Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:961/14.2BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRETA;
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DO CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO.
Sumário:1. No âmbito da avaliação indireta, recai sobre a AT o dever de fundamentar os critérios utilizados na quantificação do valor tributável.

2. Na perspetiva do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.

3. Não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte manifesto, evidente, que o critério usado conduziu a apuramento de matéria coletável claramente excessiva.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: S...........
RECORRIDOS: FAZENDA PÚBLICA

OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por S..........., contra as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2011 e 2012, na sequência de ação inspetiva de que resultaram correções meramente aritméticas e recurso a métodos indiretos para fixação da matéria coletável, das quais resultaram a pagar, após compensação, as quantias de € 37.596,42 e € 4.909,51, respetivamente.


CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
«A) A decisão proferida merece ser revista quanto á Ilegalidade da correção aritmética efetuada em relação ao exercício de 2012, quanto ao Erro nos pressupostos de facto na aplicação da avaliação indireta, quanto á Errónea quantificação da matéria coletável por aplicação de métodos indiretos e á Falta de fundamentação do critério utilizado;
B) O Tribunal a quo no que diz respeito á Ilegalidade da correção aritmética feita em relação ao exercício de 2012, não apreciou devidamente a questão, entendendo o mesmo como se reportando às situações em que a Administração Fiscal corrige uma operação por entender a mesma como não tendo correspondência na realidade, o que não aconteceu no presente caso, pelo que existe assim erro de julgamento, que deve ser corrigido, como ficou acima demonstrado.
C) No que concerne ao erro nos pressupostos de facto na aplicação da avaliação indireta, entendeu erradamente o Tribunal a quo que estavam reunidos os pressupostos para a Administração Fiscal recorrer aos métodos indiretos para determinação da matéria coletável da recorrente;
D) Não tendo sido demonstrado em momento algum a impossibilidade de corrigir de forma direta as irregularidades que detectou;
E) Nunca existiu falta de colaboração da recorrente e muito menos foi necessário o recurso a elementos externos á contabilidade para efetuar qualquer correção, como foi explicado em sede de alegações;
F) Existiu muito pouca fundamentação no Relatório elaborado pela Administração Fiscal, falta de fundamentação essa que também serviu de base á douta sentença, pois não existe uma única frase que demonstre que a falta de SAF-T, a inexistência do inventário em 2011 e 2012 e os pagamentos em excesso de ATM foram condição essencial para impossibilitarem a correção de forma direta e sem recurso a métodos indiciários, como é legal e constitucionalmente exigido;
G) Tal falta de fundamentação, traduz desde logo erro de julgamento;
H) O Tribunal a quo não valorou os meios de prova apresentados pela recorrente, tendo feito uma interpretação dos factos erradamente;

Nestes termos e nos melhores de direito e com o sempre mui suprimento de V.as Ex.as, deve a decisão do Tribunal de C Instância ser alterada e substituída por outra que conduza anulação das liquidações de IRC de 2011 e 2012.
Como sempre, farão V.as Ex.as, serena e objectiva justiça.»

CONTRA-ALEGAÇÕES.
Não foram apresentadas contra alegações.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a impugnação contra a liquidação adicional por métodos indiretos referente aos exercícios de 2011 e 2012 e por correção aritmética no exercício de 2012.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) A Impugnante tem por atividade “restaurante tipo tradicional” (CAE 056101), e encontra-se no regime de contabilidade organizada - cfr. fls. 20-8 dos autos, e por acordo.

B) Ao abrigo da ordem de serviço n.° OI201301781, de 20.11.2013, a Administração Fiscal levou a cabo uma ação inspetiva de âmbito geral à Impugnante relativa aos exercícios de 2011 e 2012 - cfr. o RIT fls. 20 dos autos.

C) Em 14.04.2014 foi elaborado o Relatório Final de Inspeção Tributária (RIT), que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se extrai o seguinte:

«[...]

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.3. Correções propostas

Através de uma fatura detetada na contabilidade verificou-se que o fornecedor A........... menciona na mesma que prestou serviços ao sujeito passivo de construção civil, porém quando emitiu a fatura já se encontrava cessado oficiosamente, desde 31/12/2011 [...]


«imagem no original»


Dado o exposto na alínea b) do n. ° 1 do art.° 45. °do CIRC e o exposto nos art. °s 19.° a 22.° do CIVA... e que não existem provas de pagamento dos serviços nem qualquer documento que comprove que o serviço foi efetivamente prestado, ir-se-á... corrigir o respetivo ganho em sede de IRC:

IRC

Gasto indevidamente contabilizado, no ano de 2012, no valor de € 66.250,00.

[...]

IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

[...]

 


«imagens no original»


[...]» — cfr. o RIT a fls. 20 dos autos.

D) Na sequência da notificação do RIT foi apresentado pedido de revisão da matéria coletável fixada nos termos do disposto no art. 91.° da LGT - cfr. fls. 52 a 57 dos autos.

E) Em 02.07.2014 foi lavrada ata da reunião dos peritos da qual consta não ter sido alcançado acordo, tendo cada um dos peritos lavrado o seu laudo com a fundamentação sucinta das posições expressas tomadas, que são parte integrante da ata — cfr. fls.24 a 26 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos.

F) Em 08.07.2014 o Insp. Trib. Ass. Principal H.......... (em substituição do Diretor de Finanças de Faro) proferiu decisão na qual concluiu que [p]onderados todos os fundamentos invocados e tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos, concordo com a posição assumida pelo Perito da Administração Tributária, e mantenho a fixação da matéria tributável de IRC (...) para os anos 2011 e 2012, nos montantes de: € 100.524,47e €23.538,14 (IRC) (...), fixados por métodos indirectos — cfr. fls. 25 do processo administrativo apenso.

G) Atos Impugnados: Na sequência da decisão que antecede foram emitidas em 26.07.2014 as liquidações adicionais de IRC n.° ........., relativa ao exercício de 2011, que apurou a pagar a quantia de € 37.596,42, e n.° ........., relativa ao exercício de 2012, que apurou a pagar a quantia de € 4.909,51 — cfr. fls. 69 dos autos.

H) As demonstrações de compensação foram emitidas em 13.08.2014 e 05.08.2014, com datas limite de pagamento em 26.09.2014 e 02.10.2014, respetivamente em relação aos exercícios de 2011 e 2012 — cfr. fls. 13/14 e 20/21 do processo instrutor apenso.

I) Em 2011 foram efetuadas obras de remodelação nos restaurantes da Impugnante por A........... — depoimento da testemunha J..........

J) Em 30.09.2012 A........... emitiu em nome da ora Impugnante a fatura n.° 031, no valor de € 66.2050,00, acrescido de € 15.237,50 de IVA, com a seguinte descrição “Trabalhos de recuperação do restaurante. Assentamento de pavimento. Pinturas, etc.” - cfr. fls. 79-11 dos autos.

K) A........... declarou o início de atividade de “Pintura e colocação de vidros” (CAE 43340) em 09.03.2000, tendo a mesma sido oficiosamente cessada em 24.07.2012, com efeitos a 31.12.2011, não tendo atividade aberta em 30.09.2012 — cfr. fls. 79-06 a 10 dos autos e depoimento da testemunha H..........

L) Em 05.12.2014 a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial via sitaf — cfr. fls. 1 a 19 dos autos.

Factos não provados:

1. Que as obras de remodelação a que se refere a alínea I) dos factos provados tenham ascendido a € 66.250,00.

2.  Que esse valor tenha sido pago pela Impugnante em numerário.

3. Que em 30/09/2012, o fornecedor A........... encontrava-se coletado e a exercer a sua atividade.

Motivação da decisão de facto:

Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e do processo instrutor apenso, os quais não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade e ainda da prova testemunhal produzida em audiência, tudo conforme referido em cada uma das alíneas.

No que à prova testemunhal respeita, do depoimento da testemunha J......... apenas resultou para o tribunal a convicção de que em 2011 (ano que a testemunha indicou sem hesitação) terão sido efetuadas obras de remodelação, tendo ficado por esclarecer se, atenta a natureza e/ou volume das mesmas, estarão na origem da fatura desconsiderada pela AT como custos em relação ao ano de 2012, mais tendo ficado por esclarecer, atento o caráter vago do depoimento da testemunha, que foi mais no sentido de concordar com as questões colocadas pela Ilustre Mandatária da Impugnante, que quantias em dinheiro foram entregues pelo gerente da Impugnante ao referido A......... e a que título lhe foram as mesmas entregues.

 

O depoimento da testemunha H........., inspectora tributária responsável pela ação inspetiva de que decorreram as correções que deram origem aos atos impugnados, relevou no sentido de, para além de confirmar os factos que fundamentaram o recurso a métodos indiretos para fixação da matéria coletável, ter esclarecido o tribunal de que à data de 30.09.2012 o emitente da fatura a que se refere a al. J) dos factos provados, não ter atividade declarada junto da AT.

Os factos não provados resultam de sobre os mesmos não ter sido produzida qualquer prova.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO  

A Impugnante/Recorrente foi sujeita a fiscalização e alvo de liquidação adicional referente aos exercícios de 2011 e 2012 mediante correção por métodos indiretos e por correções técnicas, esta apenas no exercício de 2012.

Instaurado procedimento de revisão, concluído sem acordo, a Impugnante alegou não se verificarem os pressupostos para avaliação indireta, a qual, de resto, também não está devidamente fundamentada, assim como também não está fundamentado o critério de seleção do rácio usado para a quantificação.

E no que respeita à correção aritmética, na data da emissão da fatura – 30/9/2012 - o fornecedor encontrava-se activo, razão por que não é válido o fundamento da AT para desconsiderar o respetivo custo segundo o qual se encontrava cessado desde 2011.   

Produzida a prova, a MMª juiz julgou a ação totalmente improcedente baseando-se em três fundamentos:

A desconsideração do valor de € 66.250,00 no exercício de 2012 como custo não enferma de qualquer ilegalidade por haver indícios sérios de que tais serviços não foram efetivamente prestados pelo emitente nem suportados pela Impugnante.

Quanto à avaliação indireta, estão reunidos os respetivos pressupostos, identificados no RIT.

E quanto à respetiva quantificação, a AT fundamentou devidamente a escolha.

Inconformada, a Recorrente defende que a sentença errou no que respeita à correção aritmética porque equacionou a questão como sendo uma operação sem correspondência na realidade, mas não foi com este fundamento que a AT procedeu à correção impugnada (Conclusão B).

Depois, para legitimar a  tributação por métodos indiretos não se demonstrou  em momento algum a impossibilidade de corrigir de forma direta as irregularidades que a AT detetou, sendo certo que nunca existiu falta de colaboração da Recorrente e muito menos foi necessário o recurso a elementos externos à contabilidade para efetuar a correção (Conclusões C a E), ocorrendo falta de fundamentação no RIT e da sentença.

E é por este último segmento que iniciamos a análise do recurso, uma vez que a falta de fundamentação da sentença pode acarretar a sua nulidade (art.º 125º/1 do CPPT e 615/1-b) CPC).

Como resulta dos factos provados,
Em 24/01/2014 e 05/02/2014, foram elaboradas certidões de notificação, para o sujeito passivo nos apresentar os seguintes elementos:

- Apresentar os inventários iniciais e finais, discriminando os produtos, as quantidades e os
respetivos preços, referente aos anos de 2011 e 2012,
- Apresentar as provas de pagamento, orçamentos ou qualquer outro documento que comprove que os serviços foram efetivamente prestados, em 2012, pelos seguintes fornecedores:
a) W........., N1F …………..
b) Método Corrente, Lda. NIPC……….,
c) C........., Lda. NIPC ………..
d) A..........., N1F ……………
- Indicar o nome das pessoas que lhe prestaram os serviços e lhe entregaram as faturas e se
possível os respetivos contatos pessoais;                                                                                
- Apresentar o extrato bancário dos pagamentos efetuados por TPA, respeitante ao mês de Julho de 2012, referente à conta bancária que esta empresa detêm no Banco M………, os extratos bancários dos pagamentos efetuados por TPA. referentes aos meses de Julho, Agosto e Novembro de 2012, referente à conta bancária que detêm na Caixa ……… e os extratos bancários dos pagamentos efetuados por FPA referentes aos meses de Outubro e
Novembro de 2012, referente à conta bancária que a empresa detêm na Caixa……………;      
- Apresentar os ficheiros informáticos SAF-T da faturação emitida nos anos de 2011 e 2012 ou
em alternativa cópia da faturação emitida:                                                                                                .
- Apresentar cópia dos talões de pagamento por MB que se encontram em falta na contabilidade, referentes aos anos de 2011 e 2012;
Em resposta às questões atrás referenciadas, o sujeito passivo, retorquiu que:
- Não efetuou os inventários iniciais e finais referentes aos anos de 2011 e 2012 desconhecendo quais os bens que tinha em 2011 e 2012. as quantidades e os preços dos mesmos e que valores sê encontram atribuídos pela contabilidade.
- Quanto aos fornecedores, o sujeito passivo não tem provas de pagamento nem qualquer documentos que comprove a veracidade dos mesmos, uma vez que pagou todos os bens e serviços prestados em dinheiro.             -
- Desconhece o paradeiro dos fornecedores em causa e não possui qualquer contato, pessoal dos
mesmos.                                                                                                                                   
- Juntou os extratos bancários que foram solicitados.
- Quantos aos ficheiros informáticos SAF-T da faturação emitida apenas foi entregue  de um

estabelecimento, que esteve em funcionamentos poucos meses, em relação ao restaurante Z……..’’, não apresentou os referidos ficheiros, por ter havido problemas informáticos e se terem danificado, não tendo sido possível recuperar os mesmos.

Quanto aos talões de MB só possui os que se encontram na contabilidade.

Para além de todos os factos descritos, salienta-se ainda que no ano de 2011 existem divergências com alguma relevância entre rendimentos declarados e os registos dos recebimentos efetuados por TPA, registando-se uma diferença de € 14 035,00 entre as prestações de serviços declaradas (411.132,00) e o valor líquido do total dos recebimentos pelo TPA (€ 425.167,00).

Em face do que a AT considerou que

(i)A falta dos inventários impede a comprovação dos valores do CMVCMC declarados em 2011 e 2012;

(ii)A falta dos ficheiros SAF-T de faturação impede o conhecimento e controlo da faturação emitida nos anos de 2011 e 2012;

(iii)Os valores recebidos por TPA em 2011 superiores à faturação declarada demonstram a falta de credibilidade dos valores declarados.

(...)

(iv) São factos que demonstram que a contabilidade não reflete a realidade do negócio e que existe omissões de prestações de serviços, concluindo-se assim, que não é possível a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação do lucro tributável

(...)

(v)A alínea b) do art.º 87º da LGT refere a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, situação esta que se encontra demonstrada pelos factos anteriormente referidos.
A MMª juiz apreciou a fundamentação do recurso à avaliação indireta da seguinte forma “...Sobre tais circunstâncias, o sujeito passivo respondeu, como se alcança do teor do RIT, que não vem questionado neste ponto, além do mais, que não efetuou os inventários iniciais e finais aos anos de 2011 e 2012 desconhecendo que bens tinha em cada um desses exercícios, quantidades, preços e valores contabilisticamente atribuídos quanto aos fornecedores que não dispunha de comprovativos de pagamento por ter pago em dinheiro e quanto aos ficheiros SAF-T invocou problemas informáticos tendo os mesmos ficado danificados e impossibilitada a sua recuperação.
(...)
Ora, no Relatório de Inspeção a Administração Fiscal fez prova dos pressupostos para recurso ao método de avaliação indireta da matéria coletável da atividade desenvolvida pela Impugnante.
Como se referiu, no ponto “IV” os serviços de inspeção elencam, detalhadamente, as razões pelas quais não atenderam aos elementos e valores constantes da contabilidade em relação à determinação dos proveitos, e que determinaram o recurso à avaliação indireta. E não se diga, como pretende fazer crer a Impugnante, que são apenas três razões e que isso não é suficiente para a aplicação de métodos de avaliação indireta da matéria coletável.
Qualquer dos factos indicados pela inspeção tributária, por si só, são demonstrativos de que a contabilidade evidencia omissões que a tornam inidónea para a determinação da matéria coletável por avaliação direta. Refira-se, ao contrário do alegado pela Impugnante, que atento o seu enquadramento para efeitos de IR, nos termos do disposto no n.° 8 do art.° 115.° do CIRC e Portaria n.° 321-A/2007, de 26 de março, com as alterações introduzidas pela Portaria n.° 1192/2009, de 8 de outubro, estava obrigada a possuir os ficheiros informáticos SAF-T.
Conclui-se, pois, que a Administração Tributária, no exercício da sua competência de fiscalização, cumpriu o ónus de demonstrar a existência de todos os pressupostos do recurso necessário à avaliação indireta, conforme disposto no n° 3 do art. 74° da LGT, não se limitando a afirmar a falta de fiabilidade da contabilidade, mas fazendo um esforço no sentido de trazer à evidência um conjunto de situações que demonstram a sua falta de rigor e verdade.
Pelo exposto, improcede a invocação de ilegalidade das liquidações por inexistência dos pressupostos de recurso à avaliação indireta”.

A Recorrente discorda mas sem razão, pelo menos na totalidade.

Antes de prosseguirmos, façamos um pequeno resumo dos pressupostos legais  para recurso à avaliação indireta, da respetiva quantificação e fundamentação.

A matéria tributável, regra geral, é determinada diretamente e com base nos elementos legalmente exigíveis e que o contribuinte tem de fornecer à administração tributária, uma vez que impende sobre os contribuintes obrigações acessórias de apresentação de declarações e de exibição da contabilidade ou escrita.

A lei presume a veracidade das declarações dos contribuintes quando apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal (art.º 75º/1 LGT).

Tal presunção cessa se (entre outros) a contabilidade revelar omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que aquelas não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art.º 75º/2 LGT).

E se devido a tais inexatidões não for possível apurar diretamente o imposto, a administração tributária fica legitimada a determinar a matéria tributável com recurso a métodos indiretos.

O recurso a esta metodologia é excecional, é subsidiária da avaliação direta (art. 85.º/1, LGT e demanda acrescida exigência de fundamentação da decisão administrativa (cfr. artigo 77.º/4 da LGT).

Assim, compete à administração tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.

E tem ainda que fundamentar os critérios utilizados na quantificação do valor tributável, escolhendo um dos enunciados no artigo 90.º/1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito.[1]

E bem se compreende que assim seja, pois tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiretos de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário demonstrar-se que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros adequados à situação e que segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade tributária que se procura alcançar.

No entanto, tem-se entendido  que na perspetiva do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Dito de outro modo: não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte  manifesto, evidente, que o  critério usado conduziu ao apuramento de matéria coletável claramente excessiva[2].

Uma vez cumprido esse ónus, caberá, então, àquele a quem o método é oposto o encargo de demonstrar que a realidade é distinta do resultado a que conduziu a utilização daquelas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

Esta é, pois, a solução que corresponde à regra geral contida nos artigos 342.º do Código Civil e 74º LGT, segundo a qual quem invoca um direito tem o ónus de prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
Contextualizada a questão nos seus contornos jurídicos, vejamos se a AT demonstrou a verificação dos pressupostos para lançar mão da avaliação indireta e se cumpriu o seu dever de fundamentação, quer quanto à exposição (formal) daqueles pressupostos, quer quanto ao critério de quantificação.
Afigura-se-nos que sim, como tentaremos demonstrar.

Com efeito, o facto de não ter inventários nos exercícios de 2011 e 2012 e desconhecer “...que bens tinha em cada um desses exercícios, quantidades, preços e valores contabilisticamente atribuídos quanto aos fornecedores que não dispunha de comprovativos de pagamento por ter pago em dinheiro e quanto aos ficheiros SAF-T invocou problemas informáticos tendo os mesmos ficado danificados e impossibilitada a sua recuperação...” resulta clara a impossibilidade de proceder à avaliação directa da matéria tributável, uma vez que esta se calcula, como diz a lei, segundo os critérios próprios de cada tributo baseando-se em critérios objetivos  (art.º 87º/1 e 84º/1 LGT).

Ora, no âmbito do IRC a determinação do lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código (Art. 17º/1 CIRC).
Adianta o n.º 3 do mesmo preceito que de  modo a permitir o apuramento do lucro tributável a contabilidade  deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se das restantes.

A contabilidade do Impugnante/Recorrente falhou totalmente estes deveres legais e objetivos. Se o SP não inventariou os bens e desconhece quais foram adquiridos e vendidos/consumidos e quais os que tinha no fim do exercício não vemos com base em que critério se poderá proceder ao apuramento direto da matéria tributável. Com base na faturação? Tal não parece possível, pois o Contribuinte não só não dispunha de comprovativos de pagamento por alegadamente ter pago em dinheiro como também não dispunha dos ficheiros SAF-T em relação aos quais   invocou problemas informáticos tendo os mesmos ficado danificados e impossibilitada a sua recuperação[3].

Estes factos revelam claramente que o apuramento direto da matéria tributável não era possível e que a contabilidade era de todo imprestável para esse efeito.

Assim sendo,  constituem fundamento suficiente para a avaliação indireta e a sua enunciação demonstra o acerto da fundamentação quer administrativa quer judicial.

Assim, quando acima levantámos a hipótese de haver falta de fundamentação da sentença, potencialmente geradora de nulidade, podemos agora também concluir que ela não se verifica. E não é só porque tal nulidade apenas ocorre com a falta absoluta de fundamentação[4], que manifestamente não se verifica, mas também porque a justificação da decisão é suficiente e completa, deste modo cumprindo o dever legal de fundamentação (cfr. arts. 205º/1 Constituição, 154º CPC, 125º/1 CPPT).
 
Acrescente-se que não é  referido no RIT nem na sentença que o recurso à avaliação indireta resulta do facto de o Contribuinte ter omitido o dever de colaboração, pelo menos subjetivamente não foram mencionados factos que isso indiciem. Mas de forma intencional, dolosa, ou não, as omissões verificadas conduzem à impossibilidade de avaliação direta.  

Contudo, numa questão a Recorrente tem razão. É que os valores recebidos por TPA em 2011, por serem superiores à faturação declarada demonstram a falta de credibilidade dos valores declarados para esse mesmo ano de 2011, mas já não para o ano de 2012.

Mas mesmo retirando este facto aos pressupostos para avaliação indireta em relação ao exercício de 2012, subsistem os restantes já mencionados que  claramente demonstram a impossibilidade de proceder à avaliação direta da matéria tributável.

Passemos à questão da fundamentação da utilização do Rácio R17 que a Recorrente  diz não estar fundamentado e que a sentença se limitou a explicar que era o mesmo, em termos técnicos e abstratos e que foi o escolhido por ser o mais favorável para o contribuinte.
Contudo, prossegue a Recorrente, nem a AT nem a sentença explicam porque era o mais favorável para a Impugnante, nem se fizeram simulações com outros rácios para saber que outros valores resultaram. Além disso, “...a lesividade “feroz desta correção verifica-se logo noutro ponto, não foram considerados os custos por que não se conheciam os valores de inventários, mas o desconhecimento dos valores de inventários foi utilizado, primeiro como motivo para o recurso aos métodos indiretos e depois, nestes, como fundamento para não considerar custos proporcionais às receitas.”
Ora, acrescenta, se a AT entende que estão verificados os pressupostos necessários para o recurso aos métodos indiretos, se corrige os valores de prestações de serviços com um rácio elevadíssimo, não pode deixar de corrigir as compras na mesma ordem de grandeza escudando-se na falta de inventários que já utilizou para fundamentar a correção (artigo 46º e 47º das doutas alegações).
Vejamos.

No que ao critério de quantificação respeita, a AT socorreu-se da média “...nacional obtida a partir dos valores declarados nos anos de 2011 e 2012 por sujeitos passivos a nível nacional que exercem esta actividade – restaurante tipo tradicional – CAE 56101. Da consulta ao sistema informático, verifica-se que o valor da média nacional da margem Bruta II nos exercícios de 2011 e 2012 para o sector de actividade económica do sujeito passivo (...) foi de 30,86% e 25,64%, respetivamente” (alínea C) dos Factos provados – pp. 5 da sentença).

Do exposto resulta que o critério de quantificação está formal e sucintamente fundamentado como determina a lei (art. 77º/1 LGT), não se exigindo de modo nenhum que a AT efetue “simulações com outros rácios”, para eleger o mais adequado à situação que enfrenta.

A opção pelo critério usado e a sua aplicação concreta estão sucintamente explanados e não se evidencia que da sua aplicação resulte matéria colectável ostensivamente excessiva.

Como acima dissemos, cumprido o dever de fundamentação (formal), caberá, então, àquele a quem o método é oposto o encargo de alegar e provar  que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada (art. 74º/3 LGT).

Ónus que o Impugnante não cumpriu, pelo que suportando as respetivas consequências desfavoráveis considera-se correta a quantificação operada.       
Quanto à ilegalidade da correção aritmética, a Recorrente sustenta que o tribunal "a quo" errou ao  apreciar a questão como sendo referente a uma operação simulada - por não ter correspondência na realidade- o que não aconteceu neste caso.
A correção respeita a fatura emitida por A........... no montante de € 81 487,50 respeitante a prestação de serviços de construção civil e que originou a correção de 66.250,00 a título de gasto indevidamente contabilizado no ano de 2012 e dedução de IVA no período 1209T no montante de € 15.237,50 com o fundamento em que (i) quando emitiu a fatura já se encontrava cessado oficiosamente desde 31/12/2011 e que (ii) não existem provas de pagamento dos serviços nem qualquer documento que comprove que o serviço foi efetivamente prestado.
O Contribuinte alegou que no momento da emissão da fatura em 30/9/2012 o fornecedor em causa encontrava-se a exercer atividade, mas foram os serviços da AT que oficiosa e retroativamente declararam a cessação  da atividade a uma data anterior à fatura, facto a que o Contribuinte é totalmente alheio.
Provou-que efetivamente a cessação oficiosa da atividade do fornecedor A........... ocorreu em 24/7/2012, com efeitos a 31/12/2011  o qual  efetuou obras de remodelação no restaurante em 2011 e que na data da fatura – 30/9/2012 – não tinha atividade aberta. Mas não que o valor dessas obras tenha sido no montante de € 66.250,00 e que tal valor tenha sido pago em numerário (factos não provados n.º 1 e 2).
A MMª juiz refletiu assim sobre a questão:
“...Percorrido, em abstrato, o regime jurídico em que se subsume o caso dos autos, impõe-se agora aferir, se procede a alegação da Impugnante no sentido de o valor de € 66.250,00, contabilizado como custo em relação ao exercício de 2012 e desconsiderado pela AT, se reportar a trabalhos de construção civil (de remodelação dos seus estabelecimentos de restauração) efetivamente prestados pelo emitente da fatura identificada na alínea J) dos factos provados e lançada na sua contabilidade no referido exercício.
Administração Tributária assentou a desconsideração daquele custo alegadamente suportado pela Impugnante em indícios que se considerou serem sérios e bastantes para afastarem o princípio da presunção de verdade da declaração apresentada pelo sujeito passivo, os quais se substanciam no facto de a atividade do emitente da fatura - documento de suporte ao registo do custo - ter sido oficiosamente cessada no mês de julho de 2012, com efeitos a 31.12.2011, não tendo registo de atividade na data em que a mesma foi emitida, conforme resultou do depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha H........., concluindo a AT que, em face das normas legais aplicáveis, máxime o n.° 11 do art.° 22.° do Código do IVA, de acordo com o qual “[o]s pedidos de reembolso são indeferidos quando (...) o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo (...) que tenha suspenso ou cessado a sua atividade”, havia que proceder às correções respetivas quer em sede do IVA dedutível, quer em sede de IRC, desconsiderando o custo em causa. Contribuiu ainda para a decisão da correção em sede de IRC o facto de não terem sido encontradas na contabilidade evidências do pagamento do valor faturado, conforme devidamente explicitado no Relatório de Inspeção.
Chamado a pronunciar-se sobre tais circunstâncias, a ora Impugnante informou não ter provas do pagamento porque pagou em dinheiro.
Ora, dos factos invocados pela Administração Tributária conclui-se, por apelo a critérios de probabilidade e razoabilidade, que, de facto, não é expectável que alguém sem atividade declarada junto da ATA seja prestador de serviços (de construção civil, no caso) e, muito menos, que emita faturas relativamente a uma atividade que, do ponto de vista legal, para efeitos fiscais, não poderia exercer sem a prévia declaração de início de atividade, mais se concluindo pela impossibilidade de registo do valor da referida fatura como custo por inexistir na contabilidade evidência de que tal quantia houvesse sido paga. Ou seja, não merece censura a conclusão a que a Administração Tributária chegou para questionar a veracidade da relação material subjacente ao custo em causa. A partir daqui, como se referiu acima, cabia à Impugnante demonstrar o erro de raciocínio da AT, provando a efetiva prestação do serviço descrito na fatura e o custo incorrido com a mesma.
Para tanto, afirma, tal como o fez em sede de esclarecimentos prestados no âmbito do procedimento de inspeção, que os serviços de remodelação foram efetivamente prestados e que pagou em dinheiro e que, por isso, não tem documentos que o comprovem. Ora, tal alegação não é suficiente para cumprir o ónus de prova que acima se referiu e que recaía agora sobre a Impugnante.
Na verdade, a mera alegação de ter procedido ao pagamento da quantia de € 66.205,00 em numerário não justifica a inexistência do respetivo suporte documental, antes se impondo que o mesmo existisse atento o facto de a Impugnante se encontrar obrigada a dispor de contabilidade organizada, caso em que não é concebível que qualquer operação - designadamente pagamentos em dinheiro - se concretize sem que seja devidamente evidenciada e registada contabilisticamente. O mesmo vale por dizer que, se não dispõe de um documento comprovativo do pagamento em numerário, então violou os deveres relativos ao registo das operações relativas à sua atividade, porque devia ter um documento de caixa ou de bancos demonstrativo da saída de ativos por contrapartida de créditos de terceiros.
Releva ainda, no ponto em apreço, o disposto no artigo 63.°-C da LGT, sobre “Contas bancárias exclusivamente afetas à atividade empresarial”, dispõe do seguinte modo:
“1 - Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida.
2 - Devem, ainda, ser efetuados através da conta ou contas referidas no n.° 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.
3 - Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a (euro) 1000 devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto.” (Redacção da Lei n.° 20/2012 - 14/05).
Ou seja, encontrando-se a Impugnante abrangida pelo regime de contabilidade organizada, o pagamento da quantia de € 66.205,00 devia respeitar o disposto no n.° 3 do mencionado art.° 63.°-C da LGT, e ser efetuado, designadamente, por transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto, de modo a permitir a identificação do respetivo destinatário.
Refira-se, por último, que a prova produzida em audiência também nada esclareceu sobre a efetiva prestação de serviços no montante faturado ou sobre o efetivo pagamento daquela quantia. A testemunha em causa, J........., funcionário de um dos restaurantes, prestou depoimento de modo demasiado vago, não concretizando em termos devidamente esclarecedores o tipo de obras realizadas, limitando-se quase a um depoimento confirmativo das questões formuladas pela Ilustre Mandatária da Impugnante. Quanto ao pagamento também disse, de modo demasiado vago, sem circunstanciar no tempo nem quantitativamente, que viu o gerente do restaurante entregar dinheiro ao alegado prestador do serviço, sendo certo que tal depoimento não pode relevar para dar como privada a pretensão da Impugnante por dele não resultar um relato esclarecedor dos factos.
Pelo exposto, e porque a Impugnante não logrou demonstrar a efetiva prestação dos serviços descritos na fatura nem o respetivo pagamento, tal facto faz cessar a presunção de veracidade da operação e respetivo lançamento na contabilidade, não merecendo a censura que lhe vem imputada a correção efetuada pela Administração Fiscal”.
A Recorrente defende que o facto de o fornecedor não ter atividade declarada junto da AT se deve à circunstância de a AT o “ter cessado” utilizando depois essa essa cessação para desconsiderar a fatura emitida.
Acrescenta que sendo uma despesa devidamente documentada há que presumir a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável, razão pela qual compete à AT alegar a existência de elementos suscetíveis  de por em causa essa veracidade designadamente pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais. Não vem alegada a falsidade da factura. A Administração não alegou simulação, não tendo por isso carreado indícios suficientes. Ora o que resulta é que o Tribunal entendeu devolver o ónus da prova à impugnante nessa repartição. Existe assim um claro erro de julgamento, invocando douta jurisprudência e doutrina  com a qual se concorda na totalidade, mas que não se aplica ao caso concreto. Assim, é inequívoco que não cabe ao contribuinte evidenciar a realidade da operação por que ela não foi indiciada como inexistente ou simulada (artigos 9ª a 18º das doutas alegações).
Cremos que a Recorrente também nesta parte não tem total razão.
Em primeiro lugar, não é verdade que o emitente da fatura não se encontrasse “cessado” na data sua emissão, como o ora Recorrente sustenta na petição inicial. A fatura tem a data de 30/9/2012 e a cessação oficiosa ocorreu em 24/7/2012, com efeitos a 31/12/2011.
Em segundo lugar, a desconsideração do custo faturado não se baseou apenas  no facto de o emitente estar “cessado” na data em que foi emitida a fatura mas também por não existirem provas de pagamento dos serviços nem qualquer documento que comprove que o serviço foi efetivamente prestado (Alínea C) dos Factos Provados).
Contudo, percebe-se o argumento da Recorrente: o facto de não se ter provado que as obras se realizaram, não é o mesmo que dizer que as obras não se realizaram e que a operação é simulada.
Ainda que neste caso a argumentação em torno de uma operação simulada seja excessiva e portanto, nessa parte, não acompanhamos a douta sentença, a verdade é que do ponto de vista do ónus probatório a prova de que o pagamento foi efetuado e que as obras se realizaram cabe à Recorrente, mesmo sem ter sido invocada a “simulação”, como veremos de seguida.
Com efeito, nos termos do art.º 75º LGT
1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.
(...)
Ora a emissão de uma fatura por um sujeito “cessado” oficiosamente e sobretudo a falta de documentos comprovativos do pagamento, revela que a contabilidade não está organizada de acordo com a legislação fiscal e comercial constituindo indícios fundados de que não reflete ou impede o conhecimento da matéria tributável,  fazendo cessar a presunção de veracidade que acompanha as declarações do contribuinte.
Cessando a presunção de veracidade, fica o contribuinte onerado com o encargo de provar os factos relevantes para a fixação matéria colectável nos pontos em que há deficiências nas declarações, contabilidade ou escrita[5]. O que de todo não fez, pelo que, com a presente fundamentação, a sentença não merece qualquer censura e a sentença deverá ser confirmada.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e com a presente fundamentação confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 30 de setembro 2020.

(Mário Rebelo)



(Patrícia Manuel Pires)



(Susana Barreto)


[1] Cfr. Ac do TCAN n.º 00844/09.8BEVIS de 12-04-2018 Relator:  Ana Patrocínio
Sumário:  I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
II - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável.
[2] Assim, o Ac. do TCAN n.º 01324/15.6BEVIS de 07-07-2016
              
[3]A Portaria n.º 321-A/2007, de 26 de março, com as alterações posteriores introduzidas pelas Portarias n.º 1192/2009, de 08 de outubro, n.º 160/2013, de 23 de abril, n.º 274/2013, de 21 de agosto, n.º 302/2016 de 2 de dezembro, estabelece que todos os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que organizem a sua contabilidade com recurso a meios informáticos ficam obrigados a produzir um ficheiro, de acordo com a estrutura de dados divulgada em anexo à portaria e sempre que solicitado pelos serviços de inspeção, no âmbito das suas competências.
Aplica-se, relativamente aos sistemas de faturação, às operações efetuadas a partir do dia 1 de janeiro de 2008 e, relativamente aos sistemas de contabilidade, aos registos correspondentes aos exercícios de 2008 e seguintes.
Todos os programas certificados têm de exportar o ficheiro XML de SAF-T(PT) para efeitos de validação de assinaturas, pelo que os contribuintes de IRC e IRS que utilizem programas certificados são obrigados a exportar o referido ficheiro relativo à faturação.
 O Ficheiro “...SAF-T(PT) (Standard Audit File for Tax Purposes – Portuguese version) é um ficheiro normalizado (em formato XML) com o objetivo de permitir uma exportação fácil, e em qualquer altura, de um conjunto predefinido de registos contabilísticos, de faturação, de documentos de transporte e recibos emitidos, num formato legível e comum, independentemente do programa utilizado, sem afetar a estrutura interna da base de dados do programa ou a sua funcionalidade.
A adoção deste modelo proporciona às empresas uma ferramenta que permite satisfazer os requisitos de fornecimento de informação aos serviços de inspeção, acionistas, auditores internos ou externos e revisores de contas.
O formato normalizado facilita a extração e tratamento da informação, evitando a necessidade de especialização dos auditores nos diversos sistemas, simplificando procedimentos e impulsionando a utilização de novas tecnologias.
O ficheiro SAF-T(PT) destina-se a facilitar a recolha em formato eletrónico dos dados fiscais relevantes por parte dos inspetores/auditores tributários, enquanto suporte das declarações fiscais dos contribuintes e/ou para a análise dos registos contabilísticos ou de outros com relevância fiscal.
[4] Por todos, cfr. ac. do STJ n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1de 15-05-2019 Relator:            RIBEIRO CARDOSO
Sumário:
III – Para que se verifique a nulidade de falta de fundamentação prescrita no art. 615, nº 1, al, b), do CPC, não basta que a justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente. É preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.

[5]  Assim, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária" anotada, 2012, pp. 665.