Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:392/22.0 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
CO-EXECUTADO
Sumário:I-É manifestamente insuficiente para asseverar a existência de citações a menção em prints da tramitação informática e bem assim em afirmações constantes em informações oficiais sem estarem devidamente documentadas, concretamente, sem a junção dos respetivos avisos de receção.
II-O artigo 49.º da LGT, relativo às causas de suspensão e interrupção da prescrição, refere-se à citação para a execução fiscal e não a qualquer outra comunicação, ainda que da mesma resulte a existência de dívidas em cobrança coerciva.
III-A falta de citação em processo tributário não pode ser sanada por qualquer ato de que advenha conhecimento da dívida executiva, e independentemente das intervenções processuais que tenham sido concretizadas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação apresentada por H..., e declarou extinta por prescrição a dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 1945201001030906 e apensos, a correr no Serviço de Finanças de Almeirim, respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2009, e 2010.


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos artigos 48.º, 49.º e 68.º, n.º 4 , todos da LGT; artigos 326.º e 327.º ambos do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT.


B) Tudo assim, devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade e do Principio da Justiça, o qual, abarca todos os demais.

C) Também, deveria o respeitoso Aerópago a quo, ter melhor valorado e considerado o teor do acervo probatório documental constante dos autos (maxime, o teor do vertido na informação oficial do Serviço de Finanças de Almeirim constante de págs. 68 e sgs. da numeração da plataforma do SITAF);

D) assim como a informação da AT, a propósito da oposição apresentada pela aqui reclamante – (cfr. doc.3 junto com a douta petição inicial) a partir do qual, resulta dos autos que o co-executado, A..., foi citado em 11/7/2017

E) e o documento de pág. 44 da numeração do SITAF, a que corresponde o direito de audição exercido pela Reclamante em face da divulgação das listas de devedores tributários na Internet).

F) Ao que acresce a vicissitude de o respeitoso Tribunal a quo, ter extraído erradas ilações jurídico-factuais da matéria dada como assente (mormente a vertida no item 1), 2) e 3) do probatório.

G) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime pela constatação da não verificação de uma qualquer prescrição da divida exequenda.

H) Pelo que, a Recorrente, com o devido e elevado respeito, conclui não ter razão o respeitoso Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão sindicada, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao quadro fáctico em apreço, tendo preconizado erro de julgamento.

I) Como as conclusões do recurso exercem uma importante função de delimitação do objeto daquele, devendo “corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” - (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 147),

J) A delimitação do objecto do recurso supra elencado, é ainda melhor explanado, explicitado e fundamentado do item 17º ao 35º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles, que por economia processual, aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais, as presentes Conclusões, são parte integrante.

K) Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas, referenciadas e dadas como assentes nos presentes autos, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo,

L) pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo Areópago, de certo, que teria sido outro.

M) Nem, tão pouco, da factualidade dada como assente e do acervo probatório existente nos autos sub judice, foram extraídas ilações jurídico-factuais assertivas por parte do respeitoso Areópago recorrido.

N) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA! “


***




A Recorrida não apresentou contra-alegações.



***




O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.



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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

***




II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:


“Com relevância para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

1. Em 24-12-2010, foi pelo Serviço de Finanças de Almeirim instaurado contra A... e a Oponente, o processo de execução fiscal n.º 1945201001030906, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IRS do ano de 2009, no valor de € 81.906,81 (cfr. processo de execução fiscal – PEF – apenso a fls. 55 a 67 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Em 25-07-2017 a Reclamante apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira pronúncia escrita sobre o projecto de inclusão na lista de devedores (cfr. fls. 44 a 54 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 22-10-2021 foi emitido em nome da Reclamante notificação a comunicar a penhora de imóvel com o seguinte teor:


(cfr. fls. 4 a 43 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 21-12-2021 foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almeirim, despacho com o seguinte teor:



«texto no original»


(cfr. PEF apenso a fls. 55 a 67 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Em 22-12-2021 foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almeirim, despacho com o seguinte teor:


(…)


(…)


(cfr. fls. 4 a 43 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Em 22-02-2022 foi assinado o aviso de recepção que acompanhava a citação da Reclamante para o processo de execução fiscal n.º 1945201001030906 e apensos, no valor total de € 71.433,96 (cfr. PEF apenso a fls. 55 a 106 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. A presente Reclamação foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Almeirim em 04-03-2022, tendo dado entrada neste Tribunal em 18-04-2022 (cfr. fls. 1 e 43 dos autos);


***


A decisão recorrida fixou como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.”


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A sentença recorrida consignou a seguinte motivação da decisão de facto:

“A convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos juntos pelas partes bem como do processo de execução fiscal apenso, não impugnados, bem como na posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada número do probatório, tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.”


***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação do facto 1, em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

1. A 24 de dezembro de 2010, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Almeirim contra A... e H... , o processo de execução fiscal n.º 1945201001030906 e respetivos apensos, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de dívidas de IRS dos anos de 2009 e 2010, no valor de € 81.906,81 (facto não controvertido, facto expressamente assumido no articulado de contestação e facto que se extrai do PEF – apenso a fls. 55 a 67 dos autos numeração plataforma SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

8) A 30 de novembro de 2021, M…., remete email endereçado, para a Direção de Finanças de Santarém-Representação da Fazenda Pública com o seguinte teor:


«texto no original»


(cfr. fls. 60 do PEF apenso, numeração plataforma SITAF);

9) A 6 de dezembro de 2021, e na sequência do email referido no ponto antecedente, A...s, remete email endereçado, para o Diretor de Serviços, com o seguinte teor:


«texto no original»


(cfr. fls. 61 do PEF apenso, numeração plataforma SITAF);

10) A 20 de dezembro de 2021, J…, Representante da Fazenda Pública, remete email endereçado, para o Serviço de Finanças de Almeirim, com o seguinte teor:


«texto no original»


(cfr. fls. 62 do PEF apenso, numeração plataforma SITAF);

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Por se entender relevante para a presente lide, adita-se, ainda como facto não provado, o seguinte:


A). Não resulta provado que o Serviço de Finanças de Almeirim tenha procedido à expedição de aviso postal registado com aviso de receção endereçado a A..., tendente à citação no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1945201001030906 e apensos melhor identificado em 1).

(O Tribunal ad quem entende que não resultou provada a aludida factualidade visto que do processo de execução fiscal apenso não consta qualquer elemento que ateste a respetiva citação, mormente, o correspondente aviso de receção.
Acresce que é a própria Entidade Exequente que reconhece que não possui os avisos de receção de ambos os executados, inferindo-se da factualidade assente, mormente, da, ora, aditada que a evidência a 11 de julho de 2017, coaduna-se, tão-só, com a, eventual, existência de um print da tramitação do sistema informático, sendo que -como é consabido e Jurisprudência unânime- é manifestamente insuficiente para asseverar a existência de citações a menção em prints da tramitação informática e bem assim em afirmações constantes em informações oficiais sem estarem devidamente documentadas, concretamente, sem a junção dos respetivos avisos de receção.
Ademais, infere-se, outrossim, que nem, tão-pouco, foi localizada a corporização da citação de ambos os executados no sistema SECIN.
Acresce que, é justamente face a essa impossibilidade de prova das citações pessoais de ambos os co-executados, que não só da Reclamante –entenda-se em data anterior à efetivada a 22 de fevereiro de 2022- que a AT procede à revogação da penhora que havia fundado a dedução da oposição ao processo de execução fiscal, e ordena, em consequência, a efetivação de citação da, ora, Reclamante.
E por assim ser, ter-se-á de consignar como factualidade não provada o facto, ora, aditado.)


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação e declarou extinta, por prescrição, a dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 1945201001030906 e apensos, respeitante a IRS dos anos de 2009 e 2010.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

Ø Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto, por deficiente valoração da factualidade constante no acervo fático e, bem assim, por falta de ponderação de asserções constantes, designadamente, em informações oficiais.

Ø Estabilizada a matéria de facto, importa apreciar se a decisão incorreu em erro de julgamento de direito, competindo para o efeito analisar:

o Se o Tribunal a quo errou ao considerar que as dívidas objeto de cobrança coerciva nos processos de execução fiscal n.º 1945201001030906 e apensos se encontram prescritas, aquilatando, para o efeito, do respetivo regime jurídico, causas de suspensão e interrupção e validade das mesmas, mormente, da citação do co-executado.

Vejamos, então.

Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente sustenta, desde logo, que o Tribunal a quo deveria ter valorado o teor do vertido na informação oficial do Serviço de Finanças de Almeirim, e da oposição apresentada pela Reclamante dos quais resulta que o co-executado, A..., foi citado em 11 de julho de 2017.

Mais propugna que, o direito de audição exercido pela Reclamante em face da divulgação das listas de devedores tributários na Internet, não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo.

Vejamos, então.

Importa, desde já, relevar que a Recorrente se limita a convocar erro de julgamento de facto, sem proceder à impugnação da matéria de facto ao abrigo do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, não requerendo qualquer aditamento por complementação, supressão ou substituição ao probatório.

Contudo, e tendo por base as alegações da Recorrente, não se vislumbram os arguidos erros de julgamento da matéria de facto, não só porque o aduzido direito de audição se encontra contemplado no probatório, concretamente, no ponto 2 do probatório, como o mesmo foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo, ainda que em sentido contrário ao advogado pela Recorrente.

Sendo certo que, e conforme veremos em sede própria, a ponderação do mesmo não merece a censura que lhe é gizada no domínio da prescrição da obrigação tributária atento, desde logo, o elenco taxativo das causas de interrupção consignadas no respetivo regime normativo.

No concernente à informação oficial, de facto, a mesma não consta do elenco do probatório, no entanto, não consta, nem deve constar, na medida em que a realidade nela descrita só pode ser asseverada enquanto asserção fática se for não controvertida e, sem qualquer circunscrição no domínio da prova vinculada, o que, como é bom de ver, não sucede no caso da citação, porquanto carece do devido suporte documental no caso dos correspondentes avisos de receção.

Note-se, ademais, e conforme resulta da factualidade, ora, aditada por este Tribunal e no âmbito dos seus poderes de cognição que é a própria AT que reconhece que não existe prova documental, concretamente, da assinatura dos respetivos mandados de citação de qualquer um dos executados, mormente, do co-executado A....

Com efeito, conforme resulta do probatório, é a própria AT que reconhece que inexistem comprovativos da citação, concretamente dos respetivos avisos de receção, retirando-se, claramente, da conjugação dos pontos 4) e 5) e 8) a 10) que a única asserção existente se coaduna com o print da tramitação do sistema informático, inferindo-se, adicionalmente, que nem, tão-pouco, foi localizada a corporização da citação de ambos os executados no sistema SECIN.

Logo, contrariamente ao advogado pela Recorrente, dos aludidos elementos não se infere o comprovativo da citação na pessoa do co-executado e menos ainda na data por si avançada.

Mas, igual entendimento se retira no atinente à petição de oposição, na medida em que, por um lado, a mesma foi deduzida na sequência de uma penhora e não de uma citação, e por outro lado, o despacho que ordenou a penhora e que deu origem, como visto, à oposição foi revogado, precisamente porque se afigurou “impossível provar a citação efectuada aos executados, elemento essencial para a efectivação da responsabilidade pela dívida” ordenando-se, depois, a citação da, ora, Reclamante a qual motivou a dedução da presente reclamação (destaques e sublinhados nossos).

Logo, como é bom de ver, as alegações da Recorrente não permitem concluir no sentido por si advogado, bem pelo contrário, na medida em que a sindicada citação, ao contrário do alegado pela Recorrente, não resulta, de todo, demonstrada, reconhecendo, como visto, a AT essa expressa impossibilidade de prova.

De relevar, in fine, que não se vislumbra, de todo, nem, de resto, se encontra, devidamente, substanciada a existência da errónea ilação aduzida em F).

Face a todo o exposto, não se vislumbram os apontados erros de julgamento de facto, sendo que o Tribunal ad quem no âmbito dos seus poderes de cognição já aditou a factualidade que reputou com relevo para a presente lide recursiva, e que atestam o supra expendido.


***


Assim, estabilizada a matéria de facto que releva para os presentes autos, vejamos, ora, o erro de julgamento de direito.


Cumpre, assim, aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito quando decidiu que as dívidas exequendas objeto de cobrança coerciva nos processos de execução em contendam se encontravam prescritas.


Vejamos, então.


A Recorrente defende que resultando comprovado que o co-executado, A..., foi citado a 11 de julho de 2017, e que nos encontramos perante uma dívida de IRS, dos anos de 2009 e 2010, a mesma interrompeu o prazo prescricional relativamente a este Executado, mas também em relação à Reclamante, na qualidade de responsável solidária pela dívida exequenda e em ordem ao consignado no artigo 48.º, nº 2 da LGT.


Convoca, para o efeito, Jurisprudência que reputa aplicável ao caso vertente, concretamente a prolatada por este TCAS nos processos com os nºs 351/21 e 350/21, de 12 de maio de 2022, da qual resulta, expressamente, esse entendimento.


Mais advoga que, o próprio requerimento de audição exercido pela Reclamante em face da divulgação das listas de devedores tributários permite ajuizar no sentido da interrupção da prescrição da dívida interrupção, com os devidos efeitos, in casu, não declaração da prescrição da dívida exequenda.


O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a procedência relevando, para o efeito, que a citação da Reclamante ocorreu “[a]penas em 22-02-2022, ou seja, quando há muito se havia completado o prazo de prescrição (cfr. n.º 6 do probatório). Aliás, como resulta do probatório, o próprio órgão de execução fiscal reconheceu que não se encontra demonstrada a citação da Reclamante para o processo de execução fiscal em momento anterior (cfr. n.º 4 e 5 do probatório).”


Relevou, ainda neste particular, que “[n]ão assume qualquer relevância, para efeitos de interrupção do prazo, o eventual conhecimento pela Reclamante da dívida exequenda, seja através da notificação da penhora, seja através de uma putativa notificação para inclusão na lista de devedores, não atribuindo a lei qualquer efeito interruptivo a tais circunstâncias, pois que só e apenas a citação pessoal possui o efeito interruptivo duradouro do prazo de prescrição.”


Apreciando.


Comecemos por traçar o enquadramento jurídico da prescrição.


A declaração da prescrição está dependente, por um lado, de a obrigação tributária ainda não se encontrar paga e, por outro, de ser inquestionável, face aos elementos constantes do processo, a sua ocorrência (2).


No caso dos autos as dívidas exequendas respeitam a IRS dos anos de 2009 e 2010 logo na contagem do prazo prescricional há que ter em conta o disposto no artigo 48.º, da LGT, sob a epígrafe de “Prescrição”, com a redação à data aplicável, segundo a qual:

“1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.

3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.

Quanto aos factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição importa ter em consideração que são aplicáveis os previstos na lei vigente à data em que ocorreram, ex vi nº2 do artigo 12º do Código Civil.

“ (…) não é o art. 297º do CC que regula o regime de aplicação no tempo das leis sobre efeitos (interruptivos e suspensivos) que certos factos têm sobre o decurso dos prazos de prescrição.

Os efeitos jurídicos de factos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem, como decorre do nº2 do art.12º do CC”. (3)

A atual redação do artigo 49.º da LGT, e na parte que para os autos releva, regulamenta enquanto factos interruptivos e suspensivos os seguintes:

“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.

2 - (Revogado.)

3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.

4 - O prazo de prescrição legal suspende-se:

a) Em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizados;

b) Enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida;

c) Desde a instauração até ao trânsito em julgado da ação de impugnação pauliana intentada pelo Ministério Público.

d) Durante o período de impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente.

e) Na pendência de reclamação a que se refere o artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário quando desta resulte a impossibilidade de praticar atos coercivos no respetivo processo de execução;

f) Até ao termo do prazo de suspensão e cessação de efeito a que se refere o n.º 3 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

5 - O prazo de prescrição legal suspende-se, ainda, desde a instauração de inquérito criminal até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença.”

Aqui chegados, visto os conceitos de direito, mormente, os factos interruptivos e suspensivos que, em abstrato, relevam para efeitos do cômputo do prazo prescricional, importa apurar do concreto erro de julgamento de direito na apreciação da prescrição das dívidas exequendas sindicadas.


Como supra expendido, no caso vertente, as dívidas exequendas respeitam a IRS, dos anos de 2009 e 2010, o qual, sendo um imposto periódico, implica que o seu dies a quo se circunscreva a 31 de dezembro de 2009, e 31 de dezembro de 2010, respetivamente, logo, sem consideração de quaisquer causas de interrupção e/ou suspensão, o prazo prescricional ter-se-ia consumado a 31 de dezembro de 2017 e a 31 de dezembro de 2018.


Importa, contudo, apurar das inerentes causas interruptivas. Como visto, a Reclamante convoca o artigo 48.º, nº2, da LGT e jurisprudência transponível para o caso vertente, propugnando que a citação do co-executado tem de ter os devidos e necessários reflexos, atenta a natureza da dívida em questão e a inerente responsabilidade solidária.


De relevar, desde já, que em teoria se concorda com a posição jurídica sufragada pela Recorrente, na medida em que estando devidamente comprovada a citação do cônjuge da Oponente, a mesma teria de ser valorada para efeitos do cômputo prescricional, em ordem ao consignado no artigo 48.º, nº2 da LGT.


Secundando-se, assim, a fundamentação jurídica constante nos Arestos convocados, designadamente, no âmbito do processo nº 351/21.0BECTB, de 12 de maio de 2022, do qual se extrata, no seu sumário, o seguinte:

“I - Determina o n.º 2 do art.º 13.º do CIRS que, existindo agregado familiar o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando sujeito passivo aquelas a quem incumbe a sua direcção, sendo o agregado familiar constituído pelos cônjuges não separados de pessoas e bens e os seus dependentes (alínea a) do n.º 3 do art.º 13.º do CIRS).

II - Com a citação do cônjuge da oponente em 16/01/2009, o prazo de prescrição interrompeu-se, tal prazo interrompeu-se relativamente a este executado, mas também em relação à oponente, na qualidade de responsável solidária pela dívida exequenda (art. 48º, nº 2 da LGT). A citação, para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, tem ainda um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início de um novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo de execução fiscal.

E bem assim o sumariado no processo nº 350/21.2BECTB, datado de 12 de maio de 2022:

“ I –Os responsáveis solidários, na execução fiscal, encontram-se abrangidos pelo efeito interruptivo geral da prescrição contra o devedor principal.”

Mas, a verdade é que, ainda que se secundando a fundamentação supra expendida, o presente recurso está votado ao insucesso, porquanto nos presentes autos não resulta demonstrada a citação do co-executado, ou seja, a premissa em que se funda o recurso jurisdicional da Recorrente padece de erro, o que determina a validação de reconhecimento da prescrição ajuizada pelo Tribunal a quo.


De sublinhar, neste conspecto, que nos casos constantes nos Arestos citados pela Recorrente não existe similitude no ponto fundamental da matéria de facto e que permite prolatar uma decisão em sentido contrário, ou seja, enquanto nas situações fáticas retratadas nos citados Acórdãos resultava, perentoriamente, como factualidade assente a citação do co-executado, a mesma aqui, como visto, não resulta, de todo, demonstrada.


In casu, e conforme já tivemos oportunidade de expender anteriormente a propósito do erro de julgamento de facto, e para o qual, ora, se remete não resulta demonstrada a citação do co-executado, muito menos na data avançada pela Recorrente e que se encontra contemplada, conclusivamente, numa informação oficial e em prints informáticos. Aliás, em clara contradição com as demais asserções constantes no acervo fático dos autos.


Reitera-se -novamente atenta a relevância para o caso vertente- que é, precisamente, face a essa impossibilidade de prova das citações pessoais de ambos os co-executados, que não só da Reclamante –entenda-se em data anterior à efetivada a 22 de fevereiro de 2022- que a AT procede à revogação da penhora que havia fundado a dedução da correspondente oposição, ordenando, subsequentemente, a efetivação de citação da ora Reclamante.


E por assim ser, não há que valorar a advogada citação do co-executado A..., na medida em que não provada (4).


De relevar, ainda neste particular, que a penhora e a existência de requerimento de audição prévia face à publicação da lista de devedores, não pode, de todo, lograr os efeitos pretendidos pela Recorrente, na medida em que, por um lado, estamos a falar de factualidades com abrangências díspares, e por outro lado, as aludidas ocorrências não se encontram contempladas como factos interruptivos da prescrição da obrigação tributária, os quais, como é consabido, apresentam uma enumeração taxativa e não meramente exemplificativa.


No mesmo sentido, se pronunciou o Aresto deste TCAS, prolatado no processo nº 391/22, de 31 de agosto de 2022, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“[a] comunicação sobre a inclusão numa lista de devedores (e o eventual direito de audição prévia a tal inclusão) não equivale à citação do executado para a execução, tratando-se de atuações com âmbitos e objetivos diversos.

Com efeito, a citação para os termos da execução destina-se a dar conhecimento ao visado de que foi proposta contra ele uma determinada execução fiscal, bem como, grosso modo, do montante em dívida e das opções de que o mesmo dispõe para reagir, pagar, podendo ainda, dependendo de certos pressupostos, garantir ou obter dispensa de garantia da dívida. Por seu turno, a inclusão nas listas de devedores pressupõe que tenha terminado o prazo de pagamento voluntário sem que o executado tenha cumprido as suas obrigações e, no prazo e termos legais, não tenha prestado garantia ou requerido a sua dispensa (o que pode fazer, por exemplo, na sequência da citação e dedução de oposição à execução fiscal).”

Ademais, importa ter presente que a falta de citação em processo tributário não pode ser sanada por qualquer ato de que advenha conhecimento da dívida executiva, e independentemente das intervenções processuais que tenham sido concretizadas.


Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no processo nº 0217/14, de 02 de abril de 2014:

O regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos, de que resulta que, se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem devia ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado.” (destaques e sublinhados nossos).

Conclui-se, assim, que apenas resulta provada uma causa interruptiva do prazo prescricional a qual se coadunou, como visto, com a citação da Reclamante efetuada, a 22 de fevereiro de 2002. Logo, à data da citação, as dívidas, ora, objeto de cobrança coerciva já se encontravam, efetivamente, prescritas.


E por assim ser, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, improcedendo na íntegra o presente recurso.



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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de novembro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)


(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

(2) cfr. neste sentido, a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4-7-2006, proferido no Processo nº 2598/99, integralmente disponível em www.dgsi.pt.

(3) In Jorge Lopes de Sousa, “ Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária- notas práticas”, 2ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2010, pp 101.

(4) Vide, no mesmo sentido, e atenta a ausência de prova de citação do co-executado, o processo deste TCAS, proferido no processo nº 391/22, de 31.08.2022.