82 (cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

A convicção do tribunal, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal junto aos autos, não impugnados conforme remissão efectuada em cada número probatório, tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.»
**

B.DE DIREITO

A sentença recorrida considerou que os despachos do Diretor de Finanças Adjunto, datado de 17.0.7.2020, que indeferiram o pedido de aceitação de garantia sob a forma de penhor bem como o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia apresentados pela executada (doravante recorrida), no âmbito do processo de execução fiscal n.º…………, para cobrança da quantia de 744.094,40 €, relativa a IVA do ano de 2016, nos fundamentos em que assentaram, são ilegais, por violação dos artigos 52.º n.º 2 e 199.º n.º 2 do CPPT.

Conforme resulta dos autos a executada (doravante recorrida) apresentou junto do Serviço de Finanças de Alenquer um pedido de prestação de garantia, através de penhor mercantil sobre o inventário, o qual foi indeferido no entendimento de que a maioria dos bens que constituem o inventário são veículos automóveis que, por se tratarem de bens móveis sujeitos a registo, não podem ser objecto de penhor e, portanto, a garantia apresentada não é idónea.

Não se conformando com essa decisão de indeferimento, a recorrida deduziu reclamação, junto do Tribunal Tributário de Lisboa que por sentença de 23 de Dezembro de 2020, anulou o despacho reclamado. Entendeu-se que « (…) [o] facto de o penhor não poder incidir sobre veículos, não obsta, à partida, à aceitação da garantia, pois que, por um lado, como se disse, o mesmo foi constituído sobre o inventário da Reclamante e, por outro, sempre poderá a Administração tributária, quanto aos bens que compõem o inventário e sobre os quais não pode incidir o penhor, converter o mesmo em penhora, no pressuposto de que, ainda que esses veículos constituam objecto da actividade da Reclamante – de compra e venda de automóveis – não existe qualquer limite à sua penhorabilidade, visto que se trata de uma pessoa colectiva e tem constituído entendimento pacífico da jurisprudência que a impenhorabilidade relativa prevista no artigo 737.º, n.º 2 do CPC (isenção de penhora dos instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado) não se aplica às pessoas colectivas (neste sentido, entre outros, acórdão do TCA Norte de 12-11-2015, proc. n.º 01341/15, disponível em www.dgsi.pt)

A Fazenda Pública discorda do decidido, alegando, em síntese que o valor patrimonial do inventário era maioritariamente composto por veículos automóveis, e uma vez que estava em causa bens móveis sujeitos a registo, o juízo de idoneidade a emitir passaria também pela legalidade da constituição da garantia segundo as normas supra referidas, designadamente o disposto no artigo 666.°, n°1 do Código Civil o disposto nos artigos 4.º n.°1 e 8.° do DL n.° 74/75, de 12 de Fevereiro.

E nesta linha, defende que o despacho ora questionado respeita o direito constituído e não viola o disposto nos artigos 52.° n.° 2 da LGT e artigo 199.° n.° 2 do CPPT.

Vejamos.

De harmonia com o disposto no artigo 199.° nº 1 do CPPT, a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a garantia idónea referida no n.º 1 poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

No essencial, essa disposição veio a conferir à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, « (…) em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração Tributária.

A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que a norma do nº 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.

Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos arts. 169° e 199° do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.

A garantia idónea será pois aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, Recurso n° 0786/11, de 11.07.2012, recurso 730/12, de 10.10.2012, recurso 916/12, e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pág. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199°)» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2016, proferido no processo n.º 0137/16, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

O penhor configura uma garantia real que confere ao credor, de acordo com o previsto no artigo 666.º, n.º 1, do Código Civil, o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

Nos termos do artigo 4.º, n.º1 do DL n.º 54/75, de 12.02, «os veículos automóveis podem constituir objecto de hipotecas legais, judiciais ou voluntárias», sendo, porém, que não podem ser objecto de penhor (cfr. artigo 8.º do mesmo diploma). Ora, no caso dos autos, foi devido ao facto da maioria dos bens que compõem o inventário serem veículos automóveis que a garantia oferecida não foi aceite.

Porém, reconhecendo a Administração Tributária que a prestação de garantia pode ser efectuada através da constituição de penhor quando consista em bens móveis, não lhe restava senão ou aceitar o valor que recorrida atribuiu a esses bens, ou a promover à avaliação por entidade externa que estivesse habilitada para o efeito caso carece-se de conhecimentos técnicos para o efeito.

Daí que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, como bem se referiu na sentença recorrida, a Administração Tributária, ao centrar apenas e exclusivamente a recusa na aceitação da garantia, no facto de parte dos bens que compõem o inventário serem veículos que, por isso não pode ser objecto de penhor, não teve em conta que o penhor não incidiu sobre cada veículo automóvel, mas sim sobre o inventário da empresa, o qual é composto também por veículos, mas não só.

Ou seja, a Administração Tributária não podia invocando que «[o] inventário integra maioritariamente bens sujeitos a registo, em concreto veículos automóveis» concluir que a garantia prestada não é idónea à suspensão do processo de execução n.º………...

Nessa medida, o despacho reclamado do Diretor de Finanças Adjunto, que indeferiu o pedido de prestação de garantia através da constituição de penhor sobre o inventário da recorrida, não pode permanecer na Ordem Jurídica, como concluiu a final o Tribunal «a quo».

O recurso não pode, pois, ser provido nesta parte.

A segunda questão que se coloca no recurso que nos vem dirigido, prende-se com o despacho proferido na sequência do pedido de dispensa parcial de prestação de garantia apresentado pela recorrida relativamente ao restante da dívida exequenda que não venha a estar garantida através da constituição de penhor sobre o inventário.

O despacho, ora reclamado, tem o seguinte teor: «Atento o exposto no ponto anterior, uma vez que, nesta fase, não dispomos de todos os elementos necessários à avaliação da (in)suficiência dos bens da Reclamante suscetíveis de constituir garantia, a eventual apreciação de isenção parcial de prestação de garantia só poderá ser aferida numa fase posterior, após constituição de nova garantia e subsequente avaliação( sem olvidar que a requerente detém na sua disponibilidade bens que poderão constituir garantia da dívida aqui em apreço)».

O Tribunal « a quo» veio a decidir que recorrida provou, como lhe competia, um dos requisitos alternativos para a dispensa da prestação de garantia - insuficiência de bens- e que não ficou demonstrada, pela Administração Tributária, a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa da recorrida.

Ora, conforme se assinalou nas conclusões de recurso a referência feita no despacho reclamado através da expressão “Atento o exposto no ponto anterior” está directamente a fazer remissão para o ponto “E) Da análise da garantia prestada”.

Em boa verdade, a Administração Tributária não se pronunciou sobre a verificação dos pressupostos para a dispensa de garantia, porque entendeu que a dispensa parcial de garantia pressupõe que, na restante parte da dívida se encontre garantida.

Contudo, anulado que foi o despacho que indeferiu o pedido de prestação de garantia (constituição de penhor sobre o inventário), naturalmente que, a apreciação do pedido de dispensa parcial de garantia está dependente do apuramento do montante da dívida exequenda, não garantido, na sequência do pedido apresentado.

De facto, a dispensa parcial de garantia pressuporá sempre que, na restante parte, a Administração Tributária aceite garantias, e por isso, no caso concreto dos autos, face ao decidido o despacho, ora em análise, não pode manter-se na Ordem Jurídica.

Impõe-se, pois e sem mais, a improcedência do recurso.

Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

Conforme entendimento expresso no acórdão do STA de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13 a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes),iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ e que a mesma não assumiu especial complexidade, nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável.

Nada obsta a que a recorrente seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a 275.000 €.

IV.CONCLUSÕES
O despacho que considerou inidónea a garantia oferecida do penhor do inventário padece de erro nos pressupostos de facto, porque não considerou que, naquele, estavam relacionados, além dos veículos automóveis, outros bens.

V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 €.


Lisboa, 29 de Abril de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]
(Ana Pinhol)