Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11293/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:08/19/2014
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:ORDEM DOS NUTRICIONISTAS - LICENCIATURA NUTRIÇÃO HUMANA, SOCIAL E ESCOLAR – LEI 51/2010
Sumário:A licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar enquadra-se na habilitação exigida pelo art. 61º n.º 1, al. a), do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas, aprovado pela Lei 51/2010, de 14/12, para inscrição como membro da Ordem dos Nutricionistas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
I - RELATÓRIO
Catarina ……………… (1ª requerente), Cátia …………….. (2ª requerente), Cristina ……………. (3ª requerente), Elisabete ……………. (4ª requerente), Filipa …………….. (5ª requerente), Filipa João …………….. (6ª requerente), Filipa Ottolini …………. (7ª requerente), Joana ……….. (8ª requerente), Liliana ………….. (9ª requerente), Mónica ………….. (10ª requerente), Patrícia …………… (11ª requerente), Raquel …………….. (12ª requerente) e Scheila …………….. (13ª requerente) intentaram no TAF de Castelo Branco processo cautelar contra a Ordem dos Nutricionistas, no qual peticionaram, para além do decretamento provisório ao abrigo do art. 131º n.º 1, do CPTA, a:
a) - suspensão da decisão de indeferimento da inscrição das requerentes como membros titulares da Ordem dos Nutricionistas, e
b) - condenação da entidade requerida a inscrevê-las provisoriamente como membros efectivos da Ordem dos Nutricionistas.

Por despacho de 16.8.2013, e ao abrigo do art. 131º, do CPTA, foi decretada provisoriamente a inscrição das requerentes na Ordem dos Nutricionistas, se a tanto não obstassem outros motivos que não as habilitações académicas de que no requerimento inicial alegavam ser titulares.

Por sentença de 21 de Abril de 2014 do referido tribunal foi:

- julgada procedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir quanto à providência de suspensão da eficácia do indeferimento da inscrição das requerentes como membros efectivos da Ordem dos Nutricionistas e, em consequência, absolvida a entidade requerida da instância quanto a este pedido;

- absolvida a entidade requerida do pedido de inscrição provisória como membro efectivo formulado pela 8ª requerente (Joana ………………);

- julgado procedente o pedido de concessão da providência antecipatória, formulado na alínea b), do petitório do requerimento inicial, quanto às 1ª a 7ª e 9ª a 13ª requerentes e, em consequência, intimada a entidade requerida a manter a inscrição provisória das requerentes enquanto membros efectivos, a qual foi decretada provisoriamente ao abrigo do disposto no art. 131º, do CPTA, até à decisão final a proferir no processo n.º 489/13.8 BECTB.

Inconformadas, a requerente Joana ……………… e a entidade requerida interpuseram recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença na parte em que indeferiu o pedido de inscrição provisória de Joana …………….., como membro efectivo da Ordem dos Nutricionistas, e no segmento em que concedeu a providência cautelar antecipatória, quanto às 1ª a 7ª e 9ª a 13ª requerentes, respectivamente.

Joana ……………….. na alegação apresentada formulou as seguintes conclusões:

«(…)».

E a Ordem dos Nutricionistas na alegação apresentada formulou as seguintes conclusões:

«(…)».

Aquando da admissão dos recursos interpostos foi também proferido despacho sustentando a inexistência de qualquer nulidade na decisão recorrida.

As recorridas, notificadas, apresentaram contra-alegações, onde pugnaram pela improcedência dos recursos.

A DMMP junto deste TCA Sul emitiu parecer, no qual sustenta que o recurso interposto por Joana Margarida Salcedas Prata merece provimento e o recurso interposto pela Ordem dos Nutricionistas deve improceder. A este parecer respondeu a Ordem dos Nutricionistas, reiterando que o recurso por si interposto deve ser julgado procedente e o recurso interposto por Joana Margarida Salcedas Prata deve ser julgado totalmente improcedente.


II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
1) Em 14/7/2008 Catarina Isabel dos Santos Silva Costa concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Viseu) [acordo – cf. artigo 2.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
2) Em 10/1/2008 Cátia Liliana de Almeida Correia concluiu o curso bietápico de Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Almada) [acordo – cf. artigo 4.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
3) Em 14/7/2008 Cristina Maria Gonçalinho Monteiro concluiu o concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Viseu) [acordo – cf. artigo 6.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
4) Em 23/3/2007 Elisabete Maria Pereira Gomes concluiu o curso bietápico de Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Almada) [acordo – cf. artigo 8.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
5) Em 18/2/2008 Filipa Joana de Sousa Amorim concluiu o concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Almada) [acordo – cf. artigo 10.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
6) Em 18/2/2008 Filipa João Guerreiro Pinheiro concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Almada) [acordo – cf. artigo 12.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
7) Em 18/8/2009 Filipa Ottolini Coimbra da Silva Bastos, concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Almada) [acordo – cf. artigo 14.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
8) Em 14/7/2008 Joana Margaria Salcedas Prata concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Viseu) [acordo – cf. artigo 16.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
9) Em 27/10/2008 Liliana Patrícia Pinho Pereira Braz concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Viseu) [acordo – cf. artigo 18.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
10) Em 14/7/2008 Mónica Andreia Correia da Silva Magno concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Viseu) [acordo – cf. artigo 20.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
11) Em 18/8/2008 Patrícia Raquel Morais Gabriel concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Viseu) [acordo – cf. artigo 22.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
12) Em 22/12/2008 Raquel Sofia Ferreira Pinto concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Viseu) [acordo – cf. artigo 24.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
13) Em 16/1/2008 Scheila Cristina Miranda Pagés concluiu o curso de Nutrição Humana, Social e Escolar, com o grau de licenciatura pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (Almada) [acordo – cf. artigo 26.º do requerimento inicial e artigo 1.º da oposição].
14) Catarina Isabel dos Santos Silva Costa trabalha como nutricionista desde Janeiro de 2008.
15) Cátia Liliana de Almeida Correia trabalha como nutricionista desde 22/5/2006. 16) Cristina Maria Gonçalinho Monteiro trabalha como nutricionista desde 6/6/2005.
17) Elisabete Maria Pereira Gomes trabalha como nutricionista desde 22/9/2003.
18) Filipa Joana de Sousa Amorim trabalha como nutricionista desde 6/2/2006.
19) Filipa João Guerreiro Pinheiro trabalha como nutricionista desde 9/5/2005.
20) Filipa Ottolini Coimbra Silva Bastos trabalha como nutricionista desde 16/2/2009.
21) Joana Margarida Salcedas Prata trabalhou como nutricionista entre 8/2/2010 e até 10/2/2013.
22) Liliana Patrícia Pinho Pereira Braz trabalha como nutricionista desde 28/11/2005.
23) Mónica Andreia Correia da Silva Magno trabalha como nutricionista desde 12/2/2007.
24) Patrícia Raquel Morais Gabriel trabalha como nutricionista desde 15/5/2009.
25) Raquel Sofia Ferreira Pinto trabalha como nutricionista desde 1/9/2010.
26) Scheila Cristina Miranda Pagés trabalha como nutricionista desde 12/6/2006.
27) Em Março de 2013 as requerentes solicitaram à requerida a sua inscrição [cf. fls. 1, dos processos administrativos das 3.ª a 9.ª e 11.ª a 13.ª requerentes; cf. fls. 1 a 4, dos processos administrativos da 2.ª e 10.ª requerentes; cf. fls. 1 a 5, do processo administrativo da 1.ª requerente; quanto à data em que os pedidos foram formulados atendeu-se às datas constantes dos carimbos de entradas apostos nos requerimentos, dos quais resulta que os mesmos foram entregues nos dias 21 e 22 de Março de 2013].
28) Em 26/4/2013 a direcção da requerida reuniu e decidiu indeferir os pedidos descritos no ponto anterior invocando que as requerentes «(...) não possuem o Título Académico Habilitante para acesso à profissão de nutricionista, previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Regulamento de Inscrição da Ordem dos Nutricionista.(...)» [cf. ata número 15, cuja cópia se encontra junta a cada um dos processo administrativos das requerentes].
29) A requerida enviou às requerentes um ofício do qual consta o seguinte:
«De acordo com o n.º 1 do artigo 61.º do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas (aprovado pela Lei n.º 51/2010, de 14 de Dezembro) “[p]odem inscrever -se na Ordem: a) Os profissionais que detenham licenciatura nas diferentes áreas das ciências da nutrição e ou dietética, conferida por instituições de ensino superior portuguesas ou por instituições estrangeiras, desde que reconhecidas nos termos da lei” eb) Os profissionais que detenham licenciatura noutros cursos de ensino superior que pelo seu plano de estudos sejam considerados apropriados para o acesso à profissão, mediante portaria do Ministro da Saúde, sob proposta, ou precedendo parecer da Ordem dos Nutricionistas (...)”.
Por outro lado, estabelece o n.º 3 do artigo 2.º do Regulamento de Inscrição (Regulamento n.º 510/2012, publicado na 2.ª Série do Diário da República em 21 de Novembro de 2011) que “[c]onsidera-se título académico habilitante, nos termos do n.º 1 do artigo 61.º do Estatuto: a) Para os nutricionistas, a licenciatura em ciências da nutrição por estabelecimento de ensino superior universitário português que confira 240 ECTS (European Credit Transfer System), nos termos legais; b) Para os dietistas, a licenciatura em Dietética ou licenciatura em Dietética e Nutrição, por estabelecimento de ensino superior politécnico português que confira 240 ECTS (European Credit Transfer System), nos termos legais”.
Deste modo, uma vez que a licenciatura que detém não é em ciências da nutrição ou dietética e não foi reconhecida por portaria do Ministro da Saúde como adequada ao acesso à profissão não reúne os requisitos necessários para inscrição na Ordem dos Nutricionistas, pelo que a Direcção da Ordem dos Nutricionistas deliberou em 26 de Abril de 2013 o indeferimento do pedido de inscrição de V. Exa.
Na medida em que de acordo com o n.º 1 do artigo 60.º dos Estatutos da Ordem “[a] atribuição do título profissional, o seu uso e o exercício da profissão de nutricionista e dietista, em qualquer sector de actividade, dependem da inscrição na Ordem como membro efectivo”, não possuindo V. Exa. os necessários requisitos para inscrição na Ordem dos Nutricionistas, está legalmente impedida de exercer a profissão e de usar o respectivo titulo profissional.» [cf. fls. 19 e 20, dos processo administrativos das 1.ª, 3.ª, 9.ª, 11.ª e 12.ª requerentes; cf. fls. 18 e 19, dos processos administrativos, das 6.ª e 10.ª requerentes; cf. fls. 17 e 18, do processo administrativo da 2.ª requerente; cf. fls. 20 e 21, do processo administrativo, da 4.ª requerente; cf. fls. 22 e 23, do processo administrativo, da 5.ª requerente; cf. fls. 27 e 28, do processo administrativo, da 6.ª requerente; cf. fls. 32 e 33, do processo administrativo, da 7.ª requerente e cf. fls. 23 e 24, do processo administrativo da 13.ª requerente].
30) A requerida não comunicou às requerentes a intenção de indeferir os pedidos descritos em 27) [acordo – cf. artigo 67.º do requerimento inicial e artigos 81.º e 84.º da oposição].
31) A requerida remeteu a profissionais que exercem funções de nutricionistas, a empresas e serviços públicos cartas nas quais adverte que o exercício da profissão de nutricionista depende de inscrição, insta à inscrição e adverte que se a mesma não se verificar denunciará a situação ao Ministério Público para fins de investigação criminal por exercício ilegal de profissão [acordo – facto pessoal da requerida alegado pelas requerentes nos artigos 87.º e 88.º do requerimento inicial, o qual não foi posto em causa pela requerida e é corroborado pelos documentos n.º 122 e 123, do requerimento inicial, juntos a fls. 285 a 287, dos autos em suporte de papel].
32) Em 31/7/2013 as requerentes remeteram a este tribunal, através de correio electrónico, o requerimento inicial do presente processo cautelar, o qual consta de fls. 4 a 34, dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual formularam o seguinte pedido:
«(...)

33) Em 11/9/2013 as requerentes remeteram a este tribunal, através de correio electrónico uma petição inicial, a qual foi autuada com o n.º 489/13.8BECTB, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual formulam o seguinte pedido:

«(...)

(...)» [cf. documento composto por 30 (trinta) páginas, por mim numeradas e rubricadas, extraído do SITAF, o qual deve ser junto aos presentes autos nos termos do artigo 514.º, n.º 2, do CPC61, aplicável ex vi artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 41/2013, de 26/6].

*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas pela recorrente Joana Margarida Salcedas Prata resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida:

- é nula, por falta fundamentação;

- incorreu em erro ao não ter dado como provado que a mesma exerce a profissão de nutricionista;

- enferma de erro ao ter julgado improcedente o pedido cautelar de condenação da entidade requerida a inscrevê-la provisoriamente como membro efectivo da Ordem dos Nutricionistas (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

A questão suscitada pela recorrente Ordem dos Nutricionistas resume-se, em síntese, em determinar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter intimado a mesma a manter a inscrição provisória das 1ª a 7ª e 9ª a 13ª requerentes enquanto membros efectivos, a qual foi decretada provisoriamente ao abrigo do disposto no art. 131º, do CPTA (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à apreciação da questão respeitante à invocada nulidade da decisão recorrida

A recorrente Joana Margarida Salcedas Prata argumenta que a decisão ora sindicada é nula por omissão dos concretos motivos pelos quais se entendeu não estar provado relativamente à mesma o exercício da profissão de nutricionista.

Apreciando.

A presente arguição improcede, desde logo, face à constatação de que na sentença recorrida foram indicadas os meios de prova – documentos n.ºs 34 e 105 a 107 – em que o tribunal baseou a sua convicção, bem como as ilações que deles retirou, para dar como provado o facto 21 [“Joana Margarida Salcedas Prata trabalhou como nutricionista entre 8/2/2010 e até 10/2/2013”] e como não provado o facto B) [“Joana Margarida Salcedas Prata trabalhava como nutricionista quando apresentou o requerimento inicial do presente processo cautelar”].

Com efeito, escreveu-se a este propósito na decisão recorrida - cfr. fls. 813, dos autos - o seguinte:

Quanto ao facto descrito no ponto 21) e ponto B) a convicção do tribunal assentou nos documentos n.ºs 105 a 107, do requerimento inicial.

O documento n.º 105, do requerimento inicial, consiste num contrato de trabalho a termo certo celebrado em 8/2/2010 entre a oitava requerente e a NUTRICONCEPT, Comércio de Produtos Naturais, SA, pelo qual aquela se comprometia a exercer as funções de nutricionista, resultando dos documentos n.ºs 106 e 107, do requerimento inicial, que o mesmo foi renovado pelo menos duas vezes encontrando-se o seu termo fixado em 10/2/2013 [cf. fls. 251, dos auto em suporte de papel], nada tendo sido provado que permita concluir que após esta data a oitava requerente tenha continuado a trabalhar como nutricionista.

Aliás, a própria requerente no Curriculum Vitae, junto como documento n.º 34, do requerimento inicial [cf. fls. 103 a 104, dos autos em suporte de papel], indicou que trabalhou para a NUTRICONCEPT entre Fevereiro de 2010 e Fevereiro de 2013.”.


Nestes termos e sem necessidade de mais considerações, tem de improceder a arguição de nulidade da decisão recorrida.

Passando à apreciação da questão respeitante ao alegado erro da decisão de facto

A recorrente Joana Margarida Salcedas Prata considera que deverá ser incluído, nos factos assentes, por estar provado pelos documentos n.ºs 34, 105, 106 e 107, o seguinte facto: a mesma exerce a profissão de nutricionista.

Apreciando.

Na decisão recorrida foi dado como não provado o facto B, o qual tem a seguinte redacção: Joana Margarida Salcedas Prata trabalhava como nutricionista quando apresentou o requerimento inicial do presente processo cautelar (o qual foi apresentado em 31 de Julho de 2013 – cfr. facto dado como provado sob o n.º 32).

Do teor da alegação da recorrente Joana Margarida Salcedas Prata decorre, portanto, que esta considera que tal facto B deve ser dado como provado, isto é, a mesma invoca a existência de erro na decisão sobre a matéria de facto, argumentando que a prova desse facto resulta dos documentos que juntou, concretamente do Curriculum Vitae (documento n.º 34), do contrato de trabalho celebrado com a Nutriconcept (documento n.º 105) e dos dois aditamentos ao mesmo (documentos n.ºs 106 e 107), salientando que é ao abrigo desse contrato que exerce as funções de nutricionista.

Na decisão recorrida - cfr. fls. 813, dos autos – considerou-se como não provado o mencionado facto B com base na seguinte fundamentação:

O documento n.º 105, do requerimento inicial, consiste num contrato de trabalho a termo certo celebrado em 8/2/2010 entre a oitava requerente e a NUTRICONCEPT, Comércio de Produtos Naturais, SA, pelo qual aquela se comprometia a exercer as funções de nutricionista, resultando dos documentos n.ºs 106 e 107, do requerimento inicial, que o mesmo foi renovado pelo menos duas vezes encontrando-se o seu termo fixado em 10/2/2013 [cf. fls. 251, dos auto em suporte de papel], nada tendo sido provado que permita concluir que após esta data a oitava requerente tenha continuado a trabalhar como nutricionista.

Aliás, a própria requerente no Curriculum Vitae, junto como documento n.º 34, do requerimento inicial [cf. fls. 103 a 104, dos autos em suporte de papel], indicou que trabalhou para a NUTRICONCEPT entre Fevereiro de 2010 e Fevereiro de 2013.” (sublinhados nossos).

Do exposto resulta que no juízo efectuado quanto ao facto B (considerado como não provado) foram ponderados todos os meios de prova indicados pela recorrente Joana Margarida Salcedas Prata – documentos n.ºs 34 e 105 a 107.

Além disso, desse juízo também decorre que toda a prova que resulta desses documentos contraria o mencionado facto B, ou seja, este facto não foi dado como não provado por falta de prova ou por existir uma situação de dúvida, mas porque toda a prova produzida o contrariava: no documento n.º 34 (Curriculum Vitae) a própria recorrente Joana Margarida Salcedas Prata refere que desde Fevereiro de 2013 não trabalha para a Nutriconcept, o que está em consonância com o teor do documento n.º 105 - contrato de trabalho a termo certo celebrado em 8/2/2010 entre esta recorrente e a Nutriconcept, Comércio de Produtos Naturais, SA, pelo qual aquela se comprometia a exercer as funções de nutricionista - e dos documentos n.ºs 106 e 107 – renovações desse contrato de trabalho, encontrando-se o seu termo fixado em 10 de Fevereiro de 2013.


Ora, estas ilações, retiradas dos documentos n.ºs 34 e 105 e 107, mostram-se correctas, face ao teor desses documentos, razão pela qual tem de improceder a pretensão da recorrente Joana Margarida Salcedas Prata no sentido do citado facto B ser dado como provado.

Cumpre apenas acrescentar, e no que respeita à alegação feita pela recorrente Joana Margarida Salcedas Prata de que não se compreende que o tribunal recorrido tenha indeferido a prova testemunhal, dando depois como não provado o exercício da profissão, que tal alegação não é, de forma manifesta, aceitável, pois:
- o referido facto B, e como acima explicitado, não foi dado como não provado por existir uma situação de dúvida, mas porque toda a prova produzida o contrariava;
- o requerimento de admissão de prova testemunhal (sobre o exercício da actividade de nutricionista) foi indeferido por extemporaneidade – já que deduzido em momento posterior à apresentação do requerimento inicial - e não por desnecessidade da prova testemunhal;
- Joana Margarida Salcedas Prata não recorreu desse despacho de indeferimento.

Nestes termos, improcede a invocação de erro da decisão da matéria de facto.

Passando à análise da questão relativa ao erro de julgamento da decisão recorrida alegado pela recorrente Joana Margarida Salcedas Prata

A recorrente Joana Margarida Salcedas Prata defende que a decisão ora sindicada é ilegal por violação das als. a) e c) [por lapso é referida a al. b)] do n.º 1 do art. 120º, do CPTA, por entender que se encontram preenchidos os requisitos para o decretamento da providência que requereu.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida, no segmento em que julgou improcedente o pedido cautelar de condenação da entidade requerida a inscrever provisoriamente a recorrente Joana Margarida Salcedas Prata como membro efectivo.

Do disposto no art. 120º n.ºs 1, als. a) e c), e 2, do CPTA, infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares antecipatórias (como é o caso, dado que se pretende alterar a situação existente, antecipando uma posição jurídica que não se detinha anteriormente – inscrição como membro efectivo da entidade requerida -, isto é, pretende-se antecipar, a título provisório, o resultado favorável visado na acção principal):
1) A evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal (art. 120º n.º 1, al. a), do CPTA); ou
2) a) “Periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120º n.º 1, al. c), 1ª parte, do CPTA);
b) “Fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º n.º 1, al. c), 2ª parte, do CPTA), e
c) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120º n.º 2, do CPTA).

Assim, e desde logo, cumpre apreciar se é correcta a conclusão a que se chegou na decisão recorrida no sentido de que a situação em análise não se subsume na al. a) do n.º 1 do art. 120º, do CPTA.

Para haver uma situação enquadrável nessa al. a) é necessário que seja evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal.

Conforme explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, págs. 602-603, “(…) a alínea a) do n.º 1, pese embora a sua colocação sistemática, não impõe requisitos de cujo preenchimento dependa, em circunstâncias normais, a concessão das providências, mas, pelo contrário, visa permitir que, em situações excepcionais, as providências sejam atribuídas sem necessidade da verificação desses requisitos. O n.º 1, alínea a), contém, assim, uma norma derrogatória, para situações excepcionais, do regime de que depende a concessão das providências em circunstâncias de normalidade. (…)
É, pois, necessária, nesta matéria, uma grande contenção da parte do juiz: como é evidente, se essa contenção faltar e o juiz despender esforços desproporcionados para esgotar, em sede cautelar, a apreciação das questões atinentes ao fundo da causa, ele tenderá a ser conduzido com maior (e indesejável) frequência à aplicação do n.º 1, alínea a). Na verdade, na generalidade dos casos, a solução a dar a qualquer questão jurídica torna-se evidente após uma análise exaustiva. Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações” (sombreados e sublinhados nossos).

Os tribunais superiores têm-se pronunciando reiteradamente neste mesmo sentido – cfr., entre outros, Acs. do STA de 14.6.2007, proc. n.º 420/07, 24.9.2009, proc. n.º 821/09 [(…) só muito raramente estes meios cautelares mostram de imediato o destino das acções principais. As hipóteses extremas de, logo no processo de suspensão de eficácia, se ver que o acto é ilegal ou legal são invulgares, sendo os casos resolvidos, na sua maioria, pela análise dos interesses em presença e pela sua recíproca ponderação. Com efeito, a ilegalidade do acto só é «evidente» se algum dos vícios arguidos contra o acto for manifesto, indubitável, claro num primeiro olhar. «Evidente» é o que se capta e constata «de visu», sem a mediação necessária de um discurso argumentativo cuja disposição metódica permitirá o conhecimento, «in fine», do que se desconhecia «in initio». Porque as evidências não se demonstram, nunca é evidente a ilegalidade do acto fundada em vícios cuja apreciação implique demonstrações, ou seja, raciocínios complexos através dos quais se transite de um inicial estado de dúvida para a certeza de que o vício afinal existe.], 18.3.2010, proc. n.º 105/10, e 20.3.2014, proc. n.º 148/14 [“I - As situações a enquadrar no art. 120º, nº 1, alínea a), do CPTA, designadamente no conceito de acto “manifestamente ilegal” não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações], Acs. deste TCA de 9.2.2006, proc. n.º 1349/06 [IV – O que é evidente não necessita de ser explicado nem indagado: sempre que haja necessidade de explicar a bondade da pretensão do requerente, indagando factos ou o direito, não se pode ter a respectiva procedência por evidente, para efeitos do disposto na al. a), do n.º 1 do artº 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], 14.6.2007, proc. n.º 2604/07, 30.11.2011, proc. n.º 8023/11 [“II - Para efeitos do disposto na al. a) do nº 1 do art. 120º do C.P.T.A., a ilegalidade de um acto só é evidente quando for manifesta, indubitável, ou “constatável a olho nu”, sem a mediação de qualquer discurso argumentativo”], e 24.10.2013, proc. n.º 10438/13 [“2. A qualidade de cognição exigida pelo artº 120º nº 1 a) CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão “evidente procedência da pretensão formulada” mede-se pelo carácter incontroverso (que não admita dúvida), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar”], e Acs. do TCA Norte de 11.12.2008, proc. n.º 01038/08.5 BEBRG [II – A evidência prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 120º do CPTA (…), não é uma evidência resultante de demonstração, antes constatável a olho nu, de tal forma que o mero juízo célere e sumário do julgador cautelar possa levar a uma certeza com evidentes repercussões no julgamento da causa principal;], e 25.1.2013, proc. n.º 2253/10.7BEBRG-A [“I. O juízo de «evidência» inserto na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA é tributário duma ideia de clareza e de caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações enunciadas naquela alínea (…) II. Tratam-se, pois, de situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela ou afirma no caso como patente, notório, visível e com grande grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva e grosseira da ilegalidade cometida. III. Estamos, nessa medida, em presença de critério excecional que abrange apenas as situações em que é mais do que provável que a pretensão do requerente venha a ser julgada procedente (…)”].

Do exposto resulta que só se pode considerar que a procedência da acção principal é evidente se tal conclusão resultar duma apreciação sumária e célere dos normativos aplicáveis, isto é, se for detectável pela simples leitura e interpretação elementar desses normativos, não existindo margem de discussão, ou seja, tal procedência terá de ser constatada e não demonstrada, pois se tiver de ser demonstrada já não será evidente.

A este propósito escreveu-se o seguinte na decisão recorrida:
«Retomando o caso vertente verifica-se que as requerentes sustentam a ilegalidade da actuação da requerida nos vícios que alegam nos artigos 59.º a 78.º, do requerimento inicial, os quais podem ser sintetizados do seguinte modo:
1. preterição do direito de audiência prévia;
2. ilegalidade do artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do Regulamento de Inscrição, por restringir o alcance do artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas e
3. nulidade por ofensa de atribuições do Governo.
Por seu turno, a requerida, nos artigos 81.º a 172.º, da oposição, pugna pela legalidade da sua actuação, alegando que:
1. deve ser reconhecida eficácia não invalidante à preterição do direito de audiência prévia;
2. ao contrário do que defendem as requerentes, a decisão de indeferimento não se fundou no artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do Regulamento de Inscrição, mas sim no artigo 61.º do EON, o qual é uma norma legal, da qual resulta que o curso que as requerentes possuem (Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar pela Escola Jean Piaget) não corresponde ao curso de Licenciatura em Ciências da Nutrição, nem foi considerado apropriado para o acesso à profissão mediante portaria do Ministro da Saúde e
3. não ofendeu as atribuições do Governo, pois limitou-se a apreciar e analisar os pressupostos de que depende a inscrição, o que é da sua competência exclusiva.
Basta atentar nas posições esgrimidas pelas partes para se considerar que a procedência da pretensão formulada no processo principal não é evidente.
Com efeito, quanto à alegada preterição do direito de audiência prévia, o tribunal teria que ponderar se, como defende a requerida, por se tratar de uma actuação no exercício de poderes estritamente vinculados, não lhe deverá ser reconhecida eficácia invalidante.
Por outro lado, o processo principal reconduz-se a uma acção de condenação à prática de acto devido, pelo que, mesmo que se considerasse que a preterição do direito de audiência prévia é evidente, não se poderia concluir pela evidente procedência do pedido formulado na acção principal, uma vez que, nos termos do 66.º, n.º 2, do CPTA o objecto desta acção é o direito das requerentes a serem inscritas como membros efectivos da requerida, o que, em face das posições assumidas pelas partes, afigura-se uma tarefa que exige um grande labor hermenêutico e de subsunção dos factos às normas.
Com efeito, o dissenso entre as partes centra-se exactamente na interpretação a dar às normas contidas no artigo 61.º, n.º 1, do EON [publicado em anexo à Lei n.º 51/2010, de 14 de Dezembro] e nos artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Inscrição [publicado no Diário da República, 2.ª Série, 27/12/2012].
Ora, a tarefa hermenêutica que o tribunal terá que empreender, para decidir sobre a procedência dos vícios supra descritos nos pontos 2. e 3. implica, por um lado, convocar o regime constitucional quanto à hierarquia das fontes normativas, pois, a apreciação dos argumentos esgrimidos pela requerente exige que o tribunal verifique se o Regulamento de Inscrição, enquanto diploma regulamentar, extravasa os limites da lei habilitante.
Por outro lado, tal tarefa implica convocar um conjunto de diplomas que auxiliam a tarefa interpretativa, nomeadamente, o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior [Decreto-Lei 74/2006, de 24/3], a Lei de Bases do Sistema Educativo [Lei n.º 46/86, de 14/10], o Regime das Associações Públicas Profissionais [Lei n.º 6/2008, de 13/2, em vigor à data da aprovação do EON e Lei n.º 2/2013, de 10/1], o plano de estudos e estrutura curricular da licenciatura em Ciências da Nutrição ministrada pela Universidade Fernando Pessoa [cf. aviso n.º 22378/2008, publicado do Diário da República, 2.ª Série, de 22/8, o qual se manteve em vigor até ao Despacho n.º 12162/20013, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 24/9], e da licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar, ministrado pela Escola Superior de Educação Jean Piaget [Despacho n.º 14168/2008, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 20/5 – núcleo de Almada – e Anúncio 3899/2008, Diário da República, 2.ª Série, de 6/6 – núcleo de Viseu].
Ora, basta atender ao complexo normativo pertinente e comparar as posições das partes, esgrimidas no presente processo, para concluir que a tarefa hermenêutica que o tribunal teria que empreender para concluir pela procedência dos vícios arguidos pelas requerentes não é fácil, antes implicando um grande labor.
Do exposto decorre que só através de uma laboriosa indagação em termos de direito se pode apurar se as requerentes têm direito a ser inscritas como membros efectivos da requerida.
Conclui-se, assim, que não se verifica o critério de concessão da providência previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.».

Esta última afirmação contida na decisão recorrida (não verificação do requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 120º, do CPTA) mostra-se correcta, pois, conforme aí se explicitou:
- quanto à alegada falta da audiência prévia, tem de ser ponderada a aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, por estar em causa o exercício de poderes vinculados;
- relativamente às restantes ilegalidades alegadas, os normativos invocados pela recorrente Joana Margarida Salcedas Prata convocam o regime constitucional quanto à hierarquia das fontes normativas, bem como um conjunto de diplomas que auxiliam a tarefa interpretativa – isto é, tais ilegalidades não são facilmente detectáveis pela simples leitura e interpretação elementar dos normativos em causa -,
ou dito por outras palavras, e tal como se escreveu no trecho ora transcrito, “a tarefa hermenêutica que o tribunal teria que empreender para concluir pela procedência dos vícios arguidos pelas requerentes não é fácil, antes implicando um grande labor”.

Nestes termos, verifica-se que não é ostensiva, nem patente a procedência da acção principal, pois só através designadamente de uma laboriosa indagação em termos de direito se pode apurar se a mesma procede, o que é suficiente para se concluir que a sua procedência não é palmar, nem manifesta, antes exigindo uma cuidada análise, ou seja, que não se verifica o critério de concessão da providência previsto na al. a) do n.º 1 do art. 120º, do CPTA.

Esta conclusão não é posta em causa pela alegação da recorrente Joana Margarida Salcedas Prata de que no Ac. do STA de 14.2.2013, proc. n.º 134/12, foi declarado nulo um acto análogo, pois o acto analisado nesse Ac. do STA não é idêntico ou análogo ao acto de indeferimento do pedido de inscrição de Joana Margarida Salcedas Prata na Ordem dos Nutricionistas.

Efectivamente, nesse acórdão do STA foi declarado nulo o acto praticado pela Ordem dos Arquitectos (que rejeitou a possibilidade de inscrição nessa Ordem de titulares de licenciaturas em arquitectura) por se ter considerado que a mesma extravasou as suas atribuições, previstas no art. 3º, al. b), do Estatuto da Ordem dos Arquitectos, ao arrogar-se o poder de não reconhecer licenciaturas em arquitectura que foram reconhecidas pelo Governo.

Ora, o acto de indeferimento praticado pela Ordem dos Nutricionistas baseou-se em normas e razões - a licenciatura de que a recorrente Joana Margarida Salcedas Prata é detentora não se enquadra na habilitação exigida no art. 61º n.º 1, al. a), do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas, e no art. 2º n.º 3, al. a), do Regulamento de Inscrição da Ordem dos Nutricionistas - distintas do acto apreciado nesse Ac. do STA de 14.2.2013, razão pela qual não pode ser considerado como idêntico ou análogo ao mesmo.

Finalmente cumpre salientar que não tem qualquer relevo nesta sede o facto de, ao abrigo do art. 131º, do CPTA, ter sido determinada a inscrição provisória da recorrente Joana Margarida Salcedas Prata (cfr. decisão de fls. 343, dos autos), pois a decisão proferida nesse incidente, e para além de ter critérios distintos de deferimento, não vincula os termos da decisão final a proferir no processo cautelar.

Assim sendo, a decisão ora sindicada não enferma de erro de julgamento quando considerou que não se verificava o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art. 120º, do CPTA.

Como decorre do supra exposto, a providência requerida também pode ser decretada se se verificarem as condições acima enunciadas sob o ponto 2), alíneas a) a c) [“Periculum in mora”, “fumus boni iuris” e ponderação de todos os interesses, respectivamente], entendendo a recorrente Joana Margarida Salcedas Prata que tais condições se encontram preenchidas.

A decisão recorrida concluiu no sentido da não verificação do requisito relativo ao periculum in mora relativamente à recorrente Joana Margarida Salcedas Prata e, em consequência (ou seja, sem necessidade de averiguação dos restantes requisitos, por os mesmos serem de verificação cumulativa), julgou improcedente o pedido de inscrição provisória da mesma como membro efectivo da Ordem dos Nutricionistas.

Vejamos do acerto da decisão recorrida nesta parte.

A este propósito escreveu-se na sentença recorrida o seguinte: “Em relação à 8ª requerente não se provou que esteja actualmente a exercer a profissão de nutricionista, pelo que, em relação a esta, o pedido deverá ser julgado improcedente por falta de verificação do periculum in mora”.

Joana Margarida Salcedas Prata considera que se deverá dar como verificado tal requisito em consequência da alteração da decisão de facto.

Como decorre do acima exposto, improcede a pretensão desta recorrente no sentido de se alterar a sentença recorrida na parte em que deu como não provado o facto B (Joana Margarida Salcedas Prata trabalhava como nutricionista quando apresentou o requerimento inicial do presente processo cautelar).

Ora, a improcedência desta pretensão de alteração da decisão de facto implica a falta de verificação do requisito relativo ao “Periculum in mora”, já que o preenchimento deste requisito tinha como pressuposto a procedência daquele pretensão.


Do exposto resulta que a decisão recorrida não enferma de erro de julgamento quando considerou que não se encontrava demonstrado o requisito relativo ao “Periculum in mora” em relação à recorrente Joana Margarida Salcedas Prata.

Conclui-se, assim, que não se verifica qualquer das condições gerais de procedência da providência cautelar antecipatória requerida pela recorrente Joana Margarida Salcedas Prata e acima descritas sob os n.ºs 1) [art. 120º n.º 1, al. a), do CPTA] e 2) [concretamente a al. a) – art. 120º n.º 1, al. c), 1ª parte, do CPTA -, não sendo necessário apreciar as restantes condições, previstas nas als. b) e c), já que as mesmas são de verificação cumulativa], razão pela qual também nesta parte deverá ser julgado improcedente o recurso jurisdicional interposto pela mesma.


Passando à análise da questão relativa ao erro de julgamento da decisão recorrida alegado pela recorrente Ordem dos Nutricionistas

A recorrente Ordem dos Nutricionistas defende que a decisão ora sindicada é ilegal por violação do art. 120º n.º 1, al. c), do CPTA, pois entende que não se encontra preenchido o requisito relativo ao “Fumus boni iuris”, isto é, que não é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida, no segmento em que considerou que se encontrava preenchido o requisito relativo ao “Fumus boni iuris”, previsto na al. c) do n.º 1 do art. 120º, do CPTA, para a concessão da providência antecipatória requerida, em relação às 1ª a 7ª e 9ª a 13ª requerentes, ora recorridas, e, em consequência [e face à constatação da verificação cumulativa dos requisitos relativos ao “Periculum in mora” e à ponderação de todos os interesses], intimou a Ordem dos Nutricionistas a manter a inscrição provisória dessas requerentes enquanto membros efectivos, a qual foi decretada provisoriamente ao abrigo do disposto no art. 131º, do CPTA.

Na decisão recorrida escreveu-se a este propósito o seguinte:
«Para que a providência seja concedida é, ainda, necessário que seja provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
O processo principal tem por objecto o direito das requerentes a serem inscritas como membros efectivos da requerida – cf. ponto 33), dos factos provados, conjugado com o artigo 66.º, n.º 2, do CPTA.
A requerida foi criada pela Lei n.º 51/2010, de 14/12 [cf. artigo 1.º], abrangendo os profissionais licenciados na área das ciências da nutrição e ou dietética que, em conformidade com o respectivo estatuto e disposições legais aplicáveis, exercem a função de nutricionista ou dietista.
Quando a Lei n.º 51/2010, de 14/12, foi criada encontrava-se em vigor o Regime das Associações Públicas Profissionais, aprovado pela Lei n.º 6/2008, de 13/2, o qual dispunha no seu artigo 4.º, n.º 4, que as referidas associações não podem deliberar sobre os requisitos e as restrições ao exercício da profissão. Esta regra encontra-se hoje consagrada no artigo 5.º, n.º 3, da Lei n.º 2/2013, de 10/1, a qual aprovou o novo Regime de Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais.
Com efeito, a liberdade de escolha de profissão, na sua dimensão de liberdade de acesso a uma actividade profissional, é um direito constitucionalmente consagrado [cf. artigo 41.º Por lapso refere-se art. 41º quando se pretendia dizer art. 4., n.º 1, da CRP], o qual, atenta a relevância social de uma dada profissão, pode ser objecto de condicionalismos, os quais, em função do disposto nos artigos 18.º, n.º 3, conjugado com a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, devem estar previstos em lei da Assembleia da República ou decreto-lei aprovado no âmbito de uma lei de autorização.
Assim, a disciplina dos condicionalismos de acesso a uma actividade profissional está excluída dos poderes regulamentares das associações públicas, sob pena das normas regulamentares violarem a reserva de lei prevista no artigo 165.º, n.º 1, a alínea b).
Dispõe o artigo 61.º do EON, aprovado em anexo à Lei n.º 51/2010, de 14/12, que:
«1 - Podem inscrever -se na Ordem:
a) Os profissionais que detenham licenciatura nas diferentes áreas das ciências da nutrição e ou dietética, conferida por instituições de ensino superior portuguesas ou por instituições estrangeiras, desde que reconhecidas nos termos da lei;
b) Os profissionais que detenham licenciatura noutros cursos de ensino superior que pelo seu plano de estudos sejam considerados apropriados para o acesso à profissão, mediante portaria do Ministro da Saúde, sob proposta, ou precedendo parecer da Ordem dos Nutricionistas; (...)».
A divergência entre as partes centra-se na interpretação na alínea a) do artigo ora transcrito.
As requerentes entendem que a licenciatura que possuem em Nutrição Humana, Social e Escolar, concedida pela Escola Superior de Educação Jean Piaget, é uma licenciatura na área das ciências da nutrição, pelo que se encontra preenchida a previsão normativa do artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do EON.
Por seu turno, a requerida entende que a referida previsão normativa não se encontra preenchida porque o legislador não pretendeu que qualquer licenciado em curso com a designação de “nutrição” pudesse inscrever-se e exercer a profissão querendo antes restringir tal possibilidade aos licenciados em “ciências da nutrição” e o curso que as requerentes possuem não corresponde ao curso de licenciatura em ciências da nutrição.
A requerida sustenta a sua posição nos seguintes argumentos:
1. a Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar apenas confere 180ECTS e o Regulamento de Inscrição exige pelo menos 40 Por lapso refere-se 40 ECTS quando se pretendia dizer 240 ECTS.ECTS [cf. artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do regulamento de inscrição];
2. a Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar é ministrada num estabelecimento de ensino superior politécnico (Escola Jean Piaget) e o Regulamento de Inscrição exige que para o acesso à profissão de nutricionista a licenciatura seja ministrada por estabelecimento de ensino superior universitário [cf. artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do regulamento de inscrição] e
3. a estrutura curricular da Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar padece de défices, pois é direccionada para uma área específica da nutrição, pelo que não fornece uma parte de formação muito relevante, o que impede os seus detentores de praticar a profissão de nutricionista.
As alegações contidas nos artigos 120.º, 121.º, 124.º, 147.º a 153.º, 158.º, 168.º e 169.º, da oposição, irrelevam, pois saber se o curso que as requerentes detêm é, ou não, uma licenciatura na área das ciências da nutrição, para efeitos do artigo 61.º, n.º 1, aliena a), do EON, envolve uma tarefa de hermenêutica jurídica, para a qual as condutas da Escola Superior de Educação Jean Piaget ou das requerentes não trazem qualquer contributo.
Os argumentos esgrimidos pela requerida não são, contudo, de acolher, pelos motivos que sinteticamente se passam a expor.
1.
Antes de mais refira que o argumento descrito supra no ponto 1. padece de um vício lógico, uma vez que a requerida utiliza uma norma regulamentar como padrão de interpretação de uma norma legal, o que subverte a hierarquia das fontes de direito.
Efectivamente, a norma regulamentar está sujeita à precedência de lei, pelo que é a norma legal que serve de parâmetro à interpretação da norma regulamentar e não o inverso. A lei exige como requisito de acesso à Ordem dos Nutricionistas uma licenciatura na área das ciências da nutrição [cf. artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do EON].
O artigo 9.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior [cf. Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24/3] determina que:
«No ensino universitário, o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado tem 180 a 240 créditos e uma duração normal compreendida entre seis e oito semestres curriculares de trabalho dos alunos.».
Por outro lado, o artigo 8.º do referido regime dispõe que:
«1 – No ensino politécnico, o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado tem 180 créditos e uma duração normal de seis semestres curriculares de trabalho dos alunos.
2 – Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos em que seja indispensável, para o acesso ao exercício de determinada actividade profissional, uma formação de até 240 créditos, com uma duração normal de até sete ou oito semestres curriculares de trabalho, em consequência de normas jurídicas expressas, nacionais ou da União Europeia, ou de uma prática consolidada em instituições de referência de ensino superior do espaço europeu. (...)» (sublinhado nosso).
Ora, o legislador não exige para o acesso à profissão de nutricionistas que o ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado possua 240 créditos.
Efectivamente, o legislador exige apenas uma licenciatura na área das ciências da nutrição [cf. artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do EON], a qual é concedida quando ciclo de estudos possua no mínimo 180 créditos [cf. artigos 8.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior].
Deste modo, o artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionistas [cf. regulamento n.º 510/2012, publicado na 2.ª Série do Diário da República, de 27/12/2012] – ao exigir que a licenciatura corresponda a um ciclo de estudos que confira 240 créditos – estabelece um condicionalismo ao acesso à associação profissional que não encontra suporte na lei.
2.
O raciocínio ora exposto é aplicável mutatis mutandis ao argumento esgrimido pela requerida supra descrito no ponto 2.
O legislador embora reconheça diferenças entre o ensino superior politécnico e o ensino superior universitário [cf. artigo 11.º, n.º 3 e n.º 4, da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14/10] não distingue, para efeitos de inscrição ma Ordem dos Nutricionistas, conforme o grau de licenciado seja conferido por um estabelecimento integrado no ensino politécnico ou por estabelecimento integrado no ensino superior.
Com efeito, no artigo 14.º, n.º 3, da Lei de Bases do Sistema Educativo, determina que o «O grau de licenciado é conferido nos ensinos universitário e politécnico».
O artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do EON, não exige que o grau de licenciado seja concedido por um estabelecimento de ensino superior universitário, pelo que o artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionistas, ao prever esta exigência, consagra um condicionalismo ilegal ao acesso à associação profissional.
3.
Finalmente, alega a requerida que a formação ministrada pela Escola Superior de Educação Jean Piaget, no curso de licenciatura detido pelas requerentes, padece de défices, pois é vocacionada e orientada para um ambiente escolar que não se prende com a prestação de serviços de saúde.
Este argumento só se compreende por uma deficiente interpretação do artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do EON.
Com efeito, a tese da requerida sustenta-se no entendimento de que o artigo 61.º, n.º 1, alínea a), exige uma licenciatura em ciências da nutrição (cf., exemplificativamente, os artigos 108.º 106.º 111.º 163.º 166.º, da oposição).
Porém, a referida norma refere-se à “licenciatura nas diferentes áreas das ciências da nutrição”, não exigindo que a licenciatura se vocacione para a prestação de cuidados de saúde.
Ora, a própria requerida admite que a licenciatura que as requerentes detêm é direccionada para uma área específica da nutrição [cf. artigo 146.º da oposição].
Por outro lado, analisada a estrutura curricular e plano de estudo do curso de Nutrição Humana, Social e Escolar ministrado pela Escola Superior de Educação Jean Piaget (núcleos de Viseu e Almada) verifica-se que da mesma fazem parte disciplinas relativas às áreas da ciência da saúde e biologia, muitas delas comuns ao curso de ciências da nutrição ministrado pela Universidade Fernando Pessoa, por exemplo, “Anatomofisiologia”, “Química Geral”, “Microbiologia”, “Imunologia”, “Genética” – cf. Anúncio n.º 3899/2008, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 6/6 (Escola Superior Jean Piaget Viseu); cf. Despacho n.º 5165/2007, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 16/3 (Escola Superior Jean Piaget Almada) e Aviso n.º 22378/2008, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 22/8 (Universidade Fernando Pessoa), o qual vigorou até ao ano lectivo de 2013, tendo sido alterado pelo Despacho n.º 12162/2013, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 24/9.
Finalmente refira-se que a interpretação exposta não é posta em causa pelo artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do EON.
Defende a requerida que fazer incluir na alínea a), da referida norma, a Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar implicaria esvaziar o âmbito de aplicação da alínea b) da mesma norma.
Porém, a requerida carece de razão.
Com efeito, todas as licenciaturas em áreas da ciência da nutrição estão abrangidas pela alínea a), caindo no âmbito da alínea b) aquelas licenciaturas que não são especificamente em áreas da ciência da nutrição, mas que pela sua natureza podem ser consideradas apropriadas para o exercício da profissão, pense-se por exemplo na licenciatura em medicina.
Do exposto decorre que a Licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar deve ser considerada como uma licenciatura nas diferentes áreas das ciências da nutrição, para efeitos do artigo 61.º, n.º 1, alínea a), do EON.
Ora, provou-se que as 1.ª a 7.ª e 9.ª a 13.ª requerentes possuem esta licenciatura, pelo que se encontra preenchida a condição de acesso à Ordem dos Nutricionistas prevista na referida norma.
Por outro lado, o 3.º, n.º 1, do Regulamento de Inscrição, estabelece que “Até 28 de Abril de 2013 são inscritos como membros efectivos aqueles que (...) comprovem o exercício da actividade profissional durante um período mínimo de 12 meses».
As referidas requerentes requereram a inscrição na Ordem dos Nutricionistas até 28 de Abril de 2013 e provaram o exercício da profissão de nutricionista pelo referido período mínimo – cf. pontos 14) a 20) e 22) a 26) e 27), dos factos provados.
Pelo exposto, conclui-se que é provável a procedência do pedido que as requerentes formularam na acção principal.».

A recorrente Ordem dos Nutricionistas ataca a decisão recorrida no segmento em que esta considerou que a licenciatura detida pelas recorridas (em Nutrição Humana, Social e Escolar) se enquadra na habilitação exigida pelo art. 61º n.º 1, al. a), do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas (EON) – aprovado pela Lei 51/2010, de 14/12 -, já que na sua perspectiva apenas as licenciaturas em Ciências da Nutrição e em Dietética preenchem tal desiderato.

Desde já se adianta que bem andou a decisão recorrida na interpretação que perfilhou do art. 61º n.º 1, al. a), do EON, como se passa a demonstrar.

Dispõe o citado art. 61º, o seguinte:
1 - Podem inscrever-se na Ordem:
a) Os profissionais que detenham licenciatura nas diferentes áreas das ciências da nutrição e ou dietética, conferida por instituições do ensino superior portuguesas ou por instituições estrangeiras, desde que reconhecidas nos termos da lei;
(…)” (sublinhados e sombreado nossos).

Da letra desta norma legal decorre que podem inscrever-se na Ordem dos Nutricionistas os profissionais que detenham uma qualquer licenciatura na área das ciências da nutrição ou na área da dietética, ou seja, todas as licenciaturas numa destas áreas do saber – ciências da nutrição ou dietética – habilitam à inscrição na Ordem dos Nutricionistas.

Como escreveu o Provedor de Justiça, na missiva enviada ao Ministro da Saúde, relativa ao Assunto “Associações públicas profissionais. Estatuto da Ordem dos Nutricionistas. Acesso à profissão. Nutricionistas e dietistas”:
«Em segundo lugar e reiterando que não compete ao Provedor de Justiça pronunciar-se sobre qual a formação adequada, que deva ser exigida para o acesso e consequente exercício da profissão em causa, entende-se que, ante a autorização legal para a inscrição na Ordem dos Nutricionistas nomeadamente aos que detenham “licenciatura nas diferentes áreas das ciências da nutrição e ou dietética”, deve, a esta luz, ser irrelevante a concreta designação da licenciatura, desde que enquadrada nas referidas áreas do saber, para efeitos do acesso à Ordem e consequente exercício da profissão.» (sublinhado e sombreado nossos).

A interpretação perfilhada pela recorrente Ordem dos Nutricionistas só poderia ter apoio na letra da lei se esta prescrevesse, o que não ocorre, que se podiam inscrever nessa ordem profissional “Os profissionais que detenham licenciatura em Ciências da Nutrição e ou em Dietética, conferida por instituições do ensino superior portuguesas ou por instituições estrangeiras, desde que reconhecidas nos termos da lei”, ou seja, se da mesma não constasse a expressão “na(s) (diferentes) área(s)”.

A Ordem dos Nutricionistas entende, no entanto, que a sua interpretação tem apoio no elemento histórico, explicitando que a expressão “nas diferentes áreas”, que consta do art. 61º n.º 1, al. a), do EON, foi acrescentada durante o processo legislativo. Esclarece que os projectos de lei que antecederam a criação da Ordem dos Nutricionistas respeitavam apenas ao exercício da profissão de nutricionista e que, na apreciação na generalidade desses projectos, neles foi incluída a profissão de dietista. Conclui, assim, que a mencionada expressão (diferentes áreas) se tornou necessária, já que a Ordem dos Nutricionistas passou também a abranger a área da Dietética, ou seja, para distinguir a licenciatura em Ciências da Nutrição da licenciatura em Dietética.

Esta argumentação não procede.

Com efeito, o facto de a Ordem dos Nutricionistas também abranger a profissão de dietista não justifica a introdução da expressão “nas diferentes áreas”, pois, conforme acima referido, se apenas se pretendesse permitir a inscrição dos profissionais que fossem titulares de licenciatura em Ciências da Nutrição e em Dietética, o art. 61º n.º 1, al. a), do EON, deveria prescrever o seguinte:
Os profissionais que detenham licenciatura em Ciências da Nutrição e ou em Dietética, conferida por instituições do ensino superior portuguesas ou por instituições estrangeiras, desde que reconhecidas nos termos da lei”.

A introdução da expressão “na(s) (diferentes) área(s)” só se justifica pela intenção de permitir a inscrição dos profissionais que sejam detentores de uma qualquer licenciatura na área das ciências da nutrição (e na área da dietética).

Finalmente cumpre salientar que o elemento sistemático, conjugado com o princípio da preferência pela interpretação conforme à Constituição, aponta claramente no sentido de que a interpretação acolhida na decisão recorrida é a correcta.

De facto, a exigência de obtenção do grau de licenciado para o exercício da profissão de nutricionista consubstancia-se numa restrição à liberdade de escolha de profissão, na sua dimensão de liberdade de acesso a uma actividade profissional, mas tal restrição é admissível porque imposta pelo interesse colectivo (cfr. art. 47º n.º 1, da CRP) - o exercício cabal de tal profissão (que visa, nomeadamente através da escolha dos alimentos adequados, promover, manter e recuperar o bem estar e a saúde do homem) pressupõe conhecimentos específicos, aprofundados e diversificadas (concretamente em ciências da alimentação, ciências dos alimentos, ciências biológicas e da saúde e ciências sociais, humanas e económicas), os quais só poderão ser adquiridos no ensino superior.

De todo o modo tal restrição está sujeita ao crivo do princípio da proporcionalidade (cfr. art. 18º n.º 2, 2ª parte, da CRP), ou seja, não pode exceder, no respectivo âmbito e efeitos, o estritamente necessário para salvaguardar o interesse invocado.

Ora, não se compreenderia que o curso em Nutrição Humana, Social e Escolar (ministrado pela Escola Superior de Educação Jean Piaget de Viseu e pela Escola Superior de Educação Jean Piaget de Almada) tivesse sido autorizado e posteriormente objecto de um processo de adequação - devidamente registado - à nova organização do Processo de Bolonha (cfr. despachos n.ºs 9288-D/2007, publicado no DR, 2ª Série, de 21.5.2007, e 5165/2007, publicado no DR, 2ª Série, de 16.3.2007), passando a conferir o grau de licenciado, mas não permitisse aos titulares de tal habilitação – na área das ciências da nutrição, isto é, na área da nutrição - o exercício da profissão de nutricionista, pois não se vislumbra qualquer motivo que legitime semelhante restrição ao direito à escolha e ao exercício de tal profissão, já que tal significaria reduzir a zero, para efeitos do exercício da profissão de nutricionista, do valor desse curso (no qual se adquiriram especiais conhecimentos para o exercício de profissão na área das ciências da nutrição, isto é, na área da nutrição).

Assim, caso existissem dúvidas relativamente à bondade da interpretação acolhida na decisão recorrida (do art. 61º n.º 1, al. a), do EON), as mesmas desvanecer-se-iam perante a constatação de que, a sua não adopção (por se optar pela interpretação perfilhada pela recorrente Ordem dos Nutricionistas), conduzir-nos-ia a uma interpretação desconforme à Constituição.

Cumpre sublinhar que as invocações feitas pela recorrente Ordem dos Nutricionistas ao teor do DL 414/91, de 22/10, e ao facto do Instituto Jean Piaget ter requerido a alteração da estrutura curricular e da designação do curso, bem como a sua transição do estabelecimento politécnico para universidade, não têm relevo, pois não constituem contributos úteis para a resolução da presente questão.

Por último cabe referir, quanto ao alegado nas alíneas infra indicadas das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Ordem dos Nutricionistas, o seguinte:

- G), H), R) e V), não se põe em causa que a licenciatura em Nutrição Humana, Social e Escolar é distinta da licenciatura em Ciências da Nutrição, mas não deixam, ambas, de ser licenciaturas na área das ciências da nutrição;

- T), não corresponde à realidade o aí invocado, pois, por exemplo, a Ordem dos Economistas, e de acordo com o estatuído no art. 1º, do respectivo Estatuto, publicado em anexo ao DL 174/98, de 27/6, “é a associação pública representativa dos licenciados na área da ciência económica que, nos termos do (…) Estatuto, exercem a profissão de economista”, sendo certo que existe a licenciatura em Ciências Económicas, mas a possibilidade de inscrição nessa Ordem não se restringe aos detentores de tal habilitação, antes se alarga a todos os que sejam titulares de uma licenciatura na área da ciência económica.


Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não incorreu em erro de julgamento quando considerou que a licenciatura (em Nutrição Humana, Social e Escolar) detida pelas 1ª a 7ª e 9ª a 13ª requerentes, ora recorridas, se enquadra na habilitação exigida pelo art. 61º n.º 1, al. a), do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas, razão pela qual deve ser julgado improcedente o recurso jurisdicional interposto pela Ordem dos Nutricionistas.

*
Uma vez que as recorrentes (Joana Margarida Salcedas Prata e Ordem dos Nutricionistas) ficaram vencidas nos recursos jurisdicionais que interpuseram, deverão suportar as respectivas custas, a atender, a final, na acção respectiva [arts. 446º n.ºs 1 e 2 e 453º n.º 2, ambos do CPC de 1961 (cfr. art. 7º n.º 2, da Lei 41/2013, de 26/6), ex vi art. 1º, do CPTA].

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Negar total provimento aos recursos jurisdicionais interpostos, e assim manter a decisão recorrida.

II – Condenar cada uma das recorrentes nas custas relativas ao recurso jurisdicional que interpuseram, a atender, a final, na acção respectiva.

III – Registe e notifique.

*
Lisboa, 19 de Agosto de 2014


_________________________________________
(Catarina Jarmela)

_________________________________________
(Paulo Gouveia)

_________________________________________
(Cristina Flora)