Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:104/17.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS
ESTIMATIVA DE CUSTOS
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
Sumário:I. Em sede de recurso, a junção de documentos ao processo conjuntamente com as alegações só é admissível se essa apresentação se revelou impossível em momento anterior (superveniência objetiva ou subjetiva) ou apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.
II. O princípio da especialização dos exercícios aponta no sentido de os custos serem imputados ao exercício em que ocorreram, legitimando, desta forma, o recurso a estimativas de custos.
III. Cabe ao sujeito passivo o ónus de demonstrar que o encargo foi efetivamente suportado.
IV. Apenas as despesas não documentadas (e não as indevidamente documentadas) são passíveis de tributação autónoma.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por U... Portugal SA, contra a liquidação adicional n.º 2001 831... de IRC do exercício de 1996, no montante global de € 4.401,00, que teve origem nas correcções levadas a cabo no âmbito de uma ação de fiscalização, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por U... Portugal, SA contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 1996.
B) Quanto à correcção relativa a desconsideração de custos declarados pela impugnante relativos a Publishing e royalties, entendeu o decisor que a pretensão da impugnante haveria de proceder porquanto conclui que " Termos em que só nos resta concluir que a AT não logrou demonstrar a existência do facto tributário sobre que fez incidir as correcções que levou a efeito, não se verificando, por falta de demonstração da Administração Fiscal, a insuficiente documentação dos custos objecto das correcções que deram origem à liquidação aqui impugnada."
C) Sendo que quanto a correcção relativa a tributação autónoma entendeu que in casu não se encontra situações de despesas confidenciais porquanto a AT conhece quem recebeu os rendimentos e que de igual forma, conhecendo igualmente a AT os contractos que originam tais custos, não nos encontramos na presença de despesas não documentados, razão pela qual decide “… pela ausência de confidencialidade e pala falência dos argumentos da A T.
Procede assim o pedido por nulidade do ato tributário por violação de lei. ".
D) Ora, com tal entendimento não nos podemos conformar porquanto entendemos que a sentença de que se recorre padece de erro de apreciação da prova produzida nos autos da presente impugnação.
E) Assim, como resulta dos autos, os Serviços da Inspecção Tributária procederam as correcções, que motivaram o acto impugnado, porquanto verificaram que parte dos custos declarados pela impugnante não se encontravam devidamente documentados, não detendo a impugnante qualquer documento que lograsse provar que no ano do exercício em análise, a P... houvesse suportado tais custos.
F) Alias, disso fez referência no RIT, ao afirmar que "...constata-se que foram imputados custos no montante total de Esc. 1 166 343$00 para os quais a P... não tem até ao momento da inspecção suporte documental.".
G) Ao contrário entende o tribunal a quo que, emergindo os custos dos pagamentos contratualmente previstos, e tendo a AT conhecimento de tais documentos, os lançamentos de tais despesas encontram-se devidamente, e suficientemente, documentados, procedendo assim a impugnação.
H) Ora, tendo presente que, tal como resulta dos elementos do PAT anexos a impugnação, a impugnante não logrou demonstrar documentalmente a efectivação dos pagamentos que consubstanciam os custos, porquanto não os possuía junto dos elementos contabilísticos referentes ao ano inspeccionado, isto é, ano de 1996, nem os logrou apresentar no decurso da inspecção tributaria ocorrida em 2000, é nossa convicção que a sentença padece de erro de apreciação da prova, porquanto se impunha considerar a omissão da necessária e legal documentação de suporte contabilístico uma vez que a simples existência de contractos não determina a demonstração do seu cumprimento.
I) Entende o Tribunal a quo que a simples existência de contractos possibilita a conclusão da efectivação dos custos, e ainda a demostração legal de tal ocorrência, de forma a permitir lograr a legal demonstração de veracidade da contabilidade do sujeito passivo.
J) Entendemos nós, ao contrario, que assim não devera ser considerado, razão pela qual pugnamos por acórdão que entendendo a necessidade de demonstração do resultante dos contractos, neste caso a efectuar pela apresentação de documento emitido pelo beneficiário do pagamento dos montantes cuja impugnante considerou custo, se conforme com a legalidade da correcção efectuada pela AT emergente da não documentação relativa a custos declarados.
K) Aliás entendemos que a assim não ser estaria aberta a porta para que os sujeitos passivos considerem custo o resultante de obrigações contratuais que eventualmente não logrem cumprir.
L) Ora entendemos que por assim não dever ser, é que se impõe ao beneficiário do pagamento a emissão de documentação comprovativa do recebimento para que o sujeito passivo possa comprovar o cumprimento contractual e, dai decorrente, demonstrar a efectivação do custo.
M) Acresce ainda que para além da desconsideração de tais custos por inexistência de suporte documental, entendeu a AT tributar autonomamente tais despesas uma vez que as mesmas não se encontravam documentadas.
N) Pugna o tribunal a quo na sentença aqui recorrida pelo entendimento de que tais despesas se encontravam suportadas pelos contractos a que a AT teve acesso, razão pela qual não se encontra motivo legal para a aplicação de tal tributo.
O) No entanto, e pelas razões já supra referidas, é nosso entendimento que mal andou o decisor, dado que, em nossa opinião, se impunha concluir que a existência de contractos não logram demonstrar o seu total cumprimento, e dai decorrente, a realização das despesas efectuadas sempre carece de documento comprovativo emitido pelo beneficiário casuisticamente para cada pagamento/recebimento.
P) Razão pela qual, inexistindo tal documentação emitida quer no ano do alegado pagamento, quer cerca de quatro anos apos, também quanto a esta matéria se pede decisão nesta sede que se conforme com a legalidade da liquidação efectuada.

Desta forma, face a tudo quanto se deixa dito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecida a legalidade das correcções efectuadas e em consequência ser revogada a douta sentença, mantendo-se assim na integra o acto impugnado, resultando assim na improcedência da acção.


A Recorrida, U... Portugal SA, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

A. A questão material controvertida no presente recurso prende-se com a dedutibilidade, em sede de IRC, dos encargos com estimativas de publishing e royalties incorridos pela ora Recorrida, bem como a sua sujeição a tributação autónoma por via da classificação como despesas confidenciais ou não documentadas.
B. Na ótica do Tribunal a quo e como resulta da sentença ora recorrida, a Recorrida fez prova documental dos custos, através da documentação junta ao procedimento administrativo e à impugnação judicial, motivos pelos quais a liquidação deveria ser anulada, bem como a decisão de sujeição dos custos a tributação autónoma;
C. A Fazenda Pública, ora Recorrente, discorda da posição do Tribunal a quo e entende que a Recorrida não apresentou ao longo do procedimento qualquer prova da efetivação do custo que pretendeu deduzir em 1996, não sendo suficientes os documentos contratuais existentes, o que fundamenta a apresentação do presente recurso;
D. Como questão prévia, constitui entendimento da Recorrida que este Venerando Tribunal não é a instância jurisdicional competente, em razão da hierarquia, para apreciação do presente recurso, nos termos dos artigos 26.º e 31.º do ETAF.
E. Da análise das alegações de recurso da Fazenda Pública facilmente se conclui que o presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, uma vez que a Recorrente não questiona de forma fundamentada nas suas conclusões de recurso a factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo, limitando-se a questionar a solução jurídica seguida na sentença recorrida face à prova produzida em 1ª instância, pelo que, parece, assim, relativamente claro que cingindo-se o recurso a matéria de direito, nenhuma dúvida restará sobre a incompetência deste Venerando Tribunal para apreciação do presente recurso, ao abrigo das disposições legais acima referidas, bem como do artigo 280.º, número 1do CPPT, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
F. No que respeita às correções objeto do presente recurso, para efeitos contabilísticos e fiscais, a Recorrida contabiliza os valores recebidos da SPA relativos a publishing como proveitos do respetivo exercício, reconhecendo, em contrapartida, os respetivos custos associados, consubstanciados nos valores a pagar à P... e P... BV, em função dos contratos estabelecidos com aquelas entidades e de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, conforme preceituado no artigo 18º do CIRC.
G. No final de cada exercício, e não obstante tratar-se de uma responsabilidade contratual certa, apenas ilíquida quanto ao seu quantum, sempre que a Recorrida não dispõe de documento de suporte que lhe permita apurar in concretu uma parte dos encargos de publishing referentes àquele exercício, procede ao apuramento de uma estimativa, que é calculada com base em informação histórica, na prática corrente da atividade e na informação e correspondência trocada numa base semestral com a P... e P... BV.
H. Conforme prova documental produzida, a P... e P... BV trocam correspondência com a ora Recorrida (correspondência essa junta em 1.ª instância, no que respeita ao exercício de 1996), na qual indicam os valores devidos no âmbito das operações de publishing e as situações em que por irregularidades surgidas entre os autores com as sociedades de autores dos respetivos países, os direitos ficam suspensos até à sua regularização.
I. Em termos contabilísticos, nestes casos, a ora Recorrida reclassifica os valores estimados respeitantes a estes autores / obras, efetuando a transferência da conta relativa a estimativas de custos com publishing para uma outra conta de balanço - "Publishing suspensos", sendo que estes valores apenas serão debitados à Recorrida depois de regularizadas as situações com os autores.
J. O processo de contabilização destes custos com "publishing suspensos" funciona numa lógica de conta corrente, i.e., numa base semestral, a P... e a P... BV enviam à ora Recorrida o saldo dos valores devidos relativamente ao publishing e na referida informação consta também expressamente o valor levado à conta de "publishing suspensos" respeitante a cada exercício (vide documento n.º 9 anexo à petição inicial em 1.ª instância).
K. A prova documental produzida nos presentes autos corresponde à única documentação de suporte destes custos com estimativas de publishing e, em concreto, de suporte dos custos contabilizados na conta de publishing suspensos, i.e., a única documentação de suporte deste custos é, não só o contrato celebrado com a P... e a P... BV que obriga a Recorrida ao pagamento destes valores, mas também o documento de suporte enviado por estas entidades demonstrativo do saldo em dívida e do saldo a transitar de cada exercício na conta de publishing suspensos.
L. A ora Recorrida juntou com as presentes contra-alegações cópia da documentação da contabilização dos valores de publishing suspensos relativos aos exercícios seguintes de 1996 a 2000, nos termos da qual se permite demonstrar, (i) a existência de adequado suporte documental para o registo destes custos na esfera da ora Recorrida, os quais resultam diretamente das suas obrigações contratuais com as suas representadas, e (ii) a lógica de funcionamento em conta corrente entre a Recorrida e a P... e a P... BV dos valores a contabilizar relativos a este tema.
M. Decorre da prova produzida que, estamos perante encargos efetivamente devidos pela ora Recorrida, cujo valor já foi confirmado pelos beneficiários dos pagamentos, mas que aguardam, no entanto, o débito, sendo assim inequívoco que estamos perante um custo a deduzir no exercício a que o mesmo respeita, nos termos do princípio da especialização dos exercícios consagrado no CIRC.
N. Mais uma vez: todos os valores referentes a "publishing suspensos" resultam de obrigações contratuais da Recorrida, estando identificado s os respetivos autores (por via da relação enviada anualmente pela SPA), os beneficiários dos pagamentos (a P... e a P... BV), estando os mesmos relevados na contabilidade da Recorrida em conta própria para o efeito, de acordo com os princípios da prudência, da especialização dos exercícios e de acordo com uma prática contabilística constante e coerente susceptível de refletir a situação patrimonial da Recorrida, sendo precisamente neste ponto que assenta a fragilidade da posição da Administração Tributária e da ora Recorrente.
O. Nos termos do disposto no artigo 651.º do CPC, depois do encerramento da discussão, só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em lª instância. No caso em apreço, é manifesto que a documentação acima junta com as presentes contra-alegações resulta diretamente do teor das alegações da Fazenda Pública, visando demonstrar que estamos perante custos devidamente suportados na contabilidade da ora Recorrida, e sobre os quais é impossível por natureza a obtenção de qualquer outra documentação adicional, nomeadamente de natureza externa.
P. No que respeita ao tema da tributação autónoma, não é verdade, ao contrário do que sustenta a Recorrente, que tais despesas não estejam documentadas, uma vez que todas as operações em causa estão tituladas por documentos e registadas na contabilidade, como acima demonstrado nas presentes contra-alegações de recurso.
Q. Ora, os custos suportados pela ora Recorrida estão perfeitamente identificados, sendo absolutamente clara, nomeadamente para a AT, a sua natureza, finalidade e origem, bem como os respetivos beneficiários, nem em nenhum momento a AT invocou a alegada intenção de ocultação dos custos por parte da ora Recorrida.
R. Face ao acima exposto, é evidente que os indícios recolhidos pela AT não são suficientes para sujeitar os custos com estimativas a tributação autónoma, pois à luz da doutrina e jurisprudência acima analisadas nas presentes contra-alegações, a sujeição a tributação autónoma apenas se justifica na ausência completa de documentação e informação sobre a origem, natureza e finalidade das despesas, o que não sucede no caso em apreço, nem tal situação foi invocada em sede do relatório de inspeção, sendo, assim, evidente a falência do presente recurso.
S. Resulta de toda a prova produzida pela Recorrida a inexistência de qualquer documentação adicional de suporte do custo em apreço, estando os movimentos contabilísticos resultantes dos acertos das estimativas efetuados entre a Recorrida e as suas representadas devidamente suportados em documento de origem interna, a única existente dada a natureza das operações em causa, como vimos acima, o que inviabiliza também a legalidade da liquidação de juros compensatórios.
T. Face a tudo o acima exposto, requer-se a este Venerando Tribunal que se digne julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, confirme a decisão ora recorrida no sentido da anulação do ato tributário ora sindicado, tudo com as devidas consequências legais.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, sem prejuízo da apreciação que vier a ser efetuada sobre a exceção de incompetência em razão da hierarquia deste Venerando Tribunal, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença ora recorrida e a anulação das correções subjacentes à emissão da liquidação adicional de IRC de 1996 ora sindicada, por vício de violação de lei, nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos,
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: sendo as de saber, em primeiro lugar, se este Tribunal Central Administrativo Sul é o competente para a apreciação do presente recurso.

Depois, e em caso de resposta afirmativa, por tomar posição sobre a junção aos autos dos documentos com que a Recorrente instruiu o presente recurso.

Por fim, apreciar se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na apreciação dos factos considerados provados e na aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. A Impugnante "U... Portugal, SA.," antes foi designada por "P... Portugal - Som e Imagem, SA.,"- conforme resulta dos autos e não foi contestado.

2. No exercício de 1996, a empresa, declarou como atividade principal a edição e distribuição de fonográficos e videográficos, enquadrada no CAE: 22140 - cfr. fls. 38 dos autos.

3. Durante o ano de 2000, a impugnante foi objeto de uma ação de inspeção tributária, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da 2.ª Direção de Finanças de Lisboa Equipa 80 ao exercício de 1996 - cfr. doc. de fls. 33 e seguintes dos autos.

4. Essa ação de inspeção teve por base a ordem de serviço n.ºs 96657 de 22/10/1999 com critério de seleção C03, código PNAIT 22312 e Despacho de Autorização para fiscalização externa de 03/02/2000 do Chefe da III Divisão da 2.ª DF da IT de Lisboa - cfr. fls. 33 e seguintes dos autos.

5. No âmbito da ação a que supra nos vimos referindo foram levadas a efeito correções técnicas à matéria coletável do sujeito passivo, que deu azo a liquidação adicional de IRC aqui Impugnada, conforme consta do relatório da referida ação inspetiva, nos termos que a seguir parcialmente se transcreve:
"(...)
II. Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
(...)
2. DESCRIÇÃO DO TRABALHO REALIZADO
2.1. Fees, royalties e copyrights
A empresa realiza mensalmente estimativas de custos dos rendimentos a pagar relativos a fees, royalties e a copyrights, debitando a conta 312 em contrapartida das subcontas da conta 2683 de acordo com a natureza do custo.
O cálculo dos fees, royalties e copyrights, encontra-se definido em contratos celebrados entre as partes que ficam a fazer parte dos papéis de trabalho em arquivo.
(...)
2. 4.
(...)
A actividade de publishing resulta de celebração de um contrato com Pedro Machado Abrunhosa, na sequência do qual a empresa ficou responsável pelo recebimento dos direitos de autor que são distribuídos pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e por entidades estrangeiras e pelo consequente pagamento ao autor.
A P... é também detentora no território nacional de direitos relativos a artistas não residentes que celebraram contratos com a P... BV (P... BV), na sequência dos quais recebe da SPA os montantes relativos à utilização das suas obras em território nacional
Posteriormente a P... 's debitam, a P... dos montantes referentes aos direitos que são detentoras e dos quais a empresa portuguesa é representante.
(...)
III Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
III. 1. Em sede de IRC
III1.1.Estimativa dos custos com Publishing
A P... recebe da SPA importâncias referentes a direitos de autor, procedendo à emissão de recibos contra a entrega de cheques por parte da segunda.
Contabilisticamente o registo efectuado corresponde à entrada de dinheiro em bancos por contrapartida da conta 26850610 Publishing. Aquando do recebimento dos débitos efetuados pela empresas P... BV e P... LTO, e contabilização dos mesmos a débito da conta 72400001 Publishing e a crédito de uma 22xx, transfere daquela conta (2685061O) para proveitos 72400001 ou para a conta 26850611 Publishing suspensos quando não existe o custo correspondente.
No final do exercício a conta 2685061O é saldada em contrapartida da 72400001 e esta conta é simultaneamente debitada por estimativa do custo correspondente àquele proveito em contrapartida da conta 27390001 (conta de acréscimo de custos).
De modo a verificar a recepção dos documentos de suporte ao custo no ano seguinte referente à estimativa de custos efectuada foi elaborado o seguinte quadro:
«Imagem no original»

Da sua análise constata-se que foram imputados custos no montante total de Esc. 1 166 343$00 para os quais a P... não tem suporte documental.
(...)
Valor a acrescer na linha 14 do quadro 20 do DC-22 - 1 116 343$00

III. 1.2. Royalties a pagar - Conta 2683003
No final do exercício a conta 26830003 apresenta um saldo, o qual se refere a estimativas de royalties realizados no 4.º trimestre para os artistas individuais e estimativas de outros trimestres efetuadas para royalties a pagar a empresas. Dado que os royalties pagos a empresas apenas são transferidos para a conta de royalties atribuídos quando as entidades credoras emitem o documento que suporta o custo, é neste último momento que a P... procede à retenção do imposto sobre o rendimento.
Fazendo a reconciliação dos saldos existentes em 3111211996 e em 3010412000, verifica­se que ainda não existem documentos de custo para um montante total de Esc. 12 219$00 (...)
Valor a acrescer na linha 14 do quadro 20 do DC-22 – 12 219$00

III. 1.3. Royalties Nacional - Conta 61210004
A diferença entre a importância contabilizada como custo e os valores atribuídos aos artistas nacionais apurada no ponto 2.3, no montante de Esc. 1 003 448$00, considera­se não documentada.
Assim o valor de 1 003 448$00 será acrescido ao lucro tributável (...)
Valor a acrescer na linha 14 do quadro 20 do DC -22 - 1 003 448$00

III. 1.2. Royalties a pagar - Conta 2683003
No final do exercício a conta 26830003 apresenta um saldo, o qual se refere a estimativas de royalties realizados no 4.º trimestre para os artistas individuais e estimativas de outros trimestres efetuadas para royalties a pagar a empresas. Dado que os royalties pagos a empresas apenas são transferidos para a conta de royalties atribuídos quando as entidades credoras emitem o documento que suporta o custo, é neste último momento que a P... procede à retenção do imposto sobre o rendimento.
Fazendo a reconciliação dos saldos existentes em 3111211996 e em 3010412000, verifica­se que ainda não existem documentos de custo para um montante total de Esc. 12 219$00 (...)
Valor a acrescer na linha 14 do quadro 20 do DC -22 - 12 219$00

III. 1. 4. Tributação Autónoma
Na sequência das correções efetuadas nos pontos anteriores (III. 1. 1. a III. 1.3) que totalizam 2 182 010$00 (conforme quadro seguinte), vai ser acrescido para cálculo do imposto a importância de 545 503$00 referente à tributação autónoma de IRC, á taxa de 25% das despesas não documentadas (...)


III. 1.5. Regularizações a favor do sujeito passivo
A empresa efetuou uma estimativa do custo com publishing para o ano de 1996 no montante de Esc. 31 241 243$00. Contudo apenas registou contabilisticamente o valor de Esc. 29 52 349$00, porque deduziu o excesso de estimativa do exercício de 1995 na importância de Esc. 1 900 893$00

Dado que o excesso de estimativa para o exercício de 1995 foi corrigido em resultado da ação de fiscalização ao mesmo (...), é efetuada a correcção de 1 900 893$00 a favor do sujeito passivo (...)
Valor a deduzir na linha 36 do quadro 20 do DC -22 - 1 900 893$00

(...)
III.3. Correcções aritméticas propostas
III. 3. 1. Em sede de IRC
III.3.1.1. Correcções ao resultado fiscal
III.3.1.1.1. Correcções a favor do Estado
No quadro seguinte apresenta-se, em resumo, a quantificação das correcções propostas a favor do Estado:

Tudo conforme consta de fls. 33 e seguintes dos autos.
6. Sobre o relatório a que nos vimos referindo, foi proferido em 25/07/2000, despacho de concordância, pelo Diretor Distrital de Finanças, por delegação - cfr. fls. 33 dos autos.

7. Em 27/01/1998 foi emitida a liquidação adicional n.º 2001 831... com um valor de imposto a pagar de 882.287$00 (€ 4.400,83), com data limite de pagamento em 11/04/2001 - cfr. fls. 60 dos autos;

8. Em 31/05/2001 a, aqui Impugnante, apresentou junto do, então, 12.º Bairro Fiscal de Lisboa um requerimento dirigido ao Director de Finanças de Lisboa a pedir a anulação da liquidação adicional n.º 2001 831... de IRC de 1996 de, cujo teor, para todos os efeitos aqui se dá por integralmente reproduzido, que deu origem à instauração do processo reclamação graciosa n.º 3263-01/40154 - cfr. consta dos respetivos autos aqui em anexo

9. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho da Diretora de Finanças Adjunta da 2.ª Direção de Finanças de Lisboa proferido em 30/09/2002 - cfr. f/s. 165 do respetivo processo de reclamação graciosa aqui em anexo.


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

A convicção do tribunal sobre a matéria de facto dada como provada, baseou-se na análise dos documentos constantes dos autos conforme se faz referência em cada uma das alíneas do probatório.


II.2 Do Direito

II.2.1 – Da competência deste Tribunal Central Administrativo para apreciação do recurso.

Tendo a Recorrida suscitado questão relativa à competência deste Tribunal Central Administrativo, em razão da hierarquia, para conhecer do objeto do recurso por o mesmo versar exclusivamente matéria de direito, importa, pois, antes do mais, decidir esta questão [cf. conclusões D) e E)] .

Com efeito, a competência dos tribunais tributários, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede a de outra matéria [cf. artigo 16/1.2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 13º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 101.º e 102.º do Código de Processo Civil de 1961 (que correspondem, atualmente, os artigos 96º e 97º CPC) aplicáveis ex vi artigo 2.c).d) CPPT].

Ora, como é consabido, a infração às regras da competência em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. artigo 16/1 CPPT).

Nos termos do artigo 280/1 do CPPT (na redação aplicável), das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que o recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Nos termos do disposto nos artigos 26.b) e 38.a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a Secção do Contencioso Tributário do STA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do TCA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.

É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados e não provados, face às ilações retiradas pelo Tribunal "a quo" (cfr. Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal proferidos no processo n.º 738/09, de 16 de Dezembro de 2009, e no processo n.º 189/10, de 21 de Abril de 2010, disponíveis em www.dgsi.pt).

O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso (1).

No caso no caso em análise, nas conclusões das alegações de recurso apresentadas, verifica-se que a Recorrente, nomeadamente nas conclusões D), G), H) e J), insurge-se contra a decisão recorrida por deficiente valoração dos factos, discordando do decidido no que respeita ao juízo de apreciação da prova efetuada pelo Tribunal recorrido.

Mais além, a própria Recorrida juntou, com as suas alegações de recurso documentos para prova de factos, questão a que voltaremos e que será apreciada infra.

Assim se concluindo, que os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito.

Termos em que improcede a questão prévia de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pela Recorrida, há agora, pois, que conhecer do objeto do recurso.

Segue para apreciação da admissibilidade da junção dos documentos com as alegações de recurso.


II.2.2 Da junção de documentos com as alegações de recurso

Vejamos, em primeiro lugar, se é ou não admissível a junção aos autos dos documentos entregues pela Recorrida com as alegações de recurso.

Os documentos em causa são relativos a troca de correspondência com clientes e documentos contabilísticos da conta corrente dos clientes, com os quais se pretende comprovar a efetividade dos encargos com publishing e royalties.

Em regra, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes – cf. artigo 423º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT.

No caso de recurso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento – artigo 425º CPC - ou quando a junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância – artigo 651/1 CPC.

Assim, na fase de recurso a junção de documentos reveste sempre natureza excecional.

No caso, os documentos foram juntos com as contra-alegações e logo fora do momento temporal em que a lei permite a sua apresentação.

Todavia, como vimos, a junção de documentos ao processo conjuntamente com as alegações só é admissível se essa apresentação se revelou impossível em momento anterior (superveniência objetiva ou subjetiva) ou quando apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Ora, não estamos perante um caso de superveniência objetiva, uma vez que os documentos em questão são datados de 1997. Mas também não o será de superveniência subjetiva, pois, os documentos estavam já em poder da Recorrida e esta não apresenta nenhuma razão válida para a sua junção tardia.

E, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa: a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.

Em rigor, a Recorrente também não alega ser este o caso dos autos, mas sim que a sua necessidade resulta diretamente do teor das alegações recursivas da Recorrente.

No entanto, da análise dos articulados e da sentença resulta que este argumento foi já usado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em sede de procedimento inspetivo para não considerar os custos em causa, justamente por se tratar de despesas indevidamente documentadas.

Não se vislumbra, pois, qualquer surpresa na decisão ou que a necessidade da sua junção tenha tido origem no teor das alegações da Fazenda Pública.

Em face do exposto, não se admite a junção dos documentos, que devem ser desentranhados e restituídos à Recorrida, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.º do CPC e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo do presente acórdão.

Passemos, agora, à apreciação do mérito do recurso.


II.2.3 – Do erro de julgamento

A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC do exercício de 1996.

Na sequência de ação inspetiva à Impugnante, ora Recorrida, a Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu por excessivas as estimativas de custos contabilizadas com encargos de publishing e royalties a pagar a artistas nacionais por considerar que tais custos não estavam suportados na contabilidade com documentos externos emitidos pela entidade beneficiária dos mesmos, despesas consideradas como não documentadas e levados a tributações autónomas.

Nos presentes autos, estão, pois, em causa correções relativas à estimativa de custos e a sua comprovação.

Vejamos:

A determinação do lucro tributável era feita de acordo com o disposto no artigo 17/1 CIRC, nos termos do qual o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC.

No artigo 23/1, do mesmo Código, especificavam-se quais gastos [antes, custos ou perdas] que a lei relevava. Assim, após uma ampla definição do conceito de gastos fiscais - os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o preceito fazia uma enumeração meramente exemplificativa.

Nos termos do artigo 18/1 CIRC, os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.

Este princípio, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

O princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo, diz-nos que os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, e não à medida que sejam recebidos e suportados.

A matéria coletável era, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal (cf. artigo 16º CIRC).

Para o efeito, o Contribuinte tem obrigação legal de manter uma contabilidade organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto.

Assim, o artigo 98º CIRC, com a redação então vigente, além de prescrever no nº 1 a obrigatoriedade de as empresas disporem de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal por forma a permitir o controlo do lucro tributável, na alínea a) do nº 3 impunha que todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário.

Vimos já supra que deviam entender-se por gastos fiscais - os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Para que relevem como custos fiscais os gastos devem estar devidamente suportados em documentos externos que respeitem as formalidades impostas pelo artigo 35º CIVA. Todavia, para efeitos de imposto sobre o rendimento, caso o Contribuinte comprove o respetivo custo, embora as despesas estejam insuficientemente documentadas admite-se que o contribuinte comprove com recurso a outros meios de prova que as operações se realizaram efetivamente, o respetivo custo e o montante do gasto, com respeito pelo disposto no artigo 23º CIRC.

A doutrina aponta dois requisitos para a desconsideração de gastos: que sejam comprovados por documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

Quanto a este último requisito, no caso em apreço não vem questionado que tais custos eram dispensáveis para a formação dos proveitos e que não se relacionam com o objeto social da Impugnante, constituindo, pois, em abstrato, custos fiscalmente dedutíveis.

Vejamos, então, a questão relativa à verificação dos requisitos de forma exigidos para a comprovação dos custos e cuja violação implica a sua não-aceitação e não dedutibilidade para efeitos de determinação do rendimento coletável.

Segundo António Moura Portugal, na perspetiva dos interesses fiscais, as exigências formais de documentação encontram a sua razão de ser numa dúplice justificação: por um lado, na necessidade de comprovar a efetivação do custo, a sua existência (…); por outro lado, para se aferir a natureza de despesa e respetiva comprovação da indispensabilidade do custo face à atividade do sujeito passivo (…).

No entanto, segundo outros autores, a noção de documento justificativo pode abranger uma qualquer forma externa de representação da operação.

Segundo Tomás Castro Tavares, no que respeita ao imposto sobre o rendimento pressupõe-se, em regra, para efeitos de dedutibilidade dos custos fiscais em IRC, a feitura de um documento justificativo (suposto externo, com a menção das características fundamentais da operação), competindo à Administração Fiscal a prova da sua inexatidão ou da inexistência (total ou parcial) da relação subjacente.

Apesar de menos exigente do que em sede de IVA, o Autor conclui que a dedutibilidade fiscal dos custos pressupõe, por regra, um suporte formal com uma certa densidade.

Outra questão é a de saber se quando uma dada transação não se suporta num documento externo, ou o mesmo for incompleto, se se deve concluir liminarmente pela preclusão da dedutibilidade do custo ou, pelo contrário, se deve ainda assim admitir prova da operação mercantil.

E aqui o mencionado Autor acaba por admitir que se por exigência do princípio da capacidade contributiva os custos ainda que não documentados contribuem para o apuramento do rendimento, desde que o contribuinte alegue e demonstre a existência e montante do gasto. Consequentemente, não se pode recusar a dedutibilidade de um gasto, quando o mesmo se encontre suficientemente demonstrado por outros oportunos meios de prova devidamente aduzidos pelo contribuinte (a quem passa a caber o respetivo ónus).

Assim, refere o Autor que estamos a seguir, que ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efetivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transação. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efetividade da operação e o montante do gasto”.

Também Rui Duarte Morais, sem deixar de afirmar que tem de existir sempre um documento, ainda que “imperfeito” ou “outro” que não aquele que normalmente deveria existir (p. ex., uma “nota” de lançamento elaborada pelo próprio sujeito passivo), admite que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito.

Em suma, resulta do exposto que, em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos artigos 23/1, e 41/1.h) CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de fatura, bastando tão-só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação.

Feito este breve périplo sobre o tema, há que aplicar estes conceitos ao caso em análise.

Como sintetizado na sentença recorrida, estão em causa correções às estimativas de custos com publishing e excesso de estimativas de royalties a pagar a artistas nacionais, com o fundamento de que tais custos não estavam suportados na contabilidade com documentos externos emitidos pela entidade beneficiária dos mesmos.

Estamos perante custos estimados de ocorrência de verificação comprovada, caracterizadas como obrigações já existentes, registradas no período de competência, em que não existe grau de incerteza relevante - já se caracterizam como passivos genuínos e não devem ser reconhecidos como "provisões".

Ou seja, estimativas de custos contabilizados nesse exercício para fazer face a encargos cuja despesa só venha a ocorrer em exercícios posteriores.

A Fazenda Pública dissente do decidido por considerar que a Impugnante não comprovou o cumprimento pontual dos contratos e a efetivação do custo (cf. conclusões H a O).

Anote-se, agora, que sobre estas questões trazida a debate se pronunciou o recente acórdão deste TCAS de 2018.12.13, Proc. nº 9941/16.2BCLSB, da mesma Impugnante, ora Recorrida, respeitante ao exercício de 1995, decisão com a qual concordamos e que vamos seguir de perto.

Tal como se decidiu no acórdão citado, a relação contratual não é posta em causa, de per se, sendo sim questionada a efetividade dos custos inerentes a estimativas, na parte onde não foi apresentada documentação de suporte.

Ora, a consideração de custos por estimativa tem de estar cabalmente sustentada, caso contrário admitir-se-ia uma manipulação dos mesmos, com base numa mera operação contabilística.

E, como sustenta a Autoridade Tributária e Aduaneira, estamos perante custos estimados considerados em 1996 e em relação aos quais, quer à data da elaboração do relatório, quer à data da decisão proferida em sede de reclamação graciosa, não foi apresentado qualquer documento comprovativo da efetividade do custo estimado.

Sendo certo e aceite que o princípio da especialização dos exercícios aponta no sentido de os custos serem imputados ao exercício em que ocorreram, legitimando, desta forma, o recurso a estimativas de custos, tal circunstancialismo não pode justificar a consideração de custos no exercício com base em estimativas cuja efetividade em momento algum e ao longo de vários anos vem a ser demonstrada. Aliás, o princípio da prudência, que também rege esta matéria, dita que tais estimativas sejam o mais possível fiáveis.

Como tal, caberia à Impugnante, ora Recorrida, o ónus de corroborar, através dos meios de prova que tivesse ao seu alcance, prova que demonstrasse que o encargo foi efetivamente suportado pelo sujeito passivo, o que não logrou fazer.

Para o efeito limitou-se a juntar extratos da conta corrente dos clientes, mas desacompanhados de documentos externos que comprovassem ter incorrido efetivamente nos gastos em causa. Os encargos não estavam devida e legalmente documentados por falta de prova documental exigida por lei nem demonstrado que foram suportados pela Impugnante, ora Recorrida.

Como se decidiu no Acórdão TCAS citado:

Por outro lado, a troca de correspondência entre a [Impugnante] e a P... não permite sustentar tal contabilização, porquanto, não obstante fazer uma menção global a valores suspensos, os montantes envolvidos não contêm qualquer detalhe que permita extrair conclusão distinta. Ademais, há que considerar que se trata de custos estimados considerados em [1996] e em relação aos quais, quer à data da elaboração do RIT [2000], quer à data da decisão proferida em sede de reclamação graciosa [2002 – cf. facto 9)], não foi apresentado qualquer documento comprovativo da efetividade do custo estimado (…).

Sendo certo que o princípio da especialização dos exercícios aponta no sentido de os custos serem imputados ao exercício em que ocorreram, legitimando o recurso a estimativas de custos (…), tal circunstância não pode justificar a consideração de custos com base em estimativas cuja efetividade em momento algum e ao longo de vários anos vem a ser demonstrada. Aliás, o princípio da prudência dita que tais estimativas sejam o mais possível fiáveis.

Como tal, caberia à Recorrente o ónus de demonstrar, através dos meios de prova que tivesse ao seu alcance, a efetividade dos custos em causa, o que não logrou fazer.

Assim se concluindo que os encargos não se encontram devida e legalmente documentados para prova da efetividade dos custos estimados no exercício de 1996 e corrigidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A sentença que assim não decidiu não se pode manter e irá ser revogada nesta parte, como se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


Vejamos, agora quanto à tributação autónoma.

A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida por ter considerado que as despesas se encontravam suportadas pelos contratos, não havendo motivo para a aplicação do tributo [cf. conclusão N)].

Quando foi introduzida, pelo DL nº 192/90, de 9 de junho, a tributação autónoma incidia sobre as despesas confidenciais ou não documentadas, com a intenção enunciada de combater este tipo de gastos, como forma de evitar práticas de evasão e de fraude.

Dizia-nos o artigo 4º do citado DL nº 192/90: as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.

A Lei nº 39-B/94, alterou a redação deste artigo, passando estas despesas a ser tributadas à taxa de incidência de 25%.

O preceito legal não faz qualquer distinção entre as despesas confidenciais ou não documentadas.

Jurisprudencialmente considerou-se que o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efetivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa – cf. Ac. STA, Pleno da Secção do CT, de 2009.01.28, Proc. nº 0575/08 (Rel.: Conselheiro Jorge de Sousa), disponível em www.dgsi.pt.

Assim, na referida alínea h) do nº1 do artigo 41º do CIRC, incluir-se-ão as despesas relativamente às quais não existem os documentos exigidos por lei, independentemente de ser revelada ou ocultada a sua natureza, origem e finalidade. Trata-se de despesas que, pela sua própria natureza, não são documentadas – Ac. TCAS de 2007.01.30, Proc. nº 1486/06 (Rel.: Desembargador José Correia), disponível em www.dgsi.pt.

Para julgar procedente a impugnação relativamente às tributações autónomas diz a sentença recorrida:

De acordo com a alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.
As despesas confidenciais ou não documentadas além de não constituírem encargo dedutível nos termos em que supra se refere são tributadas autonomamente de acordo com o estatuído no Decreto Lei n.º 192/90 de 9 de Junho.
Decorre do art. 4.º daquele diploma legal que este tipo de despesas são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, ou seja as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRC são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, sem prejuízo do disposto na alínea h) do nº 1 do artigo 41º do CIRC.
A questão que aqui se coloca é a de saber se as importâncias consideradas pela sociedade impugnante como estimativas de custos com publishing e royalties para pagamentos a artistas nacionais e estrangeiros constituem, ou não, despesas confidenciais.
Ora a este respeito a jurisprudência dos tribunais superiores deu no passado respostas em sentidos diferentes, que veio a uniformizar após a decisão da Secção de Contencioso Tributário do STA, reunida em Pleno, no sentido de que "A apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.
Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa."
(…)
A tributação autónoma foi criada com vista a penalizar as despesas realizadas pelo sujeito passivo cujo beneficiário é desconhecido, com a finalidade de evitar que as mesmas constituam remunerações a pessoas cuja identidade se desconhece.
Trata-se de despesas tributadas na entidade (pessoa singular ou coletiva) que suporta o respetivo custo, dada a impossibilidade de o serem na pessoa que recebe as importâncias. Se assim não fosse, estaríamos a aceitar como custo este tipo despesas, sem que pudesse haver, dada a sua natureza confidencial, a tributação dos rendimentos auferidos por parte dos seus beneficiários, quer em sede de IRS quer em sede de IRC.
Termos em que, não obstante este tipo de tributação esteja prevista no CIRC e sejam tributadas conjuntamente com o IRC, nada têm que ver com a tributação do rendimento, uma vez que incidem sobre despesas (certas despesas), às quais se aplicam taxas diferentes das de IRC, que o legislador entendeu tributar de forma autónoma para evitar que pudesse haver rendimentos que escapassem à tributação.
Também nada têm que ver com o exercício de uma qualquer atividade
Apreciação
Na situação sub judice decorre do probatório que o sujeito passivo contabilizou nas contas indicadas no probatório os custos correspondentes aos valores objeto de tributação, sendo que a AT conhece, porque o descreveu, quem as recebeu e no que as mesmas se consubstanciam porque o indicou no relatório que elaborou no âmbito da ação inspetiva e sabe também essas importâncias não foram aceites como custos pela Administração Fiscal por terem sido considerados, por esta, como encargos não devidamente documentados.
Ou seja, a Impugnante considerou determinados valores como estimativas de custos com publishing e royalties para pagamentos a artistas nacionais e estrangeiros perfeitamente identificados nos contratos a que a AT teve acesso, conforme refere no relatório elaborado no âmbito da inspeção tributária, sendo certo ainda que no caso da atividade de publishing, a AT identificado no referido relatório o nome do contraente (Pedro Machado Abrunhosa) e a que titulo.
Termos em que forçoso se torna concluir, pela ausência de confidencialidade e pela falência dos argumentos da AT.
Procede assim o pedido por nulidade do ato tributário por violação de lei.


Tal como decidido no citado acórdão proferido no âmbito do processo nº 9941/16.2BCLSB, no caso dos autos estamos não perante despesas não documentadas, mas de despesas indevidamente documentadas, caindo, por esse motivo, fora do âmbito de incidência do artigo 4º do DL n.º 192/90, de 9 de junho.

Antes de mais, saliente-se que o legislador, nos termos já definidos, distingue encargos não documentados (expressão utilizada no artigo 4º do DL 192/90, de 9 de junho) de encargos não devidamente documentados (expressão utilizada no artigo 41/1.h), do CIRC), sendo que apenas no primeiro caso há lugar a tributação autónoma.

Não se trata, pois, do mesmo tipo de situação, mas de duas tipologias de situação distintas (2):

(a) No caso das despesas indevidamente documentadas, existe alguma documentação de suporte, mas que se revela insuficiente, designadamente para efeitos do disposto no artigo 41/1.h) do CIRC;

(b) No caso das despesas não documentadas, simplesmente não existe qualquer documentação a si subjacente.

Tal como se decidiu na sentença recorrida, in casu, estamos perante despesas indevidamente documentadas e não perante despesas pura e simplesmente não documentadas.

Com efeito, a existência de contratos entre a Recorrente, a P... LTO e a P... BV (cf. ponto 5 dos factos provados) relações contratuais documentadas, aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira, aliada à troca a correspondência entre a Impugnante e a P..., permitem caraterizar o registo do custo quanto à sua natureza, origem e finalidade, não se podendo, tout court, considerar tratar-se de custos não documentados. Reitera-se que a documentação é insuficiente para efeitos do disposto no artigo 41/1.h) CIRC, nos termos que já deixamos explanados, mas ainda assim existe, afastando, pois, a aplicação do artigo 4.º do DL 192/90, de 9 de junho, que pressupõe a total inexistência de documentação.

Face ao exposto, improcede a pretensão da Recorrente nesta parte.


Sumário/Conclusões:
I. Em sede de recurso, a junção de documentos ao processo conjuntamente com as alegações só é admissível se essa apresentação se revelou impossível em momento anterior (superveniência objetiva ou subjetiva) ou apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.
II. O princípio da especialização dos exercícios aponta no sentido de os custos serem imputados ao exercício em que ocorreram, legitimando, desta forma, o recurso a estimativas de custos.
III. Cabe ao sujeito passivo o ónus de demonstrar que o encargo foi efetivamente suportado.
IV. Apenas as despesas não documentadas (e não as indevidamente documentadas) são passíveis de tributação autónoma.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, e revogar a sentença recorrida na parte relativa à correção respeitante a estimativas de custos com publishing e royalties, julgando-se improcedente a impugnação nessa parte, com as legais consequências e manter a sentença recorrida quanto ao demais.

Não admitir os documentos juntos com as alegações, determinando o respetivo desentranhamento e devolução à Recorrida, com custas do incidente pela Recorrida, fixando-se a taxa de justiça em uma UC;

Sem custas do recurso pela Recorrente, na parte em que decaiu, por delas estar isenta [artigo 3/1.a) do Regulamento das Custas dos Processos Tributários].

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]


Lisboa, 9 de junho de 2021
Susana Barreto

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(1) Extrato do Ac. STA, 2ª Seção, de 2020.06.03, Proc nº 0251/10.0BELRS, disponível em www.dgsi.pt
(2) Nesse sentido, v.g. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.04.2017 (Processo: 01320/16), no qual se refere: “… a insuficiência da documentação não é legalmente equiparada à ausência de documentação das despesas. // A terminologia empregue no art.º 23.º e 81.º é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental”. V. igualmente o já citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2007 (Processo: 00297/04 – VISEU), onde se refere: “a circunstância de havermos assentado que estas despesas se devem qualificar como indevidamente e não como totalmente não documentadas, somente podendo cair no âmbito de aplicação do art. 4.º do DL. 192/90 de 9.6. as “despesas confidenciais ou não documentadas”, na medida em que, aqui, estamos na presença de despesas suportadas por documentação insuficiente, não ocorre fundamento (“despesas não documentadas”) para as sujeitar, além da não relevação como custos fiscais, a tributação autónoma”.