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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04001/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/29/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC. CUSTOS.
Sumário:1. Em matéria de custos ou perdas, para efeitos de IRC, numa perspectiva abrangente, global, apresenta-se-nos incontornável a ideia de que, na respectiva definição, classificação, o legislador pretendeu erigir como elemento determinante, angular, o requisito da indispensabilidade, “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, nos termos privativos do art. 23.º n.º 1 CIRC.
2. Quando a al. c) do n.º 1 do art. 41.º CIRC não permite a dedução dos impostos que, incidindo sobre terceiros, a empresa fica, por lei, desautorizada a suportar, julgamos sintomático do propósito legislativo, reforçando-o, de que somente sejam tidos como custos relevantes e elegíveis os necessários ao normal, estrito, exercício da actividade desenvolvida pelo ente empresarial.
3. Na linha do afirmado no Ac. STA de 6.12.2000 (pleno/CT), rec. 19.003, a “indispensabilidade não se verifica (estando) em causa uma falta de cumprimento das leis fiscais”.
4. A causa directa e necessária de a impugnante ter sido chamada a pagar o IVA, em litígio, contabilizado, por si, como custo em 1994, foi a omissão, que cometeu, na liquidação e cobrança do imposto aos seus clientes, que, em última análise, o teriam de suportar, nos termos e para os efeitos dos arts. 19.º a 26.º CIVA, pelo que, é inviável a sua dedutibilidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., S.A., contribuinte n.º ...e com os demais sinais constantes dos autos (actualmente, BANCO A..., S.A.), impugnou judicialmente liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios, do ano de 1994.
Proferida, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, sentença que julgou a impugnação improcedente, quanto a três correcções e, supervenientemente, inútil a lide, com respeito a uma correcção, no valor de 72.855.000$00, não acolhendo, em parte, o judiciado, a impugnante interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra rematada pelas seguintes conclusões: «
1.ª A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC de 1994 do ora Recorrente, determinando a manutenção da mesma quanto às correcções sob recurso;
2.ª O presente recurso tem por objecto a sentença recorrida na parte em que a mesma julgou improcedente a impugnação judicial com referência às seguintes correcções:
• Dedutibilidade de encargos com IVA incidente sobre operações realizadas com terceiros, no montante de 29.712.758$00/€ 148.206,61;
• Dedução, em 1994, dos prejuízos reportáveis relativos ao exercício de 1992, no montante de 697.959.573$00/€ 3.481.407,67.
3.ª No que se refere à correcção referente à dedutibilidade de encargos com IVA incidente sobre operações realizadas com terceiros, a sentença recorrida enferma de manifesta ilegalidade, resultante da incorrecta interpretação das normas acima referidas;
4.ª Na verdade e o ora Recorrente não o contesta, a liquidação daquele IVA e a sua repercussão aos respectivos adquirentes eram efectivamente obrigatórias, sendo que, quando o ora Recorrente se apercebeu dessa circunstância - o que apenas ocorreu no momento em que foi notificado das respectivas liquidações adicionais - já não era mais possível rectificar a respectiva facturação, exigindo ao adquirente o IVA em falta;
5.ª Razão pela qual, encontrando-se, a partir do momento em que aquele imposto foi adicionalmente liquidado, obrigado a suportar os montantes em causa, procedeu à sua dedução como custo nos termos do disposto no art. 41.°, n.° 1, al. c), do CIRC [actual art. 45.°,n.° 1, al. c), do CIRC];
6.ª Aquilo que verdadeiramente importa nos presentes autos é determinar, para efeitos da aplicação daquele art. 41.°, n.° 1, al. c), do CIRC [actual art. 45.°, n.° 1, al. c), do CIRC], o alcance da expressão e do conceito de encargos sobre terceiros que a empresa não esteja “legalmente autorizada a suportar” consagrado em tal norma;
7.ª Os factos em crise são paradigmáticos de uma situação em que o sujeito passivo se encontra “legalmente autorizado a suportar” um determinado montante de imposto, na medida em que, independentemente de já não ser à data possível ao sujeito passivo repercutir o imposto, não pode deixar de entender-se que numa situação em que, como a vertente, é a própria administração tributária quem, através da emissão de uma liquidação adicional, exige aqueloutro, com carácter obrigatório, o pagamento do imposto, este último encontra-se, para efeitos da aplicação daquele art. 41.°, n.° 1, al. c), do CIRC [actual art. 45.°, n.° 1, al. c), do CIRC], autorizado a suportar aquele IVA;
8.ª Para além disso, era efectivamente impossível ao Recorrente proceder à repercussão do imposto no momento em que foi notificado das liquidações adicionais de IVA em questão, na medida em que, em algumas situações não era mais possível identificar ou contactar os próprios adquirentes dos serviços e, noutras, estes últimos não iriam, como se compreende, aceitar repercutir, passados alguns anos sobre a prestação dos serviços, o IVA em falta;
9.ª Acresce que as consequências legais que se impunham assacar, por efeitos da não liquidação e entrega ao Estado do IVA em causa foram certamente materializadas em sede própria, qual seja, a da responsabilidade contra-ordenacional, pelo que a não aceitação da dedutibilidade como custo do IVA suportado pelo contribuinte num momento em que já não é possível a sua repercussão ao adquirente/beneficiário dos serviços em questão representa uma inaceitável dupla penalização daqueloutro;
10.ª Uma vez que o erro em causa - consubstanciado na falta de liquidação de IVA - não resulta de urna omissão voluntária ou intencional por parte do Recorrente, com vista à não entrega de imposto ao Estado, o que, de resto, nunca foi invocado quer pela administração tributária, quer pelo Tribunal Recorrido, não pode deixar de reconhecer-se, em cumprimento do princípio da justiça vertido no art. 55.° da LGT e em face de todo o circunstancialismo acima descrito, o direito do Recorrente à dedução do montante em causa, nos termos do art. 41.°, n.° 1, al. c), do CIRC [actual art. 45.°, n.° 1, al. c), do CIRC];
11.ª Razão pela qual deve a sentença recorrida ser anulada, desde logo, nesta parte;
12.ª No que concerne à correcção aos prejuízos reportáveis de exercícios anteriores, o entendimento da administração tributária e, em consequência, o do Tribunal Recorrido assentam numa premissa que, até prova em contrário e em face das provas carreadas para os autos, não se verifica, qual seja, a de que a inexistência de prejuízos do exercício de 1992 reportáveis para o exercício de 1994 decorre das correcções à matéria colectável do exercício de 1993 materializadas na liquidação adicional n.° 8910007010, de 27.05.1998, a qual consta de fls. 154 e 155 dos autos;
13.ª O Recorrente não contesta que foi efectivamente realizada urna acção inspectiva ao exercício de 1993, no âmbito da qual foram efectuadas diversas correcções ao lucro tributável desse exercício e que fixaram este último no montante de 697.959.573$00 (€ 3.481.407,67);
14.ª Do mesmo modo e após compulsados os presentes autos junto do Tribunal Recorrido, nomeadamente das fls. 154 e 155, não contesta o Recorrente a existência, em “sistema informático”, quer da declaração correctiva (DC-22), quer da liquidação adicional de imposto n.° 8910001010, por força da qual foram antecipadamente deduzidos, nesse ano de 1993, um montante de prejuízos fiscais de 697.959.573$00 (€ 3.481.407,67);
15.ª Daí resultou, aliás, a absorção da quase totalidade dos prejuízos que haviam sido apurados no exercício de 1992, no montante total de 981.306.241$00 (€ 4.894.734,89) e, consequentemente, a diminuição do montante dos prejuízos reportáveis e susceptíveis de serem utilizados no exercício em crise de 1994 para o montante de 283.346.668$00 (€ 1.413.327,22);
16.ª Aquilo que o Recorrente contesta e não ficou demonstrado, e é por esse motivo que a premissa em que assentam o entendimento da administração tributária e a sentença recorrida é incorrecta, é que a liquidação adicional referente ao exercício de 1993, isto é, da aludida liquidação adicional n.° 8910007010, tenha existência jurídica e haja produzido efeitos relativamente ao Recorrente;
17.ª Isto porque aquela liquidação nunca foi, formal e validamente, notificada ao Recorrente, inexistindo, de resto, nos presentes autos qualquer elemento de prova que permita demonstrar o contrário;
18.ª Determina nesta matéria o n.° 1, do artigo 36.°, do CPPT, que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, pelo que, ainda que hajam sido efectuadas pela administração tributária correcções à matéria colectável do exercício de 1993 consubstanciadas naquela liquidação adicional n.° 8910007010, de que resultou a “absorção” de parte dos prejuízos reportáveis no exercício de 1994, a verdade é que, na prática, tais correcções e tal liquidação, por não terem sido validamente notificadas ao Recorrente, não podem produzir qualquer efeito quanto a este último;
19.ª Em virtude do exposto, é evidente que a sentença recorrida enferma de manifesto deficit instrutório, consubstanciado na falta de elementos documentais nos autos que permitam demonstrar a válida notificação ao Recorrente da liquidação n.° 8910007010, a qual, insista-se, se impunha que tivesse sido suprida pela administração tributária, desde logo, em virtude do disposto no artigo 111.°, n.° 2, al. c), do CPPT, nos termos do qual compete ao órgão administrativo competente instruir o processo com todos os documentos de que disponha e repute convenientes para o julgamento;
20.ª E, uma vez que a demonstração daquele notificação afigura-se essencial para efeitos de suportar a correcção à matéria colectável efectuada ao exercício de 1993 e da qual resultou a “absorção” de grande parte dos prejuízos do exercício de 1992 reportáveis para o exercício de 1994, desde já se requer a notificação dos competentes serviços da administração tributária e serviços postais para procederem à junção aos autos da cópia do registo postal e respectivo aviso de recepção relativo à notificação ao Recorrente da liquidação adicional n.° 8910007010, de 27.05.1998, referente ao exercício de 1993;
21.ª Pelo que também deve, nesta parte, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, anulada a liquidação em crise;
22.ª Por fim, tendo o Recorrente procedido ao pagamento voluntário do montante ora em crise, a procedência do presente recurso deverá determinar, nos termos da lei, o reembolso dos montantes que se mostrarem indevidamente pagos, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios a que se referia o art. 24.° do Código de Processo Tributário e, actualmente, os artigos 43.° da LGT e 61.° do CPPT, em virtude da constatação de erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento da dívida tributária em montante superior ao efectivamente devido.
23.ª Devendo, também quanto a isto, ser revogada a sentença recorrida.

Nestes termos e no mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e anulação da liquidação adicional de IRC na parte relativa às correcções sob recurso, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA! »
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Não houve lugar à apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido de que deve improceder o recurso.
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Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se exarado, na sentença: «
III – Fundamentação de facto
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
1. Dando cumprimento à Credencial nº 2004/97, de 28 de Janeiro, por Despacho do Exmo. Senhor Director de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da mesma data, foi iniciada a inspecção, de âmbito polivalente, à contabilidade da A..., SA, (CPP) contribuinte nº 500 844 321, com sede social na Rua Augusta, nº 237 - 1100 Lisboa, aos exercícios de 1993 e 1994, com o objectivo de verificar o cumprimento das suas obrigações fiscais, cf. relatório a fl. 77 e seguintes
2. O Banco foi constituído em 1864, nacionalizado em 1975 e totalmente privatizado em Dezembro de 1992. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n° 1055 e tem o código CAE 810120 (actualmente CAE - Rev 2 nº 65121).
3. O capital social do CPP era em 1993 e 1994 de 25.000.000 contos.
4. O Banco tem a sua sede em Lisboa, dispondo para o desenvolvimento da sua actividade de 141 estabelecimentos (final de 1994) distribuídos um pouco por todo o país. Possui uma sucursal financeira exterior na Madeira que passamos a designar por SFE ou Offshore, fl. 77 e 78.
5. O sujeito passivo enquadra-se no regime normal de periodicidade mensal. No exercício da sua actividade pratica operações isentas s/ direito a dedução nos ternos do nº 28 do Artº 90 do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, operações tributáveis e operações isentas c/ direito a dedução, fl. 78
6. Os “pro-rata” definitivos para os anos de 1993 e 1994 foram de 1,1 % e 2%, respectivamente (cf. Anexo 5).
7. A Administração Tributária efectuou e fundamentou uma correcção no valor de 180.081.415$00, € 898.242,31, nos seguintes termos: “A SFE praticou operações vedadas pelo Artº 41º do EBF, com a redacção introduzida pelo Dec. -Lei nº 84/93, de 18 de Março, nomeadamente empréstimos à Sede registados na C/2125 aplicações em IC's no Estrangeiro/ Sede/ Empréstimos. A prática das referidas operações acarreta a perda da isenção da SFE, sendo o seu lucro tributável adicionado ao regime geral de tributação”, cf. fl. 42 e linha 21 quadro 20 do DC22 a fl. 40/verso.
8. A Administração Tributária fundamentou a correcção no valor de 72.996.717$00, (€ 364105.089), conforme se transcreve: “Verba referente a amortizações não aceites como custo nos termos do Artº 32 do CIRC, que se subdivide da seguinte forma:
-141.717$00 (€ 706.881) - Relativamente aos edifícios que constam do Anexo 2, o Banco atribuiu ao terreno um valor inferior ao estipulado no Artº 11º do Decreto Regulamentar no 2/90, de 12 de Janeiro, consequentemente não são aceites as amortizações em excesso relativas àqueles edifícios.
- 72.855.000$00 € 363.399,207 - Valor referente amortizações de pagamentos para obtenção do direito ao arrendamento, incorrectamente contabilizados em Imobilizado Corpóreo. De facto estamos perante um direito transmissível a englobar em Imobilizado Incorpóreo, não depreciável que nos termos do artº 17º nº 1 do Decreto-Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro não é amortizável ( Anexo 3). Desta forma, não foi dado cumprimento ao disposto no referido artº 17º nº 1 conjugado com o artº 27º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas colectivas” fl. 42, DC 22 a fl. 41 e anexo 3 do relatório a fl. 46.
11. A Administração Tributária fundamentou a correcção no valor de 690.000$00, € 3.441,705 nos seguintes termos - “Valor dos donativos concedidos à Igreja contabilizados na conta 7701- Outros custos e prejuízos / donativos que não se enquadram nos art.ºs 39º e 40º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas”, cf. fl. 42, DC 22 a fl.40 e 41 e Anexo 4 a fl. 47 e 48.
12. A Administração Tributária fundamentou a correcção no valor de 29.712.758$00, € 148.206,612, nos seguintes termos “Valor da liquidação adicional de IVA, que teve por base a falta de liquidação daquele imposto em algumas operações efectuadas pelo sujeito passivo, registada na conta 6713 -Perdas Extraordinárias/Outras Perdas de Exercícios Anteriores (ver Anexo 5). Sendo assim, este montante não é aceite como custo por força da alínea c) nº 1 do artº 41º do CIRC, dado tratar-se de imposto que o Banco deveria repercutir sobre terceiros”, cf. fl. 42, DC 22 a fl.40 e 41 e Anexo 5 a fl. 4.
13. Do valor apurado no ponto anterior resultaram os seguintes valores -25.598.758$00, € 127.626,066 relativo a comissões; - 1.904.000$00, € 9.497,111 relativo a cessão de exploração; - 2.210.000$00, € 11.023,433 relativo a cessão de exploração (fl. 103).
14. Das correcções que são referidas no número anterior, resultou a liquidação no valor de 986.746.028$00, € 4.921.866,437, que inclui o valor de 674.328.644$00, € 3.363.537,095, referente a colecta de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e derrama, e 312.417.385$00, € 1.558.331,346, referente a juros compensatórios, fl. 23.
15. A Impugnante efectuou os pagamentos nos valores de 565.390.771$00, € 3.820.157,275 pagamento de 421.355.257$00, € 2.101.711,161 conforme comprovativo que anexou e que se encontra a fls. 25 dos autos (Guia nº 82604910411, de 30/10/1998, no montante de 437.156.079$00, € 2.180.525,328 sendo que 421.355.257$00, € 2.101.711,161 correspondem à liquidação (originária) de imposto e juros compensatórios e 15.800.822$00, € 78.814,167.
16. A Administração Tributária anulou a correcção no valor de 72.855.000$00, € 363.399,207, “amortizações de despesas c/aquisição de direitos ao arrendamento, de onde resultou a liquidação com o nº 8010008275 de 10/05/02 (conforme informação a fl. 156 a 167 e capa interna do processo).
17. A Impugnante apurou no exercício de 1992 prejuízos para efeito fiscal no montante de 981.306.241$00 (fl. 153).
18. Na sequência de uma acção inspectiva ao exercício de 1993 foi corrigido o lucro tributável declarado pela Impugnante no valor de 58.078.056$00 para um lucro tributável no montante de 697.959.573$00 (fl. 164).
19. No exercício de 1993 foram tidos em conta os prejuízos fiscais dos anos anteriores no valor de 697.959.573$00 e foi fixada a matéria colectável a zero, conforme liquidação nº 8910007010 de 57(27)/05/1998 (fl. 154).
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra.
* * *
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. »
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Presente o âmbito que a Recorrente/Rte, na conclusão 2.ª, explicitamente, fixou a este apelo, a primeira questão carente de ser solucionada traduz-se em saber se a sentença julgou erradamente, quando apontou ser legal a correcção, efectivada pelos serviços da administração tributária/AT, no sentido de não aceitar, como custo, para efeitos de determinação do lucro tributável, do exercício de 1994, o montante de 29.712.758$00 (€ 148.206,61), correspondente a IVA liquidado adicionalmente à impugnante e por esta registado na conta 6713 - Perdas Extraordinárias/Outras Perdas de Exercícios Anteriores. Na óptica da AT, acolhida pelo tribunal recorrido, estando em causa IVA que esta, como era imperativo legal, não liquidou a terceiros, referente a operações comerciais, em que interveio, indiscutivelmente, sujeitas a imposto, por força do disposto no art. 41.º n.º 1 al. c) CIRC (1), apesar de contabilizada como custo/perda, a importância versada não é dedutível para efeitos de determinação da matéria tributável do exercício respectivo. Nos antípodas, a Rte sustenta que este entendimento interpreta de forma incorrecta o coligido normativo legal, porquanto a situação disputada é paradigmática de o sujeito passivo se encontrar “legalmente autorizado a suportar” um certo montante de imposto, exigido mediante liquidação adicional, com carácter obrigatório, acrescendo a circunstância de a falta de liquidação atempada não resultar de “uma omissão voluntária ou intencional” da sua parte.
A temática com que, nestes moldes, somos confrontados, relativa à possibilidade de, na operação de apuramento do lucro tributável, em cédula de IRC, deduzir como custo fiscal IVA, liquidado oficiosa/adicionalmente, referente a vendas ou prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo, pago por este em determinado exercício e que não pode, em definitivo, repercutir sobre os clientes/terceiros, mereceu disputado debruce e pronúncias do STA, em sentido afirmativo (2) e de cariz negativo (3). Ora, ponderados os fortes argumentos que suportam cada uma destas antagónicas respostas (4), desde já, antecipe-se, julgamos mais consonante com o espírito legislativo defender a impossibilidade de dedução, a título de custo fiscal, no cenário traçado, do IVA.
Em matéria de custos ou perdas (5), para efeitos de IRC, numa perspectiva abrangente, global, apresenta-se-nos incontornável a ideia de que, na respectiva definição, classificação, o legislador pretendeu erigir como elemento determinante, angular, o requisito da indispensabilidade, “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, nos termos privativos do art. 23.º n.º 1 CIRC. Firmada esta ideia inicial e central, a tarefa de interpretar e definir o alcance do, neste processo, disputado art. 41.º n.º 1 al. c) CIRC, tem, pois, em nosso entender, de ser orientada, conformada, pela aludida necessidade de se estar na presença de um encargo indispensável, imprescindível, aos fins inscritos na lei. Apesar deste normativo patentear a especificidade de regular a dedutibilidade de custos para efeitos fiscais, exclusivamente, no que tange ao apuramento do lucro tributável, para incidência de IRC (6), não podemos deixar de o sintonizar, na busca de soluções harmónicas e abrangentes, com a acima apresentada ideia e exigência de indispensabilidade dos custos, em geral.
Deste modo, quando a versada al. c) do n.º 1 do art. 41.º não permite a dedução dos impostos que, incidindo sobre terceiros, a empresa fica, por lei, desautorizada a suportar, julgamos sintomático do propósito legislativo, reforçando-o, de que somente sejam tidos como custos relevantes e elegíveis os necessários ao normal, estrito, exercício da actividade desenvolvida pelo ente empresarial. Noutros termos, se os tributos em causa têm de, mediante explícita previsão legal, ser pagos por sujeitos passivos diversos da empresa, somente por virtude do não cumprimento, por esta, em toda a linha, das suas obrigações fiscais/legais, pode ocorrer a assunção do custo respectivo, por isso, desde o início, objectivamente, não indispensável à obtenção dos proveitos. Em suma, na linha do afirmado no Ac. STA de 6.12.2000 (pleno/CT), rec. 19.003, a discutida “indispensabilidade não se verifica (estando) em causa uma falta de cumprimento das leis fiscais” (7).
Transpondo esta doutrina para a situação julganda, a causa directa e necessária da impugnante ter sido chamada a pagar o IVA, em litígio, contabilizado, por si, como custo em 1994, foi a omissão, que cometeu, na liquidação e cobrança do imposto aos seus clientes, que, em última análise, o teriam de suportar, nos termos e para os efeitos dos arts. 19.º a 26.º CIVA. Ou seja, não fora aquela ter deixado de, no tempo adequado, accionar o mecanismo, imposto por lei, para fazer incidir o tributo em causa sobre os terceiros obrigados ao efectivo pagamento e a obrigação tributária, que lhe exigiu a AT, jamais teria nascido, por mero efeito do exercício da sua actividade comercial. Obviamente, constatada a omissão da impugnante, exigir-lhe o pagamento do imposto em falta tornou-se imperativo legal, pelo que, nesse circunstancialismo, ficou legalmente, não autorizada, mas, compelida a suportá-lo, por via de liquidação adicional, não podendo, de modo algum, em consonância com a motivação antes expressa, esta obrigatoriedade ser utilizada para subverter (8) o sentido literal e axiológico do art. 41.º n.º 1 al. c) CIRC.
Concluindo-se, portanto, ser inviável a dedutibilidade do IVA, liquidado adicionalmente à impugnante, resta anotar, em função dos principais argumentos esgrimidos pela tese contrária, apoiante, que, sem prejuízo de tal solução implicar, contabilisticamente, a possibilidade de a tributação não incidir, no fundamental, sobre o rendimento real do contribuinte/empresa, como exigido na Constituição (9), ao invés, reputamos, com maior acuidade, permite evitar que o Estado seja, potencialmente, defraudado, prejudicado, no montante de receita devida. É que, estando, em qualquer caso, assegurado o seu direito a receber o IVA devido, se fosse permitido à empresa, obrigada a pagá-lo por não haver procedido à sua correcta liquidação, cobrança e entrega, concretizar a posterior dedução do montante exigível como custo do exercício, o valor do lucro tributável seria menor do que o susceptível de se apurar não fora a falta de cumprimento das obrigações fiscais, sobre si pendentes; isto é, se tudo tivesse decorrido no respeito pela lei, o Fisco receberia o IVA devido e mais IRC, por à empresa estar defesa a dedução de qualquer custo referente àquele, enquanto, na ocorrida situação de violação legal, apesar de embolsar o IVA, teria de perceber menos IRC, resultante de menor lucro passível de incidência (10).
Por outro lado, entendemos inadequado e complicativo introduzir, no tratamento desta questão, qualquer relevância a elementos de matriz profundamente subjectiva, como seria o caso da intencionalidade ou não do erro, conducente à não liquidação e dedução, no tempo legal, do IVA, sobretudo, pela exigência de demonstração de “culpa censurável do contribuinte”, mediante a sua condenação, com trânsito em julgado, no âmbito de processo criminal. Estando em causa aspecto que a mera constatação, objectiva, do cometimento de erro é suficiente para despoletar, julgamos apenas, intrinsecamente, necessário identificar e delimitar a casuística violação da lei, no pressuposto de que seja suficiente para fundamentar uma correcção aos declarados resultados tributários.
A segunda questão candente relaciona-se com a circunstância de, no exercício de 1993, terem sido relevados os prejuízos fiscais, reportáveis, dos anos anteriores, no valor de 697.959.573$00 e, em consequência, fixada, à impugnante, matéria tributável zero, pela liquidação n.º 8910007010, de 27.5.1998 – cfr. ponto 19. dos factos provados. Perante esta constatação fáctica, a sentença em crise limitou-se a afirmar que, no seguimento da determinação da matéria colectável do ano de 1993, não remanesceram prejuízos susceptíveis de serem dedutíveis em qualquer dos exercícios seguintes, maxime, no de 1994. Invoca, agora, a Rte nunca lhe ter sido, formal e validamente, notificada a identificada liquidação, pelo que, as correcções nela envolvidas e o próprio acto de liquidação não podem produzir qualquer efeito quanto à impugnante, ocorrendo défice instrutório relativamente à dita faltosa notificação – cfr. conclusões 17.ª a 20.ª.
Não se questionando a, teórica, relevância deste aspecto para a problemática em apreço, constatamos, contudo, tratar-se de fundamento, total e completamente, omitido no articulado inicial do corrente processo de impugnação judicial, presente, em primeira linha, a identificação, sintética, esquemática, dos quatro fundamentos (11), que a impugnante elegeu para atacar a liquidação impugnada, vertida no art. 7º da p.i. Ademais, se dúvidas existissem sobre a não convocatória do aspecto da falta de notificação, restaria atentar no conteúdo do derradeiro art. 65.º do mesmo articulado para se afirmar que o mesmo não foi, de todo, sujeito à jurisdição do tribunal recorrido.
Neste enquadramento, impõe-se afirmar que o exercício do poder de cassação da decisão recorrida, por parte deste tribunal, encontra-se restringido ao respeito pelos termos e limites em que a versada questão foi colocada na 1.ª instância. Ora, com estes marcos delimitadores, somente, cumpre expressar a total concordância com o julgamento efectuado na sentença e afirmar a impossibilidade de, nesta sede, se alargar a apreciação a qualquer novel, por não convocada em momento anterior, questão.
Por pertinente, transcrevemos: “O recurso destina-se a modificar a decisão e não a criar decisões sobre matéria nova (…). O tribunal de recurso apenas se pronuncia sobre factos alegados objecto de anterior julgado; não pode discutir questões que não hajam sido previamente apreciadas (…), salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso (…); o objecto do recurso é limitado à decisão impugnada (…)” – cfr. Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª edição, pág. 91/92. Noutra formulação, “os recursos visam o reestudo, por um Tribunal Superior, de questões já resolvidas pelo tribunal a quo, tendo por objecto a apreciação da legalidade das respectivas decisões com fundamento na imputação de nulidades ou erros de julgamento sobre a matéria de facto e/ou direito (…)”.
Em suma, sem mais delongas, importa atestar o decesso de todas as conclusões de recurso, formalizadas pela Rte.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 29 de Março de 2011

ANÍBAL FERRAZ
EUGÉNIO SEQUEIRA
JOSÉ CORREIA


1- Na redacção vigente em 1994, dispunha:
« Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
c) Os impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar; ».
2- Ac. STA de 22.1.1997.
3- Acs. STA de 29.4.1992, rec. 13.753, de 1.3.2000, rec. 024578 e de 6.12.2000 (pleno/CT), rec. 19.003.
4- Atentando-se que gravitam, sobretudo, em torno do estatuído pelo art. 23.º n.º 1 e al. f) CIRC.
5- Nomenclatura utilizada no ano de 1994.
6- Ou seja, nada impede que o tipo de encargos em causa, que, aliás, podem apresentar-se contabilizados como custos ou perdas de determinado exercício, relevem, como tal, para efeitos diversos, não relacionados com o estabelecimento do lucro sujeito a imposto.
7- Por isso, pensamos, visando a construção de um regime jurídico concordante, com o objectivo de afastar lacunas e reservas interpretativas, o legislador impediu, igualmente, a dedução de multas, coimas e demais encargos pela prática de infracções, de qualquer natureza, na al. d) do n.º 1 do mesmo art. 41.º CIRC.
8- Cfr. conclusões 6.ª e 7.ª.
9- Art. 104.º n.º 2 CRP.
10- Obviamente, dispensamo-nos de lucubrar sobre as implicações desta saída ao nível da fraude e evasão fiscais.
11- Os únicos desenvolvidos ao longo da demais alegação factual e jurídica.