Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1767/18.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/30/2020
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:INTEMPESTIVIDADE DA RESPOSTA/CONTESTAÇÃO;
ANULAÇÃO DA SENTENÇA;
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
ASILO;
PROTEÇÃO INTERNACIONAL;
RETOMA A CARGO
DETERMINAÇÃO DO ESTADO RESPONSÁVEL PELA ANÁLISE DO PEDIDO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL
Sumário:I. Se a entidade requerida apresentou resposta/contestação que se reportava a processo distinto, juntando mais tarde a peça processual devida, já depois de ultrapassado o prazo para a sua apresentação, a invocação de se ter verificado erro da jurista não configura à evidência justo impedimento, nos termos definidos no artigo 140.º, n.º 1, do CPTA.
II. A rejeição da resposta/contestação, por extemporânea, e revogação do despacho que a admitiu, implica a anulação dos termos subsequentes, designadamente da sentença proferida.
III. Perante tal anulação, cabe ao tribunal de apelação decidir em substituição, nos termos previstos no artigo 149.º, n.º 1, do CPTA.
IV. Se os elementos constantes dos autos não permitem sustentar que no Estado-Membro onde foi apresentado o primeiro pedido de proteção internacional ocorram falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, nem são publicamente conhecidas tais falhas, não impende sobre o SEF a obrigação de verificação dos requisitos de concessão do direito de asilo, ou seja, de apreciar o mérito do pedido do requerente
V. Antes se impõe, nos termos previstos no artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e no artigo 37.º, n.os 1 e 2, da Lei do Asilo, reconhecer a inadmissibilidade do pedido e determinar a transferência do requerente para o Estado-Membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
R….. intentou ação administrativa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na qual vem impugnar a decisão da Diretora Nacional do SEF datada de 07/09/2018, que decidiu ser inadmissível o pedido de proteção internacional do requerente, pedindo a sua anulação e se conceda a requerida proteção internacional ou, em alternativa, seja aquela entidade condenada a iniciar a instrução do presente processo.
Alega, em síntese, que ocorre violação do disposto no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 343/2003, por o pedido de asilo apresentado em França estar há 3 anos para ser decidido, o que é excessivamente longo e constitui uma situação de violação dos direitos fundamentais do requerente, e a decisão impugnada não ter examinado se o Estado Português devia analisar o pedido de asilo em vez de França, mais ocorre violação do princípio do beneficio da dúvida, dado as declarações do requerente serem coerentes e plausíveis e não dispor o mesmo de elementos documentais para sustentar as suas declarações, o que revela ainda a violação do disposto no art 7.º da Lei de Asilo.
Citada, a entidade requerida juntou processo administrativo e apresentou resposta em 18/10/2018, que não corresponde ao nome do autor, nem ao n.º de processo dos presentes autos.
Aberta conclusão com tal informação, no dia 07/11/2018 foi proferido despacho que determinou a comunicação ao SEF do informado para os efeitos tidos por convenientes.
No dia 08/11/2018, o SEF informou que tinham sido apresentadas várias respostas na mesma data, o que terá levado ao lapso incorrido, mais requerendo a aceitação de nova resposta, na qual invoca que não tem de analisar o pedido do requerente face à existência de pedido de asilo prévio em outro país.
No dia 16/11/2018, foi proferido despacho que determinou a notificação do SEF para juntar o processo administrativo, em cinco dias, e que, após a sua junção, seja deste notificado o requerente bem como da resposta ao requerente.
No dia 19/11/2018, o autor interpôs recurso do despacho exarado em 07/11/2018.
Por despacho datado de 28/11/2018, foi proferido despacho que rejeitou tal recurso, e que considerou ainda tempestiva a resposta da entidade requerida.
Por sentença da mesma data, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente, absolvendo o réu dos pedidos.
No dia 04/12/2018, o autor interpôs recurso da sentença, terminando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“a) Os presentes autos de IMPUGNAÇÃO JURISDICIONAL, nos termos do disposto nos artigos 22º, da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de Maio e 110.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com excepção do disposto no respectivo n.º 3, do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), da decisão da Exma. Senhora Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tiveram o seu início em 01.10.2018;
b) A ora Requerida foi citada para Responder em 03-10-2018;
c) A ora Requerida procedeu ao envio da sua peça processual denominada de Resposta em 18.10.2018;
d) Em 07.11.2018, a Secretaria Judicial abre conclusão á Mmª Juíza de Direito com informação de que a resposta apresentada pelo Réu a 18-10-2018 (através de site) não corresponde ao nome do Autor, nem ao n.º de processo dos presentes autos e que esta se dignasse a ordenar o que tivesse por conveniente,
e) Em 07.11.2018, a Mmª Juíza vem comunicar a informação que antecede ao SEF para os efeitos tidos por convenientes., em douto Despacho ora Sindicado;
f) Ao que a ora Requerida em 14.11.2018 vem apresentar nova Resposta, agora suprida e com fundamento de que e ora se transcreve para os devidos efeitos legais “(…) no dia 18 de Outubro p.p o réu através da jurista designada para os presentes autos, submeteu via SITAF, várias peças referentes a vários processos de contencioso, tendo tido necessidade de efectuar várias paragens (seguramente por falta de engenho da jurista em causa), o que, supõe-se terá propiciado o lapsso ocorrido, pelo qual, e antes demais, apresenta encarecidas desculpas (…)”, procedendo ainda á junção da Resposta;
g) Em 15.11.2018 é aberta conclusão à Mmª Juíza ;
h) Em 16.11.2018 a Mmª Juíza procede a novo despacho de notificação ao ora Requerido SEF para juntar o processo administrativo, em cinco dias, e para momento subsequente após a junção do processo administrativo, notifique-o bem como a resposta ao requerente.
i) O prazo para apresentação de Resposta ou de Contestação é um Prazo Inderrogável, excepto por justo impedimento e admitido pelo Mmº Juiz de Direito
j) Veio a Mmª Juíza em douto despacho datado de 07.11.2018, notificar a ora Requerida / S.E.F. para os efeitos tidos por convenientes
k) Erroneamente o fez.
l) O prazo para apresentação de Resposta ou de Contestação é um Prazo Inderrogável, excepto por justo impedimento invocado e admitido pelo Mmº Juiz de Direito
m) A ora Resposta apresentada em 14.11.2018 é manifestamente apresentada fora de prazo e como tal extemporânea;
n) Nem tão pouco a ora Requerida provou ou alegou qualquer toda e qualquer factualidade que pudesse integrar a figura do justo impedimento nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 140º. Do C.P.C.,
o) Nem nunca os factos invocados pela ora Requerida S.E.F. “(…) no dia 18 de Outubro p.p o réu através da jurista designada para os presentes autos, submeteu via SITAF, várias peças referentes a vários processos de contencioso, tendo tido necessidade de efectuar várias paragens (seguramente por falta de engenho da jurista em causa), o que, supõe-se terá propiciado o lapsso ocorrido, pelo qual, e antes demais, apresenta encarecidas desculpas (…)”, constituíram ou constituem Justo Impedimento;
p) Acresce ainda que a ora Requerida S.E.F. não fez sequer prova da remessa ou envio da Resposta correcta para outros autos;
q) O juiz deverá conhecer oficiosamente da tempestividade de acto sujeito a prazo peremptório.
r) A tese de que o decurso de prazo peremptório configura nulidade secundária, dependente de reclamação das partes, levando à validação do acto desde que não exista essa reclamação, não é de aceitar, pois contraria a ordem do processo e todo o sistema de preclusões.
s) A questão da extemporaneidade da contestação é, assim, de conhecimento oficioso
t) Sucede, no entanto, que importará tomar em consideração a secretaria deve submeter a despacho imediato do juiz os articulados, além de outras peças processuais aí discriminadas, que sejam apresentados fora de prazo ou haja dúvidas sobre a legalidade da junção, a fim de que ele decida sobre a sua admissão ou recusa, e os arts. arts. 145°, n° 4, 5 e 6, e 146° só admitem a prática extemporânea de acto processual, sujeito a prazo peremptório, nos casos excepcionais neles previstos (com pagamento de multa se acto for praticado o acto num dos três dias úteis subsequentes ou verificando-se o justo impedimento).
u) O que manifestamente não é o caso da Requerida S.E.F.
v) Destes preceitos resulta que o juiz deverá conhecer oficiosamente da extemporaneidade do acto sujeito a prazo peremptório, o que decorre, aliás, do princípio da preclusão de que, por exemplo, o art. 573° do CPC é uma emanação.
w) Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, págs. 115-119, trata desta problemática, vincando, no sentido que se acabou de enunciar, que o regime das nulidades não está concentrado integralmente nos arts. 193º e segs. do CPC, havendo que atender a outras disposições, não só derrogatórias como integradoras do regime aí estabelecido, como sucede com o art. 145º, nº3, em que se estabelece que o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito de praticar o acto, salvas as excepções referidas.
x) Ora, esta norma não se coaduna com a tese de que se estaria perante nulidade secundária, dependente de reclamação das partes, que levaria à validação do acto desde que não existisse essa reclamação, solução que contraria «a ordem do processo e todo o seu sistema de preclusões». E refere ainda, e além do mais, A. de Castro que «o facto de a validade de um acto praticado fora de prazo estar na dependência da contraparte equivale, de certo modo, à possibilidade de prorrogação do prazo independentemente da lei. O legislador assistiria então inerte à manipulação dos prazos, pelo simples motivo de serem do interesse exclusivo das partes – isto num regime em que […], o estabelecimento dos prazos é tarefa exclusivamente plubicística» e «o interesse público intervém sempre, em maior ou menor medida, mesmo quando apenas se refira ao desenvolvimento normal e tanto quanto possível célere dos termos do processo». Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto defendem, no Código do Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 348, que estaremos perante uma nulidade sui generis e que a configuração do caso como de nulidade abrangida pelo art. 201º levaria a deixá-la dependente da arguição da contraparte, «o que briga notoriamente com o regime legal».
y) Consideramos, pois, que a questão da extemporaneidade da contestação é de conhecimento oficioso, devendo constar do processo todos os elementos relevantes para uma decisão sobre essa matéria, com a tomada de diligências que, para tal, se revelem necessárias (art. 265º do CPC).
z) Assim, num caso como o presente, para se concluir que a contestação é extemporânea”.
A entidade requerida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Sr. Procurador-Geral-Adjunto em funções neste Tribunal emitiu parecer nos termos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciando-se, em síntese, como segue:
- verificar-se erro do Mmo. Juiz a quo ao definir o despacho exarado em 07/11/2018 como de mero expediente, sendo que não foi alegado qualquer justo impedimento para a não apresentação tempestiva da resposta;
- contudo, ainda que fosse declarada a nulidade do referido despacho e dos atos subsequentes, seriam praticados novos atos que culminariam na prolação de nova sentença com a mesma decisão de mérito da que veio a ser proferida;
- uma vez que este Tribunal pode decidir em substituição, nos termos consignados no artigo 665.º do CPC, nada obsta a que seja agora proferida decisão no sentido da improcedência da presente ação.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*

II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“A) O requerente declarou ter nascido a …...…...2001, na Costa do Marfim – ver declarações prestadas no processo administrativo junto pelo SEF.
B) Entrou em Portugal no dia 24.7.2018 – ver docs juntos aos autos.
C) A 27.7.2018 apresentou, no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um pedido de proteção internacional – ver docs juntos aos autos.
D) Na sequência da recolha de impressões digitais do requerente, o SEF verificou que existe registo no sistema Eurodac, correspondente a pedido de asilo, apresentado anteriormente em França, em 13.10.2015 – ver fls 3 do processo administrativo junto pelo SEF.
E) Em França, o ora requerente identificou-se como B….., nascido a …...…...1984 – ver processo administrativo.
F) A 24.7.2018 foram tomadas declarações ao requerente, que constam de fls 34 a 43 do pa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que se transcreve o seguinte:
P: de acordo com os registos constantes da base de dados de impressões digitais Eurodac verifica-se que passou em vários países europeus. Queira indicar a duração da estadia em cada um desses países onde foi alvo de registo:
R: França – data 13.10.2015 – desde 2015 até vir para Portugal em 2018 P: data de saída do país da nacionalidade/ origem?
R: em 2014, no início de 2014.
...
P: qual o percurso efetuado desde o país de origem até chegar a Portugal? R: em inícios de 2014 saí da Costa do Marfim e fui de autocarro até um país que faz fronteira, penso que o Níger e depois atravessamos o deserto ao fim de algumas semanas e fomos para a Argélia. Não me recordo quando cheguei à Argélia, mas fiquei ali um mês ou dois meses. (...).
No mesmo ano de 2014 fomos para Marrocos. Não me recordo quanto tempo ficámos ali, foi cerca de um mês.
De Marrocos fomos de barco para Espanha em 2014. Saímos de Espanha em 2015 e fomos para França.
Chegámos a França no início de 2015 e fiquei ali até vir para Portugal. Quando sai de França fui para o Luxemburgo e apresentei ali o meu extrato de nascimento, retiraram as impressões digitais e disseram que não podiam aceitar o meu pedido porque tinha as impressões digitais em França.
Depois vim para Portugal, dez dias depois de ter estado no Luxemburgo. P: em que data chegou a Portugal?
R: Penso que no mês passado. Duas semanas após ter entrado em Portugal vim aqui pedir asilo, uma pessoa africana indicou-me para vir aqui.
...
P: Alguma vez pediu proteção internacional num país da União europeia ou facultou as suas impressões digitais para registo? Em caso afirmativo, onde?
R: sim. No Luxemburgo em 2018 e em França em 2015.
P: o seu pedido encontra-se em análise?
R: desconhece.
P: o seu pedido foi recusado? R: desconhece.
P: foi afastado para o país da sua nacionalidade ou origem?
R: não.
...
P: porque motivo solicita proteção internacional?
R: como os meus pais faleceram o meu tio devia ser responsável por mim, mas ele mandava-me trabalhar na agricultura em vez de mandar para a escola. Dizia que não tinha dinheiro para me enviar para a escola .... Eu cai e tenho uma cicatriz, Quando dizia que não podia trabalhar ele dizia que não. Como o meu pai não estava lá ele é que cuidava das crianças.
G) A 24.8.2018 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF apresentou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades francesas, ao abrigo do art 18º, nº 1, al b) do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho de 26.6 – ver fls 17 a 30 do pa.
H) A 6.9.2018 as autoridades francesas aceitaram o pedido de retoma a cargo – ver fls 52 do pa.
I) A 7.9.2018 os serviços do SEF elaboraram a informação nº …../GAR/2018 que concluiu: propõe-se que a França seja considerado o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do art 18º, nº 1, al d) do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26.6 – ver fls 48 e 49 do pa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
J) Ato: A 7.9.2018 a Diretora Nacional Adjunta do SEF, com base na informação que antecede, determinou a transferência do requerente, nos termos do art 38º da Lei nº 27/08, de 30.6, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/14, de 5.5, para a França, por ser o Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26.6, e considerou o pedido do requerente inadmissível – ver fls 50 do pa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
K) A 10.9.2018 a decisão foi notificada ao requerente – ver fls 52 do pa”.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Ressuma dos autos que se impõe uma clarificação prévia quanto ao objeto do presente recurso.
O autor interpôs um primeiro recurso do despacho proferido no dia 07/11/2018
No dia 28/11/2018, foi proferido despacho a rejeitar tal recurso.
Decisão com a qual o autor se conformou.
Na mesma data foi ainda proferido despacho que considerou tempestiva a resposta da entidade requerida.
E ainda por sentença da mesma data, a ação foi julgada improcedente, com absolvição do réu dos pedidos.
No dia 04/12/2018, o autor interpôs recurso da sentença, cingindo as suas alegações à questão do recebimento da contestação.
Como é bom de ver, este segundo recurso já não se reporta ao despacho de 07/11/2018, que ordena a notificação do lapso, mas sim à decisão que considerou tempestiva a resposta da entidade requerida. Como este despacho foi proferido juntamente com a sentença, o recurso abrange os dois.
Deste modo, a questão a decidir neste processo, atentas as conclusões das alegações do recurso, cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da decisão recorrida, ao considerar tempestiva a resposta da entidade requerida.

Consta da decisão em causa o seguinte discurso fundamentador:
A 18.10.2018 a entidade requerida apresentou resposta nos autos e juntou processo administrativo, ambos dirigidos ao processo nº 1753/18.5BELSB, em nome de P….., de impugnação do ato de indeferimento de pedido de proteção internacional.
Notificado para esclarecer a junção a estes autos de peça processual e documento dirigido a outro processo, também de asilo, que corre termos neste tribunal, a entidade requerida veio dizer que, por lapso, submeteu, via sitaf, a resposta e processo administrativo de outro processo para a presente causa. Pelo que, de imediato, juntou a resposta, despacho designativo e processo administrativo deste processo e requereu fossem os mesmos aceites, considerados tempestivos e ordenado o desentranhamento dos que, por lapso, foram enviados a 18.10.2018.
A 16.11.2018 o tribunal determinou a notificação da resposta e processo administrativo ao requerente.
Para o efeito, o requerente interpôs recurso do despacho de 7.11.2018 e pugnou pela extemporaneidade da pronúncia da entidade requerida, por a invocação de lapso não configurar justo impedimento.
Atento o que vimos de descrever efetivamente a jurista do SEF enganou-se na remessa da peça processual que submeteu via sitaf para este processo.
Afigura-se-nos que a situação dos autos se subsume no erro na declaração – erro obstáculo, por se tratar de erro não conhecido nem cognoscível. Temos que a requerida, ao praticar o ato processual ainda que eivado de erro na declaração, vinculou-se em sede de relação jurídica processual nos exatos termos do sentido do ato que, segundo a sua intenção, teria sido exteriorizado se o erro não tivesse ocorrido.

Vem o recorrente invocar, em síntese, que o prazo para apresentação da resposta é inderrogável, exceto por justo impedimento, não tendo a requerida provado ou alegado qualquer factualidade que pudesse integrar tal figura, e que o decurso do prazo perentório faz extinguir o direito de praticar o ato.

No caso vertente, a entidade requerida apresentou resposta nestes autos, que se reportava a processo distinto.
Diferente seria o caso da resposta ter sido dirigida para o número errado de processo e aí autuada até ao seu desentranhamento e competente autuação nestes autos, como no caso apreciado por este TCAS em 16/10/2003 (proc. n.º 11724/02, disponível em www.dgsi.pt), em que se considerou não ficar a parte inibida de praticar validamente o ato processual na instância competente pelo facto de ter errado na identificação do processo e, consequentemente, dado origem à autuação da peça processual em processo que não o próprio.
Ao invés do caso aí tratado, a resposta junta aos presentes autos não se destinava a este processo, nem há notícia da resposta destinada a estes autos ter sido junta a outro processo.
Por outro lado, a justificação apresentada pela entidade requerida, erro da jurista, não configura à evidência justo impedimento, que a lei define como o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato, conforme o define o artigo 140.º, n.º 1, do CPTA.
Tem, pois, razão o recorrente, ao afirmar que devia ter sido reconhecida a extemporaneidade da resposta.
Sem prejuízo do disposto no artigo 84.º, n.º 1, do CPTA, quanto à obrigação de apresentação do processo administrativo com a contestação, a verdade é que o artigo 90.º, n.º 3, do mesmo diploma legal confere ao juiz o poder de ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, sem que se encontre limitado pelo princípio do dispositivo.
Atenta a relevância dos elementos contidos no processo administrativo, inclusivamente para o requerente, o reconhecimento da extemporaneidade da resposta não importa o reconhecimento da extemporaneidade da junção do processo administrativo, que assim se manterá nos autos.
Igualmente implicando a desnecessidade de alteração da matéria de facto dada como assente em primeira instância.
Cumpre, pois, rejeitar a resposta da entidade requerida, por extemporânea, revogar, em conformidade, o despacho proferido e anular os termos subsequentes, designadamente a sentença proferida.

Conforme enunciado pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer, este Tribunal pode decidir em substituição, nada obstando a que seja agora proferida nova decisão.
O que de seguida se passa a fazer, nos termos previstos no artigo 149.º, n.º 1, do CPTA.

Vejamos então o direito aplicável e relevante para a solução do caso em apreciação.
Nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “[é] garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”
Concretizando o direito de asilo aí consagrado, a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do Asilo, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio), veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas n.º 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, n.º 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e n.º 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementar a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
Consta do respetivo artigo 3.º o seguinte:
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
3 - O asilo só pode ser concedido ao estrangeiro que tiver mais de uma nacionalidade quando os motivos de perseguição referidos nos números anteriores se verifiquem relativamente a todos os Estados de que seja nacional.
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”

Esta Lei do Asilo prevê um procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, no respetivo capítulo IV, que tem lugar “quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado-membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo” – artigo 37.º, n.º 1.
E segundo o respetivo n.º 2, “[a]ceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.”
O referido artigo 19.º-A, n.º 1, al. a), prevê que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, e o n.º 2 que se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional. Segundo o artigo 20.º, n.º 1, cabe ao Diretor Nacional do SEF tomar tal decisão.
Como se vê, a Lei do Asilo remete para o Regulamento (UE) n.º 604/2013, o apuramento da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional, posto que são aí estabelecidos os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas.
O artigo 3.º deste Regulamento, sob a epígrafe ‘acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional’, prevê o seguinte:
“1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.
2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.
Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.
3. Os Estados-Membros mantêm a faculdade de enviar um requerente para um país terceiro seguro, sem prejuízo das regras e garantias previstas na Diretiva 2013/32/UE.”
Veja-se ainda que, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento, “[e]m derrogação do artigo 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”
A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, exige o artigo 5.º do Regulamento que seja realizada uma entrevista pessoal com o requerente, antes de ser adotada qualquer decisão relativa à sua transferência para o Estado-Membro responsável. Mais aí se exige a elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, que pode ser feito sob a forma de relatório ou formulário-tipo, a que o requerente (ou um seu representante) tenha acesso em tempo útil.
No caso vertente, resulta do probatório a seguinte factualidade:
- no dia 27/07/2018, o autor apresentou pedido de proteção internacional junto do SEF;
- na sequência da recolha de impressões digitais do requerente, o SEF verificou que existe registo no sistema Eurodac, correspondente a pedido de asilo, apresentado anteriormente em França, em 13/10/2015;
- no dia 24/07/2018, foram tomadas declarações ao requerente;
- no dia 24/08/2018, o SEF apresentou pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades francesas, aceite no dia 06/09/2018;
- no dia 07/09/2018, foi elaborada a informação n.º …../GAR/2018 em que se propõe considerar a França o Estado responsável pela retoma a cargo;
- na mesma data, a Diretora Nacional Adjunta do SEF determinou a transferência do requerente para França, por ser o Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, e considerou o pedido do requerente inadmissível.

Nos termos definidos no citado Regulamento n.º 604/2013, apenas um Estado-Membro é responsável pela análise de um pedido de asilo, que à partida será o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Sabemos que o primeiro pedido de asilo foi apresentado em França, tendo as autoridades francesas aceite a retoma a cargo do autor/recorrente.
Pelo que à sua transferência para esse país apenas pode obstar a existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conforme o já citado artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013.
Caso em que, de acordo com o respetivo artigo 17.º, n.º 1, seria de derrogar o artigo 3.º, n.º 1, podendo Portugal decidir analisar o pedido de proteção internacional, ainda que essa análise não seja da sua competência.
Ora, os elementos constantes dos autos não permitem definitivamente sustentar que ocorram aquelas falhas sistémicas, nem o requerente as invoca.
E ao contrário do que sucede em outros estados-membros, não são publicamente conhecidas quaisquer deficiências no sistema de acolhimento naquele país dos requerentes de proteção internacional.
Em face do exposto, é de concluir que não impendia sobre o SEF a obrigação de verificação dos requisitos de concessão do direito de asilo, ou seja, de apreciar o mérito do pedido do requerente
Antes se impunha, nos termos previstos no artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e no artigo 37.º, n.os 1 e 2, da Lei do Asilo, reconhecer a inadmissibilidade do pedido e a transferência do requerente para França, por ser o estado-membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional.
O que se fez na decisão objeto de impugnação.
Em suma, a ação terá de improceder.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1 - julgar procedente o recurso, nos termos que seguem:
a - rejeitar a resposta da entidade requerida, por extemporânea;
b - revogar, em conformidade, o despacho proferido e anular os termos subsequentes, designadamente a sentença proferida;
2 - conhecendo em substituição, julgar improcedente a ação e absolver a entidade requerida do pedido.
Sem custas, atento o disposto no artigo 84.º da Lei do Asilo.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2020

(Pedro Nuno Figueiredo - relator)

(Ana Cristina Lameira)

(Cristina dos Santos)