Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:308/13.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA;
TAXA REDUZIDA;
PRODUTO “TANG”.
Sumário:1. Se das alegações e conclusões do recurso se constata que o recorrente não pondo embora em causa a matéria do probatório dela retira ilações de facto, nomeadamente que com a composição rotulada o produto “Tang” não é susceptível de enquadramento em determinado instrumento normativo, o recurso não tem por fundamento matéria exclusivamente de direito, requisito este que define a competência hierárquica do Supremo Tribunal Administrativo para dele conhecer.
2. Da interpretação da verba 1.11. da Lista I anexa ao Código do IVA (em vigor à data dos factos) retém-se que foi intenção do legislador tributar os produtos em pó para preparação de uma bebida refrigerante à taxa reduzida de 5%, independentemente da porção de sumo desidratado que contenham.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por “D…………., LDA.”, contra o deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida da liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2009, no montante de 74.502,78 Euros.

A Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:

I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso, centra-se em saber qual o enquadramento do sumos em pó da marca/denominação “TANG”, aferindo a sua inclusão ou exclusão do âmbito dos produtos elencados na verba 1.11, da Lista I, anexa ao CIVA.

II. A verba 1.11 da Lista I anexa ao Código do IVA, com a enumeração os bens sujeitos a imposto à taxa reduzida (5%) apresentava, à data dos factos, a seguinte redação: “Refrigerantes, sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas, incluindo os xaropes de frutos, as bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumos”.

III. Conclui-se, assim, desde já que apenas os bens enquadrados numa das categorias enunciadas são suscetíveis de tributação à taxa de 5%.

IV. De acordo com a informação constante do rótulo do produto “TANG” este configura um “Produto em pó para preparação de bebida refrigerante aromatizada contendo sumo de laranja desidratado (0,7%) e aroma de laranja” (cf. ponto 2 da matéria de facto provada).

V. A impugnante defende nos autos uma interpretação extensiva do conceito de “produto concentrado de sumos” de modo a incluir na verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA o produto em pó para a sua preparação (“TANG”).

VI. Ora, decorre do rótulo da embalagem TANG, imediatamente abaixo da designação do produto, no descritivo dos ingredientes: “Ingredientes: Açúcar, Acidificante (Ácido Cítrico), Regulador de acidez (Citrato de Sódio), Espessante (Carboximetilcelulose de sódio), corantes (Amarelo-sol FCF, Tartarazina, Dióxido de Titânio), Edulcorantes (E952, E954, E951, E950), Sumo de Laranja Desidratado (0,7%), Vitamina C, Aromatizante 100% Natural de Laranja (contém soja), Beta-Caroteno, Acetato de Vitamina A, Ácido Fólico, Vitamina B2, Estabilizador (E414)” (negrito nosso).

VII. Em face das variantes previstas no art.º 2.º da Portaria n.º 703/96, e atento à composição do produto em pó TANG, este só poderia qualificar-se como refrigerante de sumo de fruto (cfr. alínea a) - II), ou como refrigerante aromatizado (cfr. alínea d)).

VIII. Vejamos.

IX. No que respeita aos refrigerantes, o Decreto-Lei n.º 288/94, de 14/11 estabelece o quadro regulador das bebidas refrigerantes, remetendo a definição das regras relativas às respetivas denominações para a Portaria n.º 703/96, de 6/12.

X. A supra mencionada portaria estatui o conceito de bebida refrigerante (ou simplesmente refrigerante), definindo-a como sendo o líquido constituído por água, eventualmente aromatizado ou gaseificado com dióxidos de carbono, contendo em solução, emulsão ou suspensão, numa dada percentagem, qualquer um dos ingredientes também previstos no mesmo diploma, daí se aferindo a respetiva denominação.

XI. Do exposto resulta claro que a água é uma componente essencial da bebida que se designa por refrigerante.

XII. Assim, os ingredientes referidos na mencionada portaria, isto é, os ingredientes que juntamente com o ingrediente principal (a água) produzem a bebida designada por refrigerante, são os sumos de frutas (que podem apresentar as diversas formas referidas no artigo 3.º, designadamente sumo, sumo concentrado, sumo desidratado, néctar ou xarope), o polme de frutos (na forma de polme propriamente dito, polme concentrado ou polme desidratado), os extractos vegetais, os aromatizantes, o quinino, o bicarbonato de sódio e a bebida alcoólica com teor máximo de álcool de 1%.

XIII. Pelo que concorda a Fazenda Pública com o entendimento da Mma. Juiz a quo de que o produto “TANG” não pode designado como “refrigerante de sumo de frutos, nos termos da al. a) do n.º 2 do ponto 2 da Portaria” pois “De facto, o produto em questão, não apresenta na sua constituição as percentagens referidas na al. a) do n.º 2 do ponto 2.º. Nem tal podia acontecer, uma vez que não se trata de uma bebida com aquelas características.”

XIV. Contudo não pode, com o devido respeito, concordar a Fazenda Pública com o entendimento da Mma. Juiz de que “estamos perante uma bebida refrigerante aromatizada que se obtém a partir de um produto concentrado em pó, resultante de sumo de fruta desidratado e seu correspondente aroma, dissolvido num litro de água por cada embalagem de 30 g”.

XV. A Mma. Juiz a quo fundamenta o seu entendimento sustentando que “(…) a al. d) [do n.º 2 do ponto 2 da Portaria n.º 703/96 de 6/12] quando define o refrigerante aromatizado não indica que percentagem deve o mesmo conter (…). De facto o legislador também não definiu nem estabeleceu qualquer distinção em relação aos concentrados que, como vimos pelas definições contidas nos citados diplomas, podem revestir a forma líquida ou sólida, podendo esta ainda revestir o estado de pó. Neste conspecto, o tribunal não vislumbra por que razão o produto “TANG” não pode ser enquadrado na verba 1.11 da Lista I do CIVA, contemplando esta verba as bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumo”.

XVI. Ora, salvo melhor entendimento, o produto em pó designado por “TANG”, não contendo água, não pode ser, à partida, uma bebida refrigerante, já que não contém um seu ingrediente fundamental – a água –, ainda que, como evidencia o rótulo, tenha como propósito a sua adição.

XVII. Assim, independentemente do teor de sumo de fruto presente no produto em pó TANG, desde logo se teria de concluir que, devido à ausência de água na sua composição, não se poderia enquadrar o produto em causa como um refrigerante de sumo de frutos, nos termos da al. a) do n.º 2 do ponto 2 da Portaria n.º 703/96 de 6/12.

XVIII. Igualmente urge concluir que não se pode enquadrar o produto TANG como um refrigerante aromatizado, nos termos da al. d) do n.º 2 do ponto 2 da Portaria n.º 703/96 de 6/12 devido à ausência de água na composição do produto em causa.

XIX. Sempre se diga que o entendimento do produto em pó “TANG” como um refrigerante aromatizado redundaria sempre numa evidente contradição, em virtude do produto TANG não conter água e esta variante de refrigerante consistir basicamente na diluição de aromatizantes em água.

XX. Além de que os aromatizantes não poderem qualificar-se como refrigerante em pó pois os aromatizantes são substâncias autonomizadas destinadas a serem utilizadas no interior ou na superfície de géneros alimentícios para lhes conferir um determinado cheiro e/ou gosto.

XXI. E, ainda que por mera hipótese, sempre sem se conceder, se admitisse que o produto em pó TANG pudesse ser considerado como um refrigerante aromatizado, tal variante não se encontra contemplada pelo legislador na redação da verba 1.11 da Lista I, pelo que não seria suscetível de tributação à taxa reduzida.

XXII. A corroborar esta interpretação, veja-se, a título de exemplo, o caso do leite em pó: a tributação à taxa reduzida do leite em pó decorre da sua enumeração explícita na verba 1.4.1. da Lista I, indiciadora da intenção do legislador em considerá-lo para esse efeito (ao contrário, nenhuma menção é feita quanto ao refrigerante em pó ou sumo em pó).

XXIII. Pelo que não pode proceder o decidido na sentença recorrida de que o produto TANG se pode considerar como um refrigerante aromatizado nos termos do n.º 3 do Anexo I do Decreto-Lei n.º 225/2003 de 24/09 e al. f) do ponto 3 e al. d) do n.º 2 do ponto 2.º da Portaria n.º 703/96 de 6/12 e, como tal, enquadrado na verba 1.11 da Lista I, anexa ao CIVA, sujeito à taxa reduzida de IVA de 5%.

XXIV. Assim sendo é manifesto que a Administração Tributária fez uma correta interpretação das normas legais aplicáveis ao caso concreto ao corrigir o montante de IVA liquidado pela Impugnante relativamente ao produto TANG em que esta última havia aplicado a taxa reduzida de IVA (5%).

XXV. Pelo que, entende assim a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e de direito, devendo por isso a sentença ser revogada.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple a interpretação de Direito acima explanada. Tudo com as devidas consequências legais.».


A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
DA TEMPESTIVIDADE DAS ALEGAÇÕES E DO RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA
1. Por sentença notificada às partes em 16.06.2020, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou integralmente procedente a impugnação judicial na qual se discutia a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA referentes a 2009. A 06.08.2020 foi a Recorrida notificada pela Fazenda Pública das alegações de recurso. A 07.08.2020 foi a Recorrida notificada pela secretaria desse tribunal das referidas alegações de recurso.

2. Atenta a regra constante do n.º 1 do artigo 280.º do CPPT, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17.09, aqui aplicável por força do disposto no respetivo artigo 13.º, o recurso deveria ter sido interposto nos 10 dias após a notificação da decisão em causa.

3. Considerando que a decisão aqui em causa foi notificada às partes em 16.06.2020, o prazo de 10 dias para interposição do recurso (incluindo a dilação postal) terminaria no dia 06.07.2020.

4. Mais acresce que o recurso deveria ter sido interposto através de requerimento dirigido ao tribunal recorrido, após o que o este se pronunciaria sobre a sua admissão notificando a Recorrente para alegar em 15 dias (cf. artigos 281.º e 282.º CPPT, na redação aplicável).

5. Da análise das alegações da recorrente não resulta, em nenhum momento, o requerimento de recurso, mantido à luz da nova redação desta norma. Nem tão pouco tais alegações são dirigidas a um concreto tribunal, sendo-o apenas aos “Venerandos Desembargadores”…

6. Ante o exposto haverá que concluir necessariamente não ter a Fazenda Pública
oportunamente interposto recurso, sendo intempestiva a apresentação das presentes alegações, devendo tal peça ser desentranhada.
Sem prescindir ou conceder,

DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL AD QUEM EM RAZÃO DA MATÉRIA
7. A Representante da Fazenda Pública dirige as suas alegações aos “Venerandos Juízes Desembargadores” sem cuidar de especificar de que tribunal. Admitindo, por hipótese que as mesmas se destinam ao Tribunal Central Administrativo Sul, haverá que concluir pela incompetência deste tribunal em razão da matéria.
Vejamos, pois.

8. Invoca a Ilustre Representante da Fazenda Pública que “(…) o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e de direito”. No entanto, nas conclusões das suas doutas alegações, as quais delimitam o âmbito e o objeto do recurso (cf. artigo 635.º, n.º 3, do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT), a Ilustre Representante da Fazenda Pública não enuncia em relação a que factos se produziu o erro de julgamento e que factos deveriam ter sido diferentemente julgados, no fundo fundamentando o alegado erro de julgamento da matéria de facto.

9. Neste contexto surge evidente que a matéria de facto controvertida no processo está estabilizada e que apenas o direito se mantém em discussão. Nesta medida o recurso tem por fundamento apenas matéria de direito, sendo o Supremo Tribunal Administrativo competente para o seu conhecimento e verificando-se a incompetência do Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT e dos artigos 38.º e 26.º do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

10. Deste modo requer-se seja declarada a incompetência do Tribunal Central Administrativo Sul para a apreciação do presente recurso, com as demais consequências legais.
Ainda sem prescindir ou conceder,

APRECIAÇÃO DO RECURSO
11. A principal razão que leva a Ilustre Representante a concluir pelo erro na aplicação do direito reside no facto do produto aqui em análise não poder consubstanciar um “Sumo de frutos desidratado/em pó” ou “refrigerante aromatizado”, respectivamente, nos termos do n.º 3 do Anexo I do Decreto-Lei n.º 225/2003 de 24/09 e al. f) do ponto 3 e al. d) do n.º 2 do ponto 2.º da Portaria n.º 703/96 de 6/12 e, como tal, enquadrado na verba 1.11 da Lista I, anexa ao CIVA, sujeito à taxa reduzida de IVA de 5%, em virtude de a. não conter água, não podendo ser por isso uma bebida refrigerante (do tipo refrigerante de sumo de fruto) e, ainda que fosse admissível considerar um produto vendido sem adição de água em tal categoria, b. não ser o mesmo subsumível na referida verba porque a mesma não contempla expressamente produtos em pó (ao invés do que sucede, por exemplo, com o leite em pó previsto na verba 1.4.1 da mesma lista).

12. A Verba 1.11 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA), integra vários produtos diferenciados, a saber: (i) os refrigerantes, (ii) os sumos de fruta ou de produtos hortícolas, (iii) os néctares de fruto ou de produtos hortícolas, (iv) os xaropes de sumos, (v) as bebidas concentradas de sumos e (vi) produtos concentrados de sumos.

13. O legislador foi suficientemente claro e coerente ao estabelecer a inclusão nesta categoria de outras realidades que não apenas especificamente "refrigerantes, sumos e néctares", como sejam os referidos xaropes e bebidas concentradas de sumo, bem como os "produtos concentrados de sumos".

14. Nos termos do artigo 2.° alínea a) da Portaria 703/96, que estabelece o quadro regulador das bebidas refrigerantes, qualifica-se como refrigerante de sumo de fruta (...) o "refrigerante, turvo ou límpido, resultante da diluição em água de sumo ou polme de frutos, respetivos concentrados ou desidratados (...)"(destaque nosso).

15. O Anexo I — Denominações de venda, definições e características dos produtos – ao Decreto-Lei n.° 225/2003, que transpõe para a ordem jurídica interna as disposições comunitárias relativas às definições e características dos sumos de frutos e produtos similares destinados à alimentação humana — sob a epígrafe "Definições", define os seguintes tipos de sumos:
(i) «Sumo de frutos» - designa o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido a partir de uma ou mais espécies de frutos sãos e maduros, frescos ou conservados pelo frio, com a cor, o aroma e o gosto característicos do sumo dos frutos de que provém.
(ii) «Sumo de frutos à base de concentrado» designa o produto obtido por reposição num sumo de frutos concentrado da água extraída do sumo durante a concentração e por restituição das substâncias aromáticas e, se for caso disso, da polpa e das células eliminadas do sumo, mas recuperadas durante o processo de produção do sumo de frutos de partida ou de sumo da mesma espécie de frutos.
(iii) «Sumo de frutos concentrado» designa o produto obtido a partir de sumo de uma ou mais espécies de frutos por eliminação física de uma parte determinada da água.
Quando o produto se destinar a consumo directo, a água eliminada não poderá representar menos de 50%.
(iv) «Sumo de frutos desidratado/em pó» designa o produto obtido a partir de sumo de uma ou mais espécies de frutos por eliminação física de quase toda a água.
(v) «Néctar de frutos»: designa o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido por adição de água e de açúcares e ou mel a sumos líquidos, a polmes de frutos ou a uma mistura destes produtos.

16. Face ao enquadramento legal acima exposto, entende a Impugnante e igualmente o entendeu o Tribunal a quo, e muito bem, que os produtos em análise, consubstanciam, para efeitos da aplicação da Verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA, "num produto concentrado de sumo". Qualificação consentânea com a própria descrição contida no rótulo do produto em referência ["produto em pó (...) contendo sumo de (especificação do fruto ou frutos) desidratado"].

17. A Portaria n.° 703/96, referindo-se exclusivamente a refrigerante de sumo de frutos, inclui na sua previsão os "(...) respectivos concentrados ou desidratados (...)".

18. À luz do disposto no Decreto-Lei n.° 225/2003, o produto em análise é enquadrável como um "sumo de frutos desidratado/em pó", ou seja, trata-se de um produto obtido a partir de sumo de uma ou mais espécies de frutos por eliminação física de parte significativa de água, nos termos do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 225/2003 de 24 de setembro.

19. Ora, se atendermos à própria descrição do produto em referência, que no seu rótulo é definido como um "produto em pó (...) contendo sumo de (especificação do fruto ou frutos) desidratado", temos de concluir pela sua classificação genérica na classe dos «Sumo de frutos desidratados/em pó».

20. A legislação invocada não especifica uma percentagem mínima para que o produto possa ser considerado como sumo de fruta desidratado. O que releva para efeitos da classificação como "sumo de fruta desidratado/em pó" é que o produto em apreço seja obtido de um ou mais sumos de fruta, o que manifestamente acontece com referência ao produto em apreço, conforme resulta explicito no rótulo que descreve o produto.

21. Na redação da Verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA não resulta que o legislador tenha querido restringir o âmbito da sua aplicação exclusivamente a "refrigerantes, sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas". Pelo contrário, o legislador alargou inequivocamente a sua aplicabilidade a derivados destes produtos como sejam os (i) xaropes de sumos, (ii) as bebidas concentradas de sumos e (iii) os produtos
concentrados de sumos (destaque nosso).

22. O que permite concluir que o legislador utilizou uma fórmula suficientemente abrangente de modo a não estabelecer qualquer distinção entre o estado do produto concentrado (se líquido ou sólido), e entre produtos prontos a beber e aqueles cujo consumo só é possível depois de adicionada água.

23. No direito fiscal o preceito fundamental de hermenêutica jurídica radica no artigo 9º do Código Civil, por força do artigo 11º da LGT, devendo ser usadas as demais técnicas ou cânones utilizados no direito civil.

24. Assim, atenta a clareza literal do quadro normativo aplicável, não cabe ao intérprete fazer interpretações que não tenham no texto da lei o mínimo de correspondência.

25. Por esta razão não releva o argumento no sentido de que o produto TANG não é, "no momento da venda, uma bebida, mas uma mera "mistura seca". Sendo certo que, quanto a este argumento é a própria Autoridade Tributária que admite a possibilidade de subsumir na hipótese da verba 1.11 da Lista I anexa ao Código do IVA concentrados insusceptíveis de serem consumidos no estado em que são vendidos, como é o caso da groselha (cf. Ofício Circulado n.° 30092/2006 de 01 de Junho). Ora, é de conhecimento unânime que a groselha — tal como o TANG - não está, no momento da venda, pronta a ser consumida e que o seu consumo só é possível depois.

26. Resulta, portanto, evidente que a interpretação da Verba 1.11 da Tabela I do CIVA, propugnada pela Autoridade Tributária no presente caso, traduz uma limitação incompatível com os cânones de interpretação da lei e contrária a interpretação
anteriormente adotada por aqueles serviços.

27. Com efeito, tendo o legislador alargado o âmbito de aplicação desta Verba para além dos denominados "refrigerantes, sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas" e incluindo nesta listagem derivados, onde se incluem os xaropes de sumos, as bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumos, teremos de concluir que o produto TANG, tal como definido, terá de ser classificado como um produto concentrado de sumo (destaque nosso).

28. Inexistem razões para discriminar negativamente o concentrado de sumo em pó relativamente ao concentrado de sumo líquido. Interpretação contrário viola o princípio da não discriminação fiscal que se deve tratar de forma igual o que é igual e de forma distinta o que é diferente. Razão pela qual não colhe a equiparação que a Ilustre Representante da Fazenda Pública pretende fazer valer entre refrigerantes e leite.

29. A admitir-se uma interpretação sem correspondência com o elemento literal a mesma teria que observar o disposto no artigo 11.° n.° 3 da Lei Geral Tributária: que na interpretação das normas tributárias, deve "atender-se à substância económica dos factos tributários". A qual é exatamente a mesma quando se analisa, por exemplo, a groselha (incluída na verba 1.11, de acordo com a Autoridade Tributária) e o TANG.

30. Por todo o exposto outra conclusão não pode ser alcançada que não seja a que andou bem o Tribunal a quo na aplicação que fez do direito, devendo, por isso, manter-se a sentença recorrida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão que importa conhecer reconduz-se a saber qual a taxa de IVA a aplicar ao produto “TANG” e, nomeadamente, se é passível de ser enquadrado na verba 1.11 da Lista I, anexa ao Código do IVA, sem olvidar as questões prévias obstativas do conhecimento do mérito colocadas pela recorrida e que se prendem com a intempestividade do recurso e a incompetência material deste TCA para dele conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Na sentença recorrida deixou-se consignado em sede factual:
«
MATÉRIA DE FACTO PROVADA:

Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 22/03/2011, a Impugnante foi alvo de um procedimento inspetivo ao abrigo da ordem de serviço nº OI201100217 – cfr. PAT a fls. 49 verso;

2. Em 21/10/2011, no âmbito da ação inspetiva referida no ponto 1, foi elaborado relatório de inspeção, pelos Serviços de Inspeção Tributária – Direção de Serviços de Inspeção Tributária - DSIT, e do qual constam as seguintes conclusões, nomeadamente: “(…) III.2. Imposto sobre Valor Acrescentado – IVA. Imposto indevidamente liquidado às taxas reduzida e intermédia (Artigo 18.º do Código do IVA) - € 106.154,73 (…) Bebidas em pó (Tang) A verba da lista 1.12 da Lista I (Bens e serviços sujeitos a taxa reduzida) anexa ao Código do IVA, contempla: - Refrigerantes, sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas, incluindo os xaropes de sumos, as bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumos. De harmonia com o estabelecido no número 1 do ponto 1.º ponto da Portaria n.º 703/96, de 6 de dezembro ¯entende-se por bebida refrigerante o líquido constituído por água, contendo a solução, emulsão ou suspensão, qualquer dos ingredientes previstos no número seguinte e, eventualmente, aromatizado e ou gaseificado com o dióxido de carbono‖. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 225/2003, de 24 de setembro, alínea a) do n.º 1 da parte I do anexo 1, define como ¯sumos de frutos‖, o produto fermentescível, mas não conservados pelo frio, mantendo a cor, o aroma e o gosto característicos do sumo dos frutos de que provêm.
Verifica-se assim que o produto concentrado pó ¯Tang‖, por ser uma mistura seca não é enquadrável na categoria dos produtos classificados como refrigerantes nem como sumos de frutas, nem tão pouco poderá ser considerado um ¯produto concentrado de sumo‖, uma vez que a sua obtenção não resulta de um processo de eliminação de água de um sumo, como tal definido na alínea a) do n.º 2 do ponto 2.º da Portaria n.º 703/96, ou seja, contendo as percentagens mínimas de teor de sumo de fruta aí estabelecidas, uma vez que de acordo com descrição do rótulo do próprio produto, conforme se exemplifica para o Tang Laranja, este é definido como sendo um ¯Produto em pó para preparação de uma bebida refrigerante aromatizada contendo sumo de laranja desidratado (0,7%) e aroma de laranja‖. Deste modo, constata-se que o produto concentrado pó Tang, contém uma percentagem mínima de sumo desidratado (0.7%). Pelo exposto, conclui-se que este produto, porque não é, no momento da venda, uma bebida, mas uma mera mistura seca, não integrando por isso as definições previstas na Portaria 703/96, enquanto bebida refrigerante/produto concentrado de sumo, nem no Decreto Lei n.º 225/2003, enquanto sumo de frutas, não tem enquadramento em qualquer verba das listas I e II anexas ao Código do IVA, sendo-lhes aplicável a taxa normal, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido normativo legal. Esta correção foi anulada parcialmente em € 177.394,73, passando a totalizar € 106.154,73, na sequência do exercício do direito de audição, conforme ponto IX. Direito de Audição - Fundamentação (…)” – cfr. PAT, a fls. 46 a 57;

3. Em 24/10/2011, foi proferido o Ofício n.º 3092, pelos Serviços de Inspeção Tributária – Direção de Serviços de Inspeção Tributária – DSIT, com vista à “notificação”, à ora impugnante, do Relatório de Inspeção Tributária referido no ponto anterior – cfr. PAT, a fls. 49;

4. Em 20/11/2011, os serviços da A.T. emitiram as seguintes liquidação de IVA e Juros Compensatórios, no valor global a pagar de € 106.154,73:

«imagem no original»


– cfr. documento 1, junto com a PI;

5. Em 31/01/2012, a ora Impugnante procedeu ao pagamento do IVA e respetivos juros compensatórios, referente às liquidações identificadas no ponto anterior – cfr. documento 1 junto, com a PI;


6. Em 29/05/2012, deu entrada no Serviço de Finanças Lisboa 4, reclamação graciosa, nos termos da qual a Impugnante requereu que a mesma fosse deferida e, em consequência, anuladas parte das liquidações adicionais referidas no ponto 4., relativos ao exercício de 2009, bem como o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante de IVA e respetivos juros compensatórios pagos em excesso pela Impugnante – cfr. Processo de Reclamação Graciosa, a fls. 4 a 25;

7. Em 24/10/2012, foi proferido despacho de deferimento de parcial, pelo Diretor de Finanças – Unidade de Grandes Contribuintes – Divisão de Gestão e Assistência Técnica (DGAT), tendo decidido indeferir o pedido respeitante ao produto refresco em pó“TANG”, mantendo-se na íntegra as liquidações adicionais de IVA, no montante total de € 68.589,99, e as correspondentes liquidações adicionais e respetivos juros compensatórios, e deferir o pedido respeitante aos produtos “Cheese Cake- frutos vermelhos”, anulando-se a liquidação adicional de IVA na parte respeitante a este produto, no montante global de € 10.644,01 e a correspondente liquidação adicional dos respetivos juros compensatórios, tendo decidido serem devidos juros indemnizatórios na sua justa proporção – cfr. Processo de Reclamação Graciosa, a fls. 109 a 121;

8. Da embalagem do produto “TANG” Laranja constam as seguintes informações: “Frutição – TANG – Laranja – Frutição= A, B2, C, Acido Fólico. Deite o conteúdo da embalagem num recipiente de plástico ou de vidro, junte um litro de água. Mexa e aprecie. (…) Produto em pó para preparação de uma bebida refrigerante aromatizada contendo sumo de laranja desidratado (0,7%) e aroma de laranja. Contém açúcar e edulcorantes" – cfr. documento 3 junto com a PI;

9. . Da embalagem do produto “TANG” Tropical constam as seguintes informações: “Frutição – TANG – Laranja – Frutição= A, B2, C, Acido Fólico. Deite o conteúdo da embalagem num recipiente de plástico ou de vidro, junte um litro de água. Mexa e aprecie. (…) Produto em pó para preparação de uma bebida refrigerante aromatizada contendo sumo de laranja desidratado (0,4%) sumo de morango desidratado (0,4%) e aroma tropical. Contém açúcar e edulcorantes” – cfr. documento 3 junto com a PI.

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, como referido em cada ponto do probatório.».

III. B) DE DIREITO

Nas contra-alegações, a recorrida suscita duas questões obstativas do conhecimento do mérito do recurso, que passamos a conhecer.

A primeira prende-se com a tempestividade do recurso interposto.
A Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, que “modifica regimes processuais no âmbito da jurisdição administrativa e tributária” e que alterou nomeadamente o Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que aprova o Código de Procedimento e de Processo Tributário, estabelece no seu art.º 13/1:
«Artigo 13.º
Aplicação no tempo
1 - As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções:
a) As alterações às normas reguladoras do processo de impugnação, com a exceção das alterações introduzidas no artigo 105.º, só se aplicam aos processos de impugnação que se iniciem após a data de entrada em vigor da presente lei;
b) As alterações às normas relativas ao processo de execução fiscal, com a exceção das alterações introduzidas no artigo 203.º, não se aplicam aos processos de oposição pendentes à data de entrada em vigor da presente lei;
c) Aos recursos interpostos em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2012, aplica-se o regime legal:
i) Na redação conferida pela presente lei às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais, se a decisão for proferida a partir da entrada em vigor da presente lei;
ii) Na redação anterior à presente lei, quanto às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais, se a decisão for proferida antes da data de entrada em vigor da presente lei, mesmo que, neste caso, o recurso seja interposto posteriormente à sua entrada em vigor.
2 – (…)».

Na presente impugnação, a P.I. deu entrada no tribunal tributário em 15/02/2013, conforme carimbo aposto a fls.2 e a sentença foi proferida em 16/06/2020. Aplicam-se, por força do corpo do n.º 1 daquele art.º 13.º da Lei n.º 118/2019, as alterações por ele introduzidas ao regime dos recursos jurisdicionais.

Mesmo não tendo as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao art.º 13.º da Lei n.º 118/2019, natureza interpretativa expressa, é inegável a sua natureza interpretativa intrínseca e eficácia retroactiva, na medida em que veio a definir solução que, no âmbito da querela jurídica instaurada, a jurisprudência já vinha adoptando por via interpretativa, na vigência da versão original do diploma.

De acordo com o disposto no n.º1 do art.º 280.º do CPPT, «Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».

Dispõe o n.º 1 do art.º 282.º do mesmo CPPT que «O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida». E o seu n.º 2, que «O recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões».

Pois bem, não sendo controvertido que a sentença foi notificada às partes em 16/06/2020, aquele prazo de 30 dias de interposição do recurso foi observado pela recorrente, pois o mesmo, contado nos termos do art.º 138.º do CPC, nunca terminaria antes de 01/09/2020, se descontado o período de suspensão durante as férias judiciais que decorreram entre 16/07/2020 e 31/08/2020, e o recurso foi apresentado em 06/08/2020.

Por outro lado e tendo em mente a prevalência da substancia sobre a forma, que é a orientação preconizada na jurisprudência, não se descortina qualquer irregularidade relevante na apresentação do recurso, pois o requerimento de interposição dirigido ao tribunal que proferiu a decisão (em que se omite o tribunal para que se recorre, é certo), logo seguido de alegações dirigidas aos “Venerandos Desembargadores”, permite apreender qual o tribunal para que se recorre e preenche os requisitos de interposição previstos no art.º 282/2 do CPPT, na redacção aplicável da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro.

Improcede a alegada intempestividade e irregularidade formal do recurso.

Outrossim, entende a recorrida que o recurso versa exclusivamente matéria de direito, nessa medida, sendo competente para dele conhecer o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art.º 280/1 do CPPT, na versão anterior à introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro.

Sendo embora aplicável ao caso dos autos, pelas razões já indicadas, a versão introduzida por aquela Lei n.º 118/2019, a questão, no entanto, mantém-se, porquanto o requisito inovatório introduzido de que a decisão recorrida tenha conhecido de mérito se verifica.

O recurso terá por fundamento exclusivamente matéria de direito?

Antes de prosseguir, importará esclarecer que contrariamente ao alegado pela recorrida a questão de saber se o recurso tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, ou não, releva unicamente para determinação da competência em razão da hierarquia, não relevando na determinação da competência em razão da matéria.

Tal como resulta da al. b) do artigo 26.º e da al. a) do artigo 38.º do ETAF e do n.º 1 do artigo 280.° do CPPT, a competência do Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários restringe-se, exclusivamente, a matéria de direito, constituindo, assim, uma excepção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo, ao qual compete (cf. al. a) do artigo 38.º do ETAF) conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.°» (Com a nova redacção da al. b do artigo 26.º do ETAF, introduzida pela Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo ficou também restringido às “decisões de mérito dos tribunais tributários”, o que não assume relevância no âmbito do presente recurso.).

Reserva-se, portanto, ao Supremo Tribunal Administrativo, o papel de tribunal de revista, com intervenção apenas nos casos em que a matéria de facto controvertida no processo esteja estabilizada e apenas o direito se mantenha em discussão.

«Para aferir da competência do STA em razão da hierarquia há-que atentar, em princípio, apenas no teor das conclusões das alegações de recurso (pois por aquelas se define o objecto e se delimita o âmbito deste - cfr. artigo 635.º do CPC) e verificar se, perante tais conclusões, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, a sua apreciação implica a necessidade de dirimir questões de facto (ou porque o recorrente defende que os factos dados como provados na sentença não estão provados, ou porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, ou, ainda, porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa). Mas não só, pode ser ainda necessário confrontar as conclusões com a própria substância das alegações do recurso, nomeadamente, para verificar se nelas se afronta expressamente a factualidade que suporta a decisão.

E se o recorrente suscitar qualquer questão de facto, o recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito, ficando, desde logo, definida a competência do Tribunal Central Administrativo, independentemente da eventualidade de, por fim, este Tribunal vir a concluir que a discordância sobre a matéria fáctica é irrelevante para a decisão do recurso» - vd. Acórdão do STA, de 07/15/2020, tirado no proc.º 03112/12.4BELRS 01009/17.
Volvendo aos autos, atentemos nesta passagem das alegações do recurso:
«8. A principal questão colocada no âmbito dos presentes autos de recurso centra-se em saber qual o enquadramento dos sumos em pó da marca/denominação “TANG”, aferindo da sua inclusão ou exclusão do âmbito dos produtos elencados na verba 1.11, da Lista I, anexa ao CIVA.
(…)
11. De acordo com a informação constante do rótulo do produto “TANG” este configura um “Produto em pó para preparação de bebida refrigerante aromatizada contendo sumo de laranja desidratado (0,7%) e aroma de laranja” (cf. ponto 2 da matéria de facto provada).
12. A impugnante defende uma interpretação extensiva do conceito de “produto concentrado de sumos” de modo a incluir na verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA o produto em pó para a sua preparação (“TANG”).
13. Ora, decorre do rótulo da embalagem TANG, imediatamente abaixo da designação do produto, no descritivo dos ingredientes: “Ingredientes: Açúcar, Acidificante (Ácido Cítrico), Regulador de acidez (Citrato de Sódio), Espessante (Carboximetilcelulose de sódio), corantes (Amarelo-sol FCF, Tartarazina, Dióxido de Titânio), Edulcorantes (E952, E954, E951, E950), Sumo de Laranja Desidratado (0,7%), Vitamina C, Aromatizante 100% Natural de Laranja (contém soja), Beta-Caroteno, Acetato de Vitamina A, Ácido Fólico, Vitamina B2, Estabilizador (E414)” (negrito nosso).
14. Em face das variantes previstas no art.º 2.º da Portaria n.º 703/96, e atento à composição do produto em pó TANG, este só poderia qualificar-se como refrigerante de sumo de fruto (cfr. alínea a) - II), ou como refrigerante aromatizado (cfr. alínea d)).

Este segmento das alegações demonstra que estamos em face de questões mistas, de facto e de direito, e não em face de questão exclusivamente de direito, que define a competência hierárquica do Supremo Tribunal Administrativo.

Na verdade, a ilação que se extrai de que com a composição rotulada do produto “Tang”, este não pode qualificar-se como refrigerante de sumo de fruto, nem como refrigerante aromatizado, tal como definidos na Portaria n.º 703/96, é uma ilação de facto, embora implique também a interpretação dos instrumentos normativos potencialmente aplicáveis, esta sim, actividade exclusivamente de direito.

Com os fundamentos expostos, improcede a alegada incompetência deste TCA para conhecer do recurso.

Entrando na apreciação do recurso, cumpre salientar que a questão de saber se o produto “Tang”, com a composição rotulada que apresenta, é passível de ser enquadrado na verba 1.11 da Lista I, anexa ao Código do IVA e tributado a taxa reduzida, já foi objecto de apreciação recente neste TCA Sul, em termos que merecem a nossa inteira concordância e que importa ter em consideração visando uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como preconizado no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.

No que aqui e agora releva, escreveu-se no acórdão deste TCA de 02/25/2021, tirado 2100/10.0BELRS:

«…a Administração Tributária entendeu que o produto “TANG”, não é no momento da venda, uma bebida, mas uma mera “mistura seca” não integrando, por isso, as denominações previstas e definidas na Portaria nº 703/96, de 6/12, para qualificar a bebida refrigerante; nem obedece aos requisitos a que devem estar sujeitos os sumos de frutos, fixados no Decreto- Lei nº 225/2003, de 24/9, concluindo, que o produto em causa não é enquadrável em qualquer das verbas constantes das Listas I e II anexas ao CIVA, sendo, outrossim, aplicável às suas transmissões a taxa normal de IVA, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.
Inconformada, a Impugnante (doravante recorrida) apresentou junto do Tribunal Tribuário de Lisboa impugnação judicial, pedindo a anulação das liquidações adicionais de IVA, dos exercícios de 2006 e 2007, no que concerne aos segmentos que decorreram das correcções suportadas no convencimento de que a taxa aplicável às vendas dos produtos “TANG” é a taxa normal de 21%, por não ser enquadrável em nenhuma das verbas constantes das Listas Anexas ao CIVA.
O Tribunal «a quo» deu razão à recorrida, por ter ajuizado que os produtos em causa eram subsumíveis na verba 1.12 [corresponde à verba 1.11 na redacção vigente em 2009] da Lista I do CIVA, na qual se contempla as bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumo que estão sujeitos à taxa reduzida de IVA de 5%.
A Fazenda Pública (doravante recorrente) discordou da sentença e dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo, aduzindo, as suas alegações recursivas, o mesmo raciocínio argumentativo que fundamentou as liquidações sindicadas; a TANG”, é uma mera mistura seca, que não se enquadra nas definições previstas na Portaria de 96, nem no âmbito do Dec-Lei nº25/2003 de 24 de Setembro, e, por assim ser, não se pode incluir «[e]m qualquer das verbas constantes das listas I e II anexas ao CIVA, sendo aplicável às suas transmissões a taxa normal, prevista na alínea c) do n° 1 do artº18° do CIVA, em vigor à data dos factos.»
Vejamos, então, de que lado está a razão.
A Portaria nº 703/96, de 06 de Dezembro, veio regulamentar as regras respeitantes à definição, denominação, acondicionamento e rotulagem das bebidas refrigerantes, mantendo inalterada quanto às definições e comercialização dos diferentes tipos de produtos, bem como dos ingredientes e aditivos admissíveis, de acordo com a prática usual no mercado comunitário.
Dispõe a alínea a) do nº 2, do artigo 2º, do citado diploma legal, que integra a noção de refrigerante de sumo de frutos «o refrigerante, turvo ou límpido, resultante da diluição em água de sumo ou polme de frutos, respectivos concentrados ou desidratados, com um teor de sumo compreendido entre os limites mínimos a seguir indicados (m/m) e a concentração mínima fixada para o néctar do mesmo fruto, podendo conter aromatizantes naturais ou idênticos aos naturais (…)».
A alínea f) do nº3 do seu artigo 3º, estabelece que:
«No fabrico de refrigerantes podem ser utilizados os seguintes ingredientes, estremes ou em mistura: (…)
f) Polme desidratado - o produto sólido obtido do polme por eliminação física da quase totalidade da água de constituição;»
Por sua vez, o Decreto-Lei nº 25/2003 de 24 de Setembro, diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2001/112/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 2001, relativa às definições e características dos sumos de frutos e dos produtos a eles similares destinados à alimentação humana e ainda as regras que devem reger a sua rotulagem, fixando igualmente os tratamentos, substâncias e matérias-primas que devem ser utilizados no seu fabrico.
Este normativo institui no seu Anexo I sob a epígrafe «Definições» os seguintes tipos de sumos:

«1 - a) «Sumo de frutos» designa o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido a partir de uma ou mais espécies de frutos sãos e maduros, frescos ou conservados pelo frio, com a cor, o aroma e o gosto característicos do sumo dos frutos de que provém. Podem ser restituídas ao sumo as substâncias aromáticas, a polpa e as células separadas após a extracção.
Os sumos de citrinos devem ser fabricados a partir do endocarpo dos frutos. Contudo, o sumo de lima pode ser fabricado a partir do fruto inteiro, de acordo com práticas de fabrico adequadas que devem permitir reduzir ao mínimo os constituintes das partes exteriores do fruto presentes no sumo.
b) «Sumo de frutos à base de concentrado» designa o produto obtido por reposição num sumo de frutos concentrado da água extraída do sumo durante a concentração e por restituição das substâncias aromáticas e, se for caso disso, da polpa e das células eliminadas do sumo, mas recuperadas durante o processo de produção do sumo de frutos de partida ou de sumo da mesma espécie de frutos. Para preservar as qualidades essenciais do sumo, a água adicionada deve ter características apropriadas, designadamente dos pontos de vista químico, microbiológico e organoléptico
As características organolépticas e analíticas do produto assim obtido devem ser, pelo menos, equivalentes às de um sumo médio obtido a partir de frutos da mesma espécie, na acepção da alínea a).
2 - «Sumo de frutos concentrado» designa o produto obtido a partir de sumo de uma ou mais espécies de frutos por eliminação física de uma parte determinada da água. Quando o produto se destinar a consumo directo, a água eliminada não poderá representar menos de 50%.
3 - «Sumo de frutos desidratado/em pó» designa o produto obtido a partir de sumo de uma ou mais espécies de frutos por eliminação física de quase toda a água.» (negrito da nossa autoria).
Nos termos da Verba 1.12 (na redacção aqui aplicável) da Lista anexa I do CIVA, estão sujeitos à taxa reduzida: «Refrigerantes, sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas, incluindo os xaropes de sumos, as bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumos.»
Da leitura desta norma, resulta que no seu âmbito de previsão normativa devem considerar-se incluídos não só os «Refrigerantes, sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas, incluindo os xaropes de sumos» como também as «bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumos.»
No caso concreto, os produtos aqui em causa são os que encontram descritos (…) no probatório, em cujas embalagens se indica, respectivamente, o seguinte: “TANG” Laranja - «Frutição – TANG – Laranja – Frutição= A, B2, C, Acido Fólico. Deite o conteúdo da embalagem num recipiente de plástico ou de vidro, junte um litro de água. Mexa e aprecie. (…) Produto em pó para preparação de uma bebida refrigerante aromatizada contendo sumo de laranja desidratado (0,7%) e aroma de laranja. Contém açúcar e edulcorantes»
“TANG” Tropical - «Frutição – TANG – Laranja – Frutição= A, B2, C, Acido Fólico. Deite o conteúdo da embalagem num recipiente de plástico ou de vidro, junte um litro de água. Mexa e aprecie. (…) Produto em pó para preparação de uma bebida refrigerante aromatizada contendo sumo de laranja desidratado (0,4%) sumo de morango desidratado (0,4%) e aroma tropical. Contém açúcar e edulcorantes»
Ora, de acordo as informações veiculadas que se encontram insertas nos rótulos dos produtos “TANG”, não podemos deixar de anuir ao entendimento seguido pelo Tribunal de 1.ª instância, ao ajuizar que estes produtos se enquadram no tipo legal de «Produto em pó para preparação de uma bebida refrigerante aromatizada contendo uma percentagem de sumo desidratado».
Daí que, se entenda que o produto “TANG” reúne os requisitos para se enquadrar no tipo de sumo a que alude o nº3 do Anexo I do Decreto – Lei nº 25/2003 de 24 de Setembro enquanto «produto obtido a partir de sumo de uma ou mais espécies de frutos por eliminação física de quase toda a água.» (Cfr. alínea f) do nº 3 do artigo 3º da Portaria nº 703/96, de 6 de Dezembro).
De facto, o referido produto “TANG” integra o conceito de «produto concentrado de sumo» e, por isso, está abrangido pela verba 1.12 da Lista I anexa ao CIVA, e, consequentemente, sujeito à taxa reduzida de IVA, de 5% (cfr. artigo 18.º, nº1, al. a) do CIVA)).
Cabe, ainda, referir que não se ignora o que vem alegado pela Fazenda Pública nas Conclusões 6.ª a 10º da alegação recursória, porém, da leitura atenta dos diplomas que foram convocados pela Administração Tributária para sustentar as correcções às liquidações, aqui sindicadas, não se retira que o legislador tenha definido uma percentagem mínima de sumo para que um produto possa ser classificado como sumo de fruta desidratado e, como o legislador não o fez, não pode a Administração Tributária criar limites à classificação destes produtos, que não tem correspondência na letra daqueles diplomas.

Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º nº3 do Código Civil), e, assim sendo, só se encontra utilidade na expressão «contendo uma percentagem» se com ela se pretende dizer que fica abrangido pela verba 1.12 da Lista I anexa ao CIVA, todo e qualquer produto que tenha uma porção de sumo desidratado no seu rótulo» (fim de citação).

Com os fundamentos indicados e sem necessidade de maiores considerandos, improcedem todas as conclusões da alegação, sendo de negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.



Lisboa, 25 de Março de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes