Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:52/01.6BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
IRC
PROVA DOS CUSTOS
PROVA TESTEMUNHAL
PROVISÕES PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA
Sumário:I - A impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas, sob pena de rejeição.
II - O caso concreto, mostra à saciedade que a matéria de facto não foi impugnada de forma que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma, desde logo porque não são indicadas as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas em que se funda o recurso, nem tão-pouco foram transcritos os excertos considerados relevantes, sendo certo que a matéria de facto posta em causa assenta, toda ela, além do mais, na produção de prova testemunhal.
III -“O dever de fundamentação expressa apresenta-se como «um instituto» tendo como centro de referência uma declaração que reúne todas e quaisquer razões que o autor assuma como determinantes da decisão, sejam as que exprimam uma intenção de agir, demonstrando a ocorrência concreta dos pressupostos legais, sejam as que visam explicar o conteúdo escolhido a partir dessa adesão ao fim, manifestando a composição de interesses considerados para adoptar a medida adequada à satisfação do interesse público no caso".
IV – No caso, dos pontos indicados no RIT constam as razões de facto e de direito que fundamentaram as correcções em causa, sendo certo que, independentemente de não terem sido disponibilizados os DC 22 (ue não deixam de ser documentos de recolha de dados para uso da AT) à Impugnante, a verdade é que a base fundamentadora da correcções se mostra cabalmente explicitada no RIT, em termos que não deixaram dúvidas à Impugnante que, não apenas as contestou, como o fez com evidente detalhe e conhecimento.
V – “Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos. Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado”.
VI – No caso, a prova testemunhal produzida foi decisiva relativamente à questão de facto em discussão, complementando os documentos internos, de forma a evidenciar os elementos mínimos indispensáveis para efeitos do artigo 23º do CIRC, tornando possível, por outro lado, afastar a aplicação, em concreto, do disposto no artigo 41º, nº1, alínea h) do CIRC.
VII - Provisão é um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, e destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão.
VIII - A não constituição ou a constituição por montantes inferiores de provisões num determinado exercício poderá fazer deslocar para exercícios futuros custos ou perdas pertencentes a este e, em contrapartida, a constituição de provisões desnecessárias ou em montante excessivo difere a tributação dos resultados.
IX - No caso, como resulta do RIT, ressalvadas duas situações, da análise dos elementos da contabilidade resulta que a provisão criada em 1998 incidiu sobre créditos judicialmente reclamados em 1992 e 1995, o que equivale a dizer que o risco de incobrabilidade ocorreu naqueles exercícios económicos e, nessa medida, como a IT entendeu, a provisão deveria ter sido constituída nesses exercícios.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

B... Transportes, S.A. veio deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), referentes aos exercícios de 1997 e 1998.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, na parte em que AT anulou o acto tributário (referente às correcções relativas a subsídios de deslocação e de alimentação dos exercícios de 1997 e 1998) e julgou a impugnação procedente na parte restante.

Inconformada, a Fazenda Pública, veio recorrer da referida sentença, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem reagir da douta sentença proferida em 2019-03-29, no processo n°52/01.6BTLRS, que julgou a inutilidade superveniente da lide quanto às correções relativas a subsídios de deslocação e de alimentação dos exercícios de 1997 e 1998, entretanto anuladas, e no mais julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por B... TRANSPORTES, S.A., NIPC 5..., contra as liquidações adicionais de IRC n°8..., relativa ao exercício de 1997, no valor de €42.334,97 (quarenta e dois mil, trezentos e trinta e quatro euros e noventa e sete cêntimos), e n°83..., relativa ao exercício de 1998, no valor de €592.032,26 (quinhentos e noventa e dois mil, trinta e dois euros e vinte e seis cêntimos), relativa ao exercício de 2007, no valor de € 303.937,85 (trezentos e três mil, novecentos e trinta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), por vício de forma de falta de fundamentação.

B. Nos termos do n°1 do artigo 108° do CPPT, a impugnação deve identificar o ato impugnado, o que consta no introito e no pedido da P.I., sendo deduzida a ação judicial contra as liquidações adicionais do exercício de 1997 e do exercício de 1998.

C. A presente impugnação judicial apenas pode conhecer dos alegados vícios relativos às liquidações adicionais de IRC de 1997 e de 1998, ficando, em nossa opinião, vedada a pronúncia quanto a outros atos que não sejam objeto da presente impugnação.

D. Posto isto, quando se analisa o quantum de prejuízos fiscais constantes das declarações adicionais de IRC de 1997 e de 1998, não se pode debater - em nossa opinião - a fixação de prejuízos fiscais constantes de liquidações de imposto anteriores, dado que essas liquidações não constituem objeto da presente ação judicial, e os valores constantes de outras liquidações de imposto devem ser analisados, debatidos e valorados em ações judiciais próprias.

E. A sentença recorrida, quando se pronuncia sobre os factos considerados provados constantes das alíneas A) a F), a fls.5 da douta sentença, e sobre a notificação da liquidação de IRC de 1996 à Impugnante, de fls. 25 a fls. 28 da douta sentença, está a conhecer de matéria que está excluída da presente impugnação judicial.

F. Ainda, quando a sentença recorrida julga que a impugnação é procedente quanto à redução dos prejuízos fiscais resultante das correções efetuadas no ano de 1996, está a alterar os efeitos jurídicos produzidos pela liquidação de IRC de 1996 no ordenamento jurídico, o que não só não é objeto dos presentes autos, como não poderia ser conhecido em sede da presente impugnação judicial por caducidade do direito de ação da Impugnante quanto à liquidação de 1996.

G. Termos em que não se pode a RFP conformar com o julgamento constante da douta sentença na parte em que altera os prejuízos fiscais a reportar do ano de 1996, nem com o julgamento dos factos considerados provados nas alíneas A) a F).

H. Impugna-se a afirmação constante a fls. 27 da douta sentença que conclui que a AT não demonstrou a efetivação da notificação da liquidação de IRC de 1996, quando, da base instrutória, não consta como provado que a Impugnante não foi notificada da liquidação de IRC de 1996, nem consta como facto não provado que a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC de 1996.

I. Nestes termos, afigura-se existir insuficiência da base instrutória para suportar a conclusão apresentada "Não tendo a AT demonstrado a efetivação da notificação da liquidação de IRC referente ao exercício de 1996 (…)", cf. fls.27 in fine da douta sentença.

J. A douta sentença entendeu que a Impugnante não conheceu dos fundamentos das liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1997 e de 1998, cf. fls. 30 e 31 da douta sentença, julgando a existência de vício de ausência de fundamentação.

K. No entanto, a fls. 28 e 29 da douta sentença, conclui-se que "o RIT referente aos exercícios de 1997 e 1998 (acima parcialmente transcrito, e, também, como se pode verificar da sua leitura, quer se concorde, quer não se concorde, com as correções efetuadas, pelo menos formalmente, apresenta a fundamentação de facto e de direito".

L. Se assim é, e no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo constante, a título de exemplo, no acórdão proferido no processo n°512/17, em 2018-03-14, "Não devendo, ainda, esquecer-se que as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico, É que, neste domínio da fundamentação do acto, é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
Sendo que, no ensinamento de Vieira de Andrade, (O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, p. 231.) o dever formal cumpre-se «... pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Ora, no caso vertente, como bem sublinha o MP, tendo as liquidações por fundamento legal as propostas de correcções ao lucro tributável constantes do relatório da acção inspectiva (cfr. os factos provados, e o n°1 do art.77° da LGT) os excertos desse relatório (acolhidos e no probatório e sintetizados na fundamentação jurídica da sentença) constituem uma exposição clara, suficiente e congruente das razões determinantes das correcções ao lucro tributável dos exercícios questionados.
(...)
Daqui resultando, portanto, que o critério legal adoptado pela AT, está enunciado em termos claros e inteligíveis e foi inequivocamente compreendido pelo sujeito passivo.", disponível em www.dgsi.pt.

M. As liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 1997 e de 1998 encontram-se devidamente fundamentadas, por cumprirem com as exigências legais de fundamentação, não sendo possível manter o julgamento constante da douta sentença recorrida.

N. De facto, a sentença afirma que a AT enviou à Impugnante os relatórios de inspeção e respetivos anexos, dos anos de 1997 e de 1998; e deu como provado que a Impugnante conhecia o teor do relatório de inspeção tributária referente ao exercício de 1996; porém, conclui que a Impugnante desconhece os fundamentos das liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1997 e de 1998 por não terem sido facultados os modelos DC 22, cf. fls. 30 e 31 da douta sentença.

O. De acordo com o teor do relatório de inspeção, é proposto corrigir, cf. fls. 1 e 2 do relatório de inspeção:
1997
Natureza da Correção
Valor
Fundamentação legal
Deslocações e Estadas €152.707,23 Artigo 23.° e alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC - despesa não devidamente documentada
Ajudas de Custo €319.237,91 Alínea d) do n°1 do artigo 23° e da alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC - despesa não devidamente documentada
Outros Fornecimentos e Serviços €138.843,19 Alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC - despesa não documentada, sujeita a tributação autónoma à taxa de 30%, nos termos do artigo 4.° do Decreto-Lei n°192/90, de 9 de junho
TOTAL
€610.788,33

1998
Natureza da Correção
Valor
Fundamentação legal
Deslocações e Estadas €169.643,66 Artigo 23.° e alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC - despesa não devidamente documentada
Ajudas de Custo €341.067,45Alínea d) do n°1 do artigo 23° e da alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC - despesa não devidamente documentada
Provisões não aceites fiscalmente €491.616,91 Artigos 18.°, 33.°, alínea c) do n.° 1 e n.° 2 do artigo 34.° do Código do IRC, falta de prova de realização de diligências para o recebimento do crédito em mora quanto ao cliente S..., Lda., e o crédito do cliente H... não estar em mora há mais de 2 anos

P. Da análise do relatório de inspeção é possível extrair as razões de facto e de direito que suportam as correções que deram origem às liquidações adicionais dos exercícios de IRC de 1997 e 1998.

Q. Existindo prova nos autos que a Impugnante foi notificada do relatório de inspeção e anexo, é forçoso concluir que a Impugnante teve conhecimento das correções ao IRC dos exercícios de 1997 e de 1998, bem como das razões de facto e de direito que constam do relatório e que suportam as referidas correções.

R. O facto de a Impugnante não ter acesso aos DC 22 relativos aos anos de 1997 e de 1998 não altera o conhecimento que a Impugnante tem das correções propostas aos exercícios de 1997 e de 1998.

S. Tanto assim é que a própria P.I. contém, no articulado 3°, a natureza e o valor das correções efetuadas ao exercício de 1997 e de 1998, explicando, a Impugnante, ao longo dos articulados 4.° e 5.° da P. l. a parte das correções que aceita e a parte das correções que impugna, apresentando as razões da sua discordância nos articulados 23° e ss. da P.I.

T. Por isso, compreendendo a Impugnante as razões de facto e de Direito que estiveram subjacentes às correções em sede de IRC aos exercícios de 1997 e de 1998, e sendo dado como provado que as razões de facto e de Direito que fundamentam as correções em sede de IRC aos exercícios de 1997 e de 1998 foram comunicadas pela AT à Impugnante, como se pode julgar que houve ausência de fundamentação legalmente exigida?

U. Reiteramos o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que defende que o dever de fundamentação inclui a obrigação de enunciar os motivos de facto e de direito que motivam o órgão decisor, o que não se confunde com ter razão nos motivos de facto e de direito que suportam o ato, cf. o disposto no acórdão n°1226/13, de 2014-09-10, "Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o órgão decisor, esclarecendo o respectivo destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto. Deste modo, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bónus pater familiae de que fala o artº487°, n°2, do Código Civil-possa ficara conheceras razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto. (...) Contudo, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. Com efeito, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão." (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

V. Na douta sentença, conjectura-se ('Tal situação pode ter resultado (...)", cf. fls. 30 da sentença) que as dúvidas da Impugnante podem advir de a Impugnante não ter sido notificada da liquidação relativa ao exercício de 1996 ("eventualmente, não terá Impugnante sido notificada das liquidações referentes ao exercício de 1996, de que resultou a anulação de prejuízos fiscais.", cf. fls. 30 da sentença).

W. Em primeiro lugar, não foi dado como provado nos autos que a Impugnante não foi notificada da liquidação relativa ao exercício de 1996, pelo que não é possível extrapolar que a Impugnante desconhece a liquidação de IRC de 1996. Em segundo lugar, foi dado como provado nos autos que a Impugnante foi notificada do projeto de relatório e do relatório de inspeção relativo ao ano de 1996, como consta dos factos provados constantes das alíneas A) a E) e do próprio texto da sentença constante a fls. 30.

X. Assim, o facto de a Impugnante não ter acesso aos DC 22 relativos aos anos de 1997 e de 1998 não altera o conhecimento que a Impugnante tem das correções propostas aos exercícios de 1997 e de 1998.

Y. Estando verificados todos os pressupostos da fundamentação (formal) legalmente exigida, não se vê como os atos tributários estão insuficientemente fundamentados.

Z. A sentença recorrida, ao entender de forma diferente, enferma de erro na aplicação do n°2 do artigo 77° da LGT, não merecendo, por isso, a sua confirmação.

AA. Em sede de deslocações, estadas e alimentação, foram corrigidos pela Inspeção Tributária os seguintes valores: não foi aceite como gasto dedutível o valor de €152.707,23 (cinto e cinquenta e dois mil, setecentos e sete euros e vinte e dois cêntimos), para o exercício de 1997, e não foi aceite como gasto dedutível o valor de €169.643,66 (cento e sessenta e nove mil, seiscentos e quarenta e três euros e sessenta e seis cêntimos), para o exercício de 1998.

BB. Os gastos foram desconsiderados porque se encontravam justificados apenas por documentos internos de saída de caixa, cf. Anexo 1 do relatório de inspeção tributária, não sendo as saídas de caixa compatíveis com o facto de (i) as despesas de alimentação suportadas pelos motoristas posteriormente faturadas aos clientes locatários dos veículos, não sendo possível fazer a correspondência entre os valores faturados ao cliente locatário e os valores de despesa de alimentação deduzidos como gasto fiscal, e (ii) os motoristas receberem subsídio de refeição. Por isso, não se encontrando os gastos devidamente documentados, não podem ser aceites como custo fiscal, nos termos da (à data) alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC.

CC. Sobre a matéria, a RFP não se conforma e impugna o julgamento da matéria de facto subjacente, constante das alíneas HH), KK) a MM), e OO) a QQ) dos factos provados.

DD. Os elementos constantes dos autos são insuficientes para se concluir que as saídas de caixa registadas na contabilidade da Impugnante constituem reembolsos de despesas de refeições aos trabalhadores da Impugnante.

EE. Para se concluir que um valor creditado (uma saída de fluxo monetário) na conta 11 (caixa) corresponde a um reembolso de despesa de refeição, é necessário que esteja na contabilidade o documento que comprove a despesa de refeição, um documento interno não comprova a existência da despesa de refeição; em bom rigor, um documento interno apenas comprova que a empresa registou um exfluxo monetário (uma saída de fluxo monetário).

FF. Sobre o conceito de encargo devidamente documentado pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no processo n°658/11, de 2012-07-05, que "(...) II. Se a recorrente, além de não ter apresentado documentos externos identificadores das principais características das transacções, se limita a apresentar notas internas contabilizadas referindo-se a compras, carne, peixe, ovos, e a meros talões de compras, sem identificação das principais características das operações efectuadas, tais como, o objecto, o adquirente, o fornecedor e o preço, não podem relevar como documentos comprovativos dos respectivos custos para efeitos do disposto nos arts.23°, n°1, alínea a), e 42°, n°1, alínea g), do CIRC, preceito segundo o qual para o efeito da determinação do lucro tributável só relevam os encargos devidamente documentados. (...)" (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

GG. Ainda, o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no processo n°837/15, de 2017-02-22, a propósito de despesas confidenciais, "Quando se fala em despesas devidamente documentadas não se refere ao legislador a despesas que constem simplesmente de um documento, mas, neste caso, de despesas que constem de um documento em termos de demonstrar de forma segura que se relacionam com a actividade do contribuinte e que se inserem na actividade que dá a este concreto contribuinte direito a isenção de imposto ou direito a redução de imposto." (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

HH. Os documentos internos emitidos pela Impugnante não têm esta natureza. É verdade que os documentos internos referem o processo de aluguer do autocarro, mas não identifica a operação que suscitou a despesa.

II. Os documentos juntos aos autos também não identificam as características principais de cada operação, não permitindo relacionar, de forma segura, os exfluxos de caixa com as despesas alegadamente incorridas pelos motoristas.

JJ. A Impugnante faturou diversas das despesas de alimentação dos motoristas aos locatários dos veículos, sem que haja correspondência entre a despesa de alimentação alegadamente incorrida e o valor faturado aos clientes.

KK. Ainda, constata-se que foram sempre pagos os valores relativos a subsídio de refeição aos motoristas, mesmo quando apresentassem as referidas despesas de alimentação.

LL. Nestes termos, crê-se que a prova documental é insuficiente para se concluir pela devida documentação dos encargos incorridos, o que, por si só, impossibilita a dedução da despesa como custo fiscal, ao abrigo da alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC.

MM. Ainda que, em tese, se admitisse a prova testemunhal como prova adequada a demonstrar que um encargo se encontra devidamente documentado, sempre a prova testemunhal produzida seria insuficiente para suportar as conclusões constantes da sentença.

NN. As testemunhas inquiridas não podiam conhecer de todas as despesas realizadas pelos motoristas em viagem, dado que não estiveram presentes quando as despesas foram incorridas, desconhecendo a sua ocorrência e o seu valor.

OO. Por maioria de razão, se não é possível aferir a natureza dos exfluxos registados na contabilidade, não se pode extrair com segurança que a despesa seja indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora para efeitos do artigo 23° do Código do IRC.

PP. Nestes termos, com todo o respeito, não se concorda com a conclusão vertida nos presentes autos de que "Afigura-se-nos que a Impugnante logrou demonstrar não só a realização das despesas como também a indispensabilidade a que se refere o artigo 23° do CIRC.", cf. fls. 32 da douta sentença.

QQ. Em sede de ajudas de custo, foram corrigidos pela Inspeção Tributária os valores de €186.355,11 (cento e oitenta e seis mil, trezentos e cinquenta e cinco euros e onze cêntimos), relativo ao exercício de 1997, e o valor de €193.439,74 (cento e noventa e três mil, quatrocentos e trinta e nove euros e setenta e quatro cêntimos), relativo ao exercício de 1998, como gastos não aceites como custo fiscal ao abrigo na alínea d) do n°1 do artigo 23° e na alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC.

RR. Sobre esta matéria, a RFP não se conforma com o julgamento da matéria de facto subjacente, constante das alíneas UU) a XX) dos factos provados.

SS. Nos mesmos termos expostos no capítulo III.3. Da correcão relativa a deslocações, estadas e alimentação supra, salvo melhor opinião, os elementos constantes dos autos são insuficientes para se concluir que os valores pagos a título de ajudas de custo correspondem a efetivos reembolsos de despesas aos trabalhadores.

TT. Não se duvida que a Impugnante pagou os valores de €186.355,11 (cento e oitenta e seis mil, trezentos e cinquenta e cinco euros e onze cêntimos), no exercício de 1997, e de €193.439,74 (cento e noventa e três mil, quatrocentos e trinta e nove euros e setenta e quatro cêntimos), no exercício de 1998.

UU. A dúvida persiste, parece-nos, quanto à natureza dos pagamentos. As ajudas de custo constituem um abono que visa compensar os trabalhadores por incorrerem em despesas que são, de facto, despesas da entidade patronal. Constituem meros reembolsos de despesas assumidas pelos trabalhadores, não tendo, por isso, um carácter remuneratório.

VV. Para se concluir que um valor pago constitui uma ajuda de custo, é necessária uma evidência de que o trabalhador incorreu numa despesa que é agora reembolsada. De outra forma, a despesa não se encontra devidamente documentada, nos termos da alínea h) do n°1 do artigo 41° do Código do IRC.

WW. Recordamos que no entendimento supra exposto do Supremo Tribunal Administrativo, um documento adequado a comprovar uma despesa é um documento escrito, em princípio externo (emitido por outro sujeito passivo) e com a menção das características da operação, incluindo o objeto, o fornecedor, o cliente e o valor.

XX. Os recibos de vencimento juntos como Documento n°13 à P.I. não identificam as despesas incorridas pelos trabalhadores que alegadamente seriam reembolsadas pelas ajudas de custo. Facto é que para se ter a despesa como devidamente documentada seria necessária a existência de um suporte de controlo de deslocações que permita concluir pelos respetivos locais, tempo de permanência, propósito da deslocação e cálculo do valor a reembolsar ao trabalhador.

YY. A prova testemunhal não se afigura ser a mais adequada para substituir a prova documental para demonstrar que um encargo se encontra devidamente documentado. Reiteramos ser difícil para as testemunhas ter conhecimento direto das despesas alegadamente incorridas pelos trabalhadores da Impugnante quando se encontram fora do escritório.

ZZ. Assim, com todo o respeito, não se concorda com a conclusão vertida nos presentes autos de que "Afigura-se-nos que a Impugnante logrou demonstrar não só a realização das despesas com ajudas de custo como também a indispensabilidade a que se refere o artigo 23° do CIRC.", cf. fls. 37 da douta sentença.

AAA. Em sede de provisões para créditos de cobrança duvidosa, foram corrigidos pela Inspeção Tributária o montante de €491.616,91 (quatrocentos e noventa e um mil, seiscentos e dezasseis euros e noventa e um cêntimos). Entendeu a Inspeção Tributária que as provisões constituídas em 1998 eram relativas a créditos cujo risco de incobrabilidade surgiu em exercícios anteriores, pelo que deveriam ter sido levados a custo no exercício em que se constatou a incobrabilidade.

BBB. O Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo Decreto-Lei n°408/89, de 21 de novembro, previa uma conta do balanço - Conta 28 Provisões para cobranças duvidosas, constando das notas explicativas que "Esta conta destina-se a fazer face aos riscos da cobrança das dívidas de terceiros. A provisão será constituída ou reforçada através da correspondente conta de custos, sendo debitada quando se reduzam ou cessem os riscos que visa cobrir." (sublinhado nosso), que tinha como contrapartida uma conta da demonstração de resultados - Conta 671 Provisões para cobrança duvidosa, que permite influenciar o resultado líquido, levando a custo o valor da provisão para cobrança duvidosa.

CCC. O custo com a provisão, devidamente inscrito na contabilidade, é dedutível para efeitos fiscais quando cumpre o disposto nos (à data) artigos 33° e 34° do Código do IRC.

DDD. O Código do IRC determina e determinava quando o crédito é considerado de cobrança duvidosa e, nesses termos, quando deve ser relevada contabilisticamente a provisão respetiva.

EEE. Ora, a alínea a) do nº1 do (à data) artigo 33° do Código do IRC dispunha que podiam ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que têm por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e que sejam evidenciados como tal na contabilidade.

FFF. Consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que "a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente:
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento." (sublinhado nosso), nos termos do nº1 do (à data) artigo 34° do Código do IRC.

GGG. Atendendo a que a alínea a) do n°1 do artigo 33° do Código do IRC determina que as provisões devem ser deduzidas no fim do exercício em que os créditos possam ser considerados de cobrança duvidosa, então, a provisão deve ser constituída no exercício contabilístico correspondente ao ano civil em que (a) seja instaurado o processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores, processo de execução, falência ou insolvência; (b) seja reclamado judicialmente o crédito, e (c) se verifique a mora do crédito há mais de seis meses, tendo-se diligenciado para o recebimento do crédito.

HHH. De acordo com o facto provado na alínea X), constante a fls. 9 da douta sentença, a provisão constituída pela Impugnante em 1998 refere-se a créditos de cobrança duvidosa cuja data de vencimento dos créditos são anteriores a 1995-01-01, exceto quanto ao crédito do cliente H... - Incentivos e Turismo, Lda., cujas datas de vencimento dos créditos se situam ao longo de 1997.

III. Constata-se que a generalidade dos créditos cujo valor foi provisionado foram reclamados judicialmente entre 1992 e 1995.

JJJ. Portanto, parece-nos que resulta do Código do IRC, na redação em vigor em 1998, que a provisão com os créditos reclamados judicialmente entre 1992 e 1995 só podia ser aceite como custo fiscal se inscrita na contabilidade no ano em que o crédito foi reclamado judicialmente.

KKK. Como referiu o Supremo Tribunal Administrativo a propósito da alínea c) do n°1 do artigo 33° do Código do IRC, no acórdão proferido no processo n°164/12, de 2013-09-04, "III. Sob pena de violação do princípio da especialização dos exercícios, a justificar a desconsideração da provisão, impõe-se que esta seja constituída no (primeiro) exercício em que se verificou o risco determinante da sua constituição." (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt, que por identidade de razão se aplica às provisões a que se refere a alínea a) do n°1 do (à data) artigo 33° do Código do IRC.

LLL. Acresce que, sobre o princípio da especialização de exercícios, referiu também o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no processo n°132/05, de 2005-05-18, "Temos pois que a lei permitia que fossem constituídas provisões para cobrir créditos resultantes da actividade normal das empresas que pudessem, no fim do exercício, ser considerados de cobrança duvidosa, se como tal fossem evidenciados na contabilidade, sendo tais provisões consideradas como custos ou perdas do exercício em que fossem evidenciados. Como se refere no acórdão 26080 de 21 de Novembro de 2001, deste Tribunal, "as componentes negativas do lucro tributável são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização de exercícios, só podendo ser imputadas a exercício posterior quando, na data de encerramento das contas do exercício a que deveriam ser imputadas, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas"." (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

MMM. A Impugnante não desconhecia, no termo dos exercícios de 1992, de 1993, de 1994 e de 1995 que tinha intentado as reclamações de créditos dos seus clientes, pelo que não se afigura possível imputar ao exercício de 1998 o custo fiscal destas provisões.

NNN. A correção à provisão do crédito de cobrança duvidosa do cliente H... - Incentivos e Turismo, Lda. resulta de a Impugnante ter provisionado a totalidade do valor do crédito, no exercício de 1998, em violação do disposto na alínea c) do n°1 e no n°2 do artigo 34° do Código do IRC.

OOO. Só seria possível aceitar fiscalmente a provisão constituída pela Impugnante se o crédito do cliente H... - Incentivos e Turismo, Lda. estivesse em mora há mais de 24 meses, o que manifestamente não sucede.

PPP. Finalmente, quanto ao crédito do cliente S..., Ltd. não foram apuradas quaisquer diligências no sentido da cobrança do crédito, pelo que o facto de se encontrar em mora há mais de seis meses era insuficiente para admitir, como custo fiscal, a provisão constituída, ao abrigo da alínea c) do n°1 do artigo 34° do Código do IRC.

QQQ. Termos em que se crê que a sentença ora recorrida padece de erro de julgamento ao anular as correções efetuadas pela Inspeção Tributária e, consequentemente, admitir em 1998 (i) a dedutibilidade fiscal de provisões relativas a créditos de cobrança duvidosa reclamados judicialmente, entre 1992 e 1995, em violação da alínea a) do n°1 do artigo 33°, da alínea b) do n°1 do artigo 34° e do n°1 do artigo 18° do Código do IRC, (ii) a dedutibilidade fiscal da provisão com totalidade do valor dos créditos relativos ao cliente H... - Incentivo e Turismo, Lda., que se encontram em mora há menos de vinte e quatro meses, em violação do disposto na alínea a) do n°1 do artigo 33°, da alínea c) do n°1 e do n°2 do artigo 34° e do n°1 do artigo 18° do Código do IRC, e (iii) a dedutibilidade fiscal da provisão constituída relativamente ao cliente S..., Ltd., quando não foram realizadas diligências no sentido da cobrança do crédito, em violação do disposto na alínea a) do n°1 do artigo 33° e da alínea c) do n°1 do artigo 34° do Código do IRC.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e de Justiça.»


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido do provimento do recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A coberto da Ordem de Serviço n°12852, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) procederam a inspeção à atividade da F... - Transportes e Turismo, Lda., ao exercício de 1996 (conforme resulta de fls. 45).

B) Em matéria de prejuízos fiscais resulta do RIT:
«Na medida que o s.p. declara para o exercício em análise, prejuízo fiscal no valor de 36.301.454$00, a correção proposta (no valor global de 111.734.020$00) vem transformar esse prejuízo em lucro tributável, de montante igual a 75.432.566400.
No entanto, o montante obtido irá ser totalmente absorvido pelos prejuízos fiscais acumulados dos exercícios de 1994 e 1995, no valor de 172.722.420$00, pelo que não haverá lugar a qualquer liquidação em sede de IRC
Saliente-se que para os exercícios de 1997 e 1998, o s.p. ainda terá direito a reportar prejuízos no valor de 97.289.854$00 (172.722.420$00 - 75.432.566$00)» (conforme resulta de fls. 48).

C) A Impugnante exerceu o direito de audição (conforme resulta de fls. 48).

D) Pelo ofício n°19835, de 13/11/2001, foi a F..., Lda., notificada do relatório de inspeção tributária (conforme resulta de fls. 44).

E) Das correções efetuadas no relatório a que se refere a alínea anterior não resultou qualquer imposto a pagar (conforme resulta de fls. 419 do II volume do PAT em apenso).

F) Resulta do “print informático” da DGSI que, em 05/03/2002, foi expedida carta registada para notificação da liquidação à Impugnante (conforme resulta de fls. 420 do II volume do PAT em apenso).

G) Em 24/04/2002 foi enviada a carta aviso para efeitos de inspeção externa, aos exercícios de 1997 e de 1998, à firma então designada F... - Transportes e Turismo, L.da. (atual B... Transportes, S.A.), contribuinte n.º 5..., com sede na Rua de A..., em 2675 - PÓVOA DE SANTO ADRIÃO, pertencente ao concelho de Odivelas (Serviço de Finanças de Odivelas - código 4227), no cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs 12.853 e 12.854, datadas de 19/06/2001, emitidas pelo Serviço de Prevenção e inspeção Tributária - Divisão II, com o código PNAIT “22 320” (conforme resulta de fls. 151 do II volume do PAT em apenso).

H) A ação de inspetiva verificou-se no dia 03 de maio de 2002 e teve o seu terminus em 21 de junho de 2002, com a emissão da respetiva Nota de Diligência (conforme resulta de fls. 151 do II volume do PAT em apenso).

I) A inspeção abrangeu os exercícios de 1997 e de 1998 teve como base a informação dos pedidos de reembolsos de IVA, bem como a análise do DAC - Documento de Análise Crítica no âmbito do Acompanhamento Permanente, de que faz parte a empresa, onde foram detetadas algumas situações passíveis de serem analisadas em ação de inspeção externa (conforme resulta de fls. 151 do II volume do PAT em apenso).

J) A Impugnante foi constituída em 01/07/1981 e faz parte do grupo de empresas conhecido pelo GRUPO B..., ligado ao setor de transportes rodoviário e ferroviário de passageiros (conforme resulta de fls. 151 do II volume do PAT em apenso).

K) O GRUPO B... foi alvo de reestruturação durante o ano de 2001, o que implicou a cessação da F... que foi integrada, através duma fusão, na empresa B... Transportes, S A. (ex. Rodoviária da Estremadura) contribuinte n°5..., com sede na Avenida S..., em Lisboa (conforme resulta de fls. 151/152 do II volume do PAT em apenso).

L) Para efeitos de IRC, a Impugnante encontra-se inscrita no cadastro no regime geral, pela atividade de transporte interurbano em autocarro, correspondente ao CAE 60212 (conforme resulta de fls. 151 do II volume do PAT em apenso).

M) Para efeitos de IVA, está enquadrado no regime de tributação normal, com periodicidade mensal (conforme resulta de fls. 152 do II volume do PAT em apenso).

N) Tem contabilidade organizada, utilizando meios informáticos para o registo das respetivas operações (conforme resulta de fls. 152 do II volume do PAT em apenso).

O) Os documentos são classificados de acordo com o POC, estando arquivados cronologicamente em pastas de acordo com a natureza das operações (conforme resulta de fls. 152 do II volume do PAT em apenso).

P) Dispõe dos livros e registos de escrituração referidos no artigo 31 ° do Código Comercial nomeadamente. Diário, Razão, Inventario e Balanços e o Livro de Atas, encontrando-se os mesmos escriturados sem atrasos de registos, superior ao tempo permitido por lei (conforme resulta de fls. 152 do II volume do PAT em apenso).

Q) A atividade principal da Empresa consiste na prestação de serviços de aluguer de autocarros c/ condutor a firmas tanto nacionais como estrangeiras, que organizam viagens, roteiros turísticos, excursões e outros tipos de passeios ou visitas (conforme resulta de fls. 153 do II volume do PAT em apenso).

R) Os autocarros que a Impugnante utiliza na sua atividade, não são próprios, mas sim veículos adquiridos por outras empresas do Grupo B..., postos ao seu serviço, por contrapartida de uma prestação mensal (renda) (conforme resulta de fls. 153 do II volume do PAT em apenso).

Exercício de 1997

S) Em matéria de deslocações e estadas e despesas com refeições, resulta do Relatório de Inspeção Tributária (RIT):
«O sujeito passivo considerou como custo fiscal do exercício na conta 62.02.27 - Deslocações e Estadas - Diversos, o montante total de Esc. 79.295.93$500 (€ 395.526.48). Dentro deste valor, encontram-se relativamente a despesas com alimentação dos motoristas, nos serviços prestados pelo aluguer de viaturas com condutor, o pagamento aos mesmos no valor de Esc. 30.615.050$00 (€ 152.707,23).
Estas despesas encontram-se justificadas por documentos internos de saída de caixa (Anexo I. folhas 15 a 19), fazendo correspondência ao processo de aluguer do autocarro. No referido processo são registados diversas despesas suportadas pelo motorista no aluguer efetuado, que posteriormente são faturadas ao cliente locatário da viatura ou consideradas como custo do exercício.
Um dos itens faturados refere-se às refeições dos motoristas (Anexo I, folhas 25 a 44). No entanto não se verifica qualquer correspondência entre os valores faturados e os valores de despesas de refeição considerados como custo fiscal.
Assim, na medida em que os referidos encargos não se encontram justificados da sua indispensabilidade para obtenção dos proveitos nem, por outro lado, se encontram devidamente documentados, não serão de considerar os valores pagos como despesas de alimentação, no montante de Esc. 30.615.050$00 (€ 152.707,23), como custo fiscal do exercício, nos termos do artigo 23.° e da alínea h), do n°1, do artigo 41 ° (renumerado para artigo 42 pelo Decreto-Lei n.° 198/2001 de 3 de julho), ambos do Código do IRC.
De notar, que todos os motoristas recebem subsídio de alimentação por parte da F..., L.da, atual B... Transportes, S.A.» (conforme resulta de fls. 154-155 do II volume do PAT em apenso)

T) Em matéria de ajudas de custo, a Impugnante contabiliza, “mensalmente, no momento do processamento de salários … nas contas 64.01.09 e 64.02.13 - Custos com o Pessoal - Ajudas de Custo, despesas relativas a ajudas de custo. Os valores contabilizados no exercício em análise atingiram o montante total de Esc. 64.001.455$00 (€ 319.237,91), discriminado mensalmente como se indica no quadro seguinte:
Mês
Conta 64.01. 09 (Custos
de Pessoal, Corpos
Gerentes, Ajudas de Custo)
Conta 64.02.13 (Custos c/ Pessoal, Pessoal, Ajudas de Custo)
Total
Janeiro
122.500,00
2.852.600,00
2.975.100,00
Fevereiro
73.940,00
1.290.950,00
1.364.890,00
Março
67.700,00
3.557.100,00
3.624.800,00
Abril
67.700,00
3.952.602,00
4.020.302,00
Maio
65.800,00
4.795.238,00
4.861.038.00
Junho
65.800,00
7.062,403,00
7.128.203,00
Julho
65.800,00
6.950.075,00
7.015.875,00
Agosto
72.850,00
7.137.732.00
7.210.582,00
Setembro
65.800,00
5.513.470,00
5.579.270,00
Outubro
94.200,00
7.416.860,00
7.511.060,00
Novembro
65.800,00
7.201.340,00
7.267.140,00
Dezembro
75.800,00
5.367.395,00
5.443.195,00
Total
903.690,00
63,097.765,00
64.001.455,00

Relativamente ao referido custo, não existe suporte documental válido e justificativo dos encargos em causa, conforme informação do Técnico de Contas constante do respetivo Termo de Declarações (Anexo 2, folha 59). Para contabilizar como ajudas de custo o sujeito passivo teria de possuir, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seria possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivos, pelo que se considera um encargo não devidamente documentado.
Assim, nos termos definidos pelo artigo 23.º n° 1, alínea d) e pelo artigo 41 nº1 Alínea h), do Código do IRC (renumerado para artigo 42°, pelo Decreto-Lei n ° 198/2001 de 3 de julho), não é de aceitar o valor total de Esc. 64.001.455$00 (€ 319.237,91) como custo fiscal, pelo que será acrescido à matéria coletável do exercício (conforme resulta de fls. 155-156 do II volume do PAT em apenso)

Exercício de 1998:
V) Em matéria de deslocações, estadas e despesas de refeição, constataram os SIT que a Impugnante “…considerou como custo fiscal do exercício na conta 62.02.27 - Deslocações e Estadas — Diversos, o montante total de Esc. 91.553.011$00 (€ 456.664,49). Dentro deste valor, encontram-se relativamente a despesas com alimentação dos motoristas nos serviços prestados pelo aluguer de viaturas com condutor, o pagamento aos mesmos no valor de Esc. 34.010.500$00 (€169.643,66).
Estas despesas encontram-se justificadas por documentos internos de saída de caixa (Anexo I, folhas 20 a 24), fazendo correspondência ao processo de aluguer do autocarro. No referido processo são registados diversas despesas suportadas pelo motorista no aluguer efetuado, que posteriormente são faturadas ao cliente locatário da viatura ou consideradas como custo do exercício.
Um dos itens faturados refere-se às refeições dos motoristas (Anexo 1, folhas 45 a 58). No entanto não se verifica qualquer correspondência entre os valores faturados e os valores de despesas de refeição considerados como custo fiscal.
Assim, na medida em que os referidos encargos não se encontram justificados da sua indispensabilidade para obtenção dos proveitos, nem por outro lado se encontram devidamente documentados, não serão de considerar os valores pagos como despesas de alimentação, no montante de Esc: 34.010.500$00 (€ 169.643,66), como custo fiscal do exercício, nos termos do artigo 23° e da alínea h), do n°1, do artigo 41° (renumerado para artigo 42.°, pelo Decreto-Lei n.° 198/2001 de 3 de julho), ambos do Código do IRC.
De notar, que todos os motoristas recebem subsídio de alimentação por parte da F..., Lda., atual B... Transportes, S.A.” (conforme resulta de fls. 157 do II volume do PAT em apenso).

W) Quanto às ajudas de custo, resulta do RIT, que mensalmente, no momento do processamento de salários a Impugnante “contabiliza nas contas 64.01.09 e 64.02.13 - Custos com o Pessoal - Ajudas de Custo, despesas relativas a ajudas de custo. Os valores contabilizados no exercício em análise atingiram o montante total de Esc. 68.377.945$00 (€341.067,75),discriminado mensalmente como se indica no quadro seguinte:
Mês
Conta 64.01.09 (Custos c/ Pessoal, Corpos Gerentes, Ajudas de Custo)
Conta 64.02.13 (Custos de Pessoal, Pessoal, Ajudas de Custo)
Total
Janeiro
65.800,00
3.282.995,00
3.348.795,00
Fevereiro
65.800,00
1.907.940,00
1.973.740,00
Março
65.800,00
1.830.090,00
1.895.890,00
Abril
65.900,00
3.195.050,00
3.260.950,00
Maio
65.900,00
5.895.740,00
5.961.640,00
Junho
65.900,00
7.3/4.660,00|
7.380.560,00
Julho
65.900,00
8.535.850,00
8.601750,00
Agosto
133.300,00
7.192.630,00
7.325.930,00
Setembro
83.000,00
7.077.970,00
7.160.970,00
Outubro
82.950,00
6.700.210,00
6.783.160,00
Novembro
128.750,00
9,468.760,00
9.597.510,00
Dezembro
82.700,00
5.004.350,00
5.087.050,00
Total
971.700,00
67.406.245,00
68.377.945,00

Relativamente ao referido custo, não existe suporte documental válido e justificativo dos encargos em causa, conforme informação do Técnico de Contas constante do respetivo Termo de Declarações (Anexo 2, folha 59). Para contabilizar como ajudas de custo o sujeito passivo teria de possuir, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seria possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivos, pelo que se considera um encargo não devidamente documentado.
Assim, nos termos definidos pelo artigo 23.°, n° 1, alínea d) e pelo artigo 41 n ° 1, alínea h), do Código do IRC (renumerado para artigo 42 °, pelo Decreto-Lei n ° 19S/2001 de 3 de julho), não é de aceitar o valor total de Esc. 68.377.945$00 (€ 341.067,75) como custo fiscal, pelo que será acrescido à matéria coletável do exercício(conforme resulta de fls. 158-159 do II volume do PAT em apenso).


X) Quanto às “III 3.2.3. Provisões do Exercício”, a Impugnante “contabilizou como custos do exercício o reforço da provisão para créditos de cobrança duvidosa, no valor de Esc. 107.310.000$00 (€535.260,02). Esta importância é referente a clientes com créditos em mora cujas datas de vencimento desses créditos são anteriores a 01.01.1995, exceto no cliente H... - Incentivos e Turismo, Lda. cujas datas de vencimentos se situam ao longo do ano de 1997.
Quanto ao cliente S.... Ltd, com um total de crédito de cobrança duvidosa de Esc. 74.086.893$00 (€ 369.543,86), que representa 70% do total da provisão, não existem elementos objetivos sobre as ações propostas bem como provas documentais de terem sido efetuadas diligências para o recebimento do crédito em mora, pelo que não pode ser aceite como custo fiscal, nos termos do artigo 33° e da alínea c) do n°1 do artigo 34°, ambos do Código do IRC (remunerados para artigos 34 ° e 35 ° respetivamente, pelo Decreto-Lei n.° 198/2001 de 3 de julho).
Por outro lado, na maior parte dos outros clientes de cobrança duvidosa em que foi criada a provisão para créditos de cobrança duvidosa em 1998, constata-se que foi acionada judicialmente entre 1992 e 1995 o processo ordinário de reclamação dos créditos nos tribunais, pelo que o risco de incobrabilidade surgiu nesses exercícios económicos anteriores, sendo que a provisão deveria ter sido constituída a partir dessa altura, pelo que não poderá ser aceite fiscalmente como custo em 1998 nos termos do artigo 18 ° do Código do IRC, que consagra o princípio da especialização dos exercícios. Constituiu provisão no valor de Esc. 15.771.438$00 ( € 78.667,60), para o cliente H... - Incentivos e Turismo, L.da., com a percentagem de 100%, para créditos de cobrança duvidosa, cujos créditos não estão em mora à mais de 2 anos, desde a data do respetivo vencimento, contrariando por isso a alínea c) do n.° 1 e o n.° 2 do artigo 34.° do Código do IRC (renumerado para artigo 35.°, pelo Decreto- Lei n ° 198/2001 de 3 de julho).

Pela análise da conta-corrente (Anexo n°4. folhas 63 a 64) verificamos o seguinte:
Percentagem Valor Provisão
Créditos à + 6 meses
25%
0$00
0$00
Créditos à + 12 e -18 meses
50%
12.315.678$00
6.157.839$00
Créditos à + 18 e - 24 meses
75%
3.455.760$00
2.591.820$00
Créditos à + 24 meses
100%
0$00
0$00
TOTAIS
15.771.438$00
8.749.659$00

Como referido acima só é aceite o reforço da provisão do cliente H... no valor de Esc. 8.749.659$00 (€ 43.643,12).
Assim nos termos definidos pelos artigos 18°, 33° e da alínea c) do n°1 e do nº2 do artigo 34 °, todos do Código do IRC (renumerados para artigos 18 °, 34 ° e 35º respetivamente, pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 de 3 de julho), não é de aceitar o valor de Esc. 98.560.341$00 (€ 491.616,91), como custo fiscal pelo que será acrescido a matéria coletável do exercício. (…)» (conforme resulta de fls. 160-161 do II volume do PAT em apenso)

Y) Em 27/06/2001 foi enviada a Notificação, nos termos do artigo 60° da LGT - Lei Geral Tributária e artigo 60.° do RCPÍT - Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, no sentido do contribuinte exercer o direito de audição (conforme resulta de fls. 163 do II volume do PAT em apenso).

Z) A F..., Lda. «exerceu o direito de audição por escrito, com a entrega em 11/07/2002, no 11° Serviço Local de Finanças de Lisboa, de um requerimento dirigido ao respetivo chefe do serviço, no sentido de que pretende efetuar o pagamento da coima com redução a 75% do mínimo legal, nos termos do artigo 29° do RGIT. Refere também no requerimento que as infrações fiscais imputadas resultam de divergente interpretação entre a Administração Tributária e o contribuinte, não acrescentando mais nada para corroborar a sua interpretação divergente, pelo que se mantém as correções propostas» (conforme resulta de fls. 163 do II volume do PAT em apenso).

AA) Em 18/09/2002, a AT elaborou as liquidações impugnadas (conforme resulta de fls. 22 e 23).

BB) O prazo para pagamento voluntário terminou em 04/11/2002.

CC) Em 07/10/2002, a Impugnante requereu à AT a notificação dos fundamentos de facto em de direito das liquidações adicionais de IRC, relativas aos exercícios de 1997 e 1998, nomeadamente os mapas de apuramento modelo DC 22 elaborados pelos Serviços de Fiscalização Tributária (conforme resulta de fls. 57).

DD) A AT, por ofício de 08/11/2002, enviou à Impugnante certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 11, e informou que “a cópia dos DC 22 requeridos pelo sujeito passivo não são relevantes para a fundamentação das referidas liquidações” (conforme resulta de fls. 60 a 67).

EE) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 31/01/2003 (conforme carimbo aposto a fls. 2).

FF) As correções técnicas efetuadas, pela Inspeção Tributária, não aceita a impugnante os montantes de 471.945,14€ e 967.303,84€, referentes aos exercícios de 1997 e 1998, respetivamente, assim discriminada; (valores em €);
Anos Natureza das Correções Valor(€)
1997 Deslocações e estadas Ajudas de Custo
152.707,23 319.237,91
Total
471.945,14
1998 Deslocações e estadas Ajudas de Custo Provisões do exercício
169.643,66 341.067,75 456.592,43
Total
967 303,84

(Conforme resulta do RIT de fls. 148 e segs. do PAT em apenso).

GG) No que se refere a “Deslocações e Estadas - Despesas com refeições”, a impugnante relevou na sua contabilidade, nos anos de 1997 e 1998, os montantes de 395.526,48€ e 456.664,49€, dos quais naqueles anos Administração Tributária corrigiu os montantes de 152.707,23€ 169.643,66€.
(Conforme resulta do RIT de fls. 148 e segs. do PAT em apenso).

HH) Os referidos montantes que foram corrigidos pela fiscalização reportam-se a despesas pagas aos motoristas com a sua alimentação, no âmbito dos serviços prestados pelo aluguer de viaturas com condutor no estrangeiro (conforme depoimento da testemunha C...).

II) A atividade da impugnante consiste, essencialmente, no aluguer de autocarros de grande turismo aos grandes operadores internacionais, o que implica que tenha permanentemente no estrangeiro cerca de 100 viaturas e respetivos motoristas, os quais permanecem fora de Portugal durante quase todo o ano, deslocando-se apenas a Portugal de 3 em 3 meses para visitar os seus familiares (conforme depoimento da testemunha C...).

JJ) A fls. 5 e 8 do relatório da fiscalização aduzem-se as razões que estiveram na origem da não aceitação deste tipo de despesas, nos anos de 1997 e 1998, designadamente o facto de se encontrarem “justificadas por documentos internos de saída de caixa, fazendo correspondência ao processo de aluguer do autocarro (...) que posteriormente são faturadas ao cliente locatário da viatura ou consideradas como custo do exercício” (conforme resulta do RIT de fls. 148 e segs. do PAT em apenso).

KK) Ora, a impugnante releva na sua contabilidade os pagamentos de refeições aos motoristas através dos documentos de caixa, bem como de um mapa de despesas de viagem, donde constam todos os elementos para identificar a origem deste tipo de despesas, tais como: natureza das despesas, nome do motorista, n.º da viatura, cliente, processo, data de início e fim do serviço efetuado (conforme documento nº9 e depoimento da testemunha C...).
LL) Os referidos pagamentos correspondem a um ressarcimento das despesas realizadas pelo motorista para se alimentar por sua conta, durante o período em que se encontra ausente no estrangeiro (conforme depoimento da testemunha C...).
MM) Na realidade, existem por vezes situações em que as despesas de refeição dos motoristas da impugnante, são associadas aos contratos estabelecidos com as agências de viagens, tendo em conta as especificidades da atividade designadamente a programação dos próprios serviços (Tours) (conforme depoimento da testemunha C...).
NN) Alega a fiscalização no seu relatório a fls. 5 e 8 que “No entanto não se verifica uma correspondência entre os valores faturados e os valores de despesas de refeição considerados como custo fiscal” (Conforme resulta do RIT de fls. 148 e segs. do PAT em apenso).
OO) Na situação em apreço a faturação às agências de viagens engloba o valor do serviço propriamente dito, e uma parte das despesas com a alimentação dos motoristas destinada a compensar a impugnante dos correspondentes custos incorridos, pelo que o valor faturado sendo uma verba previamente acordada com a agência, pode efetivamente ser diferente daquela que foi estabelecida pagar ao motorista em determinadas condições concretas (por exemplo o país onde se encontra a prestar o serviço) (conforme documento n.º 10 e depoimento da testemunha C...).
PP) As despesas são reais e foram pagas aos motoristas, pelo que não obstante a forma como foram contabilizadas, sempre configuram ajudas de custo na parte referente às refeições, uma vez que as respetivas dormidas são pagas pela agência ou pagas contra fatura pela impugnante, exceto quando são incluídas na própria ajuda de custo, pelo que tais verbas consubstanciam parte da ajuda de custe diária no estrangeiro atribuída ao motorista (conforme depoimento da testemunha C...).
QQ) A obrigação de pagamento de subsídio de alimentação é contratual, dado que resulta do Contrato Coletivo de Trabalho (ANTROP) que os subsídios de refeição são pagos cumulativamente com as despesas de refeição (conforme documento 11 depoimento da testemunha C...).
RR) Relativamente a despesas com ajudas de custo, a impugnante contabilizou na conta “Custos com o Pessoal - Ajudas de Custo”, nos anos de 1997 e 1998, os montantes de 319.237,91€ e 341.067,75€, respetivamente, assim discriminados (valores em €)
Subsídio Deslocação - Pais
5.899,93
8.434,27
Subsídio Deslocação - Estrangeiro
126.268,39
138.422,10
Subsídio Alimentação (Gerência)
714,48
771,64
Soma
132.882,80
147.628,01
Ajudas de Custo
186.355,11
193439,74
Soma
186.355,11
193.439,74
Total
319.237,91
341.067,75
(Conforme resulta do RIT de fls. 148 e segs. do PAT em apenso).

SS) A DGCI corrigiu os valores de 132.882,80 € e 147.628,01€, relativos aos anos de 1997 e 1998, respetivamente, porém, os mesmos foram objeto de tributação na esfera dos beneficiários (empregados) da impugnante, designadamente em sede de IRS e Segurança Social, o que se comprova através dos recibos de vencimentos (Conforme resulta do RIT de fls. 148 e segs. do PAT em apenso, documento nº13, junto com a PI e depoimentos das testemunhas).

TT) Os referidos montantes, apesar de relevados indevidamente na contabilidade como ajudas de custo, referem-se a subsídios de deslocação e alimentação, os quais já foram efetivamente tributados em IRS, por retenção na fonte, e Segurança Social, por desconto nos respetivos vencimentos dos trabalhadores (conforme resulta do depoimento das testemunhas).

UU) As despesas com ajudas de custo, designadamente alimentação e alojamento, destinaram-se a fazer face a efetivas despesas de deslocação ao serviço da empresa (conforme resulta do depoimento das testemunhas).

VV) Os beneficiários daquelas importâncias incorreram efetivamente em despesas com alimentação e dormidas, no âmbito das suas deslocações ao serviço da impugnante, despesas, estas, que vieram a ser ressarcidas mediante os pagamentos das correspondentes ajudas de custo, sem que estas coincidam com os pagamentos das refeições dos motoristas que configuraram, também, ajudas de custo (conforme resulta do depoimento das testemunhas).

WW) Apenas eram exigidos os referidos recibos de vencimentos para suportar os custos com as ajudas de custo (conforme resulta do documento n.º 13 junto com a PI e dos depoimentos das testemunhas).

XX) A impugnante sempre observou, na atribuição das ajudas de custo aos seus empregados no território nacional, as condições estabelecidas no Decreto-Lei n°519-M/79, de 28 de dezembro, revogado pelo Decreto-Lei n°106/98, de 24 de abril, bem como nas ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro, nos termos do Decreto-Lei nº 192/95, de 28 de julho, sem ultrapassar os limites fixados para os servidores do Estado (conforme resulta do depoimento das testemunhas).

YY) Relativamente aos créditos de cobrança duvidosa, sempre teve, até ao momento em que decidiu constituir as correspondentes provisões, como viável o total ressarcimento dos mesmos (conforme resulta do depoimento da testemunha D...).

ZZ) Apenas reconheceu o custo para efeitos fiscais quando constatou o risco da não cobrança dos respetivos créditos (conforme resulta do depoimento da testemunha D...).

AAA) O não reconhecimento em momento anterior dos custos, associados à constituição das provisões para créditos de cobrança duvidosa, se a alguém poderia ter desfavorecido, esse alguém, teria sido unicamente a impugnante (conforme resulta do depoimento da testemunha D...).

BBB) Tendo em atenção o princípio contabilístico da prudência, entendeu a impugnante que, somente em 1998, o risco de incobrabilidade estava plenamente justificado, pelo que somente nesta data constitui a adequada provisão para cobertura deste crédito, em conformidade com os princípios de contabilidade geralmente aceites e com o entendimento perfilhado no Ofício-Circulado nº023298-DSIRC, de 96.05.06 (conforme resulta do depoimento da testemunha D...).

CCC) Em apreciação da presente impugnação foi elaborada a informação n.º 573/03-GO, que constitui fls. 383 a 416, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
«(…)
C1 - Quanto às “Deslocações E ESTADAS - Despesas com refeições”.
55° - O sujeito passivo (F..., Lda.) contabilizou como custo fiscal (conta 62227 do POC - Deslocações e estadas - Diversos), no âmbito da prestação de serviços de aluguer de viaturas com condutor, o pagamento de despesas de alimentação dos motoristas nos montantes de 152.707,23 €s (exercício de 1997) e 169.643,66 €s (exercício de 1998).
56° - A Administração Tributária não considerou aqueles encargos como custos para efeitos fiscais, aduzindo a seguinte fundamentação de facto e de direito (Vd, Ponto III - 3.1.1 e 3.2.1 do relatório da Inspeção Tributária, fls. 154/155) e 157/158 dos autos, respetivamente).
56.1- Aquelas despesas encontravam-se justificadas por documentos internos de saída de caixa (Anexo n°1 do relatório da I.T. - fls.165 a 174 do presente processo, documentos esses que fazem referência ao processo de aluguer do autocarro.
56.2- Porém, sendo as despesas com a alimentação suportadas pelos motoristas posteriormente faturadas ao cliente locatário da viatura (anexo n°1 do relatório da I.T., fls. 175 a 208 do presente processo), apurou-se, do cotejo daquelas faturas com os documentos internos de saída de caixa, que não existe qualquer correspondência entre os valores faturados ao cliente locatário e os valores de despesas de refeição considerados pela impugnante como custo fiscal.
56.3.- Por outro lado, apurou-se, que todos os motoristas recebiam subsídio de refeição por parte da F..., Lda. (atual B... Transportes, S.A).
56.4 - Assim, face aos factos apurados, a Administração Tributária concluiu, por não se mostrar devidamente comprovada a indispensabilidade daqueles encargos para a realização dos proveitos ou ganhos e por não se encontrarem devidamente documentados, que aqueles valores pagos aos motoristas a título de despesas de alimentação não deveriam ser aceites como custo para efeitos fiscais, nos termos do art.23° e da alínea h) do n°1, do art.41° (atual al. g) do n°1 do artº42°), ambos do Código do IRC.
57° - Decorre do art.23° do CIRC, sem prejuízo do previsto no artº41° do mesmo diploma, que são de considerar como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, ou seja, que sem a ocorrência dos custos não seria possível a obtenção dos proveitos.
58° - Por sua vez, a al. h) do n°1 do art.41° do CIRC (atual al. g) do n°1 do art.42°) determina que não são dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável, os encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício.
59° - A ausência de qualquer dos requisitos previstos nos artigos anteriormente referidos implica que as verbas despendidas não possam ser consideradas como custos para efeitos fiscais, devendo, caso contabilizadas pelo contribuinte como custos, ser adicionadas ao resultado contabilístico.
60º- No caso dos autos, uma vez que os valores faturados aos locatários das viaturas, a titulo de despesas de alimentação dos motoristas, não correspondem aos valores de despesas de refeição considerados pela impugnante como custo fiscal, impunha-se que o registo contabilístico adotado pela impugnante tivesse como suporte documento que, emitido nos termos legais, provasse inequivocamente a ocorrência daquela despesa de alimentação e, consequentemente, do custo.
61° - De facto, nos documentos internos de caixa, a impugnante faz referência ao processo de aluguer do autocarro, porém, tal não justifica, por si, que aquelas verbas correspondem de facto a despesas de alimentação incorridas pelos motoristas pois não é apresentado qualquer documento legal que teste a ocorrência efetiva da despesa efetuada pelos motoristas e a natureza da mesma.
62° - Por outro lado, os documentos internos de saída de caixa, emitidos pela impugnante e com os quais pretende justificar a efetiva ocorrência das despesas de alimentação, são meros documentos justificativos de fluxos monetários e não propriamente documentos justificativos de custos.
63° -Refere a impugnante (art. 29° da P.l.) que os pagamentos efetuados correspondem a um ressarcimento das despesas realizadas pelo motorista para se alimentar por sua conta, durante o período em que encontra ausente no estrangeiro.
64° - Ora, atendendo à natureza da despesa invocada pela impugnante (despesa alimentação dos motoristas) e atendendo que os motoristas recebiam o subsídio de refeição, o grau de exigibilidade ao nível da prova da efetiva ocorrência daquelas despesas e da relação com os proveitos deve ser rigorosa, sob pena de estarmos perante verdadeiras remunerações do trabalho por conta de outrem, sujeitas a IRS, encapotadas sob a forma de despesas de alimentação.
65° - A fim da Administração Tributária aferir os requisitos da dedutibilidade fiscal daquelas despesas, teria o contribuinte de produzir prova inequívoca, uma vez que o ónus recai sobre ele (art. 77° da LGT), da indispensabilidade daquelas despesas para a realização dos proveitos ou ganhos bem como da real natureza daquelas exibindo documento de suporte emitido nos termos legais, por força do previsto nos artigos 23°, 41° e 98, n° 3 do CIRC, prova essa que manifestamente não produz.
66° - Em conclusão, pelas razões expostas e de acordo com o disposto nos art. 23° e 41° (atual art. 42°), ambos do CIRC, não podem as despesas em análise ser aceites como custos para efeitos fiscais, sendo de manter a correção de 152.707,23€s (exercício de 1997) e 169.643,66 €s (exercício de 1998) efetuada pela Inspeção Tributária.

DDD) Relativamente às ajudas de custo, resulta da referida informação:
«C2 - Quanto às Ajudas de custo (319.237.91 €s reportadas ao exercício de 1997 e 341.067.75 €s ao exercício de 1998) assim discriminadas:
Exercício 1997 Exercício 1998
1)Subsídio de deslocação - no País
5.899,93
8.432,27
2) Subsídio de deslocação - no estrangeiro
126.268,39
138.422,10
3) Subsidio de alimentação (Gerência)
714,48
771,64
Soma
132.888,80
147.628,01
4) Ajudas de custo
186.355,11
193.439,74
Total (€s)
319.237,91
341.067,75
Total (escudos)
64.001.455$
68.377.945$
67° - Após consulta do processo junto da Secretaria do T.T. 1ª Instância, 5º Juízo, 2ª Secção, é de informar, tendo em vista as alegações da impugnante sob os art.s 36° a 49° da petição e o teor dos anexos n° 13 invocado no art. 38° da petição, o seguinte:
68° - De facto, retira-se do conteúdo do anexo n° 13 junto ao processo de impugnação (fls. 335 e ss. daquele processo) (4) que os subsídios de deslocação e alimentação identificados sob os n.ºs 1), 2) e 3) do quadro que antecede foram efetivamente sujeitos a retenção na fonte em sede de IRS e objeto de descontos para a segurança social ou seja, foi dado àquelas verbas um tratamento fiscal como se de rendimento do trabalho dependente, sujeito a IRS, se tratasse.
69° - Assim, uma vez que tais verbas foram sujeitas a IRS na esfera do beneficiário das mesmas, somos de parecer, apesar de terem sido relevadas na contabilidade indevidamente como “Ajudas de custo” (conforme reconhece o contribuinte (art. 39 da P.l.) que deverão ser aceites como custo fiscal dos respetivos exercícios devendo, consequentemente, ser anulada a correção de 132.888,80 €s (exercício de 1997) e de 147.628,01 €s (exercício de 1998).
70° - Quanto às restantes verbas contabilizadas como Ajudas (de custo no montante de 186.335,11€s (exercício de 1997) e 193.439,74€s (exercício de 1998), verificou-se que as mesmas não foram objeto de retenção na fonte em sede de IRS, sendo excluídas do âmbito de incidência daquele imposto.
71° - Posto isto, quanto ao mérito da correção é de referir o seguinte:
71.1- Relativamente às ajudas de custo abonadas pelas empresas aos seus trabalhadores, é entendimento da Administração Tributária que as mesmas serão aceites como custo do exercício nos termos da al. d) do n°1 do art.23° do CIRC, desde que se destinem a fazer face a despesas de deslocação ao serviço da empresa e que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.
71.2- Ora, o processamento contabilístico daquelas despesas em simultâneo com o processamento dos salários não satisfaz, quer os requisitos impostos pelo art.23° do CIRC, quer os impostos pela al. h) do n° 1 do art.41° do mesmo diploma.
71.3- Mesmo que tais verbas constem dos respetivos recibos de vencimento (excluídas de tributação em sede de IRS) tal não prova, por si, a natureza de tais despesas, a motivação das deslocações que as originaram e se efetivamente tais despesas se mostram indispensáveis à obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitas a imposto.
71.4- Ora, é entendimento da Administração Fiscal, a fim de aferir os requisitos impostos pelo art.23° do CIRC e, consequentemente, da dedutibilidade ou não daquelas despesas para efeitos fiscais, que as mesmas se encontram devidamente documentadas quando o boletim itinerário emitido pelo trabalhador indique o dia ou dias em que esteve deslocado, o local e, acima de tudo, a natureza do serviço efetuado que originou a deslocação, pois só assim se pode aferir da indispensabilidade daquela e a realização dos proveitos, e o respetivo abono diário o total.
71.5- E não se diga que a Administração Tributária não procurou aferir a razão e materialidade das Ajudas de custo (art. 49° da P.I.) porquanto, sendo o Técnico de Contas da ora impugnante questionado sobre o pagamento daquelas, afirmou
“ ...os únicos documentos de suporte que a empresa F... possui para fundamentar o pagamento das importâncias de ajudas de custo, incluídas no processamento dos ordenados e salários mensais dos empregados, discriminadas nos recibos de vencimentos, são esses próprios recibos assinados pelos empregados, não possuindo assim quaisquer mapas discriminativos e justificativos dos montantes em causa, nomeadamente motivo, local e dias inerentes a essas ajudas de custo" (Cf. Termo de Declarações sob fls. 209 do presente processo).
71.5 - Assim, face ao exposto na presente informação e ao exposto pela I.T. (Vd. 155/156 e 158/159), atendendo que o contribuinte não exibiu prova válida e justificativa da natureza das operações que justifiquem as ajudas de custo não provando, consequentemente, a indispensabilidade das mesmas para a realização dos proveitos, somos de parecer, com fundamento legal na al. d) do n° 1 do art. 23° e al. h), nº 1 do art. 41° (atual art. 42°), ambos do CIRC, que as verbas de 186.335.11 €s (exercício de 1997) e 193.439,74 €s (exercício de 1998) não devem ser aceites como custo para efeitos fiscais.

EEE) Relativamente ao reforço da provisão para créditos de cobrança duvidosa, resulta da citada informação:
«C3 - Quanto à não-aceitação como custo fiscal do exercício de 1998, do reforço da provisão para créditos de cobrança duvidosa no montante de 491.616.91€.
72° - Segundo Ponto III -3.2.3 do relatório da Inspeção Tributária (fls. 160/161 do presente processo), o contribuinte contabilizou como custo do exercício de 1998 o reforço da provisão para créditos de cobrança duvidosa, no valor de 535.260,02 €s.
73° - Daquela provisão, não foi aceite como custo fiscal o montante de 491.616,91
€s, sendo acrescido ao lucro tributável apurado pelo contribuinte, pelas seguintes razões:
73.1- Quanto à provisão criada sobre o crédito de 369.543,86 €s detido sobre o cliente “S..., Lda", apurou-se, em sede da ação inspetiva, que não existem elementos objetivos sobre as ações propostas bem como provas documentais de terem sido efetuadas diligências no sentido do recebimento do crédito em mora.
Assim, a provisão criada sobre aquele crédito não foi aceite como custo fiscal, nos termos do art. 33° e da al. c) do n° 1 do art. 34°, ambos do Código do IRC (renumerados para artigos 34° e 35° respetiva mente, pelo Dec.-Lei n° 198/2001, de 3 de julho);
73.2 - Referente ao cliente “H... - lncentivos e Turismo, Lda.”, a impugnante constituiu a provisão para créditos de cobrança duvidosa no montante 78.667,60 €s, correspondente a 100% do crédito detido sobre aquele cliente.
Porém, da análise da conta-corrente daquele cliente apurou-se, face à estrutura da mora dos créditos detidos, haver apenas lugar à constituição da provisão no montante de 43.643,12 €s pelo que só foi aceite o reforço da provisão neste montante, por força do previsto na al. c) do n° 1 e n° 2 do art. 34 do Código do IRC (atual art. 35°).
77.3 - Quanto à restante provisão para créditos de cobrança duvidosa criada no exercício de 1998 a I.T. apurou que aquela incidiu sobre créditos reclamados judicialmente entre 1992 e 1995.
Atendendo que o risco de incobrabilidade dos créditos ocorreu naqueles exercícios económicos, considerou a I.T. que a provisão deveria ter sido constituída a partir daquela altura , não podendo ser aceite no exercício de 1998 nos termos do art. 18° do CIRC, que consagra a princípio da especialização dos exercícios.
74 - Assim, nos termos do artigos 18°, 33° e da al. c) do n° 1 e do n° 2 do art. 34° do CIRC (atuais arts. 18°, 34° e 35° do mesmo diploma), a Administração Tributária sancionou não ser de aceitar como custo fiscal do exercício a provisão no montante de 491.616,91 €s resultante de (535.260,02 €s - 43.643,12 €s (cliente “H...”).
75°- A impugnante não questiona os pressupostos de facto subjacente àquelas correções, porém, não aceita aquele procedimento estribada, em síntese, nos seguintes argumentos:
- Da lei não resulta quando devem ser constituídas as provisões e, consequentemente, em que exercício devem ser consideradas como custo para efeitos fiscais;
-estando plenamente justificado o risco de incobrabilidade dos créditos apenas em 1998, a constituição da provisão só teria lugar, face ao princípio contabilista da “Prudência", naquele exercício.
76° - Em matéria de provisões, estabelece o artº33° do CIRC (atual artº34°) que podem ser deduzidas para efeitos fiscais, entre outras, aquelas que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciadas como tal na contabilidade (al. a), n°1 do artº33° do CIRC).
77° - Para efeitos da constituição daquela provisão, o artº34° do CIRC (atual artº35°) considera créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado, o que se verifica, entre outros, nos seguintes casos:
-Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento; (al. c), n°1 art.34° do CIRC).
Quanto aos créditos que reúnam estas condições, a provisão acumulada não pode ser superior às percentagens previstas nas diversas alíneas do n° 2 daquele artigo, percentagens essas dependentes do tempo em mora.
- Os créditos tenham sido reclamados judicialmente. (Al. b), n° 1, do art. 34° do CIRC).
Quanto a estes créditos (reclamados judicialmente), a provisão pode ser constituída em 100% dos respetivos montantes.
78° - Ora, a constituição das provisões baseia-se nos princípios contabilistas da prudência (possibilidade de integrar nas contas um grau de precaução em condições de incerteza/risco de incobrabilidade dos créditos) e da especialização dos exercícios (os proveitos ou custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento), princípio este acolhido pelo 18° do CIRC, tendo em vista a periodização do lucro tributável.
79° - Encontrando-se um crédito em mora há mais de seis meses, cabe ao contribuinte avaliar, em resultado das diligências efetuadas tendentes ao recebimento daquele crédito, se há risco ou não de incobrabilidade do mesmo.
Caso conclua, daquelas diligências, que há risco de incobrabilidade, deve criar a provisão nos termos da al. a) do n°1 do artº33° e al. c) do n° 1 do artº 34° do CIRC, sendo tal provisão de aceitar fiscalmente com base na mora e pela percentagem a esta correspondente prevista nas diversas alíneas do n° 2 do art. 34° do CIRC.
A título de exemplo, isto significa que o contribuinte pode, num determinado exercício, criar uma provisão de 100%, sem em exercícios anteriores ter criado a provisão por 25%, 50% ou 75%, caso entre a data de vencimento daquele crédito e o exercício em que aferiu do risco de incobrabilidade do mesmo tiverem decorridos mais de 24 meses e a Administração Tributária não verificar, em sede de ação de fiscalização, que existem dados que permitam demonstrar, objetivamente, que o risco de incobrabilidade surgiu, por exemplo, em períodos ou exercícios económicos anteriores.
Caso contrário, por força do previsto no artº18° do CIRC (periodização do lucro tributável), deveria o contribuinte criar/reforçar a provisão que em cada exercício tivesse cabimento, em função do tempo de mora e pela correspondente taxa limite prevista nas diversas alíneas do n°2 do artº34° do CIRC.
Por outro lado, caso o crédito esteja em mora há mais de seis meses mas não existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, o contribuinte poderá constituir a provisão para efeitos contabilísticos, porém, tal provisão não será de admitir fiscalmente por ausência do requisito previsto na parte final do n° 1 da al. c) do art.34° do CIRC.
80° - Por sua vez, quanto aos créditos reclamados judicialmente, tal ação justifica, por si, a existência de risco de incobrabilidade, podendo o contribuinte constituir/reforçar a provisão até 100% dos créditos reclamados.
81º - Posto isto, somos de parecer, atentos à matéria de facto detetada pela inspeção tributária (não contestada pela impugnante) e ao direito aplicável, que os argumentos da impugnante não colhem, sendo de manter a não aceitação como custo de 1998 da provisão para créditos de cobrança duvidosa no montante 491.616,91€s, pelas razões que passamos, objetivamente, a expor.
82° - Quanto à provisão para créditos de cobrança duvidosa - Cliente S..., Lda.
82.1- Nos termos do artº34° do CIRC (atual) artº35°). entre outros são créditos de cobrança duvidosa, suscetíveis de constituição/reforço de provisão fiscalmente dedutível, aqueles relativamente aos quais se encontrem reunidas as seguintes condições(al. c) do n°1 do artº34° do CIRC)
- estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento;
- existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
82.2- Uma vez que a presença daqueles requisitos é cumulativa, a falta de qualquer deles implica a não consideração, para efeitos fiscais, da provisão criada.
82.3- Ora, em sede de ação de fiscalização conclui-se pela inexistência de elementos objetivos sobre as ações propostas (reclamação judicial de créditos) e pela inexistência de provas documentais de terem sido efetuadas diligências tendentes ao recebimento daqueles créditos, o que nos leva a concluir que não podem ser considerados, apesar da mora superior a seis meses (condição necessária mas não suficiente), de cobrança duvidosa uma vez que não se mostra justificado o risco de incobrabilidade.
82.4- Assim, com fundamento legal na al. c) “in fine" do n°1 do artº34° do CIRC e no n°1 do artº33° do mesmo diploma (e não no artº18° do CIRC), não deve esta provisão ser aceite fiscalmente, por ausência dos requisitos legalmente exigidos.
83” - Quanto à provisão tendo por base os créditos detidos sobre o cliente “H...- Incentivos e Turismo, Lda.”.
83.1- A correção efetuada não teve por fundamento a não observação das condições previstas na al. c) do nº1 do art.34” do CIRC, nem tão-pouco o princípio da especialização dos exercícios previsto no art.18° daquele diploma.
83.2- Tal correção deveu-se ao facto (não contestado pela impugnante) do contribuinte ter criado a provisão, face à estrutura da mora dos créditos, em percentagens superiores às previstas no n° 2 do artº34° do CIRC.
83.3- Assim, não contrariando a impugnante os pressupostos de facto (Vd. apuramento dos créditos em mora sob fls. 161 dos autos) e de direito subjacentes a esta correção, a mesma é de manter por força do previsto no n° 2 do artº34° do CIRC (atual art. 35°).
84° - Quanto à provisão efetuada no exercício de 1998, tendo por base créditos reclamados judicialmente entre 1992 e 1995, é de referir o seguinte:
84.1- O legislador estabeleceu, objetivamente, várias condições para que os créditos se considerem, para efeitos fiscais, de cobrança duvidosa, entre as quais:
“Os créditos tenham sido reclamados judicialmente" (cf. al. b) do n° 1 do art. 34° do CIRC”.
84.2- Ora, se o credor reclama judicialmente os créditos entre 1992 e 1995, de tal ação decorre que o risco de incobrabilidade já se verificava naqueles períodos pois, caso assim não fosse, não intentava o contribuinte tal ação.
84.3- É absurdo que, reclamados judicialmente tais créditos entre 1992 e 1995, venha agora a impugnante defender que “somente em 1998, o risco de incobrabilidade estava plenamente justificado” (Vd. Art. 61° da P.I.).
84.4- Configurando a provisão um custo do exercício, a sua constituição/reforço baseia-se nos princípios contabilísticos da prudência e da especialização dos exercícios, este acolhido pelo artigo 18° do CIRC (periodização do lucro tributável) cujo desiderato é a tributação do rendimento que em cada período se gera.
84.5- Da não constituição da provisão nos exercícios de 1992 a 1995, exercícios em que, face à reclamação judicial dos créditos, se dá por provado o risco de incobrabilidade, resultou que a impugnante fez deslocar custos que pertenciam àqueles exercícios para o exercício de 1998, distorcendo os resultados quer daqueles quer deste, violando o disposto no artº18° do CIRC.
Aliás, a deslocação de tais custos para o exercício de 1998 poderá não estar alheia ao facto da impugnante nos exercícios de 1994, 1995, 1996, e 1997 já apresentar prejuízos para efeitos fiscais, sendo que apenas no exercício de 1998 apura resultados fiscais positivos (lucro tributável declarado no montante de 588.671,84€s).
84.6- Além do mais, estabelece o artº33° do CIRC " 1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercido possam ser consideradas de cobrança duvidosa...”
84.7- Fazendo o legislador referência ao “fim do exercício”, e não a outro momento qualquer, também aqui está implícito que a provisão deve ser criada em 31 de dezembro do ano em que o risco de incobrabilidade se deu por aferido (data que coincide, em regra, com o fim do exercício económico e período de tributação – artº7º do CIRC), risco esse que no caso vertente se dá por verificado nos anos de 1992 a 1995.
Assim, deveria a provisão ser criada (e considerada como custo fiscal) nos exercícios em que se verificaram os pressupostos previstos na lei que a legitima e não, arbitrariamente, em outro qualquer exercício.
84.8- Em conclusão, sendo os créditos reclamados judicialmente entre 1992 e 1995, a provisão teria de ser constituída naqueles exercícios, por força do previsto no artº18° do CIRC e de acordo com os critérios definidos no arts. 33° e 34° do CIRC
85° - Não tendo o contribuinte contabilizado aquela provisão como custos dos exercícios a que respeitam (1992 a 1995), não deve tal provisão, por força do previsto nos artigos anteriormente referidos e por força do entendimento veiculado pela Circular n° 14/93, de 23 de novembro da DSIRC, ser aceite como custo do exercício de 1998, sendo de manter, por devida, a correção efetuada pelos serviços de Inspeção Tributária.»

CONCLUSÃO:

Nestes termos, somos de parecer, com os fundamentos vertidos nos artigos 68° e 69° da presente informação, que a correção levada a cabo pela Inspeção Tributária referente a Ajudas de custo, no montante de 132.882,80 €s (exercício de 1997) e 147.628,01 €s (exercício de 1998) deve ser anulada com todas as consequências legais, sendo de considerar o seguinte:
1)Prejuízos Fiscais acumulados a 31/12/96 a reportar para os exercícios seguintes:
485.279,75 €s.
2)Tributação autónoma dos exercícios de 1997 e 1998 (a manter).
3)Lucro tributável corrigido a considerar:
Exercícios 1997 1998
1)Lucro Tributável (1° apuramento)
192.644,82
1.591.000,16
2) Custos aceites fiscalmente
132.882,80
147.628,01
3) Lucro tributável corrigido (2° apuramento) (1-2)
57.762.02
1.443.372,15
4) Prejuízos fiscais a deduzir
57.627,02
427.652,73
(…)
e nos termos do presente parecer, propõe-se que o ato impugnado seja:
Parcialmente Revogado (…)»


2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
De realçar os depoimentos das testemunhas que pareceu sério e credível.
A testemunha A... é escriturário e em 1997 e 1998 trabalhava nos serviços de pessoal da sociedade impugnante, tratando dos salários e admissões. Esclareceu o modo de processar as ajudas de custo que eram determinadas em função das viagens que os motoristas faziam e modos predefinidos consoante o país ou países onde var decorrer a viagem. Alguns motoristas que percorriam a Europa e ficavam por um, dois ou três meses e só quando vinham para Portugal é que certavam as contas. O subsídio de refeição é pago a toda a gente que trabalha para a Impugnante. O valor da alimentação é fixo mas varia de pais para pais.
A testemunha D... é Técnico de Contas e presta serviços de técnico de contas para a F... antes da fusão. Esclareceu que por cada serviço a um cliente era criado um dossier onde eram apurados os valores que eram pagos por cheque. Os valores das ajudas de custo eram pré-fixadas anualmente e variavam de país para país. Por regra, por cliente é contratualizado o valor do serviço e se houver situações complementaridade (v.g. uma excursão adicional) e os custos adicionais aprecem indicados com custos não contratualizados, excecionais. Quanto às provisões para créditos incobráveis esclareceu que se questionou o momento em que se deveriam considerar e a Impugnante elegeu como relevante o momento em que teve a consciência plena da impossibilidade de cobrar. A impugnante ia tentando receber, ia tentando as diversas démarches (reuniões cartas do advogado, que vinham devolvidas etc.) e quando se chega ao limite é preciso provisionar. O facto do cliente se atrasar no pagamento não quer dizer que não pague.
A testemunha C... é empregado de escritório e trabalha para a impugnante desde 1976. Trabalha na área do pessoal e é responsável pelos serviços de pessoal, nomeadamente, paga os vencimentos e trata de tudo o que está relacionado com os trabalhadores. Esclareceu que a Impugnante vende os serviços ao km e as despesas do motorista e do autocarro são por conta da Impugnante. O custo do km engloba o custo do autocarro, do motorista, do empregado de escritório, das instalações, etc. Para as despesas de alimentação existe uma tabela para cada País. As deslocações e estadas e despesas com refeições são valores prefixados e que o trabalhador conhece e já sabe quanto vai receber. As despesas com os motoristas – dormidas e refeições - são por conta da Impugnante e têm que ser pagas. Os autocarros da Impugnante são sempre alugados com condutor, exceto nos alugueres entre empresas de transportes. O subsídio de refeição atribuído aos motoristas tem um valor simbólico e é pago o mesmo valor a todos os trabalhadores sejam ou não motoristas. Os valores das ajudas de custo estão todos previstos e o trabalhar sabe o que vai receber ao nível da alimentação que varia consoante o país em que esteja o motorista. A Impugnante sempre praticou valores acima das tabelas e por isso nunca tiveram greves e os trabalhadores estão mais motivados. Por cada serviço que é prestado aos clientes é criado um processo que é numerado onde é indicado o nome do cliente, o nome do motorista, o serviço que fez, as datas em que andou e o valor que lhe foi pago. Os motoristas quando saem têm um programa pré- definido e para além do trabalho normal podem prestar serviços extra que serão debitados.

*
2.3. FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.»

*

- De Direito

Como se vê de tudo quanto deixámos transcrito, são diversas as questões que nos vêm dirigidas.

Vejamos por partes, começando pelas conclusões A) a I), nas quais, se bem interpretamos, a Fazenda Pública defende que o Tribunal não poderia ter conhecido, em sede de impugnação das liquidações de IRC de 1997 e 1998, a “fixação de prejuízos fiscais constantes de liquidações de imposto anteriores, dado que essas liquidações não constituem objecto da presente ação judicial. Para a Recorrente, “A sentença recorrida, quando se pronuncia sobre os factos considerados provados constantes das alíneas A) a F), a fls.5 da douta sentença, e sobre a notificação da liquidação de IRC de 1996 à Impugnante, de fls. 25 a fls. 28 da douta sentença, está a conhecer de matéria que está excluída da presente impugnação judicial”. No caso, a sentença “está a alterar os efeitos jurídicos produzidos pela liquidação de IRC de 1996 no ordenamento jurídico, o que não só não é objeto dos presentes autos, como não poderia ser conhecido em sede da presente impugnação judicial por caducidade do direito de ação da Impugnante quanto à liquidação de 1996”. Refere, ainda, que a Fazenda não se pode “conformar com o julgamento constante da douta sentença na parte em que altera os prejuízos fiscais a reportar do ano de 1996, nem com o julgamento dos factos considerados provados nas alíneas A) a F)”, mais impugnando “a afirmação constante a fls. 27 da douta sentença que conclui que a AT não demonstrou a efetivação da notificação da liquidação de IRC de 1996, quando, da base instrutória, não consta como provado que a Impugnante não foi notificada da liquidação de IRC de 1996, nem consta como facto não provado que a Impugnante foi notificada da liquidação de IRC de 1996”.

Vejamos o que dizer a este propósito, lembrando que na p.i a impugnante insurgia-se contra a circunstância de nas liquidações de 1997 e 1998 os prejuízos fiscais reportados de anos anteriores terem sido considerados apenas em € 485.279,75, em vez de €1.042.606,69 apurados e declarados pela impugnante em 1994, 1995 e 1996. Em concreto, a Impugnante insurgia-se relativamente ao ano de 1996, pois “a redução de prejuízos fiscais, resultante das correcções efectuadas no ano de 1996 no montante de €557.326,94, nunca foi notificada à impugnante para efeitos do disposto no artigo 128º, nº5 do CIRC conjugado com o artigo 102º, nº1, alínea b) do CPPT, uma vez que a impugnante apenas foi notificada nos termos do artigo 77º da LGT, donde consta que “da presente notificação, será a breve prazo, notificada da liquidação pelos competentes serviços da DGCI onde constará indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação”.

Comecemos por deixar devida nota do discurso argumentativo alinhado na sentença sobre a questão que aqui nos ocupará.

Aí se escreveu:

“2.4.2. Invoca a Impugnante que:

- Nos exercícios de 1997 e 1998, que os prejuízos fiscais reportados de anos anteriores foram apenas considerados por 485.279,75 €, em vez de 1.042.606,69 € apurados e declarados pela impugnante nos exercícios de 1994, 1995 e 1996:

- A redução dos prejuízos fiscais resultou da Inspeção Tributária ao ano de 1996, no montante de 557.326,94 €, que nunca foi notificada à impugnante para efeitos do disposto no artigo 128°, nº5, do CIRC conjugado com o artigo 102°, nº1, alínea b), do CPPT, uma vez que a impugnante apenas foi notificada nos termos do artigo 77° da LGT, donde consta que “da presente notificação, será a breve prazo, notificada da liquidação pelos competentes Serviços da DGCI onde constará indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação”;

Assim, é indevida a correção no montante de 557.326,94€, ao resultado fiscal declarado pela impugnante do ano de 1996, por já haver caducado o direito a qualquer liquidação relativamente ao exercício em causa, sob pena de violação de disposto no artigo 45° da Lei Geral Tributária, conjugado com o nº5 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.

Vejamos: Resulta do RIT:

- A coberto da Ordem de Serviço n.º 12852, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) procederam a inspeção à atividade da F... – Transportes e Turismo, Lda., ao exercício de 1996.

- Em matéria de prejuízos fiscais resulta do RIT:

«Na medida que o s.p. declara para o exercício em análise, prejuízo fiscal no valor de 36.301.454400, a correção proposta (no valor global de 111.734.020$00) vem transformar esse prejuízo em lucro tributável, de montante igual a 75.432.566$00.

- No entanto, o montante obtido irá ser totalmente absorvido pelos prejuízos fiscais acumulados dos exercícios de 1994 e 1995, no valor de 172.722.420$00, pelo que não haverá lugar a qualquer liquidação em sede de IRC

Saliente-se que para os exercícios de 1997 e 1998, o s.p. ainda terá direito a reportar prejuízos no valor de 97.289.854$00 (172.722.420$00 - 75.432.566$00)»

-A Impugnante exerceu o direito de audição;

-Pelo ofício n.º 19835, de 13/11/2001, foi a F..., Lda., notificada do relatório de inspeção tributária;

-Das correções efetuadas no relatório a que se refere a alínea anterior não resultou qualquer imposto a pagar;

-Resulta do “print informático” da DGSI que, em 05/03/2002, foi expedida carta registada para notificação da liquidação à Impugnante.

A primeira questão que importa apreciar é a de saber se a F..., Lda., foi ou não notificada da liquidação adicional referente ao exercício de 1996, que reduziu os prejuízos fiscais, embora não tenha sido apurado qualquer imposto a pagar.

Não se ignora que a F..., Lda. não só foi notificada do projeto de relatório, relativamente ao qual exerceu o direito de audição, como também, foi notificada do relatório final de inspeção tributária. Portanto é acertada a conclusão da AT que a F..., Lda. tinha conhecimento das correções aos prejuízos fiscais referentes ao exercício de 1996.

Porém da notificação do relatório final de inspeção constava expressamente que “da presente notificação, será a breve prazo, notificada da liquidação pelos competentes Serviços da DGCI onde constará indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação”.

A AT refere na informação que suporta a contestação que:

-A Impugnante foi notificada, nos termos do art. 77° da LGT, da alteração do prejuízo fiscal do exercício de 1996, de 181.070.89 € para o lucro tributável de 376.256,05 €.

- Igualmente, foi notificada da liquidação do IRC do exercício de 1996, da qual consta a matéria coletável nula e sem IRC a pagar;

- Daqueles elementos notificados, retira-se que os prejuízos fiscais a reportar para os exercícios posteriores a 1996 foram reduzidos de 1.042.606,69 € para 485.279,75 €, redução essa do inteiro conhecimento da impugnante;

- Assim, tinha o contribuinte, nos termos do art.102° do CPPT, 90 dias contados da notificação da liquidação (sem imposto a pagar), para impugnar judicialmente aquele ato tributário contestando, por essa via, o mérito das correções efetuadas aos prejuízos por si apurados naquele exercício e, concomitantemente, a alteração dos prejuízos deduzidos nos exercícios posteriores a 1996 levada a cabo pela Administração Tributária por força do previsto no art. 47°, n° 4 do CIRC.

Vejamos então os elementos probatórios oferecidos pela AT no sentido da demonstração da efetivação da notificação sindicada.

Para demonstrar a efetivação da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1996, a AT junta os “prints” informáticos, extraídos do seu sistema informático, que constituem fls. 417 a 421 do II volume do PAT.

Ora, tais prints informáticos o que sugerem é que foi lançada a informação no sistema informático da DGCI, o que apenas serve de informação interna dos serviços, mas não se destina a provar externamente o cumprimento das formalidades legais.

Por outro lado, o lançamento da informação no mencionado sistema não atesta a realização da notificação, mas apenas que alguém dos serviços lançou essa informação no sistema.

Por último, os dados do sistema não permitem acompanhar na totalidade as vicissitudes da própria notificação (a forma utilizada - carta registada ou com A/R, a morada para o foi enviada, se o aviso de receção veio ou não assinado, se dele consta o n.º de B.I. de quem assinou a notificação, se a carta veio devolvida e, em caso positivo, o motivo da devolução, etc.)

O ónus da prova da notificação das liquidações cabe à AT, nos termos do artigo 74º da LGT.

Não basta, para os efeitos visados, um mero print interno, processado pelos respectivos serviços da AT; tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria Administração, para efeitos internos, não oponíveis à executada – neste sentido Ac. do TCAS, de 19/03/2015, recurso n.º 07740/14, consultável em www.dgsi.pt

No mesmo sentido, entre outros, consultáveis em www.dgsi.pt, o Ac. do TCAS, de 13/10/2017, proferido no recurso n.º 1245/09.3BEALM; Ac. do TCAN, de 07/12/2017, recurso n.º 00964/09.9BEVIS, Ac do TCAN, de 12/04/2013, proferido no recurso n.º 01727/07.1BEPERT; Ac. do TCAN, de 27/02/2014, proferido no recurso n.º 00076/11.5BEPERT, etc.

Ora, um mero print interno, processado pelos respetivos serviços da AT. Tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria Administração, para efeitos internos, não oponíveis à executada. Na verdade, os ditos prints não provam a remessa da liquidação em causa para a morada da Recorrente, nem o seu recebimento, sendo ainda de realçar que nada nos garante que os prints juntos estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório – neste sentido Ac. do TCAS, de 19/03/2015, recurso n.º 07740/14, consultável em www.dgsi.pt

Por conseguinte, não tendo sido efetuada a notificação da liquidação (ou não se demonstrando que houve uma notificação validamente efetuada), estará afetada a eficácia da liquidação (artigos 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, n.º 1, do CPPT).


*

Porém, a não observância da forma de notificação legalmente exigida constituirá uma irregularidade que não afetará o valor da notificação, desde que se comprove que ela foi efetivamente efetuada, uma vez que as formalidades processuais são meios de garantir objetivos e não finalidades em si mesmas. Daí que, sempre que seja atingido o objetivo, serão irrelevantes as irregularidades, considerando-se sanada a deficiência – cfr. J. Lopes de Sousa, in CPPT anotado, Vol. I, pág. 375, Áreas Editora.

Refere a Impugnante que a redução dos prejuízos fiscais, resultante das correções efetuadas no ano de 1996 no montante de 557.326,94 €, nunca Lhe foi notificada para efeitos do disposto no artigo 128°, n.º 5 do CIRC conjugado com o artigo 102°, n.º 1, alínea b) do CPPT, uma vez que a impugnante apenas foi notificada nos termos do artigo 77° da LGT, donde consta que “da presente notificação, será a breve prazo, notificada da liquidação pelos competentes Serviços da DGCI onde constará indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação”.

E conclui a Impugnante que não tendo a sido notificada, até 2002.12.31, de qualquer alteração ou correção aos prejuízos fiscais declarados nos anos de 1994, 1995 e 1996, deixou a Administração Tributária caducar o direito à liquidação de IRC, relativamente aos referidos anos.

Ora, resulta do artigo 47º, nº4, do CIRC:

4 - Quando se efetuarem correções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efetuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite.

Não tendo a AT demonstrado a efetivação da notificação da liquidação de IRC referente ao exercício de 1996, no prazo de seis anos é ineficaz em relação à Impugnante a alteração dos prejuízos fiscais no referido ano de 1996.

Termos em que, nesta parte, a presente impugnação é procedente”.

Vejamos.

Em primeiro lugar, há que dizer que, contrariamente ao que pressupõe a Recorrente, o Tribunal não debateu o quantum dos prejuízos fiscais constantes de liquidação de impostos anteriores, ou seja, o Tribunal não apreciou se o seu valor foi, ou não, correctamente alterado e fixado.

O Tribunal recorrido apenas cuidou de apreciar da eficácia da alteração dos prejuízos anteriormente fixados e, perante a ineficácia dos mesmos, a sua repercussão ao nível das liquidações subsequentes. Dito de outra forma, o Tribunal não trilhou a análise da validade de acto tributário respeitante ao exercício de 1996, pelo que essa crítica que é apontada à sentença não colhe.

Ora, os factos constantes de A) a F), não impugnados, são, como se percebe, o circunstancialismo necessário a aferir da eficácia do acto tributário de 1996, de alteração de prejuízos, na medida em que da sua eficácia depende a consideração, ou não, dos prejuízos para os exercícios seguintes.

Para efeitos de aferição da apontada eficácia, o raciocínio teve que passar – como não poderia deixar de ser – pela notificação do acto tributário em causa, do exercício de 1996 e, nessa medida, o Tribunal levou ao probatório os elementos disponíveis sobre a comunicação do acto, que no essencial se resumem a meros prints extraídos do sistema informático. De tais prints o Tribunal extraiu – e bem – uma consequência, no sentido de dizer que os mesmos não provam a notificação do acto neles referenciado, salientando que o ónus da prova de tal notificação cabe à AT.

Aliás, e contrariamente ao que refere a Recorrente na conclusão H), não se impunha ao Tribunal levar ao probatório a notificação, ou não notificação do acto, sabido que a conclusão sobre se um acto foi, ou não, notificado, é já uma conclusão que se há-de retirar da aplicação de regras jurídicas, em matéria de notificações, a determinado circunstancialismo de facto.

Em suma, não cremos que o Tribunal tenha, conforme sustenta a Recorrente, “conhecido matéria que está expluída da presente impugnação judicial”.

Limitando-se a Recorrente, tal como resulta das conclusões a atacar este conhecimento (ou a possibilidade desse conhecimento) e não o sentido (leia-se, o mérito) do decidido, e uma vez que já tomámos posição sobre o primeiro aspecto, nada mais há a dizer quanto à valia da apreciação feita, pois – repete-se – em momento algum ela vem posta em causa.

Termos em que improcedem as conclusões que vimos de analisar.


*

Prosseguindo.

Insurgindo-se contra a decisão sobre as correcções relativas a Deslocações, Estadas e Alimentação e, bem assim, contra o decidido a propósito das Ajudas de Custo, a Recorrente, Fazenda Pública, impugna a matéria de facto, concretamente as alíneas HH), KK), MM), OO), QQ), UU) a XX).

Tais pontos da matéria de facto, apresentam o seguinte teor:

“HH) Os referidos montantes que foram corrigidos pela fiscalização reportam-se a despesas pagas aos motoristas com a sua alimentação, no âmbito dos serviços prestados pelo aluguer de viaturas com condutor no estrangeiro (conforme depoimento da testemunha C...).

(…)

KK) Ora, a impugnante releva na sua contabilidade os pagamentos de refeições aos motoristas através dos documentos de caixa, bem como de um mapa de despesas de viagem, donde constam todos os elementos para identificar a origem deste tipo de despesas, tais como: natureza das despesas, nome do motorista, n.º da viatura, cliente, processo, data de início e fim do serviço efetuado (conforme documento nº9 e depoimento da testemunha C...).

(…)

MM) Na realidade, existem por vezes situações em que as despesas de refeição dos motoristas da impugnante, são associadas aos contratos estabelecidos com as agências de viagens, tendo em conta as especificidades da atividade designadamente a programação dos próprios serviços (Tours) (conforme depoimento da testemunha C...).

(…)

OO) Na situação em apreço a faturação às agências de viagens engloba o valor do serviço propriamente dito, e uma parte das despesas com a alimentação dos motoristas destinada a compensar a impugnante dos correspondentes custos incorridos, pelo que o valor faturado sendo uma verba previamente acordada com a agência, pode efetivamente ser diferente daquela que foi estabelecida pagar ao motorista em determinadas condições concretas (por exemplo o país onde se encontra a prestar o serviço) (conforme documento n.º 10 e depoimento da testemunha C...).

(…)

QQ) A obrigação de pagamento de subsídio de alimentação é contratual, dado que resulta do Contrato Coletivo de Trabalho (ANTROP) que os subsídios de refeição são pagos cumulativamente com as despesas de refeição (conforme documento 11 depoimento da testemunha C...).

(…)

UU) As despesas com ajudas de custo, designadamente alimentação e alojamento, destinaram-se a fazer face a efetivas despesas de deslocação ao serviço da empresa (conforme resulta do depoimento das testemunhas).

VV) Os beneficiários daquelas importâncias incorreram efetivamente em despesas com alimentação e dormidas, no âmbito das suas deslocações ao serviço da impugnante, despesas, estas, que vieram a ser ressarcidas mediante os pagamentos das correspondentes ajudas de custo, sem que estas coincidam com os pagamentos das refeições dos motoristas que configuraram, também, ajudas de custo (conforme resulta do depoimento das testemunhas).

WW) Apenas eram exigidos os referidos recibos de vencimentos para suportar os custos com as ajudas de custo (conforme resulta do documento n.º 13 junto com a PI e dos depoimentos das testemunhas).

XX) A impugnante sempre observou, na atribuição das ajudas de custo aos seus empregados no território nacional, as condições estabelecidas no Decreto-Lei n°519-M/79, de 28 de dezembro, revogado pelo Decreto-Lei n°106/98, de 24 de abril, bem como nas ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro, nos termos do Decreto-Lei nº 192/95, de 28 de julho, sem ultrapassar os limites fixados para os servidores do Estado (conforme resulta do depoimento das testemunhas)”.

Vejamos, então, adiantando, desde já, que a impugnação da matéria de facto, tal como foi efectuada, está condenada ao fracasso.

Com efeito, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Em tal preceito se dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

A leitura da citada disposição legal, no confronto com as conclusões da alegação de recurso (e até do teor das alegações), mostra à saciedade que a matéria de facto não foi impugnada de forma que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma, desde logo porque não são indicadas as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas em que se funda o recurso, nem tão-pouco foram transcritos os excertos considerados relevantes, sendo certo que a matéria de facto posta em causa assenta, toda ela, além do mais, na produção de prova testemunhal.

E assim sendo, sem necessidade de nos alongarmos mais, improcede esta segunda questão respeitante ao erro de julgamento da matéria de facto.

Tem-se, pois, por estabilizada a matéria de facto, tal como vem fixada da 1ª instância.


*

Nas conclusões J) a Z), insurge-se a Recorrente contra a apreciação da sentença a propósito da verificação, in casu, da falta de fundamentação (formal, acrescente-se).

Vejamos começando por deixar devida nota, no essencial, daquele que foi o discurso adoptado na sentença sobre tal vício. Aí se lê:

“Na verdade o RIT referente aos exercícios de 1997 e 1998 (acima parcialmente transcrito), e, também, como se pode verificar da sua leitura, quer se concorde, quer não se concorde, com as correções efetuadas, pelo menos formalmente, apresenta a fundamentação de facto e de direito.

A fundamentação de todos os atos praticados em matéria tributária que afetem os direitos a interesses dos contribuintes, a em especial a liquidação oficiosa é uma das garantias consagrada genericamente nos artigos 268.º, n.º 3, da C.R.P. e 77.º da L.G.T..

A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

(…)

A fundamentação será inexistente se não se detetam no ato os fundamentos de facto a de direito que motivaram a decisão; obscura se não deixa perceber porque se decidiu da forma como se decidiu; contraditória quando as razões invocadas se contradizem entre si ou justificariam uma decisão diferente; insuficiente quando não chega para explicar porque se decidiu assim a não de outra forma.

Resulta do probatório:

-Em 07/10/2002, a Impugnante requereu à AT a notificação dos fundamentos de facto em de direito das liquidações adicionais de IRC, relativas aos exercícios de 1997 e 1998, nomeadamente os mapas de apuramento modelo DC 22 elaborados pelos Serviços de Fiscalização Tributária;

-A AT, por ofício de 08/11/2002, enviou à Impugnante certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 11, e informou que “a cópia dos DC 22 requeridos pelo sujeito passivo não são relevantes para a fundamentação das referidas liquidações”.

Efetivamente a AT enviou à Impugnante o relatório de inspeção e respetivos anexos, porém, tais elementos não permitiam determinar os valores das matérias coletáveis constantes das notas demonstrativas da liquidação do imposto.

Tal situação pode ter resultado do simples facto de, eventualmente, não ter a Impugnante sido notificada das liquidações referentes ao exercício de 1996, de que resultou a anulação de prejuízos fiscais.

A Impugnante conhecia o teor do relatório de inspeção tributária referente ao exercício de 1996, pois, foi notificada para exercer o direito de audição e, também, foi notificada do relatório final. Porém, invoca que não foi notificada da correspondente liquidação e a AT não provou ter efetuado essa liquidação.

Assim, os mapas de apuramento Modelo DC 22 elaborados pelos Serviços de Inspeção, nos termos do artigo 77° da LGT e 37° do CPPT eram relevante para conhecer que valores foram utilizados na liquidação do imposto, relativo às liquidações n.ºs 8... e 83..., dos anos de 1997 e 1998.

A falta de tais elementos, perante a inexistência de prova da realização da notificação referente ao exercício de 1996, de que resultou a redução dos prejuízos fiscais, não permitia à Impugnante conhecer os fundamentos das liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1997 e 1998.

A Impugnante solicitou tais elementos que lhe foram negados como fundamento de que “a cópia dos DC 22 requeridos pelo sujeito passivo não são relevantes para a fundamentação das referidas liquidações”.

Termos em que também, com este fundamento, a presente impugnação é procedente”.

Contra o assim decidido, defende a Fazenda Pública, em síntese útil, que: “As liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 1997 e de 1998 encontram-se devidamente fundamentadas, por cumprirem com as exigências legais de fundamentação, não sendo possível manter o julgamento constante da douta sentença recorrida”; que “Da análise do relatório de inspeção é possível extrair as razões de facto e de direito que suportam as correções que deram origem às liquidações adicionais dos exercícios de IRC de 1997 e 1998”; que “O facto de a Impugnante não ter acesso aos DC 22 relativos aos anos de 1997 e de 1998 não altera o conhecimento que a Impugnante tem das correções propostas aos exercícios de 1997 e de 1998”, “Tanto assim é que a própria P.I. contém, no articulado 3°, a natureza e o valor das correções efetuadas ao exercício de 1997 e de 1998, explicando, a Impugnante, ao longo dos articulados 4.° e 5.° da P. l. a parte das correções que aceita e a parte das correções que impugna, apresentando as razões da sua discordância nos articulados 23° e ss. da P.I” e, bem assim, que “…compreendendo a Impugnante as razões de facto e de Direito que estiveram subjacentes às correções em sede de IRC aos exercícios de 1997 e de 1998, e sendo dado como provado que as razões de facto e de Direito que fundamentam as correções em sede de IRC aos exercícios de 1997 e de 1998 foram comunicadas pela AT à Impugnante, como se pode julgar que houve ausência de fundamentação legalmente exigida?”.

Antes de avançar para a apreciação deste esteio do recurso, devemos evidenciar que a análise levada a efeito pelo TT de Lisboa não é isenta de dúvidas, pois, se, por um lado, o Tribunal afirma que relativamente às correcções efectuadas “pelo menos formalmente – e, note-se, é de fundamentação formal que aqui tratamos – apresenta (leia-se, o RIT) a fundamentação de facto e de direito”, por outro lado, conclui pela falta de fundamentação em face da não comunicação dos Mapas de Apuramento DC 22, sem que se perceba cabalmente que elementos destes mapas constavam que não integrassem o RIT.

A perplexidade maior, face ao decidido, surge, contudo, por, apesar do TT ter concluído que “com este fundamento a presente impugnação é procedente”, a verdade é que do assim decidido – de tal procedência - não extraiu qualquer consequência juridicamente relevante relativamente às correcções apreciadas, tanto assim que prosseguiu na análise dos restantes fundamentos da impugnação judicial.

Daí, pois, que a Recorrente ataque a conclusão quanto à falta de fundamentação formal das correcções, não obstante a liquidação não ter sido anulada com base em tal vício.

Feitos estes esclarecimentos que se impunham, avancemos para a questão correspondente às conclusões J a Z.

Vejamos o que dizer a este propósito, tendo presente o que consta dos pontos S), T), U), V), W) e X) do RIT que, por desnecessidade e para evitar repetições, nos abstemos de repetir. Se lermos atentamente tais pontos do RIT, constatamos que aí é erigido o quadro factual e jurídico com base no qual assentaram as correcções relativas a deslocações, estadas, despesas com refeições, ajudas de custo e quanto às provisões, para os dois exercícios em causa.

Com efeito, os SIT quantificaram a totalidade dos montantes corrigidos, esclarecendo que:

- quanto às deslocações, estadas, despesas com refeições, as razões da não comprovação da indispensabilidade dos custos e da sua indevida documentação, invocando expressamente os artigos 23º e 41º, nº1, alínea h) do CIRC;

- quanto às ajudas de custo, a constatação da inexistência de suporte documental considerado suficiente e relevante, invocando expressamente os artigos 23º, nº1, alínea d) e 41º, nº 1, alínea h) do CIRC;

- quanto às provisões do exercício, a quantificação e separação por cliente e mora, com invocação do quadro legal aplicável, concretamente o disposto nos artigos 18º, 33º e 34º, nº1, alínea c) do CIRC.

A propósito da fundamentação escreveu-se no Acórdão deste TCAS proferido em 26/06/2012, no âmbito do processo nº 5058/11 o seguinte:

“A exigência legal da fundamentação tem em vista colocar o administrado em condições de conhecer e compreender o "iter" cognoscitivo, valorativo e volitivo do respectivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do acto.

É sabido que a administração tem o dever de fundamentar os actos administrativos em geral, de modo claro, suficiente e congruente - cfr. os artigos 268.º n.º3 da Constituição, 1.º do Dec.Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo - bem como os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, especialmente daqueles que não pertençam ao tipo de actos "em série" ou "em massa", como hoje acontece, por força daquelas normas e das dos art.ºs 19.º alínea b), 21.º e 82.º do CPT, 77.º da LGT e 60.º do CPPT.

Esta obrigação não tem por objectivo único a "protecção por essa via dos direitos e interesses dos administrados mas inclui, em primeira linha, a garantia de um procedimento decisório correcto" - José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 43. Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por, esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa.

Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto. Por um lado, não é seguro que o administrado não tenha apenas "adivinhado" os fundamentos ocultos do acto administrativo, que dele mesmo, acto, devem transparecer. Por outro lado, o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente.

Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliás, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado.

A fundamentação consiste em deduzir a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra, in Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo", Vol. I, pág. 477.

Numa fórmula abrangente será de considerar como fundamentação a exteriorização das razões de facto e de direito, que servem de suporte a uma decisão, esclarecedoras dos necessários e legais pressupostos e da motivação do agente.

Assim "o dever de fundamentação expressa apresenta-se como «um instituto» tendo como centro de referência uma declaração que reúne todas e quaisquer razões que o autor assuma como determinantes da decisão, sejam as que exprimam uma intenção de agir, demonstrando a ocorrência concreta dos pressupostos legais, sejam as que visam explicar o conteúdo escolhido a partir dessa adesão ao fim, manifestando a composição de interesses considerados para adoptar a medida adequada à satisfação do interesse público no caso", obra citada pág. 22.

Concretizando aquela noção de fundamentação diremos que a declaração em que se consubstancia há-de ser necessariamente justificante do acto que suporta, pela enunciação dos pressupostos possíveis e dos motivos coerentes e credíveis aptos à pertinência material do acto; isto é, as razões de facto e de direito invocadas hão-de traduzir-se num discurso que justifique, como possível e credível, o acto.

Nesta medida tal discurso há-de ser claro, congruente ou racional e suficiente por..."conter os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão", ou por outras palavras, "os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente".”

Regressando ao caso dos autos, verificamos que a AT cumpriu com os deveres gerais de fundamentação supra descritos.

Efectivamente, e como supra referimos, dos pontos indicados no RIT constam as razões de facto e de direito que fundamentaram as correcções em causa, sendo certo que, independentemente de não terem sido disponibilizados os DC 22 ( que não deixam de ser documentos de recolha de dados para uso da AT) à Impugnante, a verdade é que a base fundamentadora da correcções se mostra cabalmente explicitada no RIT, em termos que não deixaram dúvidas à Impugnante que, não apenas as contestou, como o fez com evidente detalhe e conhecimento.

Não podemos, assim, concordar com o decidido no tocante a este aspecto, uma vez que do RIT constam, com mediana clareza, os motivos que levaram a AT a efectuar as correcções, aí se expondo os factos e as regras jurídicas em que se fundaram os diversos items corrigidos.

Tanto basta para não alinharmos, neste ponto, com a conclusão retirada na sentença, quanto à falta de fundamentação, da qual, porém – repete-se – não foi extraída qualquer consequência jurídica, concretamente ao nível da invalidade dos actos tributários contestados.


*

Prosseguindo na análise, apreciemos o que vem dito a propósito de cada uma das correcções que se mantinham em discussão aquando da elaboração da sentença.

Comecemos pelas deslocações, estadas e alimentação, a que correspondem as conclusões AA) a PP), tendo presente o que, a este propósito, já referimos sobre o insucesso da impugnação da matéria de facto.

Comecemos por deixar nota do discurso adoptado pelo Tribunal a este propósito. Lê-se na sentença, o seguinte:

“A AT corrigiu os montantes relativos a despesas com alimentação dos motoristas valor de Esc. 30.615.050$00 (€ 152.707,23) no exercício de 1997 e de Esc. 34.010.500$00 (€169.643,66) no exercício de 1998, por considerar:

-se encontram justificadas por documentos internos de saída de caixa (Anexo 1. folhas 15 a 19), fazendo correspondência ao processo de aluguer do autocarro. No referido processo são registados diversas despesas suportadas pelo motorista no aluguer efetuado, que posteriormente são faturadas ao cliente locatário da viatura ou consideradas como custo do exercício.

-quanto às refeições dos motoristas não se verifica qualquer correspondência entre os valores faturados e os valores de despesas de refeição considerados como custo fiscal.

-os referidos encargos não se encontram justificados da sua indispensabilidade para obtenção dos proveitos nem, por outro lado, se encontram devidamente documentados, não serão de considerar os valores pagos como despesas de alimentação como custo fiscal dos exercícios.

- todos os motoristas recebem subsídio de alimentação por parte da F..., L.da, atual B... Transportes, S.A.

Vejamos:

A Impugnante demonstrou pela prova testemunhal e documental que:

- Os referidos montantes que foram corrigidos pela fiscalização reportam-se a despesas pagas aos motoristas com a sua alimentação, no âmbito dos serviços prestados pelo aluguer de viaturas com condutor no estrangeiro;

- A atividade da impugnante consiste, essencialmente, no aluguer de autocarros de grande turismo aos grandes operadores internacionais, o que implica que tenha permanentemente no estrangeiro cerca de 100 viaturas e respetivos motoristas, os quais permanecem fora de Portugal durante quase todo o ano, deslocando-se apenas a Portugal de 3 em 3 meses para visitar os seus familiares;

-A impugnante releva na sua contabilidade os pagamentos de refeições aos motoristas através dos documentos de caixa, bem como de um mapa de despesas de viagem, donde constam os elementos necessários para identificar a origem deste tipo de despesas, tais como: natureza das despesas, nome do motorista, n.º da viatura, cliente, processo, data de início e fim do serviço efetuado;

- Deste modo, os referidos pagamentos correspondem a um ressarcimento das despesas realizadas pelo motorista para se alimentar por sua conta, durante período em que se encontra ausente no estrangeiro, uma vez que compete à impugnante assumir a responsabilidade do pagamento das respetivas refeições, com exceção dos casos em que o motorista toma as suas refeições integrado no grupo de excursionistas;

-Existem por vezes situações em que as despesas de refeição dos motoristas da impugnante, são associadas aos contratos estabelecidos com as agências de viagens, tendo em conta as especificidades da atividade designadamente a programação dos próprios serviços (Tours);

-Na situação em apreço a faturação às agências de viagens engloba o valor do serviço propriamente dito, e uma parte das despesas com a alimentação dos motoristas destinada a compensar a impugnante dos correspondentes custos incorridos, pelo que o valor faturado sendo uma verba previamente acordada com a agência, pode efetivamente ser diferente daquela que foi estabelecida pagar ao motorista em determinadas condições concretas (por exemplo o país onde se encontra a presta o serviço);

- As despesas foram pagas aos motoristas, pelo que não obstante a forma como foram contabilizadas, sempre configuram ajudas de custo na parte referente às refeições, uma vez que as respetivas dormidas são pagas pela agência ou pagas contra fatura pela impugnante, exceto quando são incluídas na própria ajuda de custo, pelo que tais verbas consubstanciam parte da ajuda de custe diária no estrangeiro atribuída ao motorista;

- A obrigação de pagamento de subsídio de alimentação é contratual, dado que resulta do Contrato Coletivo de Trabalho (ANTROP) que os subsídios de refeição são pagos cumulativamente com as despesas de refeição.

Para além dos depoimentos das testemunhas, a Impugnante juntou aos autos o documento n.º 9, onde se pode verificar haver correspondência, no que respeita às despesas de alimentação, entre os documentos de saída de caixa a favor dos motoristas e os mapas de despesas de viagem.

A testemunha D... esclareceu que por cada serviço prestado a um cliente o serviço de pessoal criava um dossier onde eram apurados os valores que eram pagos por cheque. Havia situações em que os motoristas apresentavam despesas e outras em que levavam dinheiro e prestavam contas. Cada país tinha o seu nível de vida e os valores refletiam essa realidade.

A testemunha C... esclareceu que para as despesas de alimentação existe uma tabela para cada País. As deslocações e estadas e despesas com refeições são valores prefixados e que o trabalhador conhece e já sabe quanto vai receber. O subsídio de refeição atribuído aos motoristas tem um valor simbólico e é pago o mesmo valor a todos os trabalhadores sejam ou não motoristas. O trabalhador quando recebe ajudas de custo também recebe subsídio de alimentação. Esta situação de cumulação está prevista no contrato de trabalho.

Afigura-se-nos que a Impugnante logrou demonstrar não só a realização das despesas como também a indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º do CIRC”.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, evidenciando que “os gastos foram desconsiderados porque se encontravam justificados apenas por documentos internos de saída de caixa, (…), não sendo as saídas de caixa compatíveis com o facto de (i) as despesas de alimentação suportadas pelos motoristas posteriormente faturadas aos clientes locatários dos veículos, não sendo possível fazer a correspondência entre os valores faturados ao cliente locatário e os valores de despesa de alimentação deduzidos como gasto fiscal, e (ii) os motoristas receberem subsídio de refeição. Para a Fazenda, “os elementos constantes dos autos são insuficientes para se concluir que as saídas de caixa registadas na contabilidade da Impugnante constituem reembolsos de despesas de refeições aos trabalhadores da Impugnante”; “um documento interno não comprova a existência da despesa de refeição; em bom rigor, um documento interno apenas comprova que a empresa registou um fluxo monetário (uma saída de fluxo monetário)”. Para a Fazenda, “se não é possível aferir a natureza dos exfluxos registados na contabilidade, não se pode extrair com segurança que a despesa seja indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora para efeitos do artigo 23° do Código do IRC”.

Vejamos o que dizer a propósito.

Relembramos que, pelas razões assinaladas anteriormente, não foi alterada a matéria de facto, pelo que, naquilo que para aqui importa, mantém-se inalterado o teor dos factos a que correspondem as letras HH), KK), MM), OO) e QQ).

Ora, lido o RIT, não resulta que os SIT ponham em causa que as despesas, em ambos os exercícios, tenham sido incorridas.

O que suscita a discordância da FP é a natureza interna de certos documentos como meio justificativo dos gastos registados na contabilidade.

Dispunha à data o artigo 41º, n.º 1, al. h) do CIRC, invocado no RIT, que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos ou perda do exercício.

Também com interesse dispunha o artigo 23º, n.º 1 do CIRC que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, enumerando de seguida nas diversas alíneas, e de modo exemplificativo, alguns dos custos ou perdas aos quais se deve atribuir relevância fiscal.

“Tem sido a jurisprudência maioritária dos Tribunais Superiores, bem como da doutrina que se debruça sobre estas matérias, que o mero documento interno desacompanhado de provas adicionais que permitam concluir pela sua veracidade, não é idóneo à comprovação dos custos por parte do contribuinte que deles se pretende valer.

«A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.

Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado.», cfr. M. FREITAS PEREIRA, in Parecer do Centro de Estudos Fiscais do Ministério das Finanças com o n.º 3/92, de 6 de Janeiro de 1992, publicado na Ciência e Técnica Fiscal n.º 365, págs. 346 e 347.

«Com efeito, nos custos documentados presume-se a veracidade da despesa. Ao invés, nos gastos sem documento compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou tal despesa, não obstante a omissão ou insuficiência formal», cfr. TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, pág. 167.” – vide, acórdão do STA, de 09/09/15, processo nº 28/15.

Aplicado este entendimento ao caso concreto, podemos constatar que a Impugnante aportou para os autos – como detalhadamente o Mmo. Juiz evidenciou – elementos probatórios, desde logo, com recurso à prova testemunhal (mas não só), que permitem concluir pela demonstração e relevância de tais valores enquanto custos fiscalmente dedutíveis para efeitos de IRC. Com efeito, e como considerado (sem impugnação eficaz), a prova testemunhal produzida foi decisiva relativamente à questão de facto em discussão, complementando os documentos internos, de forma a evidenciar os elementos mínimos indispensáveis para efeitos do artigo 23º do CIRC, tornando possível, por outro lado, afastar a aplicação, em concreto, do disposto no artigo 41º, nº1, alínea h) do CIRC.

Com efeito, mostra-se comprovado, além do mais, que os valores corrigidos são relativos a despesas pagas aos motoristas com a sua alimentação, no âmbito dos serviços prestados pelo aluguer de viaturas com condutor no estrangeiro; que tal se coaduna com a actividade da impugnante, consistente no aluguer de autocarros de grande turismo aos grandes operadores internacionais, mostrando-se clara a sua necessidade de ter no estrangeiro cerca de 100 viaturas e respetivos motoristas; a impugnante evidencia na sua contabilidade os pagamentos de refeições aos motoristas através dos documentos de caixa, bem como de um mapa de despesas de viagem, daí constando os elementos necessários para identificar a origem deste tipo de despesas, como a natureza das despesas, nome do motorista, n.º da viatura, cliente, processo, data de início e fim do serviço efetuado; a obrigação de pagamento de subsídio de alimentação é contratual, dado que resulta do Contrato Coletivo de Trabalho (ANTROP) que os subsídios de refeição são pagos cumulativamente com as despesas de refeição.

Assim, como a sentença concluiu, “os referidos pagamentos correspondem a um ressarcimento das despesas realizadas pelo motorista para se alimentar por sua conta, durante período em que se encontra ausente no estrangeiro, uma vez que compete à impugnante assumir a responsabilidade do pagamento das respetivas refeições, com exceção dos casos em que o motorista toma as suas refeições integrado no grupo de excursionistas”.

Em síntese, as despesas, para que relevem como custos fiscais, devem estar devidamente documentadas, como resulta do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, ou seja, devem estar comprovadas por documento externo. No caso de as despesas estarem insuficientemente documentadas (contrariamente ao que sucede em sede de IVA, onde não é possível a dedução do imposto, atento o que dispõe o artigo 19.º, n.º 2, do respectivo código), admite-se ainda que o contribuinte comprove o respectivo custo, como lho impõe o artigo 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente e do montante do gasto, sendo possível, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova (designadamente, prova documental e prova testemunhal). Neste caso, compete ao contribuinte demonstrar inequivocamente, por aqueles meios de prova admitidos, a realidade da operação subjacente ao lançamento contabilístico e respectiva quantificação.

Foi isto que, sem dúvida, a B... logrou fazer e que o Tribunal, com acerto, considerou e aqui se valida e mantém.

Tanto basta, sem necessidade de mais, para julgar improcedentes as conclusões que vimos de analisar.


*

Avancemos para as conclusões QQ) a ZZ), respeitantes às ajudas de custo.

Também aqui, tenhamos presente o que deixámos dito supra sobre a impugnação da matéria de facto, em concreto quanto às alíneas do probatório a que correspondem as letras UU) a XX).

Vejamos o que a sentença discorreu a propósito das ajudas de custo. Aí se lê, o seguinte:

“No que concerne às restantes correções, referentes a ajudas de custo, nos montantes de 186.355,11€ e 193.439,74€, dos anos de 1997 e 1998, a AT procedeu às correções que constam do RIT, por considerar:

-Não existe suporte documental válido e justificativo dos encargos em causa;

-Para contabilizar como ajudas de custo o sujeito passivo teria de possuir, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seria possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivos, pelo que se considera um encargo não devidamente documentado.

Vejamos:

Artigo 41.º do CIRC

«1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:

(…)

h) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de caracter confidencial.»

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro alterou a redação da alínea f) do artigo 41.º:

«1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:

(…)

f) As despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivo, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário; (…)»

Encargos não devidamente documentados:

«Despesas não documentadas serão aquelas que não têm suporte documental.

Por sua vez, os encargos não devidamente documentados serão aqueles cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, mas permite identificar os beneficiários e a natureza da operação» – FERNANDES, F. Pinto e FERNANDES, Nuno Pinto, in CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS, ANOTADO E COMENTADO, 5.ª edição, Rei dos Livros, pág. 347.

Considerando que presentes autos estão em causa as liquidações adicionais de IRC referentes aos exercício de 1997 e 1998, a lei então vigente considerava não dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício, os encargos não devidamente documentados.

Para contabilizar como ajudas de custo, invoca a AT, que o sujeito passivo teria de possuir, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seria possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivos, pelo que se considera um encargo não devidamente documentado.

Só com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro é que passaram a ser consideradas como não dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício, as despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivo, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.

Na atuação administrativa em sede de avaliação da indispensabilidade para a obtenção de proveitos de despesas contabilizadas como custos, cumpre-lhe tão só o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação e, ao invés, cabe ao contribuinte demonstrar que aquelas despesas como tal se lhe apresentaram e assim as considerou, fundamentadamente, uma vez que a ele cabe, exclusivamente, a definição das estratégias empresariais próprias – neste sentido o acórdão do STA, de 21/04/2010, proferido no recurso n.º 0774/09, consultável em www.dgsi.pt.

A propósito da problemática da contabilização das ajudas de custo, escreve-se no acórdão do TCAS, de 13/07/2016, recurso n.º 09641/16, consultável em www.dgsi.pt:

«Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efetuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspetiva ampla de atividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objetiva entre a atividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respetivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.

O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário.

Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:

A- É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjetivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;

B- Um custo indispensável não tem de ser um custo que diretamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;

C- A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita corretamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.

5.As despesas de deslocações e estadas são as suportadas pelos sujeitos passivos de I.R.C., quando estivermos perante encargos com transporte, estadias e refeições comportadas com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo, mais devendo tais custos ser inscritos na conta 62 - Fornecimentos e serviços externos, face ao anterior regime do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11 (regime aplicável ao caso "sub judice" - cfr.artº.12, do C.Civil). Pelo contrário, se tais encargos fossem suportados através de ajudas de custo (sem apresentação do respetivo documento comprovativo da despesa), deviam ser inscritos na conta 64 - Custos com o pessoal.

6. A Lei aplicável à data dos factos (1994), não fazia qualquer exigência quanto à forma que deviam revestir os documentos comprovativos dos custos com deslocações e estadas, nem quanto aos elementos que deviam constar dos mesmos, assim não se permitindo, à partida, a aplicação de um tratamento mais severo e formalista, quando a própria lei o não faz.

7. Só com a redação do artº.41, nº.1, al.f), do C.I.R.C., introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, a lei passou a exigir, como condição para que sejam considerados custos fiscais os encargos com despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal, que esta possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível realizar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivo.

8.A indispensabilidade a que se refere o artº.23, do C.I.R.C., como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição "sine qua non" dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da A. Fiscal na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.»

A AT desconsiderou as ajudas de custo por considerar que não existia suporte documental válido e justificativo e esclareceu qual, em seu entender, seria o suporte adequado:

Um mapa por cada pagamento efetuado, através do qual seria possível controlar as deslocações a que se referem as despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivos.

Ora, como resulta do acima exposto a lei ao tempo vigente não previa a existência de tal mapa. Tal exigência legal apenas surgiu com a Lei n.º 30-G/2000, ou seja, cerca de dois anos depois.

Porém, se a lei ao tempo vigente refere “encargos não devidamente documentados” é porque algum suporte documental deveriam ter.

A Impugnante demonstrou pela prova testemunhal e documental que:

-As despesas com ajudas de custo, designadamente alimentação e alojamento, se tenham destinado a fazer face a efetivas despesas de deslocação ao serviço da empresa;

-Os beneficiários daquelas importâncias incorreram efetivamente em despesas com alimentação e dormidas, no âmbito das suas deslocações ao serviço da impugnante, despesas, estas, que vieram a ser ressarcidas mediante os pagamentos das correspondentes ajudas de custo, sem que estas coincidam com os pagamentos das refeições dos motoristas que configuraram, também, ajudas de custo;

-Apenas eram exigidos os referidos recibos de vencimentos para suportar os custos com as ajudas de custo

A testemunha D... esclareceu que os valores das ajudas de custo eram pré- fixadas anualmente e variavam de país para país. Por regra, por cliente é contratualizado o valor do serviço e se houver situações complementaridade (v.g. uma excursão adicional) e os custos adicionais aprecem indicados com custos não contratualizados, excecionais.

A testemunha C... esclareceu que os valores das ajudas de custo estão todos previstos e o trabalhar sabe o que vai receber a nível da alimentação que variam consoante o país em que esteja o motorista. As despesas de alimentação e estadia estão previamente fixadas e representem uma compensação por estear deslocado e representam um valor médio dos custos. A Impugnante sempre praticou valores acima das tabelas e por isso nunca tiveram greves e os trabalhadores estão mais motivados. Por cada serviço que é prestado aos clientes é criado um processo que é numerado onde é indicado o nome do cliente, o nome do motorista, o serviço que fez, as datas em que andou e o valor que lhe foi pago. Os motoristas quando saem têm um programa pré-definido e para além do trabalho normal podem prestar serviços extra que serão debitados.

Afigura-se-nos que a Impugnante logrou demonstrar não só a realização das despesas com ajudas de custo, bem como a indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º do CIRC”.

Para a Fazenda Pública, este entendimento não é de aceitar.

Desde logo, a Recorrente não se conforma com o julgamento da matéria de facto subjacente, constante das alíneas UU) a XX) dos factos provados. Contudo, sobre este aspecto, oportunamente nos pronunciámos e nada mais há a acrescentar.

Tal como para a corrreção antecedente, a Fazenda Pública entende que os elementos constantes dos autos são insuficientes para se concluir que os valores pagos a título de ajudas de custo correspondem a efetivos reembolsos de despesas aos trabalhadores, apesar de não duvidar que a Impugnante pagou os valores de €186.355,11, no exercício de 1997, e de €193.439,74, no exercício de 1998.

Contudo, insiste, a dúvida persiste quanto à natureza dos pagamentos. “Os recibos de vencimento juntos como Documento n°13 à P.I. não identificam as despesas incorridas pelos trabalhadores que alegadamente seriam reembolsadas pelas ajudas de custo. Facto é que para se ter a despesa como devidamente documentada seria necessária a existência de um suporte de controlo de deslocações que permita concluir pelos respetivos locais, tempo de permanência, propósito da deslocação e cálculo do valor a reembolsar ao trabalhador”. Para mais, “A prova testemunhal não se afigura ser a mais adequada para substituir a prova documental para demonstrar que um encargo se encontra devidamente documentado”.

Vejamos.

Ainda que para o exercício de 1999, o TCA Sul pronunciou-se muito recentemente num recurso em que era parte (também) a B..., no qual se analisavam as ajudas de custo. Além do mais, aí se escreveu o seguinte:

“(…) Na redacção da Lei n.º30-G/2000, de 29 de Dezembro, àquele preceito [artigo 41º do CIRC] passou a corresponder o art.º42.º do Código do IRC, e a sua alínea f) passou a ter a seguinte redacção: “As despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário”.

Como se alcança do cotejo das duas disposições, a que vigorava ao tempo dos factos (1999) revela-se menos exigente quanto aos registos e formalidades necessários ao controlo das deslocações efectuadas por via das quais foram pagas pela entidade patronal ajudas de custo aos seus trabalhadores. E é à redacção da lei vigente ao tempo aquela que importa ter em conta.

Ora, naquela redacção (da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro), para que os encargos contabilizados com ajudas de custo pudessem ser relevados, na sua totalidade, como custo do sujeito passivo em sede de IRC, exigia-se apenas a sua escrituração, sem dependência de qualquer formalidade, e que tais ajudas de custo fossem facturadas a clientes, ou, fossem passíveis de tributação em IRS na esfera do respectivo beneficiário.

(…)

Neste entendimento, se o sujeito passivo se arroga a dedução integral do encargo contabilizado com ajudas de custo (que é o caso), tem o ónus bastante de provar que debitou aos clientes nas facturas emitidas o montante das ajudas de custo escrituradas, ainda que não tenha discriminado o montante dessas ajudas de custo na facturação emitida a esses clientes.

E essa prova – que no fundo se reconduz à prova dos requisitos de dedutibilidade integral como custo do valor das ajudas de custo escrituradas (art.º23.º, n.º1, do Código do IRC) – pode alcançar-se por qualquer meio, não havendo em sede de IRC restrições em matéria probatória por estar em causa a tributação do rendimento real.

Escreve, a propósito, Rui Duarte Morais, “Apontamentos ao IRC”, Almedina, a pág.80: «Entendemos, seguindo o que julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não-aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva».

Mais adiante, traçando as “linhas de força” que, em matéria de prova da existência dos custos, decorrem das decisões dos nossos tribunais, escreve o Autor: «…nos casos em que a lei exige requisitos formais acrescidos para a prova da existência de um determinado custo, a falta do cumprimento de tais exigências acarretará, normalmente, a sua não-aceitação para efeitos fiscais». – acórdão de 22/10/20, processo nº 889/04.

Ora, para além daquilo que fica dito, que aqui se recupera, damos por reproduzido tudo o que dissemos a propósito da correcção que antecede, concretamente sobre o recurso a todos os meios de prova legalmente permitidos, com vista a demostrar custos em sede de IRC.

Na verdade, o documento 13 junto à p.i, complementado com os pontos UU a XX dos factos provados (resultantes da prova testemunhal, não eficazmente posta em causa) permitem, com a sentença, concluir que “a Impugnante logrou demonstrar não só a realização das despesas com ajudas de custo, bem como a indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º do CIRC”.

Assim sendo, e sem necessidade de maiores delongas, improcedem as conclusões que vimos de analisar e a questão que lhe corresponde.


*

Passemos, por último, às conclusões AAA e seguintes, respeitantes às provisões para créditos de cobrança duvidosa, respeitantes ao exercício de 1998, cujo valor corrigido e contestado se fixou, na p.i, em € 456.592.43.

No essencial, lido o RIT, temos que na maior parte dos clientes de cobrança duvidosa em que foi criada a provisão para créditos de cobrança duvidosa no exercício de 1998, tratavam-se de créditos vencidos em anos anteriores a 1998, pelo que a provisão deveria ter sido constituída a partir desses tais anos, o que equivale a não aceitar as provisões constituídas em 1998, com base na violação do princípio da especialização dos exercícios.

Vejamos a resposta do TT de Lisboa.

“Invoca a AT que na maior parte dos outros clientes de cobrança duvidosa em que foi criada a provisão para créditos de cobrança duvidosa em 1998, constata-se que foi acionada judicialmente entre 1992 e 1995 o processo ordinário de reclamação dos créditos nos tribunais, pelo que o risco de incobrabilidade surgiu nesses exercícios económicos anteriores, sendo que a provisão deveria ter sido constituída a partir dessa altura, pelo que não poderá ser aceite fiscalmente como custo em 1998 nos termos do artigo 18 ° do Código do IRC, que consagra o princípio da especialização dos exercícios.

Vejamos

Resulta do artigo 23.º, n.º 1, alínea h), do CIRC:

«1. Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

(…)

h) Provisões; (….)»

Quanto às provisões fiscalmente dedutíveis, prevê o artigo 33.º, n.º 1, alínea a), do CIRC:

«1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:

a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; (…)

Relativamente à provisão para créditos de cobrança duvidosa, estatui o artigo 34.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, do CIRC:

«1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:

(…)

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da provisão para cobertura dos créditos referidos na alínea c) do número anterior não poderá ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a)25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b)50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c)75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses; !

d)100% para créditos em mora há mais de 24 meses. (…)»

Em anotação ao artigo 33º do CIRC, escrevem – FERNANDES, F. Pinto e FERNANDES, Nuno Pinto, in CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS,ANOTADO E COMENTADO, 5.ª edição, Rei dos Livros, pág. 302/303:

«2.1 Subjacente à constituição de provisões encontram-se os princípios do balanceamento dos custos com os inerentes proveitos, e da prudência, determinando o POC, no seu ponto 2.9, que a mesma «deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de passivo certo». (…)

O princípio da prudência conduz a inserção nas contas do um determinado grau de precaução para fazer face a situações de incerteza, de tal forma que os ativos e os resultados não sejam sobredimensionados.

Haverá, todavia, a considerar que a integração de um grau de precaução nas contas não pode conduzir à criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou à deliberada quantificação de ativos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso.

O nosso POC prevê as seguintes provisões:

— para cobranças duvidosas, (…)

Do ponto de vista fiscal, consagra-se, como regra geral, no artigo 23.º, n°1, alínea h), a dedutibilidade fiscal das provisões. Todavia, essa regra sofre as limitações qualitativas expressas no presente artigo e, do ponto de vista quantitativo, as restrições constantes dos artigos 34.° a 36.° do presente Código.

Tais condicionalismos conduzem ao facto de não existir coincidência entre os critérios contabilísticos e os critérios fiscais, como referiremos relativamente aos aspetos que se nos afiguram mais pertinentes à medida que forem surgindo.

2.2 Neste contexto definem-se nas alíneas a) a b) as provisões que poderão ser deduzidas para efeitos fiscais.

2.2.1 Na alínea a) consideram-se as constituídas com vista à cobertura de créditos cuja cobrança possa ser duvidosa e desde que esses créditos resultem da atividade normal da empresa. (…)»

E prosseguem os referidos Autores em anotação ao artigo 34.º do CIRC, pág. 308/309

«2.1 Do ponto de vista contabilístico pretende-se que as contas a receber sejam apresentadas no balanço pelo seu valor realizável líquido, isto é, pela quantia que se espera receber.

Assim, relativamente a créditos incobráveis haverá que se efetuar o respetivo abatimento e, no que concerne a créditos de cobrabilidade incerta, constituir a correspondente provisão.

Segundo entendemos, o limite dessa provisão será o que resultar da melhor estimativa da situação de incerteza, considerando a antiguidade dos saldos e o historial da empresa, entre outros fatores, e tendo-se presente que o princípio da prudência estipula que os ativos e os resultados não podem ser sobredimensionados, mas que também se não devem criar reservas ocultas ou provisões excessivas.

Neste contexto, encontramos claras divergências entre os critérios contabilísticos e os fiscais.

2.2 De facto, para efeitos da constituição de provisão, decorre deste artigo que os créditos de cobrança duvidosa serão os resultantes da atividade normal da empresa e não quaisquer outros, desde que o risco da incobrabilidade se considere devidamente justificado.

Tem-se entendido que os créditos resultantes da atividade normal da empresa são os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício, devidamente evidenciados em contas apropriadas.

Esta disposição previne, assim, o gestor de que não pode, para efeitos fiscais considerar todo e qualquer crédito para efeitos da constituição da provisão.

A justificação do risco da incobrabilidade assenta, pois, em qualquer das circunstâncias referidas nas três alíneas do n.º 1 deste artigo, que só por si apontam, a improbabilidade do pagamento por parte do devedor.

Além disso, é necessário que os créditos sejam evidenciados como créditos de cobrança duvidosa na contabilidade, e, para os clientes que não estão em contencioso, há que dispor de prova documental de terem sido feitas diligências tendentes ao recebimento dos créditos em mora, relativamente aos quais foram constituídas as provisões, v.g., carta registada com aviso de receção insistindo no pagamento da dívida.

2.3 Importa referir que, relativamente às duas primeiras situações referidas no n.° 1, se admite a constituição de provisão pela totalidade dos créditos a que respeitam. No que concerne à terceira situação fez-se depender o seu montante anual acumulado dos limites estabelecidos no n°1 e que se relacionam com o decurso de um período de tempo.

As percentagens aqui estabelecidas dependem do tempo da existência dos respetivos créditos, verificando-se que a taxa ou percentagem aumenta à medida que se prolonga a mora.

Para o efeito dever-se-á organizar uma nota ou mapa estatístico dos créditos existentes e respetiva data da sua constituição de forma a demonstrar claramente as provisões constituídas. (…)»

Do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 33.º e da alínea a) do nº1 do artigo 34º do CIRC resulta que podem ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; e que, para efeitos da constituição da provisão, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, nomeadamente, por estarem em mora há mais de seis meses desde a data do vencimento.

Ou seja, daqui parece resultar que a Impugnante tinha a possibilidade de considerar em risco de incobrabilidade os seus créditos que, no final do exercício de 1992 e 1995, estavam em mora há mais de seis meses desde a data do vencimento, e constituir uma provisão para ocorrer a tal risco.

Porém, como se escreve no ac. do STA, de 30/4/2003, rec. nº 0101/03, «Não se retira, nem do princípio da especialização dos exercícios, nem das disposições legais em apreço, que a simples mora do devedor de seis meses e um dia implique, só por si, o risco de incobrabilidade, e torne exigível ao credor a constituição da provisão logo no exercício seguinte, sob pena de não mais poder constituí-la.

… no regime do CIRC, a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, “não ao exercício da constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade”. Ou seja, “não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade”.

O que nos diz a lei - artigo 34.º, n.º 1, alínea a), do CIRC - é que o crédito em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento pode ser considerado de cobrança duvidosa; e que, para o cobrir, pode ser constituída uma provisão fiscalmente dedutível - artigo 33.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma – no exercício do ano em que o crédito seja considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, mas não já em exercícios posteriores – artigo 18.º, n.º 1, ainda do mesmo diploma.

Ou seja, tudo está em saber em que exercício a incobrabilidade foi constatada e isso foi refletido na contabilidade da recorrida. Sendo que tal exercício não tem, necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança.» (cfr., igualmente, entre outros e no mesmo sentido, os acs. do STA, de 21/11/2001, rec. 026080; de 18/572005, rec. 0132/05; de 18/5/2005, rec. 087/05; e do TCA, de 25/4/2004, rec. 04778/01 e de 11/102005, rec. 0407/03) – neste sentivo veja-se o acórdão do TCAS, de 21/02/2006, proferido no recurso n.º 07016/02, consultável em www.dgsi.pt.

Ora, no caso dos autos a AT não pôs em causa a verificação de quaisquer dos apontados requisitos; a divergência situou-se a um outro nível: as provisões não foram aceites apenas porque se entendeu que as mesmas se reportavam a exercícios anteriores.

Ora, nos termos do art. 18.º, nº 1, do CIRC, os proveitos e os custos (...), são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização de exercícios. (…) .… as provisões, para serem fiscalmente aceites, devem ser constituídas no exercício em que se verifique o risco de incobrabilidade com o âmbito atrás referido.

O Técnico de contas da Impugnante quanto às provisões para créditos incobráveis esclareceu que se questionou o momento em que se deveriam considerar e a Impugnante elegeu como relevante o momento em que teve a consciência plena da impossibilidade de cobrar. A impugnante ia tentando receber, ia tentando as diversas démarches (reuniões cartas do advogado, que vinham devolvidas etc.) e quando se chega ao limite é preciso provisionar. O facto do cliente se atrasar no pagamento não quer dizer que não pague.

A AT, ao não admitir como custo do exercício do ano de 1998 a provisão efetuada pela recorrida, fundamentou-se na violação do princípio da especialização, porém, tal procedimento só seria legal se ela afirmasse, e ficasse demonstrado, no presente processo, que a incobrabilidade dos créditos que motivaram a provisão foi constatada e isso refletido na contabilidade da recorrida em exercícios anteriores ao de 1998. Esse o pressuposto exigido para justificar a sua atuação. Só assim se poderia afirmar que a provisão constituída em 1998 não era custo imputável a esse exercício, mas a outro(s), anterior(es); e que, consequentemente, havia violação do princípio da especialização dos exercícios – neste sentido o ac. do STA, de 30/04/2003, recurso n.º 0101/93, consultável em www.dgsi.pt.

Termos em que, nesta parte a presente impugnação é procedente”.

Vejamos por partes.

Dentro das provisões corrigidas há três tipos de situações.

A primeira tem a ver com uma provisão criada no exercício de 1998, tendo sido detectado que incidiu sobre créditos apurados em 1992 e 1995.

Ora, contrariamente ao entendimento que resulta da sentença transcrita, consideramos, convocando o princípio da especialização dos exercícios, que não tendo sido constituída oportunamente provisão, não podem os créditos em causa, relativos a exercícios anteriores, ser considerados perdas ou custos do exercício de 1998.

Por muito elucidativo, convocamos o acórdão deste TCA Sul, de 17/12/03, no processo nº 162/03, no qual se pode ler, no que para aqui releva, o seguinte:

“Provisão é um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, e destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão.

"Segundo as considerações técnicas do POC, a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de um passivo certo. A constituição de provisões baseia-se nos princípios contabilísticos da especialização e da prudência. Estabelece o primeiro que os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos independentemente do seu recebimento ou pagamento, e devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam, e o segundo que é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de incerteza sem, contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso. A não constituição ou a constituição por montantes inferiores de provisões num determinado exercício poderá fazer deslocar para exercícios futuros custos ou perdas pertencentes a este e, em contrapartida, a constituição de provisões desnecessárias ou em montante excessivo difere a tributação dos resultados.

Ao enunciarem-se neste artigo taxativamente as provisões que são fiscalmente dedutíveis e os respectivos limites, adopta-se para efeitos de determinação do lucro tributável uma especialização dos exercícios, de acordo com as regras definidas pelo legislador fiscal, que poderão não coincidir com as que resultam dos critérios contabilísticos.

Face à definição de critérios objectivos de constituição ou reforço das provisões definidas nos artºs 33.° a 35.° e à periodização do lucro tributável definida no n.°1 do art.º 18.°, a constituição das provisões é obrigatória para efeitos fiscais, pelo que, quando o sujeito passivo não constitua a provisão que, de acordo com os critérios definidos, deveria ter constituído, originará a não aceitação para efeitos fiscais, no exercício em que se vier a efectivar, do custo ou perda não objecto de provisão.

A provisão para créditos de cobrança duvidosa destina-se a compensar os créditos da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

Os créditos a considerar para efeito de cálculo desta provisão são, apenas, os respeitantes à actividade normal das empresas. Embora não se encontre definido na lei o que se entende por créditos resultantes da actividade normal, a Administração Fiscal tinha vindo a entender, no âmbito da Contribuição Industrial, que estes compreendem os saldos devedores de clientes e fornecedores constantes do balanço reportado a 31 de Dezembro de cada ano.

Outra condição necessária, imposta pela alínea a) do n. °1 do art. ° 33. °, para a aceitação da constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa é que os créditos, no fim do exercício, sejam considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade. Esta condição é inovadora em relação ao Código da Contribuição Industrial uma vez que, no âmbito deste, a constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa não dependia da consideração particular dos créditos duvidosos de cada sujeito passivo, mas da totalidade dos créditos resultantes da actividade normal da empresa...2

O papel das contas de provisões é importantíssimo: permitem uma maior regularidade na escrituração dos prejuízos ou apuramento dos resultados, evitando que se venha a afectar desfavorável ou desmesuradamente os eventos que conduziram anteriormente à constituição das provisões - cfr. Rogério Fernandes Ferreira, Gestão Financeira, Vol. I, Parte Geral, 4.1 Edição, págs. 353 e 354 e Manuel Henrique de Freitas Pereira, A Periodização do Lucro Tributável; Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (152), pág. 172.

Sob a epígrafe Regime das Provisões, dispõe a norma do art.º 33.° do CIRC:

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:

a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

b)...

E .a do art.° 34.° (Provisão para créditos de cobrança duvidosa):

1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do n.°1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.

2 - …

As normas das alíneas a) a c) do citado art.° 34.° do CIRC, como da sua redacção resulta e constitui jurisprudência firmada, são de aplicação disjuntiva3, bastando por isso que a provisão se subsuma a alguma das citadas alíneas para que possa ser aceite como tal e logo um custo do exercício respectivo.

Constituindo a provisão um custo do exercício e de constituição obrigatória para efeitos fiscais, como acima se disse, não pode a sua constituição fazer-se a belo prazer do contribuinte e desta forma permitir-se manipular os resultados do exercício, tendo a sua constituição de cingir-se também, a entre outras, às regras da especialização dos exercícios, como os demais custos, nos termos do disposto nos artºs 17.° e 18.° do CIRC.

Assim sendo, os montantes de provisões a inscrever como custo em cada um dos exercícios, deve ter em conta a subsunção das normas do citado art.º 34.° n.°1, nas suas várias alíneas, sistematicamente, começando desde logo pela da sua alínea a) e, caso não seja nesta subsumível, prosseguindo nas restantes duas alíneas, sucessivamente.

E se em dado exercício, certo montante de crédito incobrável é susceptível de configurar como provisão, logo como um custo, subsumível à mesma alínea a) – por o devedor per pendente processo de especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência - não é lícito ao contribuinte deixar de o considerar como tal nesse exercício, para vir pretender inscrevê-lo como tal, em seguintes exercícios, agora ao abrigo de uma outra alínea do mesmo artigo.

Aliás, a própria norma do art.º 33.° n.°1 a) do CIRC, ao estabelecer o quadro em que podem ser constituídas provisões, expressamente, faz reportar a cobrança duvidosa dos créditos, ao fim desse exercício, e não para exercícios futuros.

Entendimento contrário, com relativa livre escolha pelo contribuinte do exercício em que pretendesse inscrever qualquer crédito incobrável como provisão, esperando temporalmente o momento mais oportuno para o fazer inscrever em cada uma das alíneas de tal norma, à medida que nelas fosse sendo subsumível, violaria o princípio da especialização dos exercícios, e permitiria ao contribuinte manipular os respectivos resultados. Em suma, como acima se disse, a constituição da provisão é obrigatória para o contribuinte que dela se pretenda aproveitar, e também no sentido que tem de ser inscrita como tal no primeiro exercício em que ocorrerem os pressupostos previstos na lei, começando desde logo nos fixados na alínea a). E se o contribuinte, nesse exercício, desde logo não se aproveitar desse direito que a lei lhe confere, não pode depois, mais tarde, ao abrigo de uma outra alínea, neste caso pela última - a c) - vir pretender exercer esse direito que em devido tempo dele se não aproveitou.

Seria fazer entrar pela janela aquilo que não deixou entrar pela porta.

Em resumo, a aplicação de tais alíneas do citado art.º 34.° não é cumulativa, mas alternada, sendo contudo obrigatório, o exercício do direito que pelas mesmas é conferido, logo que temporalmente, pela primeira vez, a situação fáctica seja subsumível a alguma daquelas três alíneas.

Entendimento contrário, para além de violar o princípio da especialização dos exercícios, poderia tornar sem qualquer campo de aplicação as normas das duas alíneas anteriores - a a) e a b) - bastando que o contribuinte esperasse que a situação fáctica fosse finalmente, subsumível à sua alínea c), interpretação que não pode ter sido querida pelo legislador, e que por isso é de rejeitar face ao disposto no art.º 9.° n.°3 do Código Civil”.

No caso, como resulta do RIT, retirados os créditos da H... e da S..., a verdade é que da análise dos elementos da contabilidade resulta que a provisão criada em 1998 incidiu sobre créditos judicialmente reclamados em 1992 e 1995, o que equivale a dizer que o risco de incobrabilidade ocorreu naqueles exercícios económicos e, nessa medida, como a IT entendeu, a provisão deveria ter sido constituída nesses exercícios.

Não pode, pois, manter-se a sentença que assim não decidiu.

Já quanto à provisão criada sobre o crédito da S..., a verdade é que inexistem provas – e a Impugnante não contraria isso e nem tal resulta da matéria de facto - de terem sido efectuadas diligências no sentido da cobrança dos mesmos. De resto, basta uma leitura da p.i para perceber que que em tal articulado, concretamente nos artigos 50º e seguintes, nem a Recorrida se refere a tal cliente.

No que se refere à cliente H..., e tal como resulta do RIT, sem que tal seja contrariado e diversamente demonstrado, a não aceitação da provisão constituída prende-se com a circunstância de ter sido constituída a provisão a 100% para créditos que não estão em mora há mais de dois anos, o que contraria o disposto no artigo 34º, nºs 1, alínea c) e 2) do CIRC.

Na realidade, face à conta-corrente do cliente, a ATA verificou que apenas € 46.643,12 se mostravam nas condições previstas na lei para aceitação da provisão, o que, também aqui, percorrida a p.i, não vem posto em causa, nem demonstrado o contrário.

Ora, relativamente às clientes por último apreciadas, há que concluir que as correcções efectuadas, são de manter.

Vale isto por dizer que, quanto às provisões, procedem as conclusões da alegação de recurso, concedendo-se provimento ao recurso e revogando-se nessa parte a sentença recorrida.


*




III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:


- revogar a sentença na parte relativa às correcções respeitantes a provisões para créditos de cobranças duvidosa, julgar a impugnação correspondentemente improcedente e manter a liquidação de IRC de 1998 nessa medida.


-manter a sentença quanto ao mais.

Custas na proporção do decaimento, sendo que, relativamente à Fazenda Pública, a mesma delas estas isenta, atenta a data de instauração do processo (anterior a 2004).

Registe e Notifique.

Lisboa, 05/11/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Ana Cristina Carvalho)