Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08756/15
Secção:CT
Data do Acordão:03/22/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:SENTENÇA NULA É A QUE ESTÁ INQUINADA POR VÍCIOS DE ACTIVIDADE.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
EXCESSO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “ULTRA PETITA”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL.
I.M.I.
SISTEMA DE AVALIAÇÕES DO I.M.I.
COEFICIENTES DE AVALIAÇÃO DE ENQUADRAMENTO E ESPECÍFICOS.
REGIME DE AVALIAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL DOS TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO.
AS OPERAÇÕES DE FUSÃO ESTÃO SUJEITAS A I.M.T., QUANDO ENVOLVAM A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS.
ARTº.76, DO C.I.M.I., NA REDACÇÃO DA LEI 64-A/2008, DE 31/12.
DETERMINAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO DOS TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO.
VALOR DE MERCADO. NOÇÃO.
NÃO HÁ LUGAR À CONSIDERAÇÃO DOS COEFICIENTES DE AFECTAÇÃO (CA) E DE QUALIDADE E CONFORTO (CQ).
MEIO DE PROVA PERICIAL. NOÇÃO. VALOR PROBATÓRIO.
ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO TRIBUTÁRIO.
ACTOS DIVISÍVEIS.
REGIME DA REFORMA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS.
ACTOS DE AVALIAÇÃO NÃO SÃO DIVISÍVEIS.
DISPENSA DO PAGAMENTO DE REMANESCENTE DE TAXA DE JUSTIÇA PREVISTA NO ARTº.6, Nº.7, DO R.C.P.
MOMENTO PROCESSUAL EM QUE PODE SER DECRETADA.
TAXA DE JUSTIÇA. NOÇÃO.
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA A CONSIDERAR NA CONTA FINAL DO PROCESSO.
PRESSUPOSTOS DA DISPENSA DO SEU PAGAMENTO.
DECISÃO APROVEITA A TODOS OS SUJEITOS PROCESSUAIS.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NOÇÃO.
ARTº.542, Nº.1, DO ACTUAL C.P.CIVIL, NA REDACÇÃO DA LEI 41/2013, DE 26/6.
PRESSUPOSTOS DA CONDENAÇÃO DA A. FISCAL COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ (ARTº.104, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA).
Sumário:1. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.
2. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
3. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.
4. O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.).
5. O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos artºs.38 a 70, do respectivo Código. O objectivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38, do C.I.M.I.
6. A avaliação assenta em seis coeficientes, todos eles de carácter objectivo, os quais se podem agregar em dois conjuntos:
a)Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL);
b)Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez (Cv).
7. O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artº.45, do C.I.M.I. O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto. É que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr.artº.6, nº.3, do C.I.M.I.).
8. Nos termos do artº.2, nº.5, al.g), do C.I.M.T., as operações de fusão estão sujeitas a I.M.T., quando envolvam a transmissão de bens imóveis. O valor tributável sujeito a imposto corresponde ao maior dos valores, do valor patrimonial tributário dos imóveis transmitidos ou do valor por que sejam contabilizados no activo das sociedades para onde se transmitem, consoante o que for mais elevado, nos termos do artº.12, nº.4, regra 13, do C.I.M.T. O sujeito passivo do imposto é a sociedade para a qual os bens são transmitidos.
9. Do exame da norma constante do artº.76, do C.I.M.I., na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12, deve concluir-se que a mesma consagra um regime de excepção, tendo por pressuposto, além do mais, a existência de um desvio do valor da 1ª. avaliação em mais de 15% face ao valor normal de mercado do imóvel em causa (nº.5 da norma). Por outro lado, no que aos terrenos para construção diz respeito, consagra o legislador o respectivo valor patrimonial tributário, a fixar pela comissão na segunda avaliação, tendo sempre como elemento aferidor o dito valor normal de mercado, visto dever resultar do método comparativo dos valores de mercado (cfr.nº.4 da norma).
10. Pode definir-se o valor de mercado como o montante pelo qual se estima que um imóvel, adequadamente publicitado, seja transaccionado à data da avaliação entre um comprador e um vendedor interessados, cada um dos quais actuando independentemente um do outro, com prudência, sem coacção e com pleno conhecimento do mercado. A sua medida pode ser estimada com base no valor pelo qual se tem vindo a transaccionar a maioria dos bens com características semelhantes às do bem em apreço. Cada uma dessas transacções deverá ser efectuada sem coacção entre o vendedor que quer vender e o comprador que quer comprar, devendo estes ser conhecedores das alternativas possíveis no mercado e seus valores.
11. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.
12. Tal como decorre das disposições conjugadas dos artºs.341 e 388, do C.Civil, a prova pericial destina-se a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes, distinguindo-se das demais por ter como objecto a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
13. Sendo certo que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal (cfr.artº.389, do C.Civil, artº.489, do C.P.Civil), ponto é que a prova pericial tem como objecto, repete-se, a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina. Donde, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, designadamente, da prova testemunhal, pois o juízo científico que encerra o parecer pericial só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica, que não com base numa argumentação somente jurídica.
14. A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece, nomeadamente, no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos.
15. Na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador.
16. Os actos de avaliação não são divisíveis (padecendo de ilegalidade devem ser totalmente anulados), mais não cabendo ao Tribunal substituir-se à Administração numa tarefa que é necessariamente sua.
17. A decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta.
18. O artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento. O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”. É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
19. Nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso.
20. A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial. Por outro lado, refira-se que a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do Tribunal a dispensar o pagamento do aludido remanescente da taxa de justiça, importando concluir que o juiz pode exarar tal decisão a título oficioso, embora sempre na decisão final do processo.
21. A maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
22. As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados.
23. No que se refere à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil).
24. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais.
25. Não nos dá o ordenamento jurídico-tributário a noção de litigância de má-fé, devendo ir buscar-se ao C.P.Civil, o qual se aplica supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário; artº.104, da L.G.Tributária). Neste campo, o princípio geral a observar, decorrente do próprio direito de acção, consagrado no artº.20, da C.R.P., é o de que o processo deve proporcionar às partes a ampla e incondicionada possibilidade de dirimir, com intensidade, liberdade e abrangência, as suas razões de facto e de direito, segundo um espírito de razoabilidade e equilíbrio, mas igualmente sem inibições ou constrangimentos, que possam eventualmente advir do receio de futuras penalizações, assentes no entendimento que o Tribunal vier a adoptar sobre os temas em discussão. Em consonância com o disposto no artº.266-A, do C.P.Civil (cfr. artº.8, do actual C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o qual impõe às partes o dever geral de probidade, estatui o artº.456, nº.1, do mesmo diploma legal (cfr.artº.542, nº.1, do actual C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) que será condenado em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, o litigante de má-fé.
26. Na descrição da figura do litigante de má-fé, o texto legal diz-nos que se deve considerar como tal aquele que actuando com dolo ou negligência grave (cfr.artº.542, nº.2, do C.P.Civil):
a-Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
b-Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factualidade relevante para a decisão da causa (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
c-Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou use o processo ou os meios processuais de forma manifestamente reprovável (modalidades de dolo ou negligência grosseira instrumental).
27. Especificamente quanto à possibilidade de condenação da A. Fiscal no pagamento de uma sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras da litigância de má-fé, deve levar-se em consideração o artº.104, nº.1, da L.G.Tributária, normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas de patente violação, por banda da Fazenda Pública dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé. O comportamento sancionado no preceito é apenas o da actuação da Administração no processo judicial e não também o tido no processo administrativo gracioso (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.Protuguesa).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.1507 a 1543 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente impugnação judicial intentada pelos recorridos, “... - Sociedade de Desenvolvimento Habitacional do ..., S.A.” e “... II - Sociedade de Desenvolvimento Habitacional do ..., S.A.”, tendo por objecto 2ªs. avaliações de imóveis, incidentes sobre lotes de terreno, inscritos na matriz predial urbana da freguesia e concelho de ..., sob os artigos nºs.9581 a 9623, nºs.9637 a 9691 e nºs.9393 a 9695, tendo anulado as ditas avaliações.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.1561 a 1573 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Encontra-se devidamente provado nos presentes autos que as impugnantes requereram a segunda avaliação dos prédios em causa, invocando o disposto no artigo 76.º, n.ºs 4 a 6, do CIMI, e a ocorrência de uma distorção superior a 15% entre os valores apurados e os valores reais de mercado;
2-Com aquele requerimento pretendiam as impugnantes a fixação de um VPT inferior ao fixado na primeira avaliação aos referidos lotes de terreno para construção urbana, propondo mesmo, que fossem considerados como números mais ajustados e consentâneos com a realidade, os que serviram de base à liquidação de IMT, a quando da operação de cisão;
3-Na segunda avaliação, a comissão calculou o VPT, o VNM e a percentagem de distorção, relativamente a cada um dos referidos prédios;
4-Com a presente impugnação, vieram as impugnantes peticionar a anulação integral daquelas segundas avaliações, apontando-lhes vários vícios, entre eles o da violação de lei na aplicação do disposto nos n.ºs 4 a 6, do artigo 76.º, do CIMI;
5-Através da presente impugnação as impugnantes não atacaram os VNM´s fixados na segunda avaliação;
6-Na sentença proferida o Tribunal a quo decidiu pela procedência da presente impugnação por entender que, “…os atos de segunda avaliação enfermam de ilegalidade, na medida em que os respetivos resultados se afiguram manifestamente desadequados e desproporcionados ao valor de mercado dos lotes de terreno, apurado em sede de prova pericial.”;
7-Para aquela tomada de decisão o Meritíssimo Juiz valorou as conclusões do relatório da perícia realizada nos autos, por entender que o mesmo se debruça sobre o valor de mercado dos lotes de terreno em causa;
8-Os termos de segunda avaliação juntos aos autos comprovam que, também os peritos que integraram a comissão de avaliação se “debruçaram” sobre o valor de mercado dos lotes de terreno em causa, ao fixarem o VNM e a percentagem de distorção;
9-Do disposto nos n.ºs 4 e 5, do art. 76.º, do CIMI resulta que, perante um pedido de segunda avaliação, tendo por fundamento a distorção do VPT relativamente ao VNM, devem os peritos avaliadores calcular o VPT e o VNM, bem como a percentagem de distorção;
10-Nas situações em que o fundamento do pedido de segunda avaliação é a existência de distorção, a comissão de avaliação efetua duas avaliações (uma nos termos do disposto no art. 45.º, do CIMI, para calcular o VPT, e outra por aplicação do método comparativo dos valores de mercado, quando se trate de terrenos para construção, para calcular o VNM) e calcula a percentagem de distorção;
11-Sempre que a comissão de avaliação conclua que se verifica a referida distorção, por o VPT ser superior ao VNM, em mais de 15%, o VNM corresponderá a um novo VPT que relevará, apenas, em sede de IRS, IRC e IMT;
12-Sempre que se conclua que pela existência de distorção, o VPT fixado relevará apenas para efeitos de IMI;
13-Na situação em apreço, a comissão de avaliação fixou dois VPT´s, uma vez que o VNM que apurou era inferior, em mais de 15%, relativamente ao VPT, para a grande maioria dos lotes de terreno avaliados;
14-Aquele procedimento não padece de qualquer ilegalidade, pois também os peritos avaliadores confirmaram a existência da referida distorção;
15-No probatório fixado na sentença aqui em apreço foi dado como provado que aqueles valores foram efetivamente calculados em sede de segunda avaliação;
16-Contrariamente ao que é mencionado na referida sentença as impugnantes não expressaram, na PI, viva discordância com os valores de mercado apurados na segunda avaliação;
17-O que se constata, é que as impugnantes expressaram na PI a sua discordância relativamente aos VPT´s, mas não quanto aos VNM´s, nem quanto às percentagens de distorção fixados na segunda avaliação;
18-Os VPT´s fixados em sede de segunda avaliação foram obtidos de forma objetiva e de acordo com o disposto no art. 45.º, do CIMI, sendo unanimemente reconhecido, tanto pela doutrina como pela jurisprudência que, nas avaliações efetuadas nos termos do CIMI, não há lugar a qualquer subjetividade por parte dos peritos avaliadores, uma vez que estes se limitam a aplicar coeficientes pré-estabelecidos;
19-Relativamente aos VPT´s o Tribunal “a quo” não deu como provado que os mesmos padecessem de qualquer ilegalidade, pelo que nunca poderia determinar a anulação das avaliações que os fixaram, tomando como fundamento as conclusões do relatório pericial;
20-As conclusões do relatório pericial não podem servir para determinar a anulação dos VPT´s fixados em sede de segunda avaliação, uma vez que aquela perícia se debruçou e pronunciou, apenas, sobre o VNM dos referidos lotes de terreno para construção urbana;
21-Ao servir-se do relatório pericial para determinar a anulação dos VPT´s, laborou aquele Tribunal em erros de julgamento de facto e de direito, erros, estes, que acabam por inquinar a decisão na totalidade pois, com base em factos dados como provados, extraiu uma conclusão não alicerçada nos meios probatórios que foram trazidos aos autos, razão pela qual não pode a referida sentença manter-se na ordem jurídica;
22-Por outro lado, e salvo o devido respeito, entendemos que incorreu o Tribunal “a quo”, também, no vício de excesso de pronúncia, pois foi além do que lhe foi pedido pelas autoras;
23-Estando provado nos presentes autos que as impugnantes não peticionaram a anulação dos atos que fixaram o VNM, mas apenas os atos que fixaram o VPT dos referidos lotes de terreno, não podia o Tribunal decidir-se pela anulação das referidas segundas avaliações como decidiu;
24-Assim sendo como de facto é, impõe-se declarar a nulidade da sentença ora sob recurso, com todas as devidas e legais consequências;
25-Mesmo que assim não se entenda, o que apenas se admite como hipótese de raciocínio, embora sem conceder, e se entenda que as impugnantes pretendiam a anulação dos atos avaliativos relativos à fixação do VNM e da distorção, a decisão não poderia ser a de anulação dos atos avaliativos na totalidade;
26-Entendendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que os VNM´s e as percentagens de distorção constantes das conclusões do relatório pericial, comprovavam a ilegalidade dos VNM´s fixados pela comissão de avaliação (o que não se concede), as respetivas avaliações apenas poderiam ser anuladas parcialmente;
27-Não poderia o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” revogar aqueles atos na totalidade, sem dar como provado que os atos de fixação dos VPT´s padecessem de qualquer ilegalidade;
28-No relatório pericial não se encontram quaisquer referências relativas à forma de cálculo dos VPT´s;
29-No relatório pericial apenas se encontram referências à forma como, em sede de segunda avaliação, foram fixados os VNM´s dos referidos lotes de terreno, a qual, no entender dos seus subscritores, não lhes parece ser a mais adequada, sobretudo, devido à expressão utilizada (VNM=At x Put = (Ac/ic) x Puc x ic = Ac x Puc);
30-Também por esta razão, não pode a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica, nem produzir quaisquer efeitos;
31-Além disso, se se entender, como entende a Fazenda Pública, que apenas foram impugnados os VPT´s fixados em sede de segunda avaliação, o valor fixado à ação (€ 119.574.330,00), pelo Tribunal “a quo” está correto e de acordo com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC, e 97.º-A, n.º 1, alínea c), do CPPT, pois corresponde à soma dos 101 VPT´s dos referidos prédios;
32-Se se entender que o objeto da presente impugnação são os VNM´s e não os VPT´s, já o valor fixado à ação não está correto uma vez que o somatório daqueles valores corresponde a € 96.462.954,00;
33-No presente recurso, não se coloca em causa a condenação da Fazenda Pública na obrigação de pagamento de custas determinada em 1.ª instância, através da sentença aqui em apreço, apesar de discordarmos com o sentido da decisão;
34-No presente recurso reage-se apenas, quanto à decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” de ter fixado à causa o valor de € 119.574.330,00 e não ter dispensado a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em virtude de se tratar duma ação com valor superior a € 275.000,00;
35-A presente impugnação, não se revelou de especial complexidade, nem se pode atribuir às partes uma má conduta processual, estando assim, reunidas, as condições necessárias para que se determine a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.º 7, do art. 6.º, do RCP;
36-Tendo em conta o valor fixado à causa, o valor das custas exigidas às partes, não considerando qualquer limite, há-de ser, a final, no montante de € 2.923.728,00;
37-Se, para além disto, tivermos em conta que, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 3, do art. 26.º, do RCP, a parte vencida terá de pagar à parte vencedora, para compensação das despesas com honorários, pelo menos, 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, ou seja, mais € 1.461.864,00, somos forçados a concluir que os custos da justiça, neste caso, são excessivamente elevados;
38-Considerando que as questões apreciadas nos autos não revestem especial complexidade, e que, não se verificaram, quaisquer incidentes, nem audiência de julgamento com produção de prova testemunhal, e que a prova efetuada se limitou à feita por documentos e à perícia realizada, não se justifica o pagamento de tão elevados montantes;
39-Considerada toda a tramitação da presente impugnação, não vislumbramos em que medida os serviços prestados pelo douto Tribunal Tributário de Lisboa justificam um valor de custas de tal monta e sem qualquer limite;
40-Perante tal montante de custas, não pode deixar de se concluir que, não se verifica, in casu, a qualquer correspetividade entre o serviço efetivamente prestado pelos serviços de justiça e o valor das custas a pagar a final;
41-Será nestas situações de manifesta injustiça, que terá aplicação o disposto no n.º 7, do art. 6.º, do RCP, norma que prevê a possibilidade a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
42-A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no n.º 7, do art. 6.º, do RCP, não opera imediata e automaticamente, sendo admissível, uma certa margem de discricionariedade ao juiz da causa;
43-Tal discricionariedade deverá pautar-se, entre outros, pelo respeito do princípio da proporcionalidade (arts. 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP), tomando-se em consideração, não só o valor da causa, mas também, os custos que em concreto o processo acarretou para o sistema judicial, visando o necessário equilíbrio entre o pagamento da taxa e o serviço de administração de justiça;
44-Só respeitando o princípio da proporcionalidade se obstará a que, a uma ação de valor elevado como é o caso da presente impugnação, que não apresente uma complexidade para além da normal, corresponda um pagamento desproporcionado e desadequado face ao serviço efetivamente prestado pelo Tribunal que a julgou;
45-As normas do n.º 1, do art. 6.º e do art. 11.º, do RCP, e correspondente Tabela I, são inconstitucionais, quando interpretadas no sentido de permitirem a exigência de tais montantes, na medida em que envolvem uma violação do princípio constitucional da proporcionalidade em sentido amplo, nas suas vertentes da adequação, ou justa medida, e da proibição do excesso;
46-Na situação em apreço, em que a parte vencida pode vir a suportar o pagamento de uma quantia superior a € 4.000.000,00, se não for dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tem que reconhecer-se que tal é manifestamente desproporcional face ao “serviço prestado”, ultrapassando-se, e muito, aquilo que seria aceite por razoável, não podendo obstar a tal consideração o facto de ter havido a produção de prova pericial, quando é sabido que a remuneração de cada perito não chegou a € 2.000,00;
47-Deve reconhecer-se que a complexidade das questões colocadas nos presentes autos seria a mesma, estivessem em causa 101 avaliações em que o valor total dos VPT´s fixados é de € 119.574.330,00, ou estivesse em causa, apenas, a avaliação de um só prédio, com um VPT no valor de € 100.000,00 (cem mil euros), por exemplo;
48-As normas do n.º 1, do art. 6.º e do art. 11.º, do RCP, e correspondente Tabela I, são também inconstitucionais por violação do princípio da igualdade, um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais consagrados na CRP (art. 13.º), se interpretadas no sentido de permitirem que causas de especial complexidade paguem menos custas do que outras cuja complexidade seja inferior à normal, mas em que o valor da causa é elevado;
49-Aquelas normas deveriam comportar, como regra, um montante máximo e, como exceção, a possibilidade de tal montante ser agravado de acordo com a complexidade da causa e a conduta das partes, devendo, em consequência o juiz fundamentar adequadamente o motivo de tal agravamento, e não o contrário;
50-Não sendo assim, deverão os Tribunais, tudo fazer para que, neste âmbito, não seja violado o referido princípio constitucional da igualdade;
51-Deve reconhecer-se, também, que os montantes de custas judiciais a pagar, não podem ser de tal modo exagerados e desproporcionados que restrinjam o direito de acesso aos tribunais, sob pena de violação do princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP;
52-Não tendo o Tribunal “a quo” dispensado as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nem fixado montante inferior ao da soma dos VPT´s, impõe-se que seja o Tribunal de recurso fazê-lo, sob pena de violação dos supra referidos princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade e de acesso ao direito aos Tribunais;
53-Sobre esta mesma matéria, foi proferido pelo TC o Acórdão n.º 421/2013, Processo n.º 907/2012, 3.ª Secção, de 15 de julho, que julgou inconstitucionais “…por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.”;
54-Apesar de na situação dos autos já vigorar uma norma que prevê a possibilidade da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, as valorações constitucionais enunciadas em tal aresto do TC valerão também na situação “sub judice” em virtude de tal dispensa configurar, na prática, uma situação de exceção, a aplicar pela “negativa”, não impondo, nem exigindo, uma análise da situação concreta para aferir do seu grau de complexidade e correspetividade face ao serviço efetivamente prestado;
55-Também da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, nomeadamente do TCAS (Processos n.º 07373/14, de 13/03/2014 e n.º 07270/13, de 29/05/2014) e do STA (Processo n.º 01953/13, de 07/05/2014), resulta idêntico entendimento;
56-Salvo o devido respeito, entendemos que decidiu mal o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” ao determinar a anulação dos atos de segunda avaliação impugnados e não determinar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, violando assim, o disposto nos n.os 4 a 6, do art. 76.º, do CIMI, no n.º 1, alínea d), do art. 615.º, do CPC, nos n.os 1 e 7 do art. 6.º e no art. 11.º, do RCP, bem como os princípios constitucionais de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º da CRP), da proporcionalidade (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade (art. 13.º da CRP);
57-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, e dispense as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tudo com as devidas e legais consequências.
X
Os impugnantes e ora recorridos produziram contra-alegações (cfr.fls.1575 a 1580 dos autos), embora não tendo formulado conclusões, sede em que pugnaram pela manutenção da decisão recorrida, ademais, suscitando a litigância de má-fé da Fazenda Pública.
X
Notificada a Fazenda Pública para responder, veio a mesma (cfr.fls.1595 a 1596 dos autos) afirmar que não se encontram reunidos os pressupostos legais atinentes à existência de litigância de má-fé, pelo que não há lugar à aplicação de qualquer sanção a esse título.
X
O Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa sustentou a sentença proferida quanto à nulidade invocada, tendo reformado a mesma no que à questão do pagamento do remanescente da taxa de justiça diz respeito, mais dispensando o seu pagamento na parte que exceda o montante de € 500.000,00 (cfr.fls.1610 a 1611 dos autos).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.1632 e 1633 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.1636 e 1638 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.1512 a 1529 dos presentes autos - numeração nossa):
1-No dia 03/07/2007, na sequência de cisão / fusão entre as sociedades impugnantes, “... - Sociedade de Desenvolvimento Habitacional do ..., S.A.” e “... II - Sociedade de Desenvolvimento Habitacional do ..., S.A.”, a 2.ª impugnante, na qualidade de incorporante, adquiriu 101 prédios urbanos constituídos por lotes de terreno para construção urbana, inscritos na matriz predial da freguesia e concelho de ... sob os artigos matriciais n.º 9581 a n.º 9623, n.º 9637 a n.º 9691 e n.º 9393 a n.º 9695, correspondentes à 5.ª e 6.ª fase do loteamento da denominada Quinta do ..., titulado pelo Alvará n.º 16/79, emitido pela Câmara Municipal de ... (cfr. acordo das partes);
2-Esta foi a primeira transmissão dos referidos lotes de terreno desde 01/12/2003 (cfr. acordo das partes);
3-No dia 07/01/2011, a administração tributária efetuou a avaliação daqueles lotes de terreno, em conformidade com as fichas juntas a fls.54/149 e 152/388, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dando origem aos seguintes valores patrimoniais tributários:










(cfr.documentos juntos a fls.150 a 388 dos presentes autos - I volume);
4-No dia 18/02/2011, a 1ª. impugnante recebeu o ofício n.º 218, de 14/02/2011, do 1º. Serviço de Finanças de ..., contendo a notificação do valor patrimonial tributário (VPT) atribuído aos referidos lotes de terreno para construção (cfr.documento junto a fls.150 e 151 dos presentes autos - I volume);
5-No dia 22/03/2011, as impugnantes requereram segunda avaliação dos referidos lotes de terreno, invocando o disposto no artigo 76.º, n.ºs 4 a 6, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, e a ocorrência de distorção superior a 15% entre os valores apurados e os valores reais de mercado, nos termos que constam de fls.389/398, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr.documentos juntos a fls.389 a 398 dos presentes autos - I volume);
6-No dia 19/04/2011, foi efetuada a segunda avaliação dos referidos lotes de terreno para construção urbana, constando dos respetivos autos, além do mais, o seguinte:

“(…)
TERMO DE SEGUNDA AVALIAÇÃO (DISTORÇÃO) ART. 76.º n.º 4
1 - PREÂMBULO
Aos dezanove dias de abril de dois mil e onze, neste Serviço de Finanças, estando presente o Sr. José ... Chefe do Mesmo Serviço, comigo, Isabel … T.A.T., compareceram os peritos abaixo indica dos e declararam que, tendo visto e examinado, por inspeção direta, o prédio descrito na reIação que lhes foi entregue, o avaliaram com inteira observância de todas as formalidades legais, conforme está descrito na Ficha de Avaliação referida na Identificação, com recurso, por um lado, à determinação do Valor Patrimonial (Vt2), no âmbito do Art 45 do CIMI, tendo em vista a verificação da existência ou não da distorção reclamada pelo Sujeito Passivo e, pelo outro, à determinação do Valor de Mercada (VNM), imposto pelo nº 4 do Art. 76 do D.L. 64-A/2008
(…)
LAUDO DO VOGAL
4- VALOR PATRIMONIAL (Vt2) - SEGUNDO AS REGRAS DO ART. 38 DO CIMI
Esta avaliação, reporta-se à data da entrega do Modelo 1 do IMI (oficiosa), constando da Ficha de Avaliação todos os elementos que serviram de base para cálculo do Valor Patrimonial Tributário, que designámos por Vt2.
Para a sua determinação foram tidos em consideração:
4.1- A fórmula de cálculo estabelecida nos termos do Art. 45 (sendo o Vt2 arredondado para a dezena superior, conforme estabelece o n. 4 do Art. 38 do CIMI), traduz-se na expressão:
Vt2 = Vc x ((Aa x 1 + Ab x 0,3) x %Ai ÷ Ac x 0,025 + Ad x 0,005) x Ca x CI x Cq
4.2- O Valor Base da construção, definido pela Portaria n 1330/2010 (402,80 €/m2), adicionado 25%, para o terreno de implantação, o que conduz a 603 €/m 2;
4.3- A edificabilidade - áreas indicadas no Quadro Síntese do Alvará de Loteamento acima referido;
4.4- A percentagem de área de implantação da construção estabelecida no SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICO (SIG) e associado à localização do terreno;
4.5- O(s) Coeficiente(s) de Localização (CI), também definidos para o local naquele sistema e para as afetações que compõem o prédio;
4.6- A apreciação do presente Valor Patrimonial, deverá ser conjugada, com os elementos insertos na Ficha de Avaliação, que fica a fazer parte do presente procedimento.
A substituição das variáveis na expressão, pelos devidos valores, conduz ao valor da Ficha de AV.º (…)
5- MÉTODO COMPARATIVO (VALOR DE MERCADO) - VNM
Face ao disposto no nº 4 do Art. 76, vamos aplicar o método comparativo, tendo em consideração as diversas vertentes que incidem sobre o lote de terreno para construção, designadamente: localização, acesso, enquadramento, grande infraestruturação, áreas (do lote, de implantação e de construção permitidas), bem como os valores praticados na zona, em prédios similares, com observação da atual situação de crise do mercado imobiliário e da credibilidade das fontes de informação. Este valor é determinado também à data da entrega do Modelo 1 (Oficiosa). Assim:
5.1- Localização
O lote de terreno em causa, situa-se a …;
5.2- Acessos
O acesso ao lote de terreno é feito a partir da Av … e do Arruamento a Norte, portanto com bons acessos, derivando da .... Embora acessível àquela via rápida, o percurso de ida/volta a Lisboa é difícil às horas de ponta, face ao volumoso tráfego existente.
5.3- Enquadramento e Parâmetros Urbanísticos
Trata-se de um lote de terreno inerente ao loteamento da 4ª à 6ª fases, sendo portanto um local com diversos equipamentos, entre os quais o ... Shopping, Escolas, transportes públicos, clube desportivo, farmácias, zonas verdes e circuito de manutenção. Das fases anteriores, aparentemente apenas a 4ª fase dispõe de alguns lotes por construir, em construção no início ou em acabamentos e outros em comercialização.
Os edifícios são, na generalidade, multifamiliares, alguns dispondo de lojas nas vias principais, possuem uma cércea entre 8 a 9 pisos acima do solo.
Tais fases 5ª e 6ª possuem cerca de 2.500 fogos assim distribuídos:



Os edifícios dispõem de 2 a 3 caves, com uma área de estacionamento total de 143.704 m2
5.4- Grau de Infraestruturação
O loteamento dispõe das seguintes infraestruturas:
Arruamentos - as vias principais estão concluídas, mas existem algumas internas que só dispõem de sub-base e base, faltando o revestimento superficial;
Abastecimento de água - a rede não está concluída;
Abastecimento de energia elétrica - a rede não está concluída;
Abastecimento de gás - a rede não está concluída;
Telecomunicações - a rede está concluída;
Saneamento - a rede não está concluída;
Arranjos exteriores - falta concluir.
Devemos salientar contudo, que, segundo informações obtidas na C.M...., as obras de urbanização destas fases ainda não foram rececionadas, mas existe uma Garantia Bancária a favor do Município, para garantir a sua conclusão;
Referimos ainda, adicionalmente, que, embora nestas condições, o urbanizador já possa fazer a entrega dos projetos de arquitetura dos lotes em causa, eles ainda não foram entregues.
5.5- Áreas e Afetações



5.6- Valores na zona
Uma pesquisa aturada na zona permitiu-nos obter alguns valores de mercado para lotes de terreno similares, na área do ..., especialmente dos que estão a ser comercializados, mas pertencentes à fase anterior e dos que estão na fase de início de construção. Também foram obtidos valores de comercialização dos fogos das diferentes tipologias, os quais serão afetados pelo tempo decorrido desde a sua aquisição e pela situação do quadro imobiliário geral e em particular da zona, face à densidade de fogos prevista paras as duas fases.
5.7- Credibilidade da fonte
Tanto os primeiros como os segundos valores acima referidos, foram obtidos com recurso a informações dos próprios promotores, pelos mediadores e nos portais imobiliários;
5.8- Valor de mercado (VNM)
Atendendo a que o método comparativo implica o produto dos fatores inerentes a área do terreno e ao valor unitário do mesmo e que tal produto é igual ao que resulta da aplicação do valor unitário da construção à área de construção autorizada (pois o índice de construção do lote tem um efeito neutro naquele). Ou seja, a lei impõe a fórmula:
VNM = A (terreno) x Preço unitário do terreno
a qual é equivalente à apresentada seguidamente, por o valor do terreno ser função da sua edificabilidade o que significa que o valor unitário do terreno é muito variável, por ser função do número de fogos ou pisos permitidos.

Assim sendo:
AT = Área de terreno em m2
Put = Preço unitário do terreno em €/m2
Ac = Área de construção em m2
Puc = Preço unitário da construção em €/m2
ic = índice de construção do lote (= Ac/At)
teremos:
VNM = At x Put = (Ac/ic) x Puc x ic = Ac x Puc
Por outro lado, ainda é corrente em zonas periféricas de Lisboa, as transmissões serem baseadas no Valor do Fogo, o qual multiplicado pelo n.º de Fogos/Ocupações, nos conduz ao Valor da Transmissão (Valor de Mercado). Obviamente que este modelo equivale à atribuição ao terreno de um valor unitário médio de construção, que multiplicado pela área de construção acima do solo, conduz ao mesmo valor de mercado. Normalmente os estacionamentos não são quantificados para cálculo do valor da negociação, por estarem valorizados no fogo.
Sublinha-se ainda que, em qualquer daquelas duas hipóteses, existe o pressuposto de que os projetos de arquitetura e especialidades estão aprovados e o Alvará de Licença de Construção está em condições de ser emitido, dependendo apenas do respetivo pagamento.
O preço médio por m2 de construção praticado na comercialização de fases antecedentes é da ordem de 500 € por m2
Atendendo à fase do mercado e ao tempo entretanto decorrido, consideramos uma redução de 20%, pelo que teremos: 80 % x 500 = 400 € por m2 de construção
As áreas afetas às atividades económicas, consideramos da ordem de 50%, resultando o valor unitário similar, por m2 de construção de valor, ou seja: € = 200
(…)
5.9- Conclusão
Resulta para o valor unitário de terreno Vut = VNM / At = (…)
Devemos salientar que este valor é válido para o caso de existência de licença a pagamento e, portanto para a situação em que o terreno se encontra, teremos de deduzir as percentagens inerentes à falta de projetos e ao que falta para a conclusão das infraestruturas (…)
6- Cálculo da Distorção
Da comparação do Valor de Mercado (VNM) com o Valor Patrimonial Tributário (Vt2), conclui-se que o valor da distorção é
d = (Vt2/VNM-1) x 100 = (…)

LAUDO DO REPRESENTANTE DO SUJEITO PASSIVO
O representante do Sujeito Passivo apresentou declaração de voto, dado que não concordou com o resultado do relatório da comissão, considerando que tem necessidade de 48 horas para a apresentação de um laudo para justificar a sua posição.

LAUDO DO PRESIDENTE
O Presidente, após a apreciação dos elementos e justificações apresentados por ambas as partes, considerou que a posição do vogal é a mais justa e a que mais se coaduna com a realidade. Considera ainda que a posição do representante da parte em aditar um laudo 48 horas depois da reunião é intempestiva no âmbito deste procedimento. O Chefe de Finanças [assinatura].
(…)”
(cfr.documentos juntos a fls.399 a 1191 dos presentes autos - I a IV volume);
7-Dos referidos autos de segunda avaliação, juntos a fls.399 a 1191 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, resultaram os seguintes valores patrimoniais tributários, por contraposição com os da primeira avaliação:








































































(cfr.documentos juntos a fls.399 a 1191 dos presentes autos - I a IV volume);
8-Mais consta das respetivas fichas de segunda avaliação o coeficiente de localização de 1,70 e o coeficiente de qualidade e conforto de 1,00 (cfr.documentos juntos a fls.399 a 1191 dos presentes autos - I a IV volume);
9-No dia 02/05/2011, a 2.ª impugnante recebeu a notificação do resultado destas segundas avaliações (cfr.documentos juntos a fls.399 a 1191 dos presentes autos - I a IV volume; documento junto a fls.36 do processo administrativo apenso);
10-No dia 01/09/2011, as impugnantes apresentaram a presente ação (cfr.data de entrada aposta a fls.4 do processo);
11-Consta do relatório estruturado no âmbito da perícia ordenada pelo Tribunal no presente processo e junto aos autos, além do mais, o seguinte:
5ª Fase 6ª Fase


Os imóveis avaliados possuem arruamentos? Não Não

Os imóveis avaliados possuem abastecimento de água? Não Não

Os imóveis avaliados possuem abastecimento de energia elétrica? Não Não

Os imóveis avaliados possuem abastecimento de gás? Não Não

[valor normal de mercado dos lotes objeto de segunda avaliação:]





(cfr.relatório pericial com dezanove folhas, realizado por três peritos e junto em anexo ao presente processo, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido);
12-Consta a fls.1192/1204 dos autos documento intitulado “contrato promessa de compra e venda”, celebrado entre a 2.ª impugnante e “..., S.A.”, datado de 06/06/2007, em que aquela promete vender a esta os lotes integrados na 5.ª e 6.ª fases, pelo valor total de € 77.500.000,00 (cfr.documentos juntos a fls.1192 a 1204 do presente processo - IV volume);
13-Consta a fls.1214/1218 documento intitulado “resolução de acordo”, celebrado entre as impugnantes e “..., S.A.”, datado de 27/09/2007, por referência ao contrato promessa referido no ponto antecedente (cfr.documento junto a fls.1214 a 1218 do presente processo - IV volume).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto quanto aos pontos 1 a 10, 12 e 13, efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, conforme ali referenciado. No que concerne ao ponto 11, relevaram as conclusões constantes do relatório pericial, aprovado por unanimidade, afigurando-se as mesmas consentâneas com os demais elementos constantes dos autos, sendo fundamentado o raciocínio que às mesmas conduz…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente a impugnação que originou o presente processo, em consequência do que anulou os actos de segunda avaliação objecto do presente processo (cfr.nºs.6 a 8 do probatório), tudo em virtude dos resultados da mesma avaliação enfermarem de ilegalidade derivada de manifesta desproporção face ao valor normal de mercado dos lotes de terreno em causa, apurado em sede de prova pericial.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante aduz, em primeiro lugar, que o Tribunal “a quo” incorreu no vício de excesso de pronúncia, pois foi além do que lhe foi pedido pelas sociedades impugnantes e ora recorridas. Que estando provado nos presentes autos que as sociedades impugnantes/recorridas não peticionaram a anulação dos actos que fixaram o valor normal de mercado (VNM), mas apenas os actos que fixaram o valor patrimonial tributário (VPT) dos referidos lotes de terreno, não podia o Tribunal decidir-se pela anulação das referidas segundas avaliações como decidiu, com base na ilegalidade do dito VNM dos lotes de terreno sob avaliação (cfr.conclusões 5, 16, 17 e 22 a 24 do recurso) com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a excesso de pronúncia.
A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de “ultra petita”), como causa de nulidade da sentença, está este previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/9/2010, rec.1149/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5265/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.6817/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6832/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.).
No caso “sub judice”, conforme de retira do exame do articulado inicial do processo, as sociedades impugnantes/recorridas fazem menção, tanto ao VPT, como ao VNM (cfr.v.g.artºs.74 a 79 da p.i.), sempre para assacarem a ilegalidade do VPT fixado nos actos de segunda avaliação, tudo em virtude da distorção, superior a 15%, que no caso se verificava face ao VNM respectivo. É, precisamente, este o fundamento da decisão do Tribunal “a quo”, atento o mencionado supra (cfr.resultados da avaliação enfermarem de ilegalidade derivada da manifesta desproporção face ao valor normal de mercado dos lotes de terreno em causa, apurado em sede de prova pericial).
Mais, a própria Fazenda Pública, na contestação apresentada (cfr.fls.1343 a 1374 dos autos - IV volume) faz menção aos dois valores em causa, VPT e VNM (cfr.v.g.artºs.123 a 127 da contestação).
Em conclusão, o Tribunal "a quo" moveu-se dentro dos parâmetros das questões que lhe foram postas pelas partes, pelo que a sentença não incorreu em pronúncia excessiva, assim se julgando improcedente este esteio do recurso.
Defende o recorrente, em segundo lugar e em sinopse, que o procedimento de segunda avaliação não padece de qualquer ilegalidade, pois também os peritos avaliadores confirmaram a existência da distorção superior a 15%, face ao VNM. Que o VPT fixado em sede de segunda avaliação foi obtido de forma objectiva e de acordo com o disposto no artº.45, do C.I.M.I. Que relativamente ao VPT fixado o Tribunal “a quo” não deu como provado que o mesmo padecesse de qualquer ilegalidade. Que ao servir-se do relatório pericial para determinar a anulação do VPT laborou a decisão recorrida em erro de julgamento de facto e de direito, erro este que acaba por inquinar a decisão na totalidade (cfr.conclusões 14, 18 a 21 e 28 a 30 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal pecha.
O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, 2007, pág.53 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.15 e seg.).
O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos artºs.38 a 70, do respectivo Código. O objectivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38, do C.I.M.I., com a seguinte expressão (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.55 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.28 e seg.):
VPT = Vc x A x Ca x CL x Cq x Cv
em que:
VPT = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;
CL = coeficiente de localização;
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
A avaliação assenta nestes seis coeficientes, todos eles de carácter objectivo que se podem agregar em dois conjuntos:
1-Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL).
2-Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez - Cv (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/2/2012, proc.4950/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7223/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.6982/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/02/2017, proc.5366/12).
Especificamente, o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no artº.45, do C.I.M.I. O modelo de avaliação é igual ao dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto. É que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr.artº.6, nº.3, do C.I.M.I.; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.107 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/02/2017, proc.5366/12).
Revertendo ao caso dos autos, defende o recorrente que o VPT fixado em sede de segunda avaliação foi obtido de forma objectiva e de acordo com o disposto no artº.45, do C.I.M.I., assim não padecendo de qualquer ilegalidade e não podendo ser anulado pelo Tribunal “a quo”.
Pelo contrário, o Tribunal “a quo” concluiu que os resultados da segunda avaliação enfermam de ilegalidade derivada da manifesta desproporção face ao valor normal de mercado dos lotes de terreno em causa, apurado em sede de prova pericial, pelo que decretou a sua anulação total, assim abarcando os valores fixados de VPT e de VNM.
Vejamos quem tem razão.
De acordo com a factualidade provada (cfr.nºs.1 e 2 do probatório), os terrenos para construção objecto da segunda avaliação escrutinada no presente processo foram transmitidos da primeira para a segunda impugnante, na qualidade de incorporante, em virtude da cisão/fusão operada em 2007, avaliação essa relevante em sede de I.M.T.
Recorde-se que nos termos do artº.2, nº.5, al.g), do C.I.M.T., as operações de fusão estão sujeitas a I.M.T., quando envolvam a transmissão de bens imóveis. O valor tributável sujeito a imposto corresponde ao maior dos valores, do valor patrimonial tributário dos imóveis transmitidos ou do valor por que sejam contabilizados no activo das sociedades para onde se transmitem, consoante o que for mais elevado, nos termos do artº.12, nº.4, regra 13, do C.I.M.T. O sujeito passivo do imposto é a sociedade para a qual os bens são transmitidos (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.287 e seg.).
Avançando, deve fazer-se a exegese da norma constante do artº.76, do C.I.M.I., na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12, a aplicável ao caso "sub judice" (cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil):
Artigo 76.º
(Segunda avaliação de prédios urbanos)
1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, podem, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado.
2 - A segunda avaliação é realizada com observância do disposto nos artigos 38.º e seguintes, por uma comissão composta por um perito regional designado pelo director de finanças em função da sua posição na lista organizada por ordem alfabética para esse efeito, que preside à comissão, um vogal nomeado pela respectiva câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante.
3 - Pelo pedido da segunda avaliação é devida uma taxa a fixar entre 5 e 20 unidades de conta, tendo em conta a complexidade da matéria, cujo montante é devolvido se o valor patrimonial se considerar distorcido.
4 - Não obstante o disposto no n.º 2, desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efectua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º, quando se trate de edificações, ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado no caso dos terrenos para construção e dos terrenos previstos no n.º 3 do mesmo artigo.
5 - Para efeitos dos números anteriores, o valor patrimonial tributário considera-se distorcido quando é superior em mais de 15 % do valor normal de mercado, ou quando o prédio apresenta características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitectura, e o valor patrimonial tributário é inferior em mais de 15 % do valor normal de mercado.
6 - Sempre que o pedido ou promoção da segunda avaliação sejam efectuados nos termos do n.º 4, devem ser devidamente fundamentados.
7 - É aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 6 do artigo 74.º e nos n.ºs 4 a 6 do artigo 75.º
8 - Quando uma avaliação de prédio urbano seja efectuada por omissão à matriz ou na sequência de transmissão onerosa de imóveis e o alienante seja interessado para efeitos tributários deverá o mesmo ser notificado do seu resultado para, querendo, requerer segunda avaliação, no prazo e termos dos números anteriores, caso em que poderá integrar a comissão referida no n.º 2 ou nomear o seu representante.
9 - Nas avaliações em que intervierem simultaneamente o alienante e o adquirente ou os seus representantes, o perito regional que presidir à avaliação tem direito a voto e, em caso de empate, voto de qualidade.
10 - Na designação dos peritos regionais que integram a comissão referida no n.º 2, deve atender-se ao seu domicílio e à localização do prédio a avaliar, com vista a uma maior economia de custos.
11 - A designação dos vogais nomeados pela câmara municipal é efectuada nos seguintes termos:
a) São afectos por tempo indeterminado, a um ou mais serviços de finanças;

b) Na falta de nomeação do vogal da câmara municipal por prazo superior a 20 dias a contar da data em que for pedida, a comissão é composta por dois peritos regionais designados pelo director de finanças, um dos quais preside, e pelo sujeito passivo ou seu representante;
c) Na falta de comparência do vogal nomeado pela câmara municipal, o chefe de finanças nomeia um perito regional, que o substitui.
12 - É aplicável aos vogais designados pelas câmaras municipais, o disposto nos artigos 67.º e 69.º.
13 - No caso dos prédios em compropriedade, sempre que haja mais do que um pedido de segunda avaliação, devem os comproprietários nomear um só representante para integrar a comissão referida no n.º 2.
14 - A remuneração do vogal é da responsabilidade da câmara municipal e do sujeito passivo no caso do seu representante.

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Do exame da norma sob exegese, deve concluir-se que a mesma consagra um regime de excepção, tendo por pressuposto, além do mais, a existência de um desvio do valor da 1ª. avaliação em mais de 15% face ao valor normal de mercado do imóvel em causa (nº.5 da norma).
Por outro lado, no que aos terrenos para construção diz respeito, consagra o legislador o respectivo valor patrimonial tributário, a fixar pela comissão na segunda avaliação, tendo sempre como elemento aferidor o dito valor normal de mercado, visto dever resultar do método comparativo dos valores de mercado (cfr.nº.4 da norma; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.186; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.268 e seg.).
Pode definir-se o valor de mercado como o montante pelo qual se estima que um imóvel, adequadamente publicitado, seja transaccionado à data da avaliação entre um comprador e um vendedor interessados, cada um dos quais actuando independentemente um do outro, com prudência, sem coacção e com pleno conhecimento do mercado. A sua medida pode ser estimada com base no valor pelo qual se tem vindo a transaccionar a maioria dos bens com características semelhantes às do bem em apreço. Cada uma dessas transacções deverá ser efectuada sem coacção entre o vendedor que quer vender e o comprador que quer comprar, devendo estes ser conhecedores das alternativas possíveis no mercado e seus valores (cfr.Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.118 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.24).
Por último, refira-se que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2009, rec.765/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/4/2016, rec.824/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/02/2017, proc. 5366/12).
Revertendo ao caso dos autos, o pedido de segunda avaliação formulado pelas impugnantes/recorridas foi efectuado e fundamentado ao abrigo do citado artº.76, do C.I.M.I., pelo que a dita avaliação teria de considerar aquele valor de mercado.
E de facto nas segundas avaliações foram apurados valores normais de mercado, com os quais as impugnantes/recorridas expressam viva discordância.
Como ponto prévio impor-se-á saber qual o valor das conclusões constantes do relatório pericial junto em apenso aos autos e estruturado no âmbito de prova pericial ordenada pelo Tribunal (cfr.nº.11 do probatório).
Tal como decorre das disposições conjugadas dos artºs.341 e 388, do C.Civil, a prova pericial destina-se a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes, distinguindo-se das demais por ter como objecto a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (cfr.Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.575 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1982, pág.337 e seg.).
Nos presentes autos foi produzido relatório pericial, o qual foi notificado às partes (cfr.despacho exarado a fls.1412 dos presentes autos - IV volume). Sucede que, confrontadas com o relatório pericial, as partes nada fizeram, conformando-se com as respetivas conclusões.
Ora, sendo certo que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal (cfr.artº.389, do C.Civil, artº.489, do C.P.Civil), ponto é que a prova pericial tem como objecto, repete-se, a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina.
Donde, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, designadamente da prova testemunhal, pois o juízo científico que encerra o parecer pericial só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica.
Ou seja, se o Tribunal entender que não é de acatar o juízo técnico/científico formulado pelos peritos, pode/deve ordenar a realização de uma segunda perícia colegial. O que não pode fazer é, sem ordenar aquela segunda perícia, contrariar o juízo pericial com base numa argumentação somente jurídica (cfr.ac.Tribunal da Relação de Coimbra, 24/04/2012, proc.4857/07.6TBVIS.C1).
Aqui chegados, a aceitação do juízo científico realizado pelos peritos tem inequívocas consequências no caso “sub judice”.
Conforme resulta das conclusões do relatório pericial (cfr.nº.11 do probatório), no que toca aos valores de construção, os resultados da perícia agora efectuada permitiram evidenciar diferenças importantes face aos resultados expressos nas segundas avaliações promovidas pela Fazenda Publica. Tal deve-se, numa pequena parte, a curtas diferenças de áreas, no que se refere aos lotes descritos nas segundas avaliações e os que efectivamente constituem e integram a 5ª e 6ª fase do loteamento e, em grande parte, aos valores assumidos como base de cálculo da valia dos terrenos para construção e ao método utilizado.
Ora, os quadros reproduzidos na matéria de facto provada dão como resultados expressivos a ocorrência de distorções superiores a 15% entre os valores a que chegaram os peritos no relatório de prova pericial ordenada pelo Tribunal “a quo” e o valor resultante das segundas avaliações efectuadas pela A. Fiscal, por referência a todos os lotes de terreno em causa (cfr.v.g.face ao lote de terreno para construção nº.136, registado sob o artigo matricial nº.9581, em sede de segunda avaliação foi apurado o valor patrimonial tributário de € 1.786.800,00, sendo que o valor normal de mercado em que foi avaliado em sede de prova pericial ordenada pelo Tribunal “a quo” se fixou em € 1.027.630,00 - nºs.7 e 11 do probatório).
Porque assim é, cumpre concluir que os actos de segunda avaliação enfermam de ilegalidade, na medida em que os respectivos resultados se afiguram manifestamente desadequados e desproporcionados, para mais, face ao valor de mercado dos lotes de terreno, apurado em sede de prova pericial ordenada e realizada no âmbito do presente processo, contrariamente ao defendido pelo recorrente, ilegalidade essa que, obviamente, afecta o VPT resultante dos actos de segunda avaliação.
Sem necessidade de mais amplas considerações, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente também este alicerce do recurso.
Mais aduz o apelante, em síntese, que o Tribunal “a quo” não poderia anular na totalidade os actos de avaliação objecto do processo, sendo que tais actos apenas poderiam ser anulados parcialmente (cfr.conclusões 25 a 27 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Deve reconhecer-se que os Tribunais Tributários sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários, igualmente prevendo a lei tal possibilidade (cfr.artº.5, do C.P.C.Impostos; artºs.130, nº.3, e 145, do C.P.Tributário; artºs.79, nº.1, e 100, da L.G.Tributária; artº.112, nº.3, do C.P.P.Tributário).
Esta solução parece impor-se com base em dois vectores:
1-A divisibilidade do acto tributário;
2-A natureza jurídica da sentença de anulação parcial do acto tributário como de plena jurisdição (cfr.Joaquim Manuel Charneca Condesso, Anulação parcial dos actos e suas consequências legais, Revista Julgar, Edição da A.S.J.P., nº.15, pág.165 e seg.).
A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 1991, pág.1396; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/7/1985, rec.15294, A.Dout., nº.300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece, por exemplo, no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/06/2017, proc.6112/12).
Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr.José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, nº.7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75).
Por último, se dirá que, na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/06/2017, proc.6112/12; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, pág.727 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, pág.342 e seg.).
"In casu", o presente processo não tem por objecto actos de liquidação de tributos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro, antes visando a análise de actos de segunda avaliação directa realizados de acordo com o regime previsto no examinado artº.76, do C.I.M.I. Ora, salvo melhor opinião, os actos de avaliação não são divisíveis (padecendo de ilegalidade devem ser totalmente anulados), mais não cabendo ao Tribunal substituir-se à Administração numa tarefa que é necessariamente sua.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio do recurso.
Por último, defende o recorrente, em síntese, que deve ser dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça no âmbito do presente processo (cfr.conclusões 31 a 56 do recurso).
Antes de mais, deve reconhecer-se como correcta a fixação do valor da presente acção pelo Tribunal “a quo”, na sentença recorrida e ao abrigo do artº.97-A, nº.1, al.c), do C.P.P.T., no montante de € 119.574.330,00, dado que os actos objecto do presente processo se reconduzem à fixação de valores patrimoniais (actos de avaliação) que atinge tal quantia, contestada pelas sociedades impugnantes e ora recorrentes.
Por outro lado, em despacho exarado a fls.1610 e 1611 dos autos, o Tribunal “a quo” reformou a sentença recorrida no que à questão do pagamento do remanescente da taxa de justiça diz respeito, mais dispensando o seu pagamento na parte que exceda o montante de € 500.000,00.
As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).
O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:
Artigo 6.º
Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.
4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.
5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).
O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.
Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).
Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:
Artigo 530º.
Taxa de justiça
(…)
7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).
Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).
Revertendo ao caso dos autos, nesta instância de recurso, porque reunidos os respectivos pressupostos (do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e da pouca complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora), mantém-se a decisão do Tribunal “a quo” de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte que exceda o montante de € 500.000,00.
Atento tudo o relatado, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
Resta apreciar a suscitada litigância de má-fé da Fazenda Pública, matéria apresentada pelas sociedades impugnantes e ora recorridas nas contra-alegações do recurso, conforme supra aludido (cfr.fls.1575 a 1580 dos autos).
Não nos dá o ordenamento jurídico-tributário a noção de litigância de má-fé, devendo ir buscar-se ao C.P.Civil, o qual se aplica supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário; artº.104, da L.G.Tributária).
Neste campo, o princípio geral a observar, decorrente do próprio direito de acção, consagrado no artº.20, da C.R.P., é o de que o processo deve proporcionar às partes a ampla e incondicionada possibilidade de dirimir, com intensidade, liberdade e abrangência, as suas razões de facto e de direito, segundo um espírito de razoabilidade e equilíbrio, mas igualmente sem inibições ou constrangimentos, que possam eventualmente advir do receio de futuras penalizações, assentes no entendimento que o Tribunal vier a adoptar sobre os temas em discussão.
Em consonância com o disposto no artº.266-A, do C.P.Civil (cfr.artº.8, do actual C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) o qual impõe às partes o dever geral de probidade, estatui o artº.456, nº.1, do mesmo diploma legal (cfr.artº.542, nº.1, do actual C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) que será condenado em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, o litigante de má-fé.
Na descrição da figura do litigante de má-fé, o texto legal diz-nos que se deve considerar como tal aquele que actuando com dolo ou negligência grave (cfr.artº.542, nº.2, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc.6235/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13; José Alberto dos Reis, C.P.Civil Anotado, II, 3ª. Edição-Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág.263):
1-Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
2-Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factualidade relevante para a decisão da causa (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
3-Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou use o processo ou os meios processuais de forma manifestamente reprovável (modalidades de dolo ou negligência grosseira instrumental).
O dolo ou negligência grosseira substancial dizem respeito à relação material ou de direito substantivo, enquanto que o dolo ou negligência grosseira instrumental dizem respeito à relação jurídico-processual. No primeiro caso o litigante visa a obtenção de decisão de mérito que não corresponda à verdade e à justiça. No segundo a parte procura cansar o seu adversário, somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transacção injusta.
Na base da má-fé encontra-se o seguinte vector essencial: consciência de não ter razão. É necessário que as circunstâncias do caso induzam o Tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 5/6/2000, rec.24971, Ac.Dout., nº.466, pág.1302 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc.6235/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13).
O instituto da litigância de má-fé deve ser, nesta perspetiva, reservado, em moldes relativamente apertados, para as condutas processuais inequivocamente inadequadas ao exercício de direitos ou à defesa contra pretensões, assentando num critério semelhante ao que se encontra subjacente à figura do abuso de direito que se situa apenas no âmbito dos direitos substantivos e está genericamente consagrada no artº.334, do C.Civil (cfr. Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, pág.193 e seg.; Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pág.368 e seg.).
Com o instituto da litigância da má-fé pretende-se, pois, acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo Tribunal e pela própria Justiça.
Especificamente quanto à possibilidade de condenação da A. Fiscal no pagamento de uma sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras da litigância de má-fé, deve levar-se em consideração o citado artº.104, nº.1, da L.G.Tributária, normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas de patente violação, por banda da Fazenda Pública, dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé. O comportamento sancionado no preceito é apenas o da actuação da Administração no processo judicial e não também o tido no processo administrativo gracioso (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.Protuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.892).
Voltando ao caso dos autos, não vislumbra este Tribunal que se verifiquem os necessários pressupostos legais, que, para efeitos da sua condenação, a tal título, no âmbito em que nos movemos, se encontram, expressa e taxativamente, elencados no citado artº.104, nº.1, da L.G.Tributária. Concretizando, a conduta da A. Fiscal no âmbito do presente processo não se mostra patentemente violadora dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé, pelo que improcede o pedido formulado pelas impugnantes/recorridas.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas, mais ordenando que se proceda à estruturação da conta de custas do presente processo, tendo em conta o máximo de € 500.000,00 fixado na Tabela I, anexa ao R.C.P., e desconsiderando-se o remanescente.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 22 de Março de 2018


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)