Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:205/10.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:11/17/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
REVOGAÇÃO DE LICENCIAMENTO
Sumário:Apenas os danos que a Autora sofreu em virtude de lhe ter sido criada uma situação de confiança que veio a ser frustrada apresentam nexo de causalidade, sendo que apenas ai se podem incluir as despesas e o investimento que a Autora realizou enquanto investida na referida situação de confiança e por causa dela, ou seja, os respeitantes à instrução do pedido de aprovação das obras de urbanização;
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A N..... – T...., SA, devidamente identificada nos autos, intentou ação administrativa comum contra o Município de Sintra, tendente à condenação deste no pagamento de uma indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual, tendo por fundamento os prejuízos causados pelo despacho que declarou a nulidade da deliberação que aprovou o pedido de licenciamento da operação de loteamento.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferiu sentença em 17 de abril de 2019, através da qual decidiu julgar a ação parcialmente procedente, condenando o Município a pagar à Autora uma indemnização correspondente às despesas relativas à elaboração dos projetos e estudos necessários à aprovação das obras de urbanização e à manutenção e limpeza do terreno até ter sido declarada a nulidade da deliberação que aprovou a operação de loteamento (153.799,12€).
Inconformados com a sentença, vieram ambas as partes interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Formula o aqui Recorrente/ Município de Sintra nas suas alegações de recurso, apresentadas em 5 de junho de 2019, as seguintes conclusões:
“i. A mui douta Sentença de 17.04.2019 está eivada de nulidade, decorrente de oposição da decisão com os seus fundamentos (art.º 615.º, n.º 1, C) do CPC).
ii. De facto, está em causa nos presentes autos a demonstração dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, enunciados, e bem, na decisão a quo.
iii. Para preenchimento desses pressupostos, determinou corretamente a mui douta decisão, que haviam de estar preenchidos os requisitos que enumera dos quais decorre a exclusão dos documentos que não correspondam ao período entre a aprovação do projeto e a declaração de nulidade do ato, ou seja 29.03.2000 e 21.02.2007, os documentos que não façam menção aos trabalhos realizados, e os que não demonstrem a sua conexão com o projeto objeto dos autos.
iv. Não obstante os critérios definidos, a douta sentença admite como prova documentos que não mencionam os trabalhos realizados, e que não identificam concretamente o local a que se reportam, sendo certo que, conforme factos provados alínea D) a Recorrida adquiriu um prédio na Quinta do ..., tendo promovido o licenciamento para apenas uma parte do mesmo, continuando a ser proprietária da totalidade.
v. Logo, a douta Sentença entra em oposição com os seus fundamentos quando admite documentos relativos a despesas com trabalhos, não especificados, ou com a menção genérica de “Quinta do ...”, sem identificar concretamente a conexão ao lote objeto dos autos.
vi. Acresce que a mui douta sentença sob recurso apresentou cálculos de valores não discriminados, como devia, resultando em valores que não estão demonstrados e cujos resultados não se alcançam.
vii. Considerou o meritíssimo tribunal a quo dois segmentos de despesas apresentadas pela Recorrida, como suscetíveis de indemnização, a saber, as despesas com a execução de projetos de infraestruturas (factos provados AA)) e as despesas com trabalhos de limpeza e vedações de terrenos (factos provados BB)).
viii. Refutam-se, desde logo, os trabalhos respeitantes a limpeza, uma vez que, na qualidade de proprietária, sempre a Recorrida estaria obrigada à manutenção e conservação da sua propriedade independentemente da submissão, e consequente aprovação, ou não, do licenciamento de uma operação de loteamento para o prédio objeto dos autos.
ix. Ademais sabendo-se que a Recorrida é proprietária também dos terrenos contíguos, na Quinta do ..., não é especificado se a limpeza se refere apenas à área do loteamento, ou a toda a área da sua propriedade, ou apenas à área excedente do loteamento.
x. A própria Sentença reconhece que “apenas entre os danos correspondentes à execução dos projetos de infraestruturas (e, eventualmente os correspondentes à manutenção do terreno) se verifica o nexo de causalidade entre a sua produção e a conduta ilícita, pois que apenas esses correspondem ao investimento de confiança realizado pela Autora e que, por esta ter sido frustrada, deve ser restituído”.
xi. Não obstante essa conclusão, a mui douta decisão aceitou acriticamente todos os documentos juntos pela Recorrida, relativos ao período em referência, como prova de despesa com a limpeza e manutenção do terreno, não fazendo a aplicação dos critérios previamente definidos.
xii. Sobre a vedação do terreno, como é facto notório, e como tal não depende de prova, é feita em benefício do proprietário e não decorre da operação de loteamento.
xiii. Como tal, nenhuma das despesas incluídas nos factos provados sob a alínea BB) são suscetíveis de ser ressarcidos em sede de responsabilidade civil extracontratual.
xiv. Ainda que assim não se entendesse, o que se coloca por mero dever de patrocínio, as despesas a que reportam os documentos 22, 23, 25, 31, 32 a, 32 b, 33, 34, 37 e 40, correspondentes às fls. referidas na alínea BB), não se apresentam suficientemente fundamentadas uma vez que os documentos não identificam concretamente o serviço prestado e, ou, o concreto local a que se reportaram os trabalhos.
xv. Os documentos constantes de fls. 127 e 129 a 130 dos autos, não foram, e não poderiam ser considerados, uma vez que se reportam a datas posteriores à data do despacho que decretou a nulidade do licenciamento.
xvi. Dos documentos considerados apenas se afere que uma empresa prestou serviço à ora Recorrida, alguns deles identificando uma obra na Quinta do ..., desconhecendo-se se se refere ao lote objeto do processo do licenciamento em crise nos presentes autos.
xvii. No doc. 37 (fls. 119 dos autos) nem sequer se refere o local onde foi prestado o serviço.
xviii. Em face do que precede impugnam-se, e não deveriam ter sido considerados na Sentença, os seguintes documentos juntos pela Recorrida:
- doc. 22 (fls. 102 dos autos), doc. 23 (fls. 103 dos autos) doc. 25 (fls. 105 dos autos), doc. 31 (fls. 111 dos autos), doc. 32 a (fls. 112 dos autos), doc. 32 b (fls. 113 dos autos), doc. 33 (fls. 114 dos autos), doc. 34 (fls. 115 dos autos), referentes a limpeza de terrenos por não ser possível apurar a sua conexão com o projeto dos autos;
- doc. 37 (fls. 119 dos autos) referente a vedação de terreno porque ali não se identifica qual o prédio a que reporta essa despesa, pelo que também não se identifica conexão com o projeto dos autos;
- doc. 40 (fls. 122 dos autos) porque ali não se identifica qual o prédio a que reporta essa despesa, nem qual a prestação do serviço objeto da Fatura;
xix. Concluindo-se pois que, respeitando os critérios definidos na mui douta sentença, não é devida qualquer indemnização pelos trabalhos de limpeza e vedação do terreno e que, ainda que assim não se entendesse, a Recorrida não fez prova de que as despesas apresentadas correspondessem a trabalhos prestados no âmbito do licenciamento em causa nos autos pelo que nunca poderiam ter sido considerados pela douta Sentença sob Recurso.
xx. Relativamente às despesas referentes a execução de projetos de infraestruturas, a mui douta sentença condena o ora Recorrente no pagamento de €110.587,46, sendo certo que, a soma dos valores discriminados na alínea AA) dos factos provados, não corresponde ao valor da condenação.
xxi. Relativamente ao ponto viii), dos factos provados na alínea AA), sendo referente a despesas de execução de projetos de infraestruturas, inclui indevidamente despesas respeitantes a vedação com rede, constantes do documento 37 (fls. 119 dos autos), no valor de € 7.260.
xxii. Sendo certo que o mesmo documento é considerado no cálculo do valor dos trabalhos de limpeza e vedações na alínea BB), que como se viu não são atendíveis.
xxiii. Quanto às demais despesas consideradas no cálculo da indemnização impugnam-se por falta de identificação o prédio a que respeitam, os seguintes documentos:
- doc. 13 (fls. 93 dos autos), doc. 18 (fls. 98 dos autos), doc. 20 (fls. 100 dos autos), doc. 21 (fls. 101 dos autos), doc. 35 b (fls. 117 dos autos), doc. 36 (fls. 118 dos autos), doc. 38 (fls. 120 dos autos) e doc. 39 (fls. 121 dos autos) por não ser possível apurar a sua conexão com o projeto dos autos;
xxiv. Face ao exposto, apenas poderão ser consideradas, a título indemnizatório, as despesas relativas à execução de projetos de infraestruturas correspondentes aos documentos 14 e 15 (fls. 94 e 95 dos autos) e 19 (fls. 99 dos autos).
xxv. Resultando a soma dos valores devidamente documentados nos autos e suscetíveis de conferir direito a indemnização em €32.321,16, conforme demonstração que se segue:
- Doc. 14 - 2.152.800,00 Escudos - € 10.738,12;
- Doc. 15 - 4.305.600$00 Escudos – € 21.476,24;
- Doc. 19 - € 106,80.
xxvi. Pelo que se conclui que deve ser anulada a mui douta Sentença sob recurso, substituindo-se por decisão que respeite os critérios enunciados na mesma e absolvendo a Recorrente da demais condenação.
Nestes termos e nos demais de direito, que o venerando Tribunal doutamente melhor suprirá, conclui-se que deve ser revogada a douta decisão sob recurso, substituindo-se por outra que, respeitando os critérios na mesma enunciados, absolva a Recorrente do pedido, assim se alcançando a costumada justiça.”

Formula a aqui Recorrente/N..... – T...., S.A. nas suas alegações de recurso, apresentadas em 1 de julho de 2019, as seguintes conclusões:
1ª A Recorrente impugna a forma como foi aplicada a limitação temporal fixada na Sentença recorrida quanto aos danos sofridos: admitindo, em termos gerais, a regra dos limites temporais a atender para calcular os danos sofridos (com base na confiança criada), o que aqui se pretende é uma adequada aplicação dessa regra.
De facto, a A. aceita as decisões da Sentença recorrida no sentido (i) de a conduta do R. constituir uma violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, (ii) sendo, por isso, ilícita e integrada no instituto da Responsabilidade Civil Extracontratual, (iii) de o R. ter criado na esfera jurídica da A. uma situação de confiança legítima que determinou a conduta da A com base na confiança criada, (iv) de o R. ter frustrado essa confiança criada na esfera jurídica da A., e (v) de estarem reunidos os pressupostos necessários para a qualificação da conduta do R. como uma conduta ilícita pela violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança.
No entanto, a A. não aceita, e impugna, a decisão da Sentença recorrida no sentido de excluir algumas das despesas apresentadas que, apesar da Sentença recorrida não se ter apercebido, foram determinadas pela aprovação do projeto de loteamento e pela confiança assim criada.
De facto, como se demonstrará, a confiança criada na esfera jurídica da A. pelo R., que determinou a conduta da A., e que foi frustrada/violada pelo R., foi constituída na fase final do próprio procedimento de licenciamento do loteamento, a partir do momento em que o R. passou a aceitar nas últimas reuniões mantidas o projeto alterado/apresentado: antes da provação do projeto, os respetivos serviços já haviam aceite a versão final do projeto, que só depois veio a ser aprovado na Câmara Municipal.
2ª Por outro lado, por não dispor (nem ter diligenciado a sua obtenção) de algumas datas/informações quanto à realização de alguns trabalhos no terreno em causa, a Sentença recorrida acabou por não considerar algumas das despesas suportadas pela A. (com base em faturas com data posterior ao limite temporal da Sentença recorrida), apesar de os respetivos trabalhos terem ocorrido no limite temporal delimitado na Sentença recorrida.
3ª Nulidades processuais:
3ª.1 Na Sentença recorrida foi cometida uma nulidade processual, por não ter sido cumprido o Princípio do Inquisitório (omissão de um ato/formalidade que a lei prevê e que influiu na decisão da causa – art. 195º do CPC), motivo pelo qual deve a Sentença recorrida ser revogada e serem determinadas as diligências de prova que se afigurem necessárias à descoberta da verdade material, designadamente quanto aos prejuízos invocados pela Autora.
3ª.2 A decisão da Sentença recorrida quanto à Responsabilidade Civil Extracontratual do Réu por facto ilícito, quanto ao âmbito de aplicação do regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Réu por facto lícito e quanto à violação, por parte do Réu, do princípio da boa-fé e tutela da confiança, configura uma verdadeira decisão-surpresa, na medida em que é inesperada, nunca tendo sido discutida no processo pelas partes, motivo pelo qual deve a Sentença recorrida ser revogada e a A. notificada para, querendo, se pronunciar sobre o projeto de decisão constante na Sentença recorrida, respeitando-se assim, para além do mais, o principio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC).
4ª Correção de erros materiais: a Sentença recorrida contém alguns lapsos de escrita que importa corrigir, designadamente, na pág. 2, 5º parágrafo, da Sentença recorrida (onde se lê “€12.910”, deve ler-se “€12.910.000”) e no Facto DD), pág. 23, da Sentença (onde se lê “€11 528,50” deve ler-se “€ 11.258.750”).
5ª A matéria de facto a ser considerada deve ser alterada nos termos que se deixaram exposto no Cap. V destas Alegações, com o suporte instrutório aí referido.
6ª O erro essencial da Sentença recorrida: o momento em que se consolidou a situação de confiança que se pretende tutelar
Um erro essencial da Sentença, que subjaz às decisões aí proferidas, é o seguinte: a Sentença recorrida considerou que a situação de confiança cuja violação por parte do R. gera responsabilidade civil apenas se iniciou em 29.03.2000, com a aprovação formal do projeto de loteamento apresentado pela A. (cfr. págs. 34 e 35 da Sentença recorrida). No entanto, a confiança juridicamente tutelada não se reduz à que deriva dos atos horizontalmente definitivos (os atos decisórios finais), antes se alicerçando noutros sinais/atos externos da Administração Pública.
Deste modo, a confiança criada na esfera jurídica da A. pelo R., que determinou a conduta da A., e que foi frustrada/violada pelo R., foi constituída na fase final do próprio procedimento de licenciamento do loteamento, a partir do momento em que o R. passou a aceitar nas últimas reuniões mantidas o projeto alterado/apresentado: antes da provação do projeto, os respetivos serviços já haviam aceite a versão final do projeto, que só depois veio a ser aprovado na Câmara Municipal.
7ª O erro de julgamento da Sentença recorrida ao não considerar as despesas com a elaboração dos projetos de arquitetura dos lotes: a Sentença recorrida decidiu que as despesas com a elaboração dos projetos de arquitetura dos lotes não são indemnizáveis porque aqueles projetos só seriam necessários após a aprovação das obras de urbanização.
No entanto, foi atestado pelos Peritos subscritores do Relatório Pericial, nesse Relatório e em sede de Audiência Final, que, embora a apresentação e aprovação dos projetos de arquitetura, segundo a normal sequência do regime dos loteamentos, só seja obrigatória após a aprovação das obras de urbanização, a verdade é que todos os promotores iniciam a elaboração desses projetos de arquitetura na sequência da aprovação da operação de loteamento, de modo a que a versão final desses projetos seja apresentada logo que as obras de urbanização sejam aprovadas. Aliás, nas palavras do Perito Eng.º. V..... , “se não fosse assim não era possível haver planeamento”.
Portanto, é evidente o nexo de causalidade entre as despesas suportadas com os projetos de arquitetura e a situação de confiança criada pelo R. na esfera jurídica da A., seja considerando que essa situação de confiança se iniciou com a aprovação do projeto de loteamento, em 29.03.2000, seja se se considerar que essa situação de confiança foi criada até em momento anterior: a verdade é que os projetos de arquitetura só foram elaborados porque o projeto de loteamento havia sido aprovado e se encontrava em apreciação o licenciamento das obras de urbanização.
Deste modo, ainda que o entendimento da Sentença recorrida quanto ao período temporal indemnizável (entre 29.03.2000 e 21.02.2007) seja mantido, as despesas suportadas com os referidos projetos de arquitetura, de acordo com o critério aplicado na Sentença recorrida, deverão ser considerados indemnizáveis, uma vez que as mesmas são uma consequência direta e necessária (segundo os padrões de normalidade profissional) da aprovação do projeto de loteamento. Assim, a este título um valor de € 32.579,61 (Docs. 4.16, 24, 26 e 30 juntos à p.i.).
8ª O erro de julgamento da Sentença recorrida quanto à fatura 41 junta à p.i. (Cova das Donas, no valor de € 218.874,60): a Sentença recorrida decidiu que apenas são indemnizáveis os prejuízos sofridos pela A. em virtude da conduta ilícita do R. que tenham sido determinados/consequência direta e necessária da aprovação formal do projeto de loteamento (ato que, no entendimento da Sentença recorrida, gerou a situação de confiança).
No entanto, existem despesas suportadas pela A. que foram determinadas pela aprovação formal do projeto de loteamento, sua consequência direta, e que, ainda assim, foram desconsideradas pela Sentença recorrida, designadamente a fatura 41 junta à p.i., que se refere ao pagamento de trabalhos de limpeza e manutenção/regularização do terreno, realizados em 2000 e 2003 a 2005.
Deste modo, atendendo à decisão da Sentença recorrida quanto à consideração das despesas com limpeza e manutenção do terreno entre 29.03.2000 e 21.02.2007, a despesa suportada pela A., no valor de €218.874,60, referente à Fatura junta como Doc. 41 da p.i., por ser relativa a trabalhos de limpeza, desmatação e regularizações do terreno para preparação de intervenções, que foram “desenvolvidos inicialmente em 2000, tendo sido interrompidos no final desse ano por vossas indicações (só parcialmente considerados na nossa fatura), e retomados/concluídos entre 2003 e 2005 (totalmente refletidos na fatura emitida) – cfr. Doc. 2 aqui junto – deve ser indemnizada.
9ª Pagamentos feitos pela A. à empresa Q..... (Doc. 12 junto à p.i.) e à empresa M..... (Doc. 16 junto à p.i.) em conexão com a aprovação do projeto de loteamento
Novamente invocando o critério da Sentença recorrida para aferir o nexo de causalidade entre as despesas suportadas pela A. e a aprovação do projeto de loteamento, existem outras duas faturas que não foram consideradas mas cuja ocorrência decorre diretamente da aprovação do projeto de loteamento:
9ª.1 A Fatura de 23.03.2000 (6 dias antes da reunião da Câmara Municipal de Sintra na qual se aprovou o projeto de loteamento), emitida pela Q..... – G..... , Lda., no valor de € 18.704,92 (Doc. 12 junto à p.i.) relativa à adjudicação do Estudo de Tráfego/Projeto Viário para o terreno da A., conforme identificado na própria fatura.
Ora, os estudos viários integram-se nas obras de urbanização (art. 2º, h., do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação).
Isto é, apesar de o projeto de loteamento da A. apenas ter sido formalmente aprovado na reunião da Câmara Municipal de Sintra de 29.03.2000, é notório que a A., em virtude das inúmeras reuniões que teve com o R. no sentido de ajustar o projeto de loteamento aos interesses que o R. tinha para o município (quanto a esta concertação, v. nº 13, supra, destas Alegações), naquela data de 23.03.2000 já sabia que o seu projeto ia ser aprovado, motivo pelo qual adjudicou à Q..... – G..... , Lda. a elaboração dos estudos de tráfego viário. É inequívoco que esta despesa foi diretamente determinada pela aprovação do projeto de loteamento.
Por este motivo, o valor pago pela A. retratado na fatura de 23.03.2000, emitida pela Q..... – G..... , Lda., no valor de € 18.704,92 (Doc. 12 junto à p.i.), por retratar uma despesa direta e inequivocamente determinada pela aprovação do projeto de loteamento, deve ser restituído/indemnizado, mesmo de acordo com a tese sufragada pela Sentença recorrida quanto ao momento em que se iniciou a situação de confiança.
9ª.2 A Fatura de 25.10.2000 (portanto, referente a uma despesa verificada no período temporal delimitado na Sentença recorrida, isto é, após a aprovação do projeto de loteamento), emitida pela M..... – C....., Lda., no valor de €44.749,95 (Doc. 16 junto à p.i.), tem a seguinte descrição identificada na própria fatura: “Projeto de Loteamento/... 1 – Aprovação pela C.M.S”. Isto é, a fatura em apreço foi emitida e paga pela A. por corresponder aos honorários devidos a essa empresa pelo facto de o projeto de loteamento ter sido aprovado pelo R.. Trata-se de uma prática corrente nas relações com os projetistas, arquitetos e atividades liberais (como os advogados), em que, para além de serem devidos honorários pela atividade desenvolvida, se prevê uma taxa de sucesso no caso de ser conseguido o objetivo pretendido, taxa esta que só é devida no caso de o resultado pretendido (neste caso a aprovação do projeto de loteamento) ser alcançado, como foi.
Deste modo, é inequívoco que esta despesa, determinada pela aprovação do projeto de loteamento, se integra de pleno na regra de indemnizabilidade decidida na Sentença recorrida.
10ª Em face da Reclamação da matéria de facto apresentada, também resulta que a Ré deverá ser condenada no pagamento à A. dos seguintes valores: (i) €16.742,30 (despesas suportadas pela A. com o acompanhamento por advogados do projeto de urbanização em causa e dos contratos celebrados para a execução do mesmo e para a preparação do terreno para o efeito); (ii) €70.437,99 (pagamento dos salários dos gerentes da A., que se dedicavam em exclusivo ao projeto imobiliário que aqui se discute). Nestes termos:
Deve o presente recurso ser julgado procedente, condenando-se o R. a pagar à A. os danos que ficaram invocados e quantificados nestas Alegações, no valor total de €555.888,49 (€153.799,12 que já resultam da Sentença recorrida, acrescidos dos €402.089,37 que se peticionam neste recurso), a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos à taxa de juros comerciais deste a citação do R. até integral pagamento.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 15 de novembro de 2019.
O aqui Recorrido, N..... – T...., S.A., veio apresentar contra-alegações de Recurso relativamente ao Recurso do Município, em 24 de outubro de 2019, sem conclusões, afirmando, a final, que “Pelas razões que ficaram exposta e pelas que este douto Tribunal doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente.”
O aqui Recorrido, Município de Sintra, veio apresentar contra-alegações de Recurso em 23 de dezembro de 2019, concluindo:
“1. Não obstante o Município de Sintra ter recorrido da douta Sentença sob recurso, não padece a mesma das nulidades que lhe são imputadas pela ora Recorrente.
2. De facto, não procede a alegação da Recorrente de violação do princípio do inquisitório (artigo 411.° do CPC), uma vez que foram feitas todas as diligências de prova e permitida à ora recorrente apresentar as provas de que dispunha.
3. Competia à Recorrente apresentar os meios de prova adequados, o que não fez, tendo-se limitado a apresentar imensos documentos vagos, sem identificação do objeto da prestação de serviços, a que diziam respeito, bem como do lapso têmpora! a que se referiam.
4. A Recorrente apresentou as testemunhas que entendeu pertinentes, que foram admitidas pelo Tribunal, tendo prescindido de 5 testemunhas porque assim o entendeu, tendo apenas faltado uma das testemunhas por motivos alheios ao processo.
5. As testemunhas foram inquiridas pela Recorrente e pelo Tribunal às matérias a que foram indicadas, tendo a Juíza formado a sua convicção com base na prova apresentada.
6. Não competia ao Tribunal a promoção de outras diligências além das realizadas, pelo que não houve qualquer violação do princípio do inquisitório.
7. Os documentos ora juntos pela Recorrente não relativos a factos supervenientes, pelo que devem ser rejeitados (artigo 149.° do CPTA),
8. Ainda que assim não se entenda certo é que os documentos juntos não são aptos a fazer a prova a que se pretende.
9. Na prática os documentos apresentados não permitem fazer a correspondência entre o período da aprovação do projeto e a declaração de nulidade do ato, ou seja, o 29.03.2000 e 21.02.2007, nem a identificação e menção aos trabalhos realizados, não demonstrando, assim, de forma inequívoca, como se impõe, sua conexão com o projeto objeto dos autos.
10. A Recorrente alega que não teve oportunidade de se pronunciar sobre as questões fundamentais decisórias concluindo que a Sentença consubstancia uma decisão surpresa, o que não é verdade como acima se referiu.
11. A verdade é que no seu requerimento a Recorrente acaba por reduzir os três segmentos invocados à questão da delimitação do nexo de causalidade.
12. Ao fundamentar o seu pedido no regime da Responsabilidade Civil Extracontratual haveria sempre que demonstrar a causalidade adequada.
13. Esta alegação de que o nexo de causalidade não estava em discussão nos autos é absurda e descabida, sendo certo e sabido que o nexo causal é pressuposto da Responsabilidade Civil Extracontratual, que fundamenta o pedido da Recorrente, pelo que não pode ter sido surpreendida pela discussão dos pressupostos do próprio pedido.
14. Além do mais, as questões colocadas nesta parte pela Recorrente são questões de direito, que estão na disponibilidade do Juiz, nos termos do disposto no n.° 3, do artigo 5.° do CPC, aplicável ex vi do artigo l.° do CPTA.
15. Não padece a decisão impugnada dos vícios que lhe são apontados, pela Recorrente.
16. O ora Recorrido também recurso da douta sentença, que se aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos, pugnando pela redução da indemnização fixada considerando o lapso temporal fixado na Sentença e a relevância dos documentos apresentados, pela ora Recorrente sendo que, parte dos documentos contemplados pela Sentença não são de molde a demonstrar a sua conexão com o objeto dos autos.
17. A Recorrente vem apresentar dois documentos elaborados a pedido relativos a factos passados na década anterior, e cujos factos já tinham sido objeto de apreciação e julgamento pelo Tribunal competente, não se configurando como factos supervenientes que possam ser atendidos na instância de recurso (artigo 149 o, do CPTA).
18. Não pode ser atendida a pretensão da Recorrente relativamente à produção de prova posterior à Sentença.
19. Sobre o pagamento de salários aos gerentes da Recorrente importa antes de mais atender aos factos provados alíneas A) e B) que a recorrente não contesta.
20. Daqui se retira que a Recorrente adquiriu o imóvel para o qual pretendia ver o projeto aprovado em 21.06.1996, pelo que, e desde logo, não podem, por uma questão lógica, ser atendidas as despesas anteriores a essa data.
21. Como tal, os recibos de remunerações emitidos desde 31.03.1995 a 30.06.1996, integrados no documento n.° 48 da PI, não podem ser atendidos.
22. Após essa data, alega a Recorrente que "se dedicava em exclusivo ao projeto da Quinta do ..." para justificar o pedido de pagamento integral dos salários dos gerentes, bem os impostos devidos pelo pagamento dos salários.
23. Trata-se de um período de cinco anos e meio em que a Recorrente alega que apenas se dedicou aquele projeto, do qual não tirou qualquer rendimento e, no entanto, suportou as despesas relativas às remunerações desses gerentes, dos respetivos impostos, e das demais despesas apresentadas com a petição inicial.
24. Tal premissa é irrazoáve! e não corresponde ao escopo normal de qualquer empresa de obter lucro com a sua atividade, pelo que bem andou a douta sentença ao dar como não provados os factos relativos ao pagamento de salários dos gerentes, por não ser produzida prova que permitisse concluir que os referidos gerentes que encontravam afetos ao projeto em exclusividade.
25. Pelo que bem andou a douta Sentença a concluir que não foi demonstrada a afetação em exclusividade dos gerentes àquele projeto.
26. Quanto aos factos não provados na Sentença que a Recorrente considera extremamente relevantes, também não procedem as alegações da Recorrente, na medida em que, qualquer proprietário que tenha intenção de construir, num seu qualquer terreno, tem de fazer projetos de acordo a legislação e regulamentação aplicável.
27. O facto de a ora Recorrente ter tido várias reuniões com as entidades envolvidas e de ter que fazer diversas alterações ao projeto inicial só indicia que o projeto original não estava de acordo com os parâmetros urbanísticos aplicáveis, e tanto o ora Recorrido, como as demais entidades envolvidas, contribuíram para a melhoria do projeto e adequação ao quadro legal aplicável, que foi evoluindo ao longo do tempo, como é natural, e não estava na disponibilidade do Recorrido obstar a essa evolução em função dos interesses da Recorrente.
28. Além do quadro legal também houve evolução dos projetos de Infraestruturas que afetaram a área de implementação do projeto designadamente a referida A16, que é uma estrada nacional e não municipal, tendo o Recorrido que se conformar, bem como a Recorrente com as implicações do traçado decidido pela Administração Central.
29. Pelo que improcedem as alegações da recorrente no que se refere aos prejuízos alegadamente causados pelos atrasos no procedimento.
30. Sobre o momento em que se consolidou a relação de confiança que fundamentou o direito a indemnização a Recorrente alega que deveria ser considerado momento anterior.
31. Bem andou a douta sentença ao considerar que as expetativas da Recorrente só merecem tutela jurídica a partir da aprovação do projeto, uma vez, todo a trajetória anterior se dirigiu à tentativa de obter um projeto que fosse legalmente possível, considerando o direito em vigor em cada momento.
32. Segundo o princípio tempus regit actum o projeto só poderia ser aprovado se em consonância com o direito em vigor à data da prolação do ato de aprovação.
33. É essa a data apropriada para a criação de expetativas legitimas na esfera jurídica da Recorrente, pelo que mais uma vez bem andou a douta sentença na fixação do enquadramento temporal relevante, improcedendo as alegações da Recorrente.
34. O mesmo raciocínio se aplica à alegação de erro de julgamento na desconsideração das despesas com a elaboração dos projetos de arquitetura,
35. Os projetos sempre teriam que ser elaborados, para ser submetidos a apreciação dos serviços camarários, nunca implicando tal apreciação uma garantia de aprovação.
36. Relativamente às faturas juntas sob o documento 12 e 16 da PI, importa desde logo, precisar que uma fatura anterior à data da aprovação o projeto de licenciamento, ainda que apenas em 6 dias, é sempre anterior.
37. Configura uma expetativa que não é juridicamente tutelada, pelo que bem andou a douta sentença ao não a considerar.
38. Sobre a fatura junta sob o documento 16 da PI, corresponde também a pagamento de um projeto anterior à aprovação, e taí como ficou sobejamente demonstrado não é ressarcívei por a submissão do projeto não corresponder automaticamente a uma aprovação tratando-se sempre dum risco a suportar pelo investidor, no caso a recorrente.
39. Pelo que improcedem todas as alegações da Recorrente.
Nestes termos e nos demais de direito, que o venerando Tribunal doutamente melhor suprirá, conclui-se que deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Recorrente, mantendo-se a douta Sentença na parte ora impugnada.”
Formula a aqui Recorrente/N..... – T...., S.A. alegações complementares em 17 de junho de 2020, nos seguintes termos:
“I. Questão prévia – Enquadramento processual e objeto do recurso interposto da Sentença de 17.04.2019
1. Por Requerimento de 28.05.2019, apresentado nos 10 dias subsequentes à notificação da Sentença de 17.04.2019, a Autora arguiu duas nulidades processuais, nos termos dos arts. 195º, nº 1, e 196º do CPC.
2. No entanto, por Despacho de 16.09.2019, o Tribunal a quo entendeu que a arguição de nulidades processuais deve integrar as Alegações de recurso da Sentença, motivo pelo qual a Autora foi convidada a aperfeiçoar as suas Alegações de recurso já apresentadas, de modo a ali integrar a arguição das nulidades processuais.
3. Deste modo, em 07.10.2019 a Autora juntou aos autos as suas Alegações de recurso da Sentença de 17.04.2019 aperfeiçoadas, onde se incluiu a arguição das duas nulidades processuais que se imputam à decisão sindicada.
4. Assim, o âmbito/objeto do recurso interposto pela Autora da referida Sentença de 17.04.2019 passou a integrar, também, as nulidades processuais que se imputam àquela Sentença, sendo certo que a decisão sobre as mesmas só agora, neste Despacho de 02.03.2020, foram apreciadas e decididas.
5. Deste modo, impõe-se a aplicação, ainda que por analogia, do regime prescrito no art. 617º, nº 3, do CPC: porque só agora, com este Despacho, foram conhecidas/decididas as nulidades processuais invocadas, a Autora/Recorrente tem que poder alegar o que entenda sobre a legalidade dessa decisão; de facto, porque o recurso passou a ter por objeto essas nulidades processuais, a Recorrente, no recurso, tem que poder alegar sobre a decisão proferida e agora também recorrida.
6. Assim, como Alegações complementares ou como Alegações no âmbito desse alargamento do âmbito do seu recurso interposto da Sentença de 17.04.2019, de modo a abranger também o Despacho de 02.03.2020, a Recorrente vem apresentar a sua pronúncia sobre este Despacho de 02.03.2020.
II. Os vícios e ilegalidades do Despacho de 02.03.2020
7. As nulidades processuais arguidas pela Autora foram as seguintes:
a. Nulidade processual por violação do princípio do inquisitório (em virtude de nos termos do art. 411º do CPC, impender sobre o Juiz o dever de determinar oficiosamente as diligências que entenda necessárias à demonstração da verdade material), isto é, por se constatar naquela Sentença de 17.04.2019 a omissão de atos/formalidades que a lei prevê (promoção de diligências instrutórias) e que influi na decisão da causa (art. 195º, nº 1, do CPC).
b. Nulidade processual por violação do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), na medida em que algumas questões/decisões e fundamentos decisórios da Sentençaa recorrida nunca haviam sido colocados/discutidos no processo (nem pela Autora, nem pelo Réu, nem pelo Tribunal), não tendo, por isso, a Autora tido oportunidade para se pronunciar sobre as mesmas antes de ter sido proferida a referida Sentença, constatando-se assim uma verdadeira decisão surpresa.
8. Quanto a estas nulidades, no Despacho de 02.03.2020 decidiu-se o seguinte:
a. Quanto à nulidade processual por violação do princípio do inquisitório:
“A Autora vem arguir a «nulidade processual por violação do inquisitório», nos termos do artigo 411.º, n.º 1, do CPC, sustentando que o tribunal deu como não provado determinados factos que vinham alegados.
Ora, nos autos foi aberta uma fase instrutória, com a possibilidade de realização das diligências de prova requeridas e que as partes consideraram relevantes para demonstrar a factualidade alegada (prova documental, pericial, testemunhal e declarações de parte).
Tendo sido realizadas as diligências de prova configuradas como suficientes e não resultando do princípio do inquisitório que cabe ao tribunal substituir-se à parte, não se configura subsistir a nulidade arguida” (cfr. pág. 2 do Despacho recorrido).
b. Quanto à nulidade por violação do princípio do contraditório/decisão-surpresa:
“No que respeita à arguição de nulidade por ter sido proferida uma decisão surpresa, a mesma não se verifica. Ao contrário do sustentado pela Autora, as questões que vem dizer não terem sido invocadas pelas partes, encontram-se no enquadramento jurídico feito pelas partes nos autos e que foram debatidas de forma suficiente. Também assim se considera não subsistir a nulidade arguida” (cfr. pág. 2 do Despacho recorrido).
9. No que respeita à decisão do Despacho sub judice quanto à nulidade processual por violação do princípio do inquisitório.
No essencial, este Despacho considerou que não se verifica a nulidade invocada pelo facto de ter havido a fase instrutória, onde as partes puderam apresentar as provas que entenderam, não podendo o Tribunal substituir-se às partes.
Com o devido respeito, esta constatação da decisão recorrida não prejudica nem infirma a nulidade processual que foi invocada pela Autora/Recorrente.
Na verdade, (i) nem a Autora/Recorrente defende que o Tribunal se deva substituir às partes, (ii) nem a diligência omitida (notificação das partes para apresentarem, querendo, provas complementares) implica uma substituição das partes pelo Tribunal.
De facto, o que importa ter presente nesta situação concreta com que nos deparamos é o seguinte:
a. Nos termos do princípio (estruturante) do inquisitório prescrito no art. 411º do CPC, o Tribunal pode (e deve) determinar oficiosamente as diligências que entenda necessárias à demonstração da verdade material;
b. Por outro lado, importa atender aos essenciais desta situação concreta: (i) a A. invocou determinados factos (relativos a encargos com acompanhamento jurídico, a encargos com o financiamento bancário e a encargos com os salários dos gerentes), (ii) a A. apresentou prova (testemunhal e documental) quanto a esses factos que, pelo menos tendencialmente, indiciam os mesmos, e (iii) dos autos nada resulta que infirme esses factos aduzidos pela Autora.
Se o Tribunal, apesar desse contexto processual específico, entendeu que esses factos não resultavam plenamente demonstrados, que ainda tinha algumas reservas quanto à verificação dos mesmos, então, nos termos do inquisitório determinado naquele art. 411º do CPC, poderia e deveria ter solicitado às partes que, quanto a essas reservas do Tribunal, viessem esclarecer/apresentar os meios probatórios concretos que entendessem para o esclarecimento das reservas do Tribunal quanto à verificação dos factos em causa.
Este é um poder-dever reforçado nesta situação, pois, ainda que, na leitura do Tribunal, não tenha sido feita uma prova inequívoca, tudo (ou muito) indicia que esses factos/prejuízos invocados se tenham verificado nos termos peticionados.
E não se trata aqui de o Tribunal se substituir às partes, mas sim de o Tribunal intervir ativamente, como deve e se pretende, para a descoberta da verdade material, designadamente esclarecendo as dúvidas que possam subsistir após a produção de prova.
10. No que respeita à decisão do Despacho sub judice quanto à nulidade processual por ter sido proferida uma decisão surpresa, considerou-se aí, genericamente, que “as questões que vem dizer não terem sido invocadas pelas partes, encontram-se no enquadramento jurídico feito pelas partes nos autos e que foram debatidas de forma suficiente” (cfr. pág. 2 do Despacho recorrido).
Ora, esta afirmação/consideração, com o devido respeito, é irrelevante nos termos genéricos em que vem colocada pelo Tribunal recorrido.
De facto, embora o Tribunal não esteja vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5º, nº 3, do CPC), é evidente que, tendo as partes configurado e discutido a relação material controvertida sob um determinado regime jurídico e vindo depois o Tribunal a decidir a causa aplicando um diferente regime jurídico, que as partes não consideraram/previram e, por isso, sobre o qual não se pronunciaram, estamos perante uma decisão-surpresa.
Na verdade, durante o processo a Autora e o Réu configuraram e discutiram a situação que nos ocupa no âmbito do regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Réu por facto ilícito, não tendo considerado/previsto nem se tendo pronunciado, designadamente, sobre a delimitação do nexo de causalidade da violação da confiança (decidida nas págs. 34/35 da Sentença de 17.04.2019), uma vez que não tinham configurado e discutido a relação material controvertida no âmbito do regime da Responsabilidade Civil por violação da confiança.
Isto é, apesar de as partes terem discutido o regime da Responsabilidade Civil (o tal ‘enquadramento’ a que se refere o Despacho sub judice), não discutiram em concreto, por exemplo, qualquer questão relativa à delimitação do nexo de causalidade no específico regime Responsabilidade civil por violação da confiança, sendo certo que foi com base no regime deste nexo de causalidade que a Sentença de 17.04.2019 se suportou para decidir a causa.
Ou seja, para que se cumpra de pleno o contraditório e as exigências constitucionais do direito fundamental a um processo equitativo, impor que partes se possam pronunciar, não apenas sobre o enquadramento jurídico da questão, mas sim sobre o específico regime efetivamente aplicado na decisão da causa.
Nestes termos, pelo que se deixou exposto nas nossas Alegações de 07.10.2019 e pelo que agora se complementa face ao Despacho sub judice, deve este recurso ser julgado procedente.”
O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado em 07/07/2020, nada tendo vindo dizer, requerer ou Promover.
O aqui Recorrido, Município de Sintra, devidamente notificado veio emitir pronuncia relativamente à alegações complementares em 22 de janeiro de 2021, nos seguintes termos:
“As denominadas alegações complementares, apresentadas pela Recorrente, mais não são do que um recurso do despacho de pronúncia sobre as alegadas nulidades da sentença, proferido a 2 de março de 2020, o qual, nos termos do disposto no artigo 617.º do Código de Processo Civil não é passível de Recurso.
- Ademais, as invocadas nulidades são improcedentes como bem fica demonstrado no despacho recorrido, a que se adere in totum.
- Nesta conformidade, bem andou o douto despacho ao manter a Sentença.
Termos em que deve ser rejeitado o requerimento da Recorrente apelidado de Alegações complementares.”

Em 2 de março de 2021 veio o Tribunal a quo a proferir Despacho de sustentação da Sentença recorrida, onde se afirmou, designadamente o seguinte:
“Das nulidades apontadas:
A Autora vem arguir a «nulidade processual por violação do inquisitório», nos termos do artigo 411.º, n.º 1, do CPC, sustentando que o tribunal deu como não provado determinados factos que vinham alegados.
Ora, nos autos foi aberta uma fase instrutória, com a possibilidade de realização das diligências de prova requeridas e que as partes consideraram relevantes para demonstrar a factualidade alegada (prova documental, pericial, testemunhal e declarações de parte).
Tendo sido realizadas as diligências de prova configuradas como suficientes e não resultando do princípio do inquisitório que cabe ao tribunal substituir-se à parte, não se configura subsistir a nulidade arguida.
No que respeita à arguição de nulidade por ter sido proferida uma decisão surpresa, a mesma não se verifica. Ao contrário do sustentado pela Autora, as questões que vem dizer não terem sido invocadas pelas partes, encontram-se no enquadramento jurídico feito pelas partes nos autos e que foram debatidas de forma suficiente.
Também assim se considera não subsistir a nulidade arguida.
Nos termos e com os fundamentos expostos, entende-se ser de manter a sentença (e o despacho) sob recurso (…)”.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, no Recurso do Município, designadamente, a nulidade, decorrente de oposição da decisão com os seus fundamentos; mais se impugnando alguma da matéria de facto.
Quanto ao Recurso da Autora, para além de serem suscitadas algumas questões relativas à fixação da matéria de facto, invoca-se ainda a Nulidade por violação do princípio do inquisitório e por violação do princípio do contraditório.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“A) A Autora adquiriu, no ano de 1996, um terreno com a área total de 156.341m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o n.º ….. pelo montante de €1.675.498 (cfr. escritura de compra e venda de fls. 692-696);
B) Em 21/06/1996, a Autora pagou de emolumentos e selo, no 1.º Cartório Notarial de Sintra, pela aquisição do prédio mencionado em A) a quantia de €18.510,95 (cfr. doc de fls. 43 autos);
C) A Autora despendeu, com o registo predial da aquisição do prédio mencionado em A) a quantia de €5.110,31 (fls. 716 vs);
D) Em 28/08/1996, a Autora requereu à Câmara Municipal de Sintra, o licenciamento de uma operação de loteamento para uma parte do prédio mencionado em A) – cerca de 65 880m2 – requerimento que deu origem ao processo n.º LT-6349/96 (FLS. 1-A a 50-A do PA, 1.º volume);
E) Em 27/02/1997, foi emitido parecer, no âmbito do processo de loteamento referido na alínea anterior, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. Doc. De fls. 780 dos autos);
F) Em 04/02/1998, foi emitido parecer peia Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. Doc. N.º 5 de fls. 780 dos autos);
G) Em 21/07/1999, a Autora pagou de SISA peia aquisição do prédio mencionado em A), o montante de € 125.756,83 - cento e vinte cinco mil, setecentos e cinquenta e seis euros e oitenta e três cêntimo (fls. 48 dos autos);
H) Em 11/02/2000, foi emitida informação pela Divisão de Planeamento, do Departamento de Urbanismo, da Câmara Municipal de Sintra, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(doc. De fls. 781 dos autos);
I) Em 29/03/2000 a Câmara Municipal deliberou aprovar o pedido de licenciamento da operação de loteamento formulado pela Autora e mencionado em C) (cfr. minuta da deliberação da Câmara Municipal de Sintra de fls. 783 dos autos);
J) a aprovação da operação de loteamento referida na alínea anterior permitia à Autora, de acordo com o quadro de loteamento da planta de síntese e de cedências, uma área total de construção de 46.115m2, a construção de 395 fogos e de 31 unidades comerciais (cfr. processo administrativo e relatório pericial de fls. 622 dos autos);
K) Em 18/10/2000, a Autora apresentou, junto dos serviços da Ré, o pedido de licenciamento das obras de urbanização do loteamento aprovado (cfr. doc. De fls. 784-v dos autos);
L) Em 03/10/2003 a Ré remeteu à Autora, que recebeu, o ofício com a Ref.ª 452/PLAN/2003, acompanhado da informação de 02/07/2003, elaborada pelos Serviços Técnicos com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. De fls. 788 dos autos);
M) Em 15/11/2005, a Ré remeteu à Autora, que recebeu, o ofício Ref.ª 12888 com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. De fls. 789 dos autos);
N) Em 01/02/2006, foi emitido parecer desfavorável pela EP-Estradas de Portugal, EPE, o qual foi transmitido à Câmara Municipal de Sintra através do ofício n.º 16248, (cfr. doc. De fls. 790 dos autos).
O) Em 03/07/2006, foram apresentados elementos pela Autora, em resposta ao parecer referido na alínea anterior, tendo sido emitido novo parecer pela EP – Estradas de Portugal, EPE, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. De fls. 791 dos autos).
P) A A....-A......, SA, emitiu parecer com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. De fls. 791-v dos autos).
Q) Em 06/06/2006, foi elaborada informação, pela Chefe de Divisão DPES, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. de fls. 792-v e 793 dos autos);
R) Em 30/06/2006, foi exarado despacho de concordância, sobre a informação referida na alínea anterior, pelo Presidente da Câmara Municipal de Sintra (cfr. doc. de fls. 73 dos autos);
S) Em 09/01/2007, foi proferido despacho, pelo Presidente da Câmara Municipal de Sintra, com o teor seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. de fls. 793-v e 794 dos autos);
T) Em 16/01/2007, foi proferido despacho pelo Presidente da Câmara Municipal de Sintra, que determinou a retificação dos despacho mencionado na alínea anterior, quanto à data da deliberação declarada nula, de 29.03.2006 para 29.03.2000 (cfr. doc. De fls. 795 dos autos);
U) Em 12/02/2007, foi elaborada informação, na qual se propôs o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1.ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(cfr. doc. de fls. 797-v e 798 dos autos);
V) Em 21/02/2007, foi exarado despacho de concordância sobre a informação referida na alínea anterior, pelo Presidente da Câmara Municipal de Sintra (cfr. doc. de fls. 798-v dos autos);
W) Em 28/05/2007, o Autor intentou, junto deste TAF, ação administrativa especial de impugnação do despacho referido na alínea anterior, a qual correu termos sob o n.º 608/07.3BESNT (cfr. fls. 410 dos autos);
X) A ação mencionada na alínea anterior foi julgada improcedente, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, através de Acórdão datado de 08/01/2008;
Y) A decisão mencionada na alínea anterior foi confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, através de Acórdão datado de 17/09/2015 (cfr. cópia do acórdão de fls. 531 a 539 dos autos);
Z) A Autora suportou as seguintes despesas com a execução do projeto de loteamento:
i) Levantamento topográfico, executado pela empresa Talefe-Topografia, Estudos e Projetos, Lda. - €2.334,37, onze mil e vinte e nove euros e oitenta e sete cêntimos) (doc. de fls. 81 dos autos);
ii) Elaboração do projeto de loteamento - €68.858,09 (fls. 82, 83 e 96 dos autos);
iii) Pedido de informação - €51,85, cinquenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos) (fls. 84 dos autos);
iv) Levantamentos topográficos e cópias heliográficas - €13 695,80 (fls. 85-90);
v) Elaboração de projetos viários e estudos de tráfego do loteamento - €18.704,92, dezoito mil, setecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos), cfr. Doc. n.º 12 A e Doc. n.º 12 B, juntos com a PI a fls. 91 e 92 dos autos.
AA) A Autora suportou as seguintes despesas com a execução dos projetos de infraestruturas:
i) Elaboração de estudo de impacto de trafego - €26 261,31 (fls. 93);
ii) Elaboração de projeto de infraestruturas - €32 214, 36 (fls. 94-95);
iii) Elaboração de projeto rede de gás natural - € 1 955,04 (fls. 98);
iv) Pedido de informação SMAS - €106,80 (fls. 99);
v) Elaboração de projeto de eletricidade - €12.839, 06 (fls. 100);
vi) Retificação relativa ao projeto EN250 - €26.261, 71 (fls. 101);
vii) Elaboração de projeto de arquitetura e incêndios (dos lotes) - €33.822,93 (fls. 104, 106-110);
viii) Trabalhos de topografia, fotografias aéreas e peças gráficas - €10.909,18 (fls. 117 - 121);
BB) E com trabalhos de limpeza e vedações do terreno - €270.354,09 (fls. 102-103, 105, 111-115, 119, 122-127, 129-130);
CC) Em 2003 o custo da execução das obras de urbanização previstas no projeto apresentado seria de cerca de €2.000.000 (relatório pericial de fls. 638 dos autos);
DD) Em 2003, executadas as obras de urbanização, o valor de mercado dos lotes constituídos seria de cerca de €11.528,50 (cfr. Relatório Pericial de fls. 638 dos autos);

IV – Do Direito
Atenta a sua relevância para a perceção do que se mostra controvertido, infra se reproduz, no que aqui releva, o discurso fundamentador da decisão recorrida.
“DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTO ILÍCITO DECORRENTE DA PRÁTICA DO ACTO NULO (…)
Como pacificamente admitido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., por todos, Acórdão de 19.04.05 - R° 46339) a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes correspondia, no essencial, ao conceito civilista de idêntica responsabilidade consagrado no art. 483.°, n° 1 do CC, que exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) o facto, constituído por um comportamento voluntário, que pode revestir a forma de ação ou omissão;
b) a ilicitude, que advém da violação de normas, por ação ou omissão, da qual resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos;
c) a culpa, nexo de imputação ético-jurídica que, na forma de mera culpa, traduz a censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria um homem normal perante as circunstâncias do caso concreto;
d) o dano, lesão de ordem patrimonial ou não patrimonial, só havendo direito a indemnização, no caso desta última, quando o dano, pela sua gravidade, avaliada segundo um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, mereça a tutela do direito;
e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada.
A respeito da ilicitude, quando estejam em causa atos jurídicos, é necessário que as normas violadas tenham vocação protetora de direitos de terceiros.
Referiu-se, a propósito, no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a 15.03.2012, ainda no âmbito do regime do DL n.º 48 051 (Proc. N.º 215/10), que:
«(…) Como salienta o já citado acórdão de 4.11.98, basta ler a definição de ilicitude do artigo do DL nº 48.051, de 21 de novembro de 1967, à luz do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, que consagra a responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas por ações ou omissões «de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem», para se concluir que só são ilícitos, para este efeito, as ilegalidades que consistam em «violação de normas que incluem, entre os fins que visam tutelar, a proteção – não meramente reflexa ou ocasional, mas direta e intencional – do interesse particular»
Compulsado o despacho que declarou a nulidade da deliberação que aprovou a operação de loteamento verifica-se que este assentou na circunstância de aquela violar as disposições do RPDM, designadamente a do art. 3°/i), por não se articular com a envolvente próxima e apresentar um desenho urbano não qualificado e a do art. 26°/1/j), por não apresentar uma cabal solução para hierarquização e interligação entre a rede viária existente e a proposta.
As normas violadas e determinantes da invalidade do ato são normas do RPDM respeitantes ao ordenamento do território, sem qualquer vocação protetora dos direitos ou interesses da Autora.
Assentando o pedido na prática de um ato jurídico, inválido é certo, mas cuja invalidade não decorre da violação de normas com vocação protetora dos direitos e interesses da Autora, não se verifica a ilicitude alegada e claudica a pretensão indemnizatória fundada na ilegalidade (nulidade) do ato que aprovou a operação de loteamento.
DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTO LÍCITO DECORRENTE DA PRÁTICA DO ACTO QUE DECLAROU A NULIDADE DO ACTO DE LICENCIAMENTO
No que respeita à responsabilidade decorrente da prática do ato lícito que declarou a nulidade do ato que aprovou a operação de loteamento, é preciso ter em atenção que esta modalidade de responsabilidade, prevista no art. 9°/1 do DL n° 48051 apenas abrange os danos que sejam especiais e anormais.
O conceito de especialidade e anormalidade do dano indemnizável veio a ser densificado no art. 2º do novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (Lei n° 67/2007 de 31.12), e definido nos termos que seguem:
...consideram-se especiais os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afetarem a generalidade das pessoas, e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, peia sua gravidade, a tutela do direito.
No caso dos autos, ainda que se considerasse que os danos alegados se revestissem das referidas características, ficaria sempre por demonstrar o nexo de causalidade entre esse ato e os danos alegados, já que, não produzindo o ato nulo quaisquer efeitos jurídicos, a declaração de nulidade em nada alterou a esfera jurídica da Autora no respeita à permissão para concretizar a operação urbanística objeto daquele ato, não sendo o ato que declarou a nulidade passível de dar causa aos danos decorrentes da impossibilidade de levar a efeito o loteamento objeto da pretensão da Autora.
Não obstante, e porque o Tribunal não se encontra vinculado à qualificação jurídica da questão apresentada pelas partes (art. 5º/3 do CPC), afigura-se-nos que o enquadramento da situação trazida aos autos deve ser feito à luz da responsabilidade civil extracontratual, sim, mas pela violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, traduzido na conduta do Réu que, tendo licenciado uma operação de loteamento, veio, posteriormente a declarar a sua nulidade.
Para o enquadramento da questão da responsabilidade civil por violação da confiança, convoca-se, por com ela se concordar, a doutrina vertida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido nos autos nº 01167/16 nos quais estava em discussão a indemnização resultante dos danos alegadamente sofridos em consequência de ter sido praticado um ato de licenciamento da construção de uma edificação que, posteriormente, foi declarado nulo pela Câmara Municipal.
Referiu-se, no aresto mencionado, designadamente o seguinte:
«(…)
O princípio da boa-fé encontra-se consagrado nos arts 266.º da CRP e 6.º - A do CPA e mostra-se diretamente relacionado com os atos/direitos e obrigações jurídicas, passando, fundamentalmente, pela emissão de um juízo de valor aplicado a uma conduta quando confrontada com um determinado comportamento anterior.
Enquanto princípio geral de direito, a boa-fé significa “…que qualquer pessoa deve ter um comportamento correto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outras pessoas …“
No caso que ora nos interessa, circunscreve-se à vertente do subprincípio da tutela da confiança, pressupondo este, cinco circunstâncias para a sua verificação:
a) a atuação dum sujeito de direito que crie a confiança;
b) a situação de confiança mostrar-se justificada por elementos objetivos idóneos a produzir uma crença plausível;
c) a existência dum investimento de confiança;
d) o nexo de causalidade/imputação entre a atuação geradora de confiança e a situação de confiança e entre esta e o investimento de confiança;
e) a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou
Numa circunstância de tutela de confiança revela-se como indispensável estarmos em face duma confiança "legítima”, e para que o mesmo se possa validamente invocar é necessário que o interessado não o pretenda alicerçar apenas na sua mera convicção psicológica e subjetiva, antes se impondo a enunciação de sinais externos produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde se possa razoavelmente ancorar a invocada confiança, ou seja, a necessidade do particular ter razões sérias para crer na validade dos atos ou condutas anteriores da Administração aos quais tenha ajustado a sua atuação, pois a exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, e consequentemente, da confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.
O princípio da segurança jurídica, enquanto implicado no princípio do Estado de Direito Democrático, comporta, pois, duas ideias basilares. Uma, a de estabilidade, no sentido de que as decisões dos entes públicos “não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes”. Outra ideia é a da previsibilidade que, no essencial se “reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos atos normativos”.
É, assim, que os princípios da proteção da confiança e segurança jurídica pressupõem um mínimo de previsibilidade em relação aos atos do poder, de molde a que cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica.
(…)
Finalmente, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem admitido inequivocamente a aplicação quer do princípio da boa-fé quer do princípio da proteção da confiança enquanto fonte de ilegalidade e de responsabilidade da Administração
(…)
Porém, no fim destes trâmites todos, e quando a obra se encontrava praticamente concluída em termos estruturais, a autora é confrontada com um despacho revogatório desse mesmo licenciamento, com fundamento em violação do PDM. (...)».
A violação do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança, enquanto fonte de ilegalidade e de responsabilidade da Administração, integra-se, naturalmente, no instituto da responsabilidade civil extracontratual delitual, cuja disciplina, no que para o caso releva e considerando que a conduta da qual a Autora faz emergir o pedido se desenvolveu entre os anos de 2000 e início de 2007, se encontrava prevista no DL n° 48051 de 21.11.1967 e foi já enunciada acima.
Vejamos, agora, se os factos provados permitem concluir pela verificação da ilicitude decorrente da violação do princípio da boa-fé, na vertente da tutela da confiança, de acordo com os pressupostos enunciados no Acórdão enunciado acima.
Em termos prévios importa referir que as normas do CPA, vigente à data – o art. 6ºA- que determinavam que no exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a administração deve relacionar-se com os particulares de acordo com as regras da boa-fé ponderando, em especial, a confiança suscitada na contraparte, têm uma vocação protetora dos direitos dos terceiros envolvidos na relação jurídica.
Da matéria das alíneas D) e I) da matéria assente resulta que a Autora requereu ao Réu, a 28.08.1996, o licenciamento de uma operação de loteamento para uma parte do prédio mencionado em A) e que esse licenciamento foi aprovado através de deliberação da Câmara Municipal de 29.03.2000.
Nos termos da disciplina do DL nº 448/91 de 20.11, vigente à data, o procedimento em causa desenvolvia-se em duas fases, a primeira respeitante à aprovação da operação de loteamento (arts. 8º e ss.) e a segunda respeitante à aprovação das obras de urbanização (arts. 20º e ss.), após o que teria lugar a emissão do título respetivo – o alvará de loteamento (arts. 28º e ss.).
O licenciamento da operação de loteamento, definida no art. 3.º/1/a) como a ação que tenha por objeto a divisão em lotes de um ou vários prédios, destinados imediata ou subsequentemente à construção urbana, pese embora não contivesse uma dimensão permissiva, pois que apenas com a aprovação das obras de urbanização e emissão do alvará respetivo se concretizaria a permissão decorrente de todo o processo de licenciamento, continha uma dimensão e aptidão para a constituição de uma situação de confiança na esfera jurídica da Autora, pois que, à semelhança do que sucede com a aprovação do projeto de arquitetura, é com a aprovação da operação de loteamento que se determinam os parâmetros urbanísticos a observar, designadamente a respeito do desenho dos lotes, áreas respetivas, finalidade, área de implantação e construção, número de pisos e fogos, áreas a ceder ao domínio público e privado. Enfim, todo o desenho urbanístico da operação de loteamento é objeto de controlo nessa fase, sendo também realizadas as consultas às entidades externas que devam emitir parecer (cfr. arts. 40º e ss. do DL nº 448/91).
A confiança criada na Autora através da deliberação que aprovou a operação de loteamento foi uma confiança legítima, irrelevando para o caso as vicissitudes que antecederam a prática do ato licenciador e mencionadas na informação da alínea L), pois que terão sido ultrapassadas, através de ajustamentos levados a efeito anteriormente à prática da deliberação da alínea l) (cfr. informação da alínea H)).
Temos, assim, que com a aprovação da operação de loteamento foi criada, pelo Réu, na esfera jurídica da Autora, uma situação de confiança legitima que determinou a conduta subsequente respeitante ao requerimento de aprovação das obras de urbanização, instruído com os projetos respetivos, correspondente ao investimento com base na confiança criada por aquela aprovação, sendo incontroversa a existência do respetivo nexo de causalidade.
A declaração de nulidade do ato que aprovou a operação de loteamento (alíneas R), S), T) e V) da matéria assente) frustrou a confiança criada na esfera jurídica da Autora com a aprovação da operação de loteamento.
Temos assim verificados os pressupostos necessários a que se considere verificada, pelo Réu, uma conduta ilícita pela violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança.
Verificada a atuação ilícita e considerando que a culpa configura, no caso, a dimensão subjetiva da ilicitude, resta apurar os danos e o nexo de causalidade, para concluir pela verificação do dever de indemnizar.
Da matéria das alíneas A), B), C) e G) resulta que a Autora adquiriu o prédio objeto do pedido de aprovação do loteamento e despendeu os valores correspondentes ao preço do terreno e às escrituras, registos e impostos, no montante total de € 1 824 876,09.
Da alínea 2) resulta que a Autora despendeu os valores correspondentes à elaboração dos projetos necessários à instrução do pedido de licenciamento da operação de loteamento, no montante total de € 103 644,56.
Da alínea AA) resulta que a Autora despendeu com os projetos de infraestruturas o montante de €110.587,46 e com os projetos de arquitetura dos lotes o montante de €33.822,93.
Os autos revelam ainda que a Autora despendeu com a limpeza e desmatação e colocação de vedações no terreno o montante total de € 270 354,09 (alínea BB)).
Sucede, porém, que apenas entre os danos correspondentes à execução dos projetos de infraestruturas (e, eventualmente os correspondentes à manutenção do terreno) se verifica o nexo de causalidade entre a sua produção e a conduta ilícita, pois que apenas esses correspondem ao investimento de confiança realizado pela Autora e que, por esta ter sido frustrada, deve ser restituído.
Na verdade, entre as despesas correspondentes à aquisição do terreno e execução dos projetos necessários à apresentação e instrução do pedido de aprovação da operação de loteamento e a conduta violadora da confiança, não existe qualquer nexo causal, pois que se trata de despesas levadas a efeito anteriormente e sem qualquer conexão com a violação da confiança.
O mesmo quanto às despesas com a elaboração dos projetos de arquitetura dos lotes, os quais apenas se tornariam necessários após a aprovação das obras de urbanização e emissão do alvará e no âmbito de procedimentos de controlo prévio distintos do que constitui o objeto do presente litígio.
Também quanto aos lucros cessantes não se verifica qualquer nexo de causalidade entre a sua verificação e a conduta violadora da confiança.
Na verdade, é preciso não perder de vista que não vem questionada nos presentes a nulidade do ato que licenciou a operação de loteamento (nem podia, atenta a matéria das alíneas w) a y)), não podendo, por isso, a Autora ver reconstituída a situação que existiria se o licenciamento tivesse sido aprovado e emitido o alvará. É preciso não perder de vista que o ato que aprovou a operação de loteamento é nulo!
(…)
Assim, apenas os danos que a Autora sofreu em virtude de lhe ter sido criada uma situação de confiança que veio a ser frustrada apresentam esse nexo, sendo que apenas aí se podem incluir as despesas e o investimento que a Autora realizou enquanto investida na referida situação de confiança e por causa dela, ou seja, os respeitantes à instrução do pedido de aprovação das obras de urbanização – projetos e estudos – e, bem assim, as operações realizadas com a limpeza e conservação do terreno durante aquele período.
Conclui-se, assim, que apenas as atuações da Autora realizadas entre a deliberação de 29.03.2000 e o despacho da alínea V), datado de 21.02.2007 com vista à aprovação dos projetos das obras de urbanização e à manutenção do terreno se encontram abrangidas peio nexo causal da violação da confiança, pois que apenas quanto a elas é possível concluir que se não fosse a situação de confiança constituída na esfera jurídica da Autora (que veio a frustrar-se), não teriam ocorrido. O mesmo raciocínio não é de aplicar, por exemplo, quanto às atuações prévias à constituição da situação de confiança - de que são exemplo as respeitantes à aquisição do prédio e à elaboração dos projetos e estudos necessários à apresentação do pedido de aprovação do loteamento, na medida e que não tiveram como causa a confiança criada pelo Réu, ou as posteriores ao conhecimento, pela Autora, de que a confiança criada se havia frustrado, de que são exemplo algumas das despesas mencionadas na alínea BB) dos factos assentes.
Em face do referido, conclui-se que apenas as despesas referentes à elaboração dos projetos e estudos com vista à aprovação das obras de urbanização e as realizadas com a limpeza e conservação do terreno desde a aprovação da operação de loteamento até à declaração de nulidade configuram danos decorrentes da violação da confiança. A expressão pecuniária desses danos é, quanto à elaboração dos projetos e estudos relativos às obras de urbanização, de €110 587,46 e, quanto à limpeza e manutenção do terreno, de €43 211,66, num total de €153 799,12.
Verificados que se mostram os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, deve a ação ser julgada parcialmente procedente e condenado o Réu a pagar à Autora uma indemnização correspondente às despesas relativas à elaboração dos projetos e estudos necessários à aprovação das obras de urbanização e à manutenção e limpeza do terreno até ter sido declarada a nulidade da deliberação que aprovou a operação de loteamento.
Termos em que se julga a ação parcialmente procedente e se condena o Réu Município de Sintra no pagamento de uma indemnização no montante de € 153 799,12.”

Recurso da N..... – T...., S.A.
Recorre a N…. – T…., S.A. predominantemente do valor da indemnização por responsabilidade civil extracontratual fixada pela Sentença de 1ª instância.

A Sentença recorrida definiu como período elegível para efeitos de indemnização o decorrido entre 29.03.2000 e 21.02.2007, a saber, o período situado entre a aprovação do projeto e a declaração de nulidade do ato.

Pretende a Recorrente ser indemnizada por despesas que realizou antes de ter sido aprovada a sua pretensão, as quais não foram consideradas pela Sentença Recorrida.

Concluiu a Sentença Recorrida que “Assim, apenas os danos que a Autora sofreu em virtude de lhe ter sido criada uma situação de confiança que veio a ser frustrada apresentam nexo, sendo que apenas ai se podem incluir as despesas e o investimento que a Autora realizou enquanto investida na referida situação de confiança e por causa dela, ou seja, os respeitantes à instrução do pedido de aprovação das obras de urbanização - projetos e estudos - e, bem assim, as operações realizadas com a limpeza e conservação do terreno durante aquele período.
Conclui-se, assim, que apenas as atuações da Autora realizadas entre a deliberação de 29.03.2000 e o despacho da alínea V), datado de 21.02.2007 com vista à aprovação dos projetos das obras de urbanização e à manutenção do terreno se encontram abrangidas pelo nexo causai da violação da confiança, pois que apenas quanto a elas é possível concluir que se não fosse a situação de confiança constituída na esfera jurídica da Autora (que veio a frustrar-se), não teriam ocorrido. O mesmo raciocínio não é de aplicar, por exemplo, quanto às atuações prévias à constituição da situação de confiança - de que são exemplo as respeitantes à aquisição do prédio e à elaboração dos projetos e estudos necessários à apresentação do pedido de aprovação do loteamento, na medida e que não tiveram como causa a confiança criada pelo Réu, ou as posteriores ao conhecimento, peia Autora, de que a confiança criada pelo Réu, ou as posteriores ao conhecimento, peia Autora, de que a confiança criada se havia frustrado, de que são exemplo algumas das despesas mencionadas na alínea BB) dos factos assentes.
Em face do referido, conclui-se que apenas as despesas referentes à elaboração dos projetos e estudos com vista à aprovação das obras de urbanização e as realizadas com a limpeza e conservação do terreno desde a aprovação da operação de loteamento atá à declaração de nulidade configuram danos decorrentes da violação da confiança. A expressão pecuniária desses danos e, quanto à elaboração dos projetos e estudos relativos ás obras de urbanização, de € 110 587,46 e, quanto à limpeza e manutenção do terreno, de € 43 211,66, num total de € 15.799,127.”

Vejamos as nulidades suscitadas:
Da violação do princípio do inquisitório
Não obstante o princípio do inquisitório, não é despiciente recordar que o impulso processual compete às partes. nomeadamente no que concerne à indicação e realização das diligências probatórias.

Competia pois à Recorrente, sendo caso disso, apresentar os meios de prova que entendesse adequados à demonstração do invocado, não sendo suficiente a mera apresentação de abundante documentação, sem que seja percetível a sua conexão com a presenta Ação e sem que se mostram devidamente situados no tempo.

As testemunhas arroladas foram inquiridas face às matérias a que foram indicadas, sendo que o tribunal, como lhe competia formou a sua convicção com base na prova então disponível.

Vem o Recorrente nesta fase recursiva apresentar mais dois documentos, sendo que nos termos do artigo 149.°, do CPTA, o Tribunal de Recurso só deve proceder à produção de prova no caso do Tribunal recorrido não ter conhecido do pedido, o que não foi o caso, em face do que se não reconhece a admissibilidade nesta fase dos referidos documentos, sendo que, em qualquer caso, não seria sequer admissível a sua junção ao abrigo do artigo 651º do CPC.

Em qualquer caso, dir-se-á que os documentos apresentados não permitem sequer fazer a correspondência entre o período da aprovação do projeto e a declaração de nulidade do ato, ou seja, o 29.03.2000 e 21.02.2007, sendo que nem sequer identificam os trabalhos objetivamente realizados, o que não permite que se faça a necessária correspondência com o projeto objeto dos autos.

Assim, improcede a invocada violação do princípio do inquisitório.

Da Nulidade processual decorrente de decisão surpresa
Entende a Recorrente que "Estas três questões/fundamentos decisórios nunca haviam sido colocadas/discutidas nos presentes autos; nem pela Autora, nem pelo Réu, nem peio Tribunal", referindo-se "... à Responsabilidade Civil Extracontratual do Réu por facto ilícito", "... ao âmbito de aplicação do regime de responsabilidade Civil Extracontratual do réu por facto licito" e "... à violação, por parte do Réu, do princípio da boa-fé e tutela da confiança".

Mais alega a Recorrente que não teve oportunidade de se pronunciar sobre as mesmas antes de ter sido proferida a Sentença, invocando assim, que estamos perante uma decisão surpresa.

Não se vislumbra que assim seja.

Com efeito, a própria Recorrente acaba por reconduzir os invocados três segmentos à delimitação do nexo de causalidade, questão suficientemente tratada.

Efetivamente, a Recorrente, peticionou a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização no montante de €14.900,000, decorrente da responsabilidade civil extracontratual, por prejuízos decorrentes da conduta do Município que a Recorrida, considerou ilegal, dolosa e culposa, o que sempre imporia a verificação da causalidade adequada.

Assim, mal se alcança o argumento de acordo com o qual o necessário nexo de causalidade não estaria em discussão, pois que se trata de um dos pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual.

Acresce que a referida análise se reconduz a uma questão de direito, a qual se mostra na disponibilidade do Tribunal, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 5.° do CPC.

Assim, não se reconhece que a decisão objeto de recurso padeça dos vícios que lhe foram imputados.
Da Reclamação da matéria de facto
A Recorrente vem apresentar dois novos documentos os quais, como já afirmado, se reportam a factos já anteriormente apreciados e julgados em 1ª instância, não se consubstanciando em factos supervenientes admissíveis à luz do artigo 149.°, do CPTA.

Efetivamente, relativamente à Fatura emitida pela Sociedade A…. .., vem agora a Recorrente juntar uma declaração supostamente demonstrativa da elegibilidade do valor nela constante para efeitos indemnizatórios.

O documento ora apresentado visa explicar e clarificar a informação constante na Fatura n.º 118, datada de 31 de dezembro de 2007, face a trabalhos que teriam sido realizados entre 2000 e 2005, o que em termos contabilísticos se mostra de admissibilidade duvidosa, e não explica a razão pela qual tal “esclarecimento” não foi apresentado tempestivamente.

Aliás, como se afirmou já, os referidos documentos não permitem sequer fazer a correspondência entre o período da aprovação do projeto e a declaração de nulidade do ato - 29.03.2000 e 21.02.2007 – ao que acresce que se não mostram identificados os trabalhos efetivamente realizados, mal se compreendendo ainda que, sendo caso disso, por que razão não foram os referidos documentos apresentados antes da decisão de 1ª Instância.

Por outro lado, quanto às faturas relativas a processos judiciais, nomeadamente taxas de justiça, não se reconhece a sua conexão com a questão aqui controvertida.

Face ao pagamento de salários aos gerentes da Recorrente, “que se dedicavam em exclusivo ao projeto imobiliário que aqui se discute” importa atender à matéria dada como provada, de onde resulta que os terrenos onde se iria implantar o projetado, haviam já sido adquiridos em 1996, o que não trouxe acrescido trabalho aos gerentes o período que aqui foi considerado como relevante.

Com efeito, tendo o controvertido prédio sido adquirido em 21.06.1996 não são atendíveis despesas anteriores a essa data, pelo que os recibos de remunerações emitidos desde 31.03.1995 a 30.06.1996, constantes do documento n.º 48 da PI, não são atendíveis.

Após essa data, alega a Recorrente que "se dedicava em exclusivo ao projeto da Quinta do ..." para justificar o pedido de pagamento integral dos salários dos gerentes, bem os impostos devidos pelo pagamento dos salários, o que ficou por demonstrar, em face do que não merece censura o entendimento adotado em 1ª instância, de acordo com o qual não foi demonstrada a exclusividade dos gerentes àquele projeto.

Quanto aos factos não provados na Sentença que a Recorrente considera extremamente relevantes, não procedem as alegações da Recorrente, na medida em que, qualquer proprietário que tenha intenção de construir, num seu qualquer prédio, tem de elaborar os correspondentes projetos de acordo com os normativos legal e regulamentarmente aplicáveis, sem que ainda possa saber ser o projetado virá a merecer a aprovação das entidades competentes.

Por outro lado, as alterações introduzidas nos projetos de Infraestruturas que afetaram a área de implementação do projeto viário da A16, enquanto estrada nacional, é algo que necessariamente obriga o promotor urbanístico a conformar-se com as implicações do traçado definido pela Administração Central, sendo que, ainda assim, se fosse caso disso, não poderia ser o Município responsabilizado por tais factos e circunstâncias, mormente quanto aos atrasos verificados.

Como definido pela Sentença Recorrida, as expetativas da Recorrente só merecem tutela jurídica a partir da aprovação do projeto, uma vez, todo a trajetória anterior se dirigiu à tentativa de obter um projeto que fosse legalmente possível, considerando o direito em vigor em cada momento, segundo o princípio tempus regit actum.

O mesmo vale para o entendimento adotado quanto ao invocado erro de julgamento decorrente da desconsideração das despesas com a elaboração dos projetos de arquitetura, pois que a mera titularidade de um determinado prédio não confere o direito de edificabilidade no mesmo, pelo que sempre terá de existir um Projeto aprovado de acordo com as normas aplicáveis, sem que o seu eventual indeferimento constitua o requerente no direito ao recebimento de qualquer indemnização.

Face à fatura constante do doc. n.º 41 da PI, como já referido, não corresponde ao período atendível, contemplado na sentença, o que se mostra incontornável.

Aliás, por consistirem em trabalhos de limpeza, de desmatação e regularização do terreno, realizados anteriormente ao período considerado como atendível, tratam-se de meras obrigações de conservação e manutenção do terreno pelo seu proprietário, impostas, independentemente da sua pretensão edificativa, não relevando assim indemnizatoriamente.

Acresce que, detendo a Recorrente confessadamente terrenos contíguos com aqueles aqui controvertidos, está por demonstrar que as referidas precedentes limpezas e desmatação, não tenham incidido igualmente sobre esses prédios adjacentes.

Quanto às faturas juntas sob o documento 12 e 16 da PI, importa sublinhar que se tratam de faturas com data anterior à data da aprovação o projeto de licenciamento, razão pela qual não foram consideradas, atendo o período definido.

Em face do vindo de discorrer, improcederá o Recurso, não sendo admitidos os documentos ora apresentados.

RECURSO DO MUNICÍPIO
O Município interpôs Recurso da Sentença que julgou verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do R. por facto ilícito, em virtude da violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança, e que concluiu pela necessidade do pagamento à Autora das “(…) despesas referentes à elaboração dos projetos e estudos com vista à aprovação das obras de urbanização e as realizadas com a limpeza e conservação do terreno desde a aprovação da operação de loteamento até à declaração de nulidade configuram danos decorrentes da violação da confiança”

“A expressão pecuniária desses danos é, quanto à elaboração dos projetos e estudos relativos às obras de urbanização, de €110 587,46 e, quanto à limpeza e manutenção do terreno, de €43 211,66, num total de €153 799,12.

Não se conformando com a decisão proferida, suscita recursivamente o Município as seguintes questões:
(i) A Sentença recorrida é nula por oposição entre a decisão e os seus fundamentos, em virtude de admitir documentos relativos a despesas que, alegadamente, estariam excluídos pela decisão aí proferida;
(ii) A Sentença recorrida considerou “valores que não estão demonstrados e cujos resultados não se alcançam”:
(iii) A Sentença recorrida errou ao considerar indemnizáveis as despesas com a limpeza, manutenção e preparação do terreno em causa, quer por não terem sido determinadas pela aprovação do loteamento, quer por não se apresentarem fundamentadas.
(iv) A Sentença recorrida errou ao considerar despesas que, alegadamente, não identificam o prédio.

Vejamos:
Da nulidade da Sentença por oposição entre a decisão e os seus fundamentos
Entende o Município nos termos do art. 615º, nº 1, c), do CPC, verificar-se oposição entre a decisão e os respetivos fundamentos.

Alega o Município que a Sentença recorrida teria decidido a exclusão de documentos/despesas que não mencionassem os trabalhos realizados e/ou não demonstrassem conexão com o projeto dos autos, para depois ter contabilizado na indemnização calculada “documentos relativos a despesas com trabalhos, não especificados, ou com a menção genérica de ‘Quinta do ...’, sem identificar concretamente a conexão ao lote objeto dos autos”.

Diga-se, desde já, que se não reconhece que assim seja.

Desde logo, não se vislumbra que a Sentença Recorrida tenha decidido em termos absolutos que todos os documentos que não mencionassem os trabalhos realizados e/ou não demonstrassem conexão com o projeto dos autos estariam excluídos da indemnização a fixar, pois que é tudo uma questão e prova e convicção firmada pelo tribunal.

Com efeito, o que a Sentença recorrida refere é, nomeadamente, que as despesas relativas ao acompanhamento jurídico e ao financiamento bancário invocado não se mostravam provadas, o que é diverso.

Com efeito, o tribunal a quo, como lhe competia, fez uma análise casuística da prova disponível, não tendo dado como provadas algumas despesas em conformidade com o entendimento que explicitou.

Efetivamente, cada prova e cada documento sempre terão de ser avaliados e considerados casuisticamente, atenta, nomeadamente, a sua natureza e finalidade.

Por outro lado, a instrução processual e procedimental não comporta uma análise abstrata, antes carece, como reiteradamente se afirmou, de uma análise, caso a caso.

É em face do que precede que a análise e ponderação da toda a prova disponível, assentou na realização de uma perícia, nos esclarecimentos prestados pelos Peritos na Audiência de julgamento, nos depoimentos das testemunhas apresentadas pelas partes, nas declarações de parte dos representantes da A./Recorrida e nas Alegações apresentadas pelas partes, onde as questões relativas aos vários tipos de despesas invocadas foram tratadas individualmente por forma a justificar a convicção firmada.

Em face do que precede, não se reconhece a verificação de qualquer contradição entre a decisão e os fundamentos da Sentença recorrida, o que determina que não se verifique a nulidade da Sentença recorrida.

Da consideração de “valores que não estão demonstrados e cujos resultados não se alcançam”
Contesta o Município as despesas que o Autor afirma ter suportado com a limpeza, manutenção e preparação do terreno para a execução do projeto de loteamento, as quais não indiciam estar relacionadas com o prédio para o qual foi aprovado o projeto de loteamento.

Se é certo que as intervenções de limpeza em prédios por si tutelados, sempre teriam de ser realizadas, o que é facto é que como resulta da análise do precedente recurso, as despesas consideradas indemnizáveis não se referem a trabalhos de limpeza realizados fora do período considerado atendível, mas apenas despesas referentes à habilitação do prédio a receber as obras relativas à implantação do projeto de loteamento aprovado, o que é diverso.

Afirma ainda o Município que as referidas despesas com a limpeza, manutenção e preparação do terreno não se apresentam fundamentadas.

Sem prejuízo das afirmações feitas já a propósito do Recurso da Autora, sempre se dirá que a convicção firmada pelo tribunal a quo assentou não só nos documentos juntos aos Autos, mais também e designadamente na realizada perícia, na prova testemunhal e nas Declarações de parte, que conjuntamente concorreram para a formação da convicção do Tribunal.

Se é certo que nem todas as faturas juntas aos autos foram consideradas como suficientes para atestar a despesa alegadamente realizada, o que é facto é que todas as despesas que foram consideradas na decisão adotada como indemnizáveis, encontram-se justificadas em função do conjunto da prova disponível, a qual contribuiu para a convicção firmada pelo Tribunal.

Da errada consideração de despesas sem identificação do prédio
Contesta o Recorrente as despesas relativas ao estudo de impacto de tráfego; projeto de rede de distribuição de gás natural; projeto de eletricidade; projeto de retificação da estrada nacional 250 no Cacém; cobertura aerofotográfica da Quinta do ...; trabalhos de topografia e implantações no ..., peças gráficas relativas à Quinta do ...; fotografia aérea por não ser possível apurar a sua conexão com o projeto dos autos.

O Recorrente reconduz o seu entendimento à prova documental, sendo que a prova disponível é muito mais vasta.

Com efeito, para além dos documentos identificados, a instrução do processo e a discussão da matéria de facto assentou ainda incontornavelmente na realização de perícia, nos esclarecimentos prestados pelos Peritos na Audiência de julgamento, nos depoimentos das testemunhas apresentadas pelas partes, nas declarações de parte e nas Alegações apresentadas pelas partes, onde as questões relativas aos vários tipos de despesas invocadas foram abordadas.

Assim, não tendo o Município logrado contrariar a convicção a que chegou o tribunal a quo e que determinou o sentido e extensão da decisão Recorrida, improcede assim o Recurso.

Das Alegações Complementares da N….. SA
Suscita a Recorrente N….. SA a ilegalidade do Despacho de 02.03.2020, a saber:
a) Nulidade processual por violação do princípio do inquisitório
b) Nulidade processual por violação do princípio do contraditório;

O Município veio em 22 de janeiro de 2021 a pronunciar-se face às referidas alegações Complementares, tendo concluído no sentido de “que deve ser rejeitado o requerimento do Recorrente apelidado de alegações complementares.”

As alegações complementares apresentadas pela Recorrente, em bom rigor, consubstanciam-se num recurso do despacho de pronúncia sobre as invocadas nulidades da sentença, proferido a 2 de março de 2020, o qual, nos termos do disposto no artigo 617.º do Código de Processo Civil não é passível de Recurso.

Assim, tendo o Tribunal a quo sustentado em 2 de março de 2020 a Sentença e emitido pronuncia expressa quanto à inverificação das nulidades, não se vislumbram razões determinantes da admissibilidade das referidas Alegações Complementares, sem prejuízo da análise feita supra relativa às referidas nulidades.

Acresce que por decisão sumária proferida já neste TCAS (Procº nº 205/10.6BESNT-S1) em 31 de maio de 2020, no âmbito de Recurso em Separado entretanto interposto, havia já sido referido o seguinte relativamente sucessivas invocações das mesmas nulidades por parte da N..... SA:
“Em 16.09.2019 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Requerimento da Autora de 29.05.2019 (registo SITAF n.º 006059439):
A Autora, em requerimento autónomo, vem invocar a nulidade da sentença proferida em 14.04.2019, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, sustentando, em síntese, nulidade processual por violação do inquisitório (cf. artigo 411.º, n.º 1, do CPC) e nulidade processual por decisão surpresa.
(…)
Nestes casos, estando a nulidade coberta por uma decisão judicial, o modo processual adequado de a invocar é o recurso daquela decisão judicial e não um requerimento autónomo (neste sentido, vide, acórdão da relação de Lisboa, de 23.10.2018, proferido no processo n.º 1121/13.5TVLSB.L1-1).
No caso dos autos, a Autora optou por formular um requerimento autónomo onde sustenta as nulidades processuais referidas (através de requerimento de 29.05.2019), tendo posteriormente apresentado alegações de recurso (através de alegações de 01.07.2019).
A apresentação de requerimento autónomo e não integrado no requerimento de interposição de recurso e alegações, seria fundamento de indeferimento do peticionado. Contudo, quando assim se mostre possível, deve o tribunal convidar as partes a regularizar a instância.
(…)
Considerando o exposto, convida-se a Autora, querendo, a apresentar novo requerimento de alegações de recurso, onde inclua os vícios de nulidade apontados no requerimento autónomo de 29.05.2019.”

Correspondentemente a N..... SA, apresentou em 07/10/2019 Alegações de Recurso aperfeiçoadas, nas quais integrou as reiteradamente suscitadas nulidades, o que determinou pronuncia de sustentação de Sentença em 1ª instancia e o Acórdão ora proferido no qual se consideraram e decidiram as referidas nulidades, em face do que o teor das Alegações Complementares se mostra prejudicado e ultrapassado.

* * *

V - Decisão
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento aos Recursos, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelos Recorrentes

Lisboa, 17 de novembro de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa