Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07983/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/01/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:- PROVIDÊNCIA CAUTELAR; SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE NORMAS; LEGITIMIDADE PROCESSUAL; INTERESSE EM AGIR; LITISPENDÊNCIA; INEPTIDÃO; REQUISITOS PARA O DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA.
Sumário:i) Para efeitos de desaplicação ao caso concreto de norma imediatamente operativa, o art. 73.º, n.º 2, do CPTA confere legitimidade a quem possa ser directamente abrangido pelo campo de aplicação da norma, ou seja, ao lesado.

ii) A 1ª Requerente, associação sem fins lucrativos que tem estatutariamente como atribuição principal a defesa e valorização da indústria de Rent-a-Car, deve considerar-se parte legítima para defender os interesses colectivos dos seus associados, bem como para defender colectivamente os interesses individuais dos seus associados que actuam no mercado abrangido pelas normas suspendendas (Regulamento do Exercício de Serviços de Rent-a-Car por Empresas Sem Instalações no Domínio Público Aeroportuário e Com Reserva Devidamente Comprovada).

iii) O interesse em agir ou interesse processual pode definir-se como o interesse da parte activa em obter a tutela judicial de um direito subjectivo através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela.

iv) A excepção de litispendência pressupõe a repetição duma causa, a qual existe quando são idênticos, nas duas acções, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, para evitar que o Tribunal seja colocado na situação de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (art. 580.º, n.º 1, e 581.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

v) A ineptidão da p.i. gera a nulidade de todo o processo, nulidade esta que se consubstancia como excepção dilatória de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito da causa (cfr. art.s 186.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º, al. b), e 578.º, todos do CPC), sendo que a lei processual tributária a comina como nulidade insanável e passível de conhecimento oficioso a todo tempo até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. art.s 98.º, n.º 1, al. a), e 2.º, do CPPT).
Nos termos do disposto no art. 186.º, n.º 3, do CPC, se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial, sem que se verifique prejuízo para a sua defesa
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A…– Associação das ……………, NIF ………, com sede na Estrada do Aeroporto, n.º 421 A, …………., Montenegro, Faro e T………. – Automóveis de Aluguer ……….., NIF …….., com sede na Rua ……….., n.º 95, Montenegro, Faro, dirigiram ao TAC de Lisboa, com base no preceituado nos art.s 2.º, n.º 2, al. m), 112°, n.º 2, al. a), e 130.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), requerimento de adopção de PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA das normas contidas nos art.s. 3°, n.ºs 1, 2 e 3, 4.°, n.ºs 1, 4 e 5, als. a) a g), 6.º e 7.º do "Regulamento do exercício de serviços de rent-a-car por empresas sem instalações no domínio público aeroportuário e com reserva devidamente comprovada" ("Regulamento"), tal como aprovado pela ANA - Aeroportos de Portugal, S.A., aqui Entidade Requerida.

Alegam as sociedades Requerentes, em síntese, que pretendem impedir a vigência das supra mencionadas normas de um Regulamento elaborado e aprovado pela Requerida com o intuito exclusivo de, segundo alegam, “retirar um benefício económico manifestamente abusivo, no essencial, porque reportado a uma contrapartida que a Entidade Requerida não presta, e a uma actividade de regulamentação que se encontra cometida, nos termos da lei aplicável, a outra entidade pública reguladora”. Mais alegam que “extrapolando claramente os poderes que se lhe encontram cometidos no âmbito do respectivo contrato de concessão de serviço público, a ANA- Aeroportos de Portugal, S.A. pretende, despudoramente, aplicar coimas às rent-a-car sem instalações no domínio público aeroportuário pelo eventual mau exercício da sua actividade quando, não só o exercício efectivo da actividade por estas rent-a-car tem lugar fora da sua área de jurisdição (através de pré-reservas via Internet), como a mesma se encontra sujeita ao regime contra-ordenacional previsto em diploma próprio e cuja operacionalização é da competência do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.”. E que a “questão que assume contornos especialmente graves, na medida em que as ditas "penalidades" que a Entidade Requerida pretende aplicar às rent-a-car Associadas da primeira Requerente e à segunda Requerente têm o seu fundamento numa possível inobservância , pelas mesmas, de requisitos extremamente onerosos para o acesso aos aeroportos, também eles agora ilegalmente impostos pela Entidade Requerida, à luz das normas regulamentares suspendendas.” Ou seja, afirmam que a aplicação do dito Regulamento prejudica directa e gravemente a actividade exercida pelas Associadas da primeira Requerente e pela segunda Requerente.

As Requerentes alegam, ainda, que o Regulamento controvertido se encontra ferido de diversas ilegalidades: i) não foram observadas as formalidades que deveriam ter antecedido a aprovação do Regulamento, a saber, a efectiva audiência dos interessados e a apreciação pública, previstas nos arts. 117° e 118° do CPA; ii) as normas que regulamentam a aplicação de "penalidades", decorrentes do incumprimento de diversos condicionamentos impostos pelo Regulamento, são ilegais, porquanto, nem a lei, nem o contrato de concessão investiram a Entidade Requerida em quaisquer poderes sancionatórios, pelo que esta não detém poderes para proceder à sua aplicação; iii) tais normas regulamentares contendem com o "bloco de legalidade" actualmente vigente, uma vez que o regime sancionatório da actividade de rent-a-car já se encontra previsto no capítulo IV do Decreto-Lei n.º 181/2012 e é da competência do IMT (cfr. o art. 21° do Decreto-Lei n.º 181/2012); iv) tais normas impõem requisitos extremamente onerosos às referidas empresas, os quais se pode dizer que, no limite, inviabilizam a possibilidade destas operarem, o que configura uma manifesta violação do próprio regime contido no Decreto-Lei n.º 181/2012, com desrespeito do princípio da proporcionalidade.

Terminam formulando o seguinte pedido:

Deve a presente providência cautelar ser adaptada, e, consequentemente, deve a eficácia das normas do Regulamento ser suspensa até ser proferida decisão na correspondente acção administrativa especial a intentar, nos termos da al. a) ou b) do art. 120.º, n.º 1 do CPTA.

Caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, deve a eficácia das normas contidas (i.) nos arts. 3° n.ºs 1,2 (segmentos finais) e 3, 4°, n.os 1e 5, als. a)., b)., d). a g). e 7° do Regulamento, na parte em que procedem à regulamentação da aplicação de penalidades, (ii.) nos arts.4°, n.º 5, als. a)., b)., c)., d). e e). do Regulamento e (iii.) nos arts. 4°, n.º 5, als. a)., d)., e). do Regulamento, na parte em que procedem à regulamentação da designada "taxa de exploração" , ser suspensa até ser proferida decisão na correspondente acção administrativa especial a intentar, nos termos da al. a). ou b). do art. 120°, n.º 1 do CPTA.

Juntou 9 documentos.

A Requerida, ANA – Aeroportos de Portugal, SA, apresentou a resposta de fls. 575 e s., excepcionando a incompetência do tribunal, a ilegitimidade da 1.ª Requerente por não ter interesse em agir, a litispendência, uma vez que corre termos no TCA Sul providência cautelar intentada pela ARAC-Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis Sem Condutor, cujas normas suspendendas são as mesmas, e a ininteligibilidade parcial do pedido. Quanto ao mérito da providência defendeu a rejeição da mesma por não verificação dos pressupostos prévios do requerimento da providência cautelar, devendo, em consequência, a requerida ser absolvida da presente instância cautelar.

Juntou 12 documentos.




A Mma. Juiz do TAC de Lisboa, por sentença de 2.04.2014, declarou-se incompetente em razão do território e competente o TAF de Loulé.

Por sentença de 21.07.2014, a Mma. Juiz do TAF de Loulé declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido com o fundamento de que a competência para do mesmo conhecer está cometida à Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul por força do disposto no art. 38.º, al.s c) e d) do ETAF.

Nessa sequência, após requerimento de fls. 837-838 das Requerentes, pelo despacho de fls. 847-848, transitado em julgado, foram os autos remetidos a este TCA.


Neste Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve visto do processo (cfr. fls. 867).


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.


II. Fundamentação

II.1. De facto

Com relevo para a decisão da presente providência, o Tribunal considera indiciariamente provada a seguinte matéria de facto com suporte, além do mais, documental:

1. A Requerente, “A. – Associação das Empresas ………………….” é uma associação sem fins lucrativos que tem estatutariamente como atribuição principal a defesa e valorização da indústria de Rent a Car, reclamando por melhores condições para o exercício da sua actividade (cfr. art.s 1.º e 2.º, a) do seu Estatuto – doc. 4, a fls. 120 e s., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2. A requerida, “ANA - Aeroportos de Portugal, S.A.”, é concessionária do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil, nos termos do art. 5, do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, e do contrato de concessão assinado com o Estado em 14.12.2012.

3. A Requerida aprovou o "Regulamento do Exercício de Serviços de Rent-a-Car por Empresas Sem Instalações no Domínio Público Aeroportuário e Com Reserva Devidamente Comprovada” (cfr. documento constante do proc. adm. apenso – não numerado);

4. O identificado regulamento entrou em vigor a 1 de Abril 2014 e veio estabelecer e definir as condições exigidas para o acesso e permanência nas áreas adjacentes aos terminais dos aeroportos administrados pela "ANA, S.A.", para o exercício da actividade de aluguer de veículos automóveis sem condutor (rent-a-car), por pessoas singulares ou colectivas que não disponham de estabelecimento ou instalações nos aeroportos (cfr. art. 1º do regulamento).

5. O mesmo proibiu actividades ou serviços de rent-a-car nos parques públicos de estacionamento dos aeroportos, das entidades que não estejam expressa e previamente autorizadas pela "ANA, S.A." para a utilização de um determinado parque de estacionamento para o efeito, com a cominação das penas fixadas no art. 7.º, do Regulamento (cfr. art.s. 3.º e 4.º, do Regulamento).

6. E fixou, nos termos do seu art. 4.º, as condições para o exercício de serviços admitidos nos aeroportos, limitando o exercício desses serviços a entidades com reserva prévia, sujeita ao pagamento das seguintes taxas, consagradas no art. 6º, do mesmo Regulamento:

"1. O acesso ao perímetro aeroportuário por quaisquer Entidades para entrega de veículo de passageiros sem condutor (…) é sujeito ao pagamento dos seguintes valores fixos, a título de taxa de exploração ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 39.º do Decreto-lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro:

a) por cada entrega, nos locais identificados nos Aeroportos, de veículo a clientes com Reserva Prévia devidamente justificada, são devidos os seguintes valores, acrescidos da taxa legal de IVA em vigor:

i) automóveis ligeiros de passageiros: 17€ por veículo;

ii) motociclos: 10€ por veículo;

iii) triciclos: 10€ por veículo;

iv) quadriciclos: 10€ por veículo;

v) veículos de características especiais: 10€ por veículo.

b) por cada visita por viatura de transporte de passageiros (shuttles) com capacidade até 9 passageiros, para recolha nos locais identificados nos Aeroportos de clientes com Reserva Prévia, é devida a quantia de 20 € por viatura utilizada.

c) por cada visita por viatura de transporte de passageiros (shuttles) com capacidade superior a 9 passageiros, para recolha nos locais identificados nos Aeroportos de clientes com Reserva Prévia, é devida a quantia de 24 € por viatura utilizada.

2. O quantitativo dos valores da taxa de exploração estabelecidos no presente Regulamento é livremente atualizável pela ANA, SA.

(…)”;

7. Nos termos dos art.s 5.º e 7.º do Regulamento, a requerida "ANA, S.A.", atribui-se a si própria poderes de "monitorização e fiscalização" da actividade de entrega do veículo ao cliente que o reservou junto ao terminal do aeroporto ou da disponibilização de transporte por shuttle ao mesmo cliente até outro local de entrega, incluindo tais poderes as "recolhas de informação, designadamente por amostragem, com recurso inclusive a meios tecnológicos, para posterior comparação com as declarações" das empresas de rent-a-car e aos "meios de CCTV e outros instalados nos Aeroportos" (cfr. art. 7º do regulamento).

8. Mais prevendo o citado regulamento, no seu art. 7.º, diversas penalidades aplicáveis para o caso de incumprimento das normas de conduta consagradas nos anteriores preceitos do mesmo regime (cfr. art. 7º do Regulamento).

9. A 1.ª Requerente adoptou deliberação tomada pelos seus associados em 11.03.2014, aprovada por unanimidade, donde consta: “(…) deveria ser feita uma providência cautelar, caso a posição da ANA fosse irredutível na entrada em vigor do novo Regulamento (…)” (cfr. doc. de fls. 117).



II.2. De direito

Na apreciação do presente pedido cautelar, tem prioridade o conhecimento da matéria de excepção suscitada e ainda não decidida: a ilegitimidade activa da primeira Requerente, a litispendência e a ininteligibilidade do pedido.

Vejamos então.

A Requerida suscitou a ilegitimidade activa da A……. – Associação das …………….. com fundamento no facto de esta ser uma simples associação sem fins lucrativos, não tendo qualquer estatuto especial que lhe permita defender em juízo os interesses dos seus associados.

Porém, a excepção suscitada não procede.

Como se afirmou no acórdão deste TCAS de 12.01.2012, no proc. 8224/11, para efeitos de desaplicação ao caso concreto de norma imediatamente operativa, o art. 73º, n.º 2, do CPTA confere legitimidade a quem possa ser directamente abrangido pelo campo de aplicação da norma, ou seja, ao lesado (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, 3ª.edição, 2010, p. 492 e s.). Por outro lado, ainda à luz do mesmo art. 73.º, n.º 2, interpretado em conformidade com os art.s 20.º e 46.º da Constituição, no caso concreto a Requerente em causa deve considerar-se parte legítima para, nos autos, defender os interesses colectivos dos seus associados, bem como para defender colectivamente os interesses individuais dos seus associados que actuam no mercado abrangido pelas normas suspendendas (cfr., em caso análogo, o ac. deste TCAS de 23.01.2014, proc. n.º 10564/13).

No caso em apreço, considerando que as normas suspendendas produzem efeitos imediatos sobre as empresas que actuam no mercado de aluguer de curta duração tenham ou não estabelecimento/instalações nos aeroportos geridos pela Requerida – o que não sofre contestação – está, por conseguinte, em causa um interesse que é comum a todas as entidades que integram este tipo de mercado, que afecta de forma imediata e directa toda essa actividade, em especial, as condições do exercício da actividade dos estabelecimentos de rent-a-car das empresas associadas da requerente concessionados pela requerida nos aeroportos.

Por outro lado ainda, a legitimidade deve aferir-se pela relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo autor (no caso a Requerente). E para resolver a questão da legitimidade há que atender à substância do pedido formulado e à concretização da causa de pedir, de tal maneira que partes legítimas na acção são os sujeitos da relação material definida através destes dois elementos. Ou seja, os Autores são parte legítima quando são os titulares da por si alegada relação material controvertida (a legitimidade como pressuposto processual geral exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste: a pretensão ou pedido) e, portanto, quando detêm a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o, independentemente da procedência ou não deste (art. 30.º do CPC e 9.º do CPTA). Ora, em face da alegação vertida no requerimento inicial para sustentar a causa de pedir, designadamente o alegado nos seus artigos 10.º e 11.º, 13.º e 17.º a 35.º, é manifesto que a 1.ª Requerente, em representação dos seus associados, figura na relação material controvertida alegada.

Mais, como provado em 9., a 1.ª Requerente foi expressamente mandatada pelos seus associados para propor a presente providência cautelar.

Mas se o que é verdadeiramente colocado em causa pela Requerida é a falta de interesse em agir da 1.ª Requerente (o que se poderá retirar da leitura da sua contestação), também por esta via não lhe assiste razão.

Intimamente conexionada com o pressuposto processual da legitimidade, mas que com ele não se confunde, situa-se o pressuposto processual inominado que é designado por interesse processual ou interesse em agir [1]. A legitimidade, baseada na posição (subjectiva) da pessoa perante a relação controvertida distingue-se do interesse em agir, traduzido na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial. Note-se que este interesse reside afinal na utilidade para as partes da decisão judicial, ou, dito de outro modo, um interesse que reclama a tutela judiciária.

Em suma, haverá interesse em agir quando o direito do demandante esteja carecido de tutela judicial, representando o interesse em utilizar a acção judicial e em utilizar o processo respectivo, para ver satisfeito o interesse substancial lesado pelo comportamento da parte contrária.

É certo que o interesse em agir não está expressamente consagrado na lei processual, mas, não obstante, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que se trata de um pressuposto processual (inominado) que se traduz na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a acção. [2]

Deste modo, e retomando a questão acima enunciada, importa averiguar se a 1.ª Requerente tem interesse não no objecto do processo, mas no próprio processo em si. Isto é, não basta a invocação de um direito ou interesse legalmente protegido, necessário é achar-se em situação tal que necessita do processo – rectius, do tipo/meio processual efectivamente em uso –, para a sua tutela.

Ora, atentas as suas atribuições estatutárias facilmente se vê o interesse – interesse na sua acepção jurídica estrita – que a 1.ª Requerente pode avocar relativamente à pronúncia judicial a emitir nos autos: trata-se de um interesse colectivo de defesa dos interesses dos seus associados.

Assim, de acordo com o disposto nos art.s 9.º, 73.º, n.º 2, 55.º, n.º 1, al. c), 68.º, n.º1, al. b), e 130.º, n.ºs 1 e 4, do CPTA, é a 1.ª Requerente parte legítima, e tem interesse em agir, com o que a suscitada excepção terá que improceder.

Vejamos agora a excepção de litispendência.

Segundo o art. 580.º, n.º 1 do CPC:

1- As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado.

E de acordo com o art. 581.º, n.ºs 1 e 2, do CPC:

1- Repete -se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 — Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

(…).”

Temos pois que a excepção de litispendência pressupõe a repetição duma causa, a qual existe quando são idênticos, nas duas acções, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, para evitar que o Tribunal seja colocado na situação de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.

Ora, desde logo não há identidade de sujeitos entre uma acção proposta pela A…– ASSOCIAÇÃO DOS ………….. (processo n.º 7576/14) e a presente acção proposta pela A………. – Associação …………., NIF …………, e T……….. – Automóveis de ……………, NIF …………... E nada de concreto vem demonstrado quanto à existência efectiva de associados comuns da 1.ª Requerente e da ARAC.

Não são, pois, as partes as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, pelo que só por isso, não ocorre a excepção da litispendência ficando prejudicado o conhecimento das restantes identidades de pedido e causa de pedir.

Por fim, vem a Requerida arguir que o pedido formulado é (parcialmente) ininteligível. Salvo o devido respeito, não se alcança sequer o fundamento de tal alegação.

A ineptidão da p.i. gera a nulidade de todo o processo, nulidade esta que se consubstancia como excepção dilatória de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito da causa (cfr. art.s 186.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º, al. b), e 578.º, todos do CPC), sendo que a lei processual tributária a comina como nulidade insanável e passível de conhecimento oficioso a todo tempo até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. art.s 98.º, n.º 1, al. a), e 2.º, do CPPT; v. o ac. deste TCAS de 28.11.2013, proc. n.º 7047/13.

In casu, basta analisar o teor do requerimento inicial para se concluir – sem qualquer hesitação, diremos nós – pela manifesta improcedência da suscitada excepção dilatória da ineptidão do requerimento inicial cautelar.

Com efeito, não só as Requerentes indicam os fundamentos do pedido, com a respectiva e exaustiva alegação tendente a demonstrar as por si entendidas causas de ilegalidade do Regulamento, como, last but not least, a resposta apresentada pela Requerida demonstra que esta não teve qualquer dificuldade em identificar o pedido e a causa de pedir em toda a sua dimensão, contraditando os argumentos jurídicos das Requerente sobre a ilegalidade das normas invocadas. E, “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial” (cfr. n.º 3 do art. 186.º do CPC).

Assim, sem necessidade de mais amplas considerações, porque desnecessárias, improcede a suscitada excepção dilatória da ineptidão do requerimento inicial cautelar.

Nada obsta, portanto ao conhecimento do mérito da providência.

E sobre a exacta questão decidenda, concordando-se integralmente com os seus fundamentos, directamente aplicáveis ao caso presente, limitar-nos-emos a transcrever, na sua parte relevante, o discurso fundamentador do acórdão deste TCA Sul de 29.05.2014, proc. n.º 7576/14:

“(…)

A providência cautelar de suspensão da eficácia de norma reveste natureza conservatória, na medida em que dá resposta a um interesse dirigido à conservação de situações jurídicas já existentes, procurando que o equilíbrio de interesses que existia no momento em que entrou em vigor a norma se mantenha, a título provisório, até que, no processo principal, seja decidida a questão da validade da mesma. Com efeito, a suspensão da eficácia, ao paralisar os efeitos do acto, paralisa a inovação que ele visava introduzir na ordem jurídica, fazendo com que, durante a pendência do processo principal, tudo se mantenha como estava antes de o acto ter sido praticado. Porque assim é, a suspensão da eficácia de normas serve para proteger os interesses daqueles que, no processo principal, pretendam obter sentenças que, anulando normas ilegais ou declarando a respectiva nulidade ou inexistência, façam com que tudo permaneça como era antes de essas normas terem entrado em vigor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6511/13; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.758 e seg.).

A concessão da examinada providência cautelar depende da verificação cumulativa de três requisitos, os quais se encontram consagrados no artº.120, nºs.1, al.b) e 2, do C. P. T. A., a saber:

1-“Periculum in mora” - fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, esta já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja devido a inutilidade da decisão, ou porque se produziram danos dificilmente reparáveis;

2-“Fumus non malus iuris” - segundo o qual não é necessário um juízo positivo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, antes bastando (formulação negativa) que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;

3-Requisito negativo - a atribuição da providência não pode causar danos desproporcionados, vector através do qual se dá expressão ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da proibição do excesso e que se encontra consagrado no nº.2, do artº.120, do C. P. T. A., a exemplo do que se passa no domínio da atribuição de providências no processo civil e resulta do artº.387, do C. P. Civil (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6511/13; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob.cit., pág.804 e seg.).

No entanto, no contencioso tributário, a possibilidade de dedução de providências cautelares tem consagração específica na lei, mais exactamente no artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário. Os termos em que estas providências são admitidas revelam-se manifestamente exíguos, pois abrangem apenas os casos em que se esteja perante situação de fundado receio de uma lesão irreparável para o requerente, o qual tem o ónus de invocar e provar tal condição, sendo que o prejuízo irreparável se deve reportar ao próprio requerente da adopção das medidas. No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa. Serão de considerar factos geradores de prejuízos irreparáveis, por exemplo, a paralisação da actividade comercial de uma empresa, desde que se comprove que tenha como consequência a perda de clientela, o dispêndio de quantias cujo pagamento seja susceptível de afectar significativamente a estrutura económico-financeira de uma empresa, fazendo perigar a sua subsistência enquanto ente empresarial, os sofridos por quem não tem outros meios de assegurar a sua subsistência e os que provoquem uma diminuição apreciável do nível e da qualidade de vida do requerente ou a satisfação das suas necessidades primárias (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc.5941/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6511/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.592 e seg.).

No caso concreto, a factualidade alegada pelo recorrente não preenche os requisitos previstos na lei, mais exactamente no aludido artº.147, nº.6, do C. P. P. Tributário, no que se refere à tutela cautelar no contencioso tributário. Assim é, porquanto, os possíveis prejuízos alegados pelo requerente de modo algum se podem ter por irreparáveis, porquanto estão em causa realidades que, manifestamente, se prestam a uma mensuração rigorosa, exacta, quantificáveis no exacto montante das taxas ou penalidades a pagar (cfr.nºs. 6 e 8 do probatório). Assim sendo, as lesões que os representados da entidade requerente possam vir a sofrer, como causa adequada e necessária de terem que pagar uma verba ilegal/inconstitucional e que venha a ser anulada judicialmente, podem sempre, enquanto concernentes a interesses de nítido cunho patrimonial, ser avaliadas ou quantificadas pela via pecuniária, assim não revestindo o carácter de prejuízos irreparáveis.

Nestes termos, deve concluir-se que o recorrente não produziu prova indiciária do pressuposto típico de qualquer providência cautelar requerida no âmbito do contencioso tributário, previsto no examinado artº.147, nº.6, do C.P.P.Tributário.[3]

Em suma, a providência cautelar em apreço, mesmo excluindo qualquer tipo de pronunciamento sobre as razões coligidas pelo requerente, no sentido de que a norma visada, a suspender, deve ser considerada ilegal e, também, inconstitucional, não reúne as condições, os mínimos requisitos, estabelecidos na lei tributária, para ser concedida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

Por estas razões, estando aliás em causa em questão nos presentes autos o mesmo Regulamento, se terá que julgar improcedente a presente providência cautelar de suspensão de normas.

Nada mais importa apreciar, por desnecessário.


III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente providência cautelar de suspensão das normas do Regulamento identificado em 3. do probatório.

Custas pelas Requerentes (art. 7.º, n.º 4, e Tabela II-A, do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 1 de Outubro de 2014

Pedro Marchão Marques
Pereira Gameiro
Anabela Russo

(1) Interesse em agir ou interesse processual pode definir-se como o interesse da parte activa em obter a tutela judicial de um direito subjectivo através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, O Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, p. 97. O interesse em agir é configurado como um pressuposto processual autónomo inominado pelo qual se afere a utilidade ou vantagem que o sujeito processual que busca a composição do litígio pode retirar da sentença que vier a ser proferida (cfr., i.a., o ac. deste TCAS de 11.04.2013, proc. n.º 5815/10).

(2) O interesse em agir é configurado como um pressuposto processual autónomo inominado pelo qual se afere a utilidade ou vantagem que o sujeito processual que busca a composição do litígio pode retirar da sentença que vier a ser proferida (cfr., i.a., o ac. deste TCAS de 11.04.2013, proc. n.º 5815/10).
(3) O regime aplicável às providências cautelares previstas neste art. 147.º, n.º 6, será constituído pelas especialidades que puderem ser aplicáveis constantes dos n.ºs 3 e 4 deste art. 147.º, pelo regime geral das providências cautelares reguladas no CPTA e pelas normas do contencioso tributário de aplicação geral.