Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2615/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CASH POOLING
CARÊNCIAS DE TESOURARIA
IMPOSTO DO SELO
LEI INTERPRETATIVA
LEI INOVADORA
Sumário:I - Os contratos de cash pooling ou de gestão centralizada de tesouraria são um mecanismo a que recorrem sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, visando otimizar a gestão de tais recursos.
II - As operações de cash pooling, por referência ao ano de 2007, estão sujeitas à tributação em imposto do selo, nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1, do CIS e na verba 17.1.4 da TGIS.
III - Para efeitos de aplicação da norma de isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, cabe ao sujeito passivo provar (i) a existência de carências de tesouraria; e (ii) que o financiamento em causa se destinou exclusivamente à cobertura de tais carências de tesouraria.
IV - A alínea h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, é uma norma inovadora.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

N…, S.A. (que incorporou, por fusão, a Z…, S.A., doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 08.02.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto do selo (IS) n.º 2009 6430……….., referente ao exercício de 2007, e a dos respetivos juros compensatórios.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A) Em discussão nos autos de Impugnação Judicial esteve a pretensão da Recorrente de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo n.° 2009 643…….., na parte referente a "operações financeiras ” , no montante de € 49.625,03 e, bem assim, os atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2009 00…….. a 2009 00001……., no valor de € 84.523,20, na parte correspondente à liquidação de Imposto do Selo referente a "operações financeiras" no valor de € 4.087,14, emitidos com referência ao exercício de 2007, todos praticados pelo Senhor Diretor-geral dos Impostos com fundamento na sua ilegalidade, por, entre outros vícios, desrespeito do previsto na alínea g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo.

B) De acordo com o entendimento da Recorrente, os atos tributários que constituem o objeto dos presentes autos são ilegais designadamente, por força da aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo.

C) Porém, entendeu o Tribunal a quo na Sentença recorrida que, “ Atenta a factualidade assente, verifica-se que, à data dos factos, a impugnante se inseria num Grupo de Sociedades, cuja sociedade dominante era a «Z…, SGPS, S.A.» (...) sendo utilizado por este Grupo um mecanismo de gestão de tesouraria consolidado designado de Cash Pooling, através do qual todas as sociedades nele integradas transferiram, diariamente, para Z…, SGPS, S.A., as suas disponibilidades de tesouraria, sendo que era esta última que as concentrava e decidia o destino a dar aos montantes recebidos, fazendo, designadamente, os diversos tipos de pagamentos necessários pela atividade " (cfr. Pág. 39 da Sentença recorrida).

D) Decidindo, por fim, o Tribunal a quo que: “ (...) a Impugnação judicial deduzida (...) totalmente IMPROCEDENTE, por não provada, e, em consequência, mantém-se os atos impugnados" . (cfr. Pág. 46 da Sentença recorrida).

E) Ora, conforme se deixou exposto, a Recorrente não pode concordar com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.

F) A este respeito, importa, desde logo, atender às finalidades desta prática designada de gestão centralizada de tesouraria, que configura um sistema que permite uma gestão dos défices ou excessos de tesouraria ao nível de um grupo de empresas, tendo em vista a rentabilização das disponibilidades de liquidez existentes dentro do próprio grupo.

G) Os contratos de cash pooling, apesar de não regulamentados especificamente na lei portuguesa, são, assim, hoje em dia, uma manifestação típica da tendência crescente para o posicionamento dos agentes económicos em grupo, como solução para os riscos que a intensidade da atividade empresarial moderna acarreta, como estímulo à competitividade e, bem assim, como garantia de continuidade ou perenidade dos negócios explorados.

H) Ao tratar as diversas entidades participantes como se apenas de uma única se tratasse, o cash pooling é um mecanismo que permite a esse conjunto empresarial uma poupança óbvia ao nível dos custos com juros (por comparação com uma situação de gestão individualizada de liquidez).

I) Efetivamente, ao fazer uma otimização da relação entre a rendibilidade e a liquidez (a disponibilidade de recursos), o cash pooling proporciona vantagens materiais nada despiciendas, como a referida diminuição dos juros associados a contas devedoras, quando o saldo global virtual é nulo ou positivo.

J) Neste sentido, é inequívoco que o sistema de cash pooling do Grupo se assume, por definição, como um instrumento de gestão de carências de tesourarias das sociedades que o compõem.

K) Ora tal objetivo - de suprimento de carências de tesouraria - foi exatamente o que motivou a implementação deste mecanismo.

L) Aliás, a própria Sentença recorrida retira essa ilação da prova testemunhal produzida pela RECORRENTE ao incluir no ponto 16) da factualidade assente que:

“ Em 2007, o Grupo de sociedades em que a Impugnante se inseria utilizava um sistema centralizado de tesouraria designado Cash Pooling, decorrente da celebração com a Z…, SGPS, S.A. de um "Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria", em virtude do qual, todas as sociedades filhas, numa periodicidade diária, transferiam para a mãe, a Z…, SGPS, S.A., as suas disponibilidades de tesouraria, que as concentrava e fazia os diversos tipos de pagamentos necessários pela atividade (...)". (cf r. Pág. 25 da Sentença recorrida).

M) Pelo que, tais operações de financiamento de curto prazo ocorridas no âmbito do Grupo não podem deixar de ser enquadradas na norma de isenção prevista na alínea g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo, quer pela sua natureza, quer pela realidade do caso concreto da Recorrente.

N) Em qualquer caso, no que respeita, em concreto, à prova da existência de carências de tesouraria, importa desde logo notar que o conceito de carências de tesouraria para efeitos da aplicação da isenção ora em apreço não pode ser aferido em função de um “ saldo de caixa negativo ” , nem tão pouco de um saldo médio mensal. Deve antes reconduzir-se, numa ótica mais abrangente e adequada à realidade deste tipo de operações, a entradas de fundos tendo em vista cobrir a diferença negativa entre as necessidades resultantes da atividade da empresa e os recursos necessários para o financiamento da sua atividade operacional, numa base diária.

O) À luz desta realidade, o entendimento e metodologia propostos pela Administração tributária assumem um carácter excessivamente teórico, na medida em que exigem que se verifique um matching perfeito ou bastante próximo da exigibilidade dos ativos e passivos de uma sociedade, sendo este um pressuposto contrário à realidade económica da maioria das empresas a operarem Portugal.

P) Com efeito, ainda que em determinados períodos a entidade a quem os fundos foram concedidos apresentasse saldos positivos, tal constatação não poderia ser impeditiva da conclusão de acordo com a qual existem carências de tesouraria, porquanto tais saldos poderão corresponder a montantes inferiores aos recursos necessários para o financiamento da sua atividade operacional e, bem assim, para a satisfação de necessidades de curto prazo.

Q) A este respeito, e relativamente ao caso concreto da aqui Recorrente, importa, ainda, referir a Sentença proferida no âmbito do Processo de Impugnação Judicial n.° 124/10. 6BELRS, que correu termos junta da l. a Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, e que teve como objeto idêntica situação factual e de Direito referente ao período tributário de 2005.

R) De facto, no referido processo esteve, de igual modo, em discussão o preenchimento do conceito de “carências de tesouraria” para efeitos do disposto na alínea g), do n. °1, do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo.

S) Resulta da Sentença, então, proferida que: "Em síntese, a satisfação das carências de tesouraria das sociedades dominadas constitui uma obrigação das SGPS, razão peia qual a inexistência de fundos próprios de curto prazo disponíveis para fazer face a esses compromissos da SGPS, configurará uma situação de carência de tesouraria relevante para efeitos de aplicação do disposto na alínea g), do n. °1, do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo." .

T) Contudo, e sem prescindir de todo o exposto, sempre se dirá que, caso fosse de aceitar a fórmula das carências de tesouraria tendo por base os balanços mensais - o que não se aceita tendo em conta os motivos amplamente expostos -, o montante de imposto total liquidado mostra-se superior ao que seria, efetivamente, devido em consequência da sua aplicação à situação concreta da Recorrente, nomeadamente pela existência de meses cujo saldo final corresponde a uma carência de tesouraria e que levaria o imposto devido fosse apenas no montante de €40.430,37, considerando a fórmula da Administração tributária tendo presente a consistência dos dados utilizados, ou ainda € 16.913,64, considerando a fórmula da Administração tributária mas apenas nos meses em que não existe carências.

U) Por fim, e sendo certo que neste caso ficou inequivocamente provada a existência de carências de tesouraria, importa ainda fazer uma referência à alteração, constante da Lei do Orçamento de Estado para 2020, que se concretiza na nova redação da alínea h) do Imposto do Selo.

V) Com efeito, através da referida alteração, o legislador veio clarificar a aplicabilidade da isenção de Imposto do Selo às operações efetuadas ao abrigo de contratos de gestão de tesouraria, num contexto de grupo, suprimindo a referência ao conceito de carências de tesouraria.

W) Neste sentido, a nova alínea h) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo determina a isenção de Imposto do Selo aos: "Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo."

X) Com esta alteração - que pressupõe a manutenção da alínea g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo, cuja aplicabilidade se discute nos presentes autos -, atenta a Doutrina e jurisprudência sobre esta matéria, parece-nos que o legislador veio clarificar o alcance de uma isenção genericamente aplicável a operações financeiras, nesta parte referente à realidade dos contratos de gestão de tesouraria, no âmbito da qual a referência às carências de tesouraria sendo redundante, tem vindo a gerar controvérsia.

Y) Assim, atendendo ao objetivo de consagração desta norma- alínea h) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo - no sentido de clarificação do regime anteriormente previsto, não poderá a mesma deixar de ser considerada como uma norma interpretativa, devendo também por este motivo, o presente e, consequentemente, ser anulada a Sentença recorrida e substituída por uma outra que determine a anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo e, bem, assim, do ato de liquidação de juros compensatórios dele dependente, porque emitidos em desrespeito pelo disposto no nas alíneas g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo e que consequentemente condene a Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios e ao pagamento de indemnização pela garantia prestada.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de vossas excelências, deverá o presente recurso ser considerado procedente, por provado, com todas as demais consequências legais, designadamente a anulação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a procedência da impugnação judicial apresentada contra o ato de liquidação de imposto do selo e respetivos atos de liquidação de juros compensatórios, emitidos com referência ao ano de 2007, na parte referente a "operações financeiras ” com a consequente condenação da administração tributária à restituição do imposto pago indevidamente acrescido de juros indemnizatórios e indemnização por prestação indevida de garantia”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, dado que estão preenchidos os pressupostos para a aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS)?

b) Verifica-se erro de julgamento, dado haver erro na quantificação?

c) Verifica-se erro de julgamento, dado ser aplicável a alínea h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante, Z…, S.A., é uma sociedade anónima que exerce a atividade de distribuição de sinal de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma; de prestação de serviços de comunicação de dados; de prestação de serviços de interatividade e de prestação de serviços de assessoria, consultoria e outros, direta ou indiretamente relacionados com as atividades e serviços acima referidos, inscrita com o CAE 061100 – cfr. ponto II.3.1 do Relatório de Inspeção Tributária (R.I.T.), junto como doc. 3 com a p.i., a fls. 55 e ss dos autos, e fls. 145 e ss do Procedimento de Reclamação Graciosa apenso aos autos.

2. No exercício de 2007, a Impugnante encontrava-se abrangida pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo a sociedade dominante a “Z…, SGPS, S.A.” – facto não controvertido;

3. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2009………, de 29.01.2009, os Serviços de Inspeção Tributária da DSIT – Divisão de Inspeção a Empresas Não Financeiras II, iniciaram, em 16.02.2009, o procedimento de inspeção externa, aos elementos contabilístico-fiscais referentes ao exercício de 2007, da Z…, S.A., inspeção de âmbito geral efetuada com o objetivo de verificar o cumprimento da situação tributária global – cfr. ponto II.1 e II.2 do Relatório de Inspeção Tributária (R.I.T.) junto como doc. 3 com a p.i., a fls. 55 e ss dos autos, e fls. 145 e ss do Procedimento de Reclamação Graciosa apenso aos autos;

4. Notificada para o efeito, a Impugnante exerceu o «direito de audição» sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, em 18.08.2009 – cfr. fls. 123 ss do Procedimento de Reclamação Graciosa apenso aos autos;

5. Do relatório inspeção tributária elaborado e respetivos anexos – junto como doc. 3 com a p.i., a fls. 55 e ss dos autos, e fls. 145 e ss do Procedimento de Reclamação Graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e que parcialmente se transcreve –, datado de 25.08.2009, consta, designadamente e para além do mais que se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, o seguinte:

¯(…) III. - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRETAMENTE EM FALTA

(…)

II.2.2. – Imposto do Selo

(…)

III.2.2.2. – Empréstimos Concedidos a Empresas do Grupo sob a forma de Operações de Tesouraria não isentas -Gestão Centralizada de Tesouraria

I. Descrição dos Factos

Em 1 de Março de 2006, foi assinado entre a Z…, SGPS e a Z…, SA, um “Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria", através da qual o Grupo ZON passou a adotar um sistema centralizado de tesouraria, vulgarmente e doravante designado Cash Pooling, cujos princípios gerais se explicam sucintamente de seguida:

- Todos os pagamentos são efetuados pela Z… Multimédia, como empresa-mãe do grupo, em nome das participadas, com exceção dos pagamentos ao estrangeiro que são efetuados por cada uma das empresas;

- Todos os recebimentos obtidos pelas empresas envolvidas no sistema são, diariamente transferidos para as correspondentes contas da Z… Multimédia.

O diferencial entre os pagamentos efetuados pela Z… Multimédia por conta da subsidiária (Z… Cabo) e os recebimentos provenientes da mesma, quando positivo (Pagamentos > Recebimentos) geram uma situação credora da Z… Multimédia sobre a Z… Cabo (conta 25 com saldo credor na Z… Cabo), se negativa (Recebimentos > Pagamentos) geram uma situação credora da Z… Cabo sobre a Z… Multimédia (conta 25 com saldo devedor na Z… Cabo).

Os movimentos contabilísticos na Z… Cabo relacionados com estas operações, são os seguintes:

1. Pagamentos a fornecedores nacionais:

Deb – Fornecedor

Cred— conta PIC 11326……. - Part.Relac-Emprs.Subsd-Op.lHC-Transit-Externos

2. Encontro de Contas entre empresas do grupo:

Deb - Empresa Grupo

Cred – conta PIC 113……. (pagamento) - Part.Relac-Emprs.Subsd-Op.lHC-Transit- intragmpo

ou

Deb - conta PIC 1132……… (recebimento)- Part.Relac-Emprs.Subsd-Op.iHC-Transít-Intragrupo

Cred - Empresa Grupo

3. Pela transferência para a Z… Multimédia dos valores recebidos diariamente nos bancos:

Deb - conta PIC 11326………. - Part.Relac-Emprs.Subsd-Op.lHC-Transit-Cash Pooling

Cred - conta PIC 11……..xxx - Banco X

4. No final de cada dia as contas PIC 1132….., 1132….. 1132…… são saldadas por contrapartida, respetivamente, das contas PIC 113……0, 1132…… e 113……...

5. Os juros devedores ou credores a atribuir a cada empresa são contados diariamente, com base nos saldos das contas PIC 11326….., 1132……… e 113……...

Na sequência do acordo de Cash Pooling estabelecido e da respetiva utilização identificaram- se movimentos contabilísticos nas contas PIC 113262…., 1132……. e 1132……, correspondente à concessão de fundos da Z… TV Cabo à sociedade holding, Z… Multimédia, sem que se tenha verificada a devida liquidação e entrega do Imposto do Selo devido sobre estas operações de créditos.

Acresce que da análise efetuada não foi possível determinar o prazo pelo qual o crédito foi concedido, visto as operações revestirem a natureza de crédito em conta corrente.

Foi solicitado ao sujeito passivo para comprovar a liquidação de Imposto do Selo nesta operação ou caso esta não tenha ocorrido, justificar demonstrando, ao abrigo de que norma de isenção não a efetuou. Foi igualmente solicitado, de acordo com o n.° 2 do artigo 14° da Lei Geral Tributária para que este identificasse e demonstrasse, os pressupostos dessa isenção, designadamente os que se referissem eventualmente à cobertura de carências de tesouraria da entidade beneficiária, apresentando os documentos que julgassem convenientes.

O sujeito passivo através de resposta de 27 abril de 2009 (e-mail) enviou em ficheiro Excel a demonstração das carências de tesouraria da Z… Multimédia SGPS, designadamente os balanços, os valores correspondentes ao Fundo de Maneio (FM) e Necessidades de Fundo de Maneio (NFM), todos com referência à situação ao final do mês.

II. Enquadramento Legal

Em conformidade com o n.° 1 do artigo 1.º do Código do imposto do Selo (CIS), este ¯incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos (…) previstos na Tabela Gerai, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

Adicionalmente a Tabela Geral do imposto do Selo na verba ¯17. Operações Financeiras: 17.1. Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respetivo valor, em função do prazo: 17.1.4. Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 — 0,04%.

De acordo com a alínea b) do n.° 1 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo, são sujeitos passivos do imposto as ¯entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações" que no caso é a Z…, SA.

O encargo do imposto é atribuído ao titular do interesse económico que, no caso da concessão do crédito, é o utilizador do crédito, conforme disposto na alínea f) do n.° 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo.

Vem o artigo 5.º do referido diploma legal, na sua alínea g), estabelecer o momento em que a obrigação tributária se considera constituída, sendo que nas ¯operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável' no ultimo dia de cada mês".

Por outro lado, vem alegar o sujeito passivo que se encontram isentos de Imposto do Selo as "operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superiora um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por (...) sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.° 2 do artigo 1º e nas alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 3º do Decreto-Lei n° 495/ 88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efetuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo" (alínea g) do n.° 1 do artigo 7o do Código do Imposto do Selo).

Importa desta forma verificar o preenchimento dos pressupostos de isenção, aplicáveis ao caso concreto e presentes na alínea acima transcrita, pressupostos esses que constituem condições cumulativas para o benefício da isenção e que a seguir se destacam:

a) crédito concedido por prazo não superior a um ano

b) crédito destinado exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria

c) crédito concedido pelas sociedades participadas em benefício da SGPS que com eia estejam em relação de domínio ou de grupo Podemos concluir que estão satisfeitas as condições do ponto a), uma vez que o reembolso das concessões de fundos ocorrem antes de decorrido um ano, e do ponto c) por se verificar uma relação de domínio entre a Z… SGPS, SA e a Z…, SA.

A propósito do ponto c) vejamos o que diz o Código das Sociedades Comerciais e o Plano Oficial de Contabilidade. Em conformidade com o artigo 486° do CSC, diz-nos o seu n ° 1 "considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer; diretamente ou por sociedades ou pessoas (...), sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante’' e presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, direta ou indiretamente quando "detém uma participação maioritária no capital, de acordo com a alínea a) do n ° 2 do mesmo artigo, o que se considera verificado no caso em apreço por a Z… SGPS, SA deter 100%, indiretamente através da PT Televisão por Cabo, SGPS, do capital da Z…, SA.

Acresce que o ponto 2.7 do Plano Oficiai de Contabilidade - Tratamento de ligações entre empresas, refere que "tendo em conta as ligações existentes entre si, em consequência da titularidade de partes de capital ou de outros direitos, as empresas classificam-se, sob o ponto de vista contabilístico, em a) empresas do grupo, b) empresas associadas e c) outras empresas, sendo que as "empresas do grupo são as empresas que fazem parte de um conjunto compreendido por empresa-mãe e empresas filiais.

Da verificação de existência de carências de tesouraria:

Importa agora avaliar se os empréstimos concedidos à já referida entidade se destinaram à cobertura de carências de tesouraria da mesma, conforme referido no ponto b). A análise do cumprimento destes requisitos deve ser aferido relativamente à:

o natureza das operações praticadas

o situação financeira do beneficiário ( Z… SGPS, SA).

Da natureza das operações praticadas:

De acordo com o contrato de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling), a Z… transfere diariamente para Z… Multimédia os valores recebidos diariamente nos bancos (saldos credores), ficando esta obrigada ao pagamento de dividas da Subsidiária (Z… TV Cabo) perante os respetivos credores, sendo que quando os pagamentos efetuados pela sociedade holding são inferiores aos recebimentos provenientes da Z… Cabo, esta regista na sua contabilidade um saldo devedor nas contas 25 (situação subjudice).

Sobre os saldos diários resultantes das contas PIC 113262….., 11326….. e 113….., são devidos juros devedores ou credores a atribuir a cada empresa, sendo que os juros obtidos se encontram registados nas contas PIC 5212……. e 5212……...

Assim, no âmbito de uma gestão centralizada de tesouraria, e no caso em análise, os excedentes de tesouraria da Z… TV Cabo são geridos pela Z… Multimédia, que os utiliza tendo em vista as suas próprias necessidades ou de várias empresas do grupo ou ainda uma otimização da sua rentabilidade se colocados no mercado. Neste sentido, poderemos afirmar que a cobertura de carências de tesouraria não seja o propósito exclusivo da existência do sistema de Cash Pooling.

Da situação financeira na esfera do beneficiário:

Não obstante os fundos não se destinarem exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria, conforme referido anteriormente, importa, todavia, avaliar se os meios financeiros concedidos pela Z… TV Cabo, SA à empresa mãe Z… Multimédia SGPS, SA se destinaram a suprir necessidades de tesouraria desta última e/ ou do grupo.

Relativamente a esta questão é de salientar que existem carências de tesouraria quando os fundos de curto prazo disponíveis numa empresa (ativos) são insuficientes para fazer face aos compromissos/ obrigações (passivo), com referência ao mesmo horizonte temporal; então o sujeito passivo para demonstrar o pressuposto da isenção em causa pode apresentar, designadamente à data, ou num espaço temporal próximo em que os fundos foram concedidos à Z… Multimédia SGPS, SA, que os respetivos meios de caixa , em conformidade com a Diretriz Contabilística 14, ponto 3 Definições - "para efeitos da presente Diretriz, aos termos a seguir indicados ê atribuído um significado específico, a saber: Caixa - compreende o numerário e os depósitos bancários /mediatamente mobilizáveis' se revelavam inferiores aos passivos a incorrer ainda que o grau de liquidez dos ativos disponíveis seja pelo menos igual ao prazo de exigibilidade dos passivos a incorrer, demonstrando nesse momento a existência de tesouraria negativa ou em rutura.

Acresce que sendo a tesouraria de uma empresa deficitária num determinado momento, salvo as situações de tesouraria deficitárias permanentes, o que nos remete para desequilíbrios na estrutura de capitais, relativamente ao qual a empresa necessita de fundos para fazer face a essa carência, os elementos comprovativos da isenção controvertida deverão ser reportados a esse preciso momento, conforme refere Hélder Caldeira Menezes em "Elementos Para O Estudo Da Estrutura Financeira Da Empresa".

Assim, e por forma a comprovar os pressupostos de que depende a isenção prevista na alínea g) do n°1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo, a Z… TV Cabo no decorrer da ação de inspeção, apresentou elementos, que permitem aferir a situação da tesouraria excedentária ou deficitária da sociedade beneficiária dos fundos (Z… Multimédia) designadamente os balancetes, os valores correspondentes ao Fundo de Maneio (FM) e Necessidades de Fundo de Maneio (NFM), todos com referência à situação no final do mês.

Neste sentido, procedeu-se à comparação da situação de tesouraria apurada, com base nos elementos fornecidos peio sujeito passivo, com o saldo médio mensal dos fundos concedidos pela Z… TV Cabo, tendo-se identificado as seguintes situações, que constam do Anexo V:

Nos meses de Janeiro a Março a beneficiária apresenta tesouraria negativa, sendo que os valores concedidos excedem as suas necessidades procedendo-se à tributação da diferença, e tendo-se apurado imposto nos montantes de 9.024,90€ em Janeiro, 12.131,82€ em Fevereiro e 11.554,67€ em Março;

Nos meses de Abril, Novembro e Dezembro a beneficiária apresenta situação de tesouraria positiva e, deste modo, todos os fundos concedidos não se encontram isentos procedendo-se à tributação pela totalidade, pelo que se apurou imposto de 9.138,28 em Abril, 806,83€ em Novembro e 6.968,53 em Dezembro;

Nos restantes meses, independentemente da situação de tesouraria e visto não terem ocorrido cedências de fundos, não há lugar a qualquer apuramento de imposto.

Assim, com referência aos elementos apresentados, pode-se concluir que a Z… Multimédia só apresentou carências de tesouraria nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2007 e que entre os meses de Maio e Outubro do mesmo ano o saldo médio mensal das contas de Cash Pooling (Gestão Centralizada de Tesouraria) é negativo, pelo que denota a ausência de liquidação de Imposto do Selo.

Tendo em vista a identificação de situações de tesouraria negativa, as quais são abrangidas pelo conceito de carências de tesouraria, observa-se que no cálculo do Fundo de Maneio (FM) deve ser considerado o Ativo.

Na situação em apreço estando em causa identificar a (i) parte dos Capitais Permanentes que não é absorvida no financiamento do imobilizado Liquido e que consequentemente, está aplicada na cobertura (parcial ou total) das necessidades de financiamento do ciclo de exploração ou de outro modo a (ii) a parte Ativo de Curto Prazo que é (ou não) financiada pelos Capitais de WL (capitais permanentes), é forçoso concluir que, para tanto, aos Capitais Permanentes se retire o Ativo de Médio e Longo Prazo Liquido que corresponde ao Imobilizado Liquido.

Se assim não fosse e tendo em conta a equação fundamental da contabilidade obteríamos valores de Fundo de Maneio inferiores aos reais.

Aliás e a propósito voltamos a citar Hélder Caldeira Menezes, in Elementos Para o Estudo Da Estrutura Financeira Da Empresa "Ora convém recordar que o Fundo Maneio varia unicamente em função das mutações ocorridas na zona final do Balanço - Capitais Permanentes e imobilizado Total (liquido) (…).

Importa ainda salientar que o montante correspondente à situação de tesouraria da Z… Multimédia deverá ser comparado com saldo médio mensal dos fundos concedidos pela Z… TV Cabo, sendo este obtido através da soma dos saldos diários, vistos ser este o montante dos fundos cedidos no mês.

Não sendo possível isentar as operações em causa de Imposto do Selo, terá que se determinar o valor tributável da operação, que de acordo com a regra geral disposta no n.° 1 do artigo 9º do Código do Imposto do Selo, ¯é o que resulta da Tabela Geral", que infra se transcreve. As taxas do imposto são ¯as constantes da Tabela anexa em vigor no momento em que o imposto é devido" (n.° 1 do artigo 22° do Código do Imposto do Seio), não podendo haver "(..) acumulação de taxas de imposto relativamente ao mesmo ato ou documento conforme o n.° 2 do artigo 22° do Código do imposto do Selo.

Em conformidade com a verba 17.1. da Tabelas Geral do Imposto do Selo, que de seguida se transcreve: "17. Operações Financeiras: 17.1. Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, Incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respetivo valor, em função do prazo: 17.1.4. Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 - 0,04%, deste modo, o valor tributável é o resultante da média mensal dos saldos apurados diariamente dos empréstimos sob a forma de operações de tesouraria que não se destinaram exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria, ao qual deve ser aplicada a taxa de 0,04%, de acordo com o descrito no ponto-17.1.4. da Tabela Anexa ao Código do Imposto do Selo.

Ocorre ainda, que pelo disposto no n.° 1 do artigo 23° do Código do imposto do Selo, "a liquidação do imposto do selo compete aos sujeitos passivos referidos no n.° 1 do artigo 2º do mesmo diploma, sendo que ¯sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou a entrega de parte ou da totalidade do imposto devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios, de harmonia com o artigo 35° da LGT, pelo disposto no n.° 1 do artigo 40° do Código do Imposto do Selo.

Vem ainda, o n.° 2 do artigo 40° do Código do imposto do Selo, referir que os juros compensatórios ¯serão contados dia a dia, a partir do dia imediato ao termo do prazo para a entrega do imposto ou, tratando-se de retardamento da liquidação, a partir do dia em que o mesmo se iniciou, até à data em que for regularizada ou suprida a falta.

Como o sujeito passivo não efetuou a correspondente liquidação do imposto selo, serão devidos juros compensatórios, nos termos do n.° 10 do artigo 35° da Lei Geral Tributária, sendo "a taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n° 1 do artigo 559° do Código Civil", que se encontra fixada pela Portaria n.º 291/ 2003 de 8 Abril, em 4%.

Por fim, importa saber, que o pagamento do imposto é efetuado pelas pessoas ou entidades a quem compete a liquidação, conforme disposto no artigo 41° do Código do imposto do Selo, pelo que será a Z… Cabo, SA a entidade a proceder ao pagamento do imposto do selo.

Nesta sequência apresenta-se em Anexo V o cálculo do saldo médio mensal dos financiamentos concedidos à Z… Multimédia, SGPS e a base tributável para efeitos de Imposto do Selo, em cada mês, tendo em consideração todos os pressupostos supra descritos.

III. Conclusões

Face ao exposto e atendendo ao facto da justificação apresentada pelo sujeito passivo não comprovar que os empréstimos concedidos se destinavam a cobrir carências de Tesouraria, não se encontra isento de liquidação de imposto de selo pela alínea g) do n.° 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo, pelo que é apurado imposto do selo em falta no montante de 49.625,05€, como demonstrado no Anexo V.

(…)

VII. Infrações verificadas

(…)

Relativamente às situações de anomalia tributária em sede de Imposto do Selo, descritas nos pontos III.2.2., constituem infrações ao disposto no Código do Imposto do Selo e traduziram- se em falta de liquidação e entrega nos cofres do Estado do imposto que recaia autonomamente sobre documentos, livros, papéis e atos, punível nos termos da alínea e) do n.° 5 do artigo 114° do Regime Geral das Infrações Tributárias.

(…)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTOS

Face aos artigos 60° da Lei Geral Tributária e 60° do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária, aprovados pelo D.L. n° 398/ 98 de 17/12 e 413/98 de 31/12, notificou- se o sujeito passivo através do nosso ofício n° 2136 de 3 de Agosto de 2009, para exercer no prazo de 10 dias, o direito de audição sobre o projeto de relatório de inspeção tributária.

O direito de audição foi exercido conforme documento que deu entrada nestes serviços em 18 de Agosto de 2009, com a entrada n.°29…, tendo o sujeito passivo contestado as correções propostas.

(…)

IX.2. Imposto em falta

(…)

IX.2.2 Imposto do Selo

(…)

IX.2.2.2. Operações de Tesouraria (ponto II.2.2.2. do Projeto de Relatório)

O sujeito passivo veio apresentar, nos pontos 180 a 193 do direito de audição, as contestações das correções propostas, em sede de Imposto do Selo, no montante de 9.194,68€ referentes a fundos concedidos pela Z… TV Cabo à Z… Multimédia ao abrigo do sistema integrado de tesouraria (Cash Pooling) do grupo Z….

Sendo o montante total da correção proposta de 49.625,05€, a Exponente veio mencionar a intenção de não se pronunciar, nesta sede, quanto à parcela de 40.430,37€.

O sujeito passivo vem alegar que "para efeitos de determinação do montante concedido pela Exponente à Z… Multimédia em cada mês, foi calculada a média mensal dos empréstimos, tendo esta média mensal sido comparada com as carências, ou excessos, de tesouraria calculados no final de cada mês" considerando, por isso, que "se estejam a comparar duas realidades apuradas em momentos temporais distintos

Ou seja, “as carências, ou excessos, de tesouraria são apuradas com base no balanço final de cada mês, sendo o seu montante determinado no último dia de cada mês", enquanto que “o financiamento concedido encontra-se a ser calculado com base numa média mensal, que no entender da Z… TV Cabo o procedimento adotado "não se revela o mais adequado na medida em que as duas realidades deveriam ser apuradas no mesmo momento temporal (...)

Face a estas alegações, veio ainda o sujeito passivo apresentar os seus cálculos quanto à base tributável para a liquidação do imposto do Selo, considerando, para tal, o saldo no último dia do mês ao invés da média mensal dos fundos concedidos, tendo determinado um Imposto do Selo no montante de 40.430,37€.

No que respeita aos argumentos aduzidos pela Z… TV Cabo, quanto ao apuramento dum saldo médio mensal para a base tributável para a liquidação do Imposto do Selo, cabe à Administração Fiscal tecer os seguintes comentários.

Comecemos por analisar a 1ª parte do Anexo V do Projeto de Relatório onde constam os movimentos diários ocorridos nas contas de Cash Pooling.

Daqui se retira que ao longo dos doze meses do ano sucederam oscilações diárias quanto aos registos nas diversas contas referentes às operações de Cash Polling realizadas entre o sujeito passivo e a Z… Multimédia, podendo o saldo das contas num dia se devedor e no outro credor, consoante a Z… Multimédia concedesse ou obtivesse fundos.

Mais concretamente, no mês de Abril e no dia 23, a conta fica com saldo nulo, situação que se manteve até ao final do mês e que não reflete as movimentações que ocorreram durante esse período, peio que não seria equitativo considerar o saldo final do mês, quando durante o mesmo se registaram movimentos de concessão e obtenção de empréstimos.

Assim, pelo facto de poder suceder que o saldo final mensal seja nulo, porque reembolsado nesse mesmo dia, ainda que durante o mês tenham existido financiamentos, ao que acresce a forma de cálculo estipulada no ponto 17.1.4 da Tabela Anexa ao Código do Imposto do Selo, considera-se que seja apurado um saldo médio mensal dos empréstimos.

Face ao exposto, a correção proposta em Projeto de Relatório, no montante de 49.625,05€ será de manter.

(…)

6. Dá-se integralmente por reproduzido, para todos os efeitos legais, o Anexo V do R.I.T., donde consta o cálculo do Imposto do Selo corrigido com referência às operações de tesouraria, no montante de €49.625,05, correspondente à liquidação impugnada, – cfr. doc. 3 junto com a p.i., a fls. 55 e ss dos autos, e fls. 145 e ss do Procedimento de Reclamação Graciosa apenso aos autos, maxime fls. 246 deste último, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

7. Em 07.09.2009, veio a ser emitida em nome da Impugnante a liquidação de Imposto do Selo nº 2009 6430000657, relativa ao exercício de 2007, no montante global de €1.026.260,03, dos quais €49.625,03 respeitam a «operações financeiras», bem como as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2009 000……… a 2009 00001………, no valor global de €84.523,20, com data limite de pagamento em 14.10.2009 – cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 125 ss do PAT apenso aos autos;

8. Das liquidações de juros compensatórios mencionada no ponto antecedente consta o valor base mensal de incidência dos juros, a data de início e de fim do seu cálculo, a duração em dias, a taxa aplicada e o valor final mensal de juros devidos – cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 125 ss do PAT apenso aos autos;

9. Notificada das liquidações de imposto do selo e de juros compensatórios mencionadas nos pontos antecedentes, a Impugnante deduziu, em 19.11.2009, no Serviço de Finanças de Lisboa-8, reclamação graciosa (que tomou o número 310720………….), cujo teor se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais – cf. fls. 2 ss do processo de reclamação graciosa apenso aos autos;

10. Em 04.12.2009 a Impugnante prestou, a favor da Direção-Geral dos Impostos – Direção de Finanças de Finanças de Lisboa – Serviço de Finanças de Lisboa-8, a garantia bancária n.º N003……., emitida pelo B…, S.A., no montante total de €1.423.317,76, destinada à suspensão da execução fiscal n.º 31072………, instaurada com referência às liquidações identificadas no ponto 7. – cfr. doc. 9 junto com a p.i.;

11. Em 20.09.2010, a Impugnante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação apresentada, tendo-se pronunciado, pugnando pelo deferimento da pretensão deduzida – cfr. Ofício n.º 081….., de 17.09.2010, a fls. 286 do Procedimento de Reclamação Graciosa e fls 287 e ss, do mesmo apenso, que se dão integralmente por reproduzidas para todos os efeitos legais;

12. Em 19.10.2010, a reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Sr. Chefe de Divisão, da Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa, mediante concordância com a informação elaborada pelos serviços, junta a fls. 45-53 dos autos em papel, cujo teor se dá integralmente por reproduzida para todos os efeitos legais – cfr. fls. 210 ss do Procedimento de Reclamação Graciosa apenso aos autos;

13. Em 26.10.2010, a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada – cfr. Ofício n.º 094…… e AR, juntos a fls. 320-321 do Procedimento de Reclamação Graciosa apenso aos autos;

14. Em 09.11.2010, a presente impugnação judicial foi remetida pela Impugnante para este Tribunal – cfr. registo postal a fls. 225 dos autos em papel.

15. Em 20.12.2013, a Impugnante efetuou o pagamento das liquidações identificadas no ponto 7., ao abrigo do Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31.10 – cfr. doc. 1 junto a fls. 288 dos autos em papel;

16. Em 2007, o Grupo de sociedades em que a Impugnante se inseria utilizava um sistema centralizado de tesouraria designado Cash Pooling, decorrente da celebração com a Z… Multimédia, SGPS, S.A. de um “Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria”, em virtude do qual, todas as sociedades filhas, numa periodicidade diária, transferiam para a mãe, a Z… Multimédia, SGPS, S.A., as suas disponibilidades de tesouraria, que as concentrava e fazia os diversos tipos de pagamentos necessários pela atividade – cfr. RIT, junto como doc. 3 com a p.i., a fls. 55 e ss dos autos, e prova testemunhal produzida;

17. No sistema de gestão de tesouraria centralizado na Z… Multimédia, SGPS, S.A., ainda que não existissem carências de tesouraria, verificavam-se sempre os movimentos de transferência das sociedades dominadas, sendo colocada toda a liquidez naquela – cfr. prova testemunhal produzida;

18. A gestão da tesouraria feita no seio do Grupo em que que a Impugnante se inseria, era feita diariamente, existindo registos diários dos movimentos de transferência de liquidez verificados – cfr. prova testemunhal produzida”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“No que concerne à factualidade assente constante dos pontos 1. a 15., a decisão da matéria de facto assentou no exame da prova documental e informações oficiais não impugnadas, existentes nos autos, conforme especificado a propósito de cada uma das alíneas do probatório. Assim, considerando que a autenticidade da documentação não é posta em causa e tem subjacente factos cuja ocorrência as partes não contestam, não se suscitam dúvidas quanto ao valor probatório que lhes reconhece o disposto nos arts. 371.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1 do Código Civil e art. 34.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mostrando-se os mesmos idóneos à prova da factualidade nela consignada.

No que concerne aos factos assentes n.ºs 17. a 18., a convicção do tribunal resultou da prova testemunhal produzida, que assentou no depoimento prestado por S… – com vínculo profissional prolongado estabelecido com a Impugnante, para quem exercia, à data dos factos, funções como responsável de tesouraria do Grupo N… –, que se revelou esclarecedor, assertivo, objetivo e credível, nomeadamente, quanto ao mecanismo de gestão consolidada de tesouraria adotado, à data dos factos, pelo Grupo de sociedades em que a Impugnante se inseria.

O facto assentes n.º 16 resultou da conjugação do teor do relatório de inspeção junto aos autos e da prova testemunhal produzida.

Do depoimento prestado resultou, essencialmente, que, à data dos factos, a gestão de tesouraria do grupo de sociedades em apreço, onde se integrava a Impugnante, era feita diariamente e de forma consolidada, através de um processo designado de cash pooling, que, de acordo com as declarações da testemunha, consiste num mecanismo de gestão de tesouraria centralizada, através do qual todos os recebimentos de cada uma das empresas do grupo eram gerados/transferidos para a holding, a SGPS. Foi pela testemunha referido, ainda, que, ela própria fazia um apanhado diário dos movimentos verificados no âmbito deste sistema de gestão centralizada de tesouraria.

Referiu, também, que, a adoção deste processo centralizado permitiu alcançar uma maior eficiência em termos de gestão da tesouraria do grupo, visto que dava à SGPS o conhecimento diário das disponibilidades existentes nas diversas sociedades que compõem o grupo, nomeadamente, que subsidiárias apresentavam carência ou um excesso, promovendo, assim, uma melhor e mais eficiente aplicação das disponibilidades existentes, a cada dia, no grupo, maxime quanto aos pagamentos a realizar. A SGPS tinha, portanto, a noção geral do que se passava no grupo e geria, numa base diária, os excessos e os défices de todas as empresas do grupo, bem como as suas próprias. Ademais, a par dos ganhos de eficiência, permitiu alcançar um maior poder de negociação junto das instituições bancárias.

Mais referiu que, se num dia a SGPS tiver excedente e, simultaneamente, se verificar que uma subsidiária tem carência, então a SGPS faz a distribuição (pagamentos), aplicando valor junto dessa empresa. Afirmou, ainda, que se se verificar excesso de liquidez ao nível da SGPS, cabe a esta fazer a respetiva gestão, podendo optar por liquidar alguma linha que tenha junto de uma entidade externa, como seja uma entidade bancária, aplicar num descoberto bancário, antecipar o pagamento a determinado fornecedor que se encontre “aflito” e, com isso, usufrui de um desconto de pronto pagamento, usar esses montantes para fazer uma aplicação financeira, entre outras possibilidades. Referiu, também, que a holding efetua, diariamente, o cálculo de juros e, se a empresa estiver excedentária será remunerada a uma determinada taxa (taxa média do mercado, em regra), se a empresa estiver deficitária tem um custo.

Por fim, a Sr.ª testemunha confirmou que o sistema de Cash Pooling é sempre utilizado, independentemente da verificação, ou não, de carências de tesouraria, e que a SGPS funciona como uma espécie de entreajuda entre as subsidiárias, exatamente com o propósito de evitar a ocorrência de tais carências”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto aos pressupostos para a aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, na sua perspetiva, verificam-se os pressupostos para a aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

Vejamos então.

In casu, em termos de factualidade pertinente, temos o seguinte, no tocante ao ponto de partida da atuação da administração tributária (AT):

a) O grupo, onde a ora Recorrente se integra, adotou, desde 2006, um sistema de cash pooling;

b) Nessa sequência, foram identificados movimentos contabilísticos, correspondentes à concessão de fundos à Z… Multimédia;

c) A cobertura das carências de tesouraria não foi o propósito exclusivo do cash pooling;

d) Foram detetadas situações de carência de tesouraria, mas em que os fundos foram de valor superior às mesmas (caso em que a AT tributou pela diferença, apurada mensalmente), e de tesouraria positiva (caso em que a AT tributou totalmente), o que deu origem a um valor de correção total de 49.625,05 Eur.

Vejamos então.

Os contratos de cash pooling ou de gestão centralizada de tesouraria são um mecanismo a que recorrem sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, visando otimizar a gestão de tais recursos.

Com a Lei do Orçamento do Estado para 2020, foi consagrada uma isenção de IS para os empréstimos concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedade com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo [cfr. o atual art.º 7.º, n.º 1, alínea h) do CIS].

Até tal momento, esta situação não foi salvaguardada pelo legislador, pelo que estes contratos eram sujeitos a IS, podendo ou não, no seu âmbito, surgir situação de isenção, atento o disposto na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, como veremos infra.

A este respeito chama-se à colação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.11.2018 (Processo: 06/11.4BESNT 0436/16), onde se refere:

“Dispõe a verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de selo que, o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

Resumidamente, a situação de facto é a seguinte: a A………., Lda (A……..) celebrou um contrato com a A’……….. (A’………), pelo qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para esta A’……….., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo A…….. Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da A’……….., no caso de necessitar dos mesmos.

(…) Ocorreu, portanto, uma ou mais operações de transferência de saldos entre a(s) conta(s) da impugnante e a(s) conta(s) da entidade centralizadora, a A’…………, que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.

Com esta verba do IS pretende-se tributar as transferências de saldos entre a impugnante, enquanto empresa nacional, e a entidade centralizadora, sedeada na Suécia, devendo tais transferências de saldos ser qualificadas como financiamentos concedidos também para efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS. (…)

E tais transferências de saldos, tanto são tributadas quando ocorrem entre empresas nacionais, entre empresas de estados-membros ou até entre empresas de estados-membros e de países terceiros, aplicando-se sempre as normas constantes dos artigos 1º. n º 1, 2º, b), 3º, n.º 1, f), 4º, n.º 1, 23º, n.º 1, 41º e 44º, todos do CIS.

(…) Efectivamente a operação de transferência de capitais realizada entre a impugnante e a dita A’…………, e ao contrário do que defende a impugnante, tem que ser necessariamente subsumida ao disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e respectiva verba 17.1.4 da TGIS, desde logo porque tem que ser qualificada como uma operação de crédito com contrapartida, isto é, remunerada por via do pagamento dos juros calculados a uma taxa acordada entre as partes e durante o período de tempo de duração da cedência do capital. E sempre que haja a utilização desse mesmo capital por parte da A’………..–crédito utilizado- ocorre a possibilidade de tributação ao abrigo das normas respeitantes ao CIS e à TGIS atrás indicadas” [v. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.02.2020 (Processo: 02244/12.3BEPRT 0898/17)].

Assim, em princípio, à época, as operações decorrentes do cumprimento de um contrato de cash pooling, eram tributadas em sede de IS.

A questão que aqui se coloca, no entanto e como já referimos, tem a ver com a aplicação, in casu, da norma de isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

Era a seguinte a redação da mencionada disposição legal, à época:

“1 - São também isentos do imposto:

(…) g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no nº 2 do artigo 1º e nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efetuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo”.

Portanto, para que a situação em concreto seja subsumível nesta norma de isenção, necessário se torna que:

a) Se trate de operações financeiras por prazo não superior a um ano;

b) Exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria;

c) Efetuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo (cfr. J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 585).

In casu, a própria AT reconhece no RIT que estamos perante operações de prazo inferior a um ano, efetuadas em benefício de SGPS em relação de domínio ou de grupo com a Impugnante.

O único pressuposto controvertido tem a ver com a circunstância de tais operações se destinarem a cobrir exclusivamente carências de tesouraria.

Com efeito, a este respeito, a Recorrente defende que, por definição, os contratos de cash pooling se assumem como um instrumento de gestão de carências de tesourarias das sociedades que o compõem.

Refira-se, a este respeito, que não se acompanha o entendimento da Recorrente.

Com efeito, um sistema de cash pooling não implica, per se, que as transferências efetuadas sejam com o objetivo de suprir carências de tesouraria.

É, sim, um sistema que visa uma otimização de gestão da tesouraria de um grupo, independentemente de existirem ou não tais carências, designadamente por parte do cash pool leader (ou seja, a empresa que centraliza, dentro do grupo, as transferências que são efetuadas).

Como referem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins (Imposto do Selo, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 210 e 211), “não poderá considerar-se, simplesmente, que os financiamentos ocorridos neste âmbito, só por si, evidenciam a existência de uma ‘carência de tesouraria’, pois a sua forma de funcionamento pode gerar, efetivamente, disponibilizações de fundos sem que tal carência exista”.

Portanto, em casos como o dos autos, não basta a existência do contrato de cash pooling para se considerar preenchida a norma de isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, cabendo à Impugnante provar (i) a existência de carências de tesouraria; e (ii) que o financiamento em causa se destinou exclusivamente à cobertura de tais carências de tesouraria.

Ora, tal não resultou provado, independentemente do conceito a que se lance mão, sendo que a prova de que houve uma otimização das disponibilidades de tesouraria não corresponde à prova de que o financiamento foi feito por existirem carências de tesouraria e exclusivamente com vista à sua cobertura.

Ou seja, nada nos permite concluir no sentido de que as operações em causa se destinaram exclusivamente a cobrir carências de tesouraria, o que se revela fundamental para efeitos de aplicação da norma de isenção em causa, como resulta da sentença recorrida. Daí que careça de relevância o alegado, em torno do conceito utilizado pela AT de carência de tesouraria, porquanto a questão situa-se ao nível da prova efetuada, que, como referido, não o foi nos termos legalmente exigidos.

Logo, não tendo tal sido provado pela Impugnante, não estão demonstrados os pressupostos para a aplicação da norma de isenção constante da alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

Assim, a Recorrente carece de razão nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à quantificação

Considera, por outro lado, a Recorrente que, caso fosse de aceitar a fórmula das carências de tesouraria tendo por base os balanços mensais, o montante de imposto total liquidado mostra-se superior ao que seria, efetivamente, devido, em consequência da sua aplicação à situação concreta da Recorrente, nomeadamente pela existência de meses cujo saldo final corresponde a uma carência de tesouraria e que levaria o imposto devido fosse apenas no montante de 40.430,37 Eur., considerando a fórmula da AT e tendo presente a consistência dos dados utilizados, ou ainda 16.913,64 Eur., atendendo à fórmula da AT, mas apenas nos meses em que não existe carência.

Tendo em consideração o teor do RIT, verifica-se que a AT, para os meses de janeiro, fevereiro e março, considerou, em parte, demonstradas as carências de tesouraria, tributando pela diferença, tendo tributado pela totalidade no que respeita aos meses de abril, novembro e dezembro.

O cálculo foi feito considerando a taxa constante da verba 17.1.4 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), atendendo à média mensal aí mencionada.

Quanto ao erro de cálculo, não resulta provado o alegado pela Recorrente, sendo que a mesma não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto a esse propósito.

Quanto ao valor de 16.913,64 Eur., considerando a fórmula da AT, mas apenas nos meses em que não existe carências, trata-se do valor que resulta do RIT, como resulta do somatório dos valores atinentes aos meses de abril, novembro e dezembro. Não se alcança de que forma deveriam ser apenas considerados tais meses, se, quanto aos demais, a AT apurou que as carências de tesouraria eram inferiores ao valor dos empréstimos.

Face ao exposto, não assiste igualmente razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento, por ser aplicável a alínea h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março

Considera ainda a Recorrente que, dado o seu caráter interpretativo, sempre seria aplicável a alínea h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

Desde já se adiante que não se acolhe este entendimento.

Explicitemos.

Nos termos do art.º 13.º, n.º 1, do Código Civil, “[a] lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza”.

Mas, para que tal ocorra, temos de estar perante uma verdadeira lei interpretativa.

Nas palavras de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 245 a 247):

“Este texto começa por estabelecer que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, querendo com isto significar que relativamente a leis desta natureza não há que aplicar o princípio da não retroactividade (...). // [A] razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo a consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de natureza interpretativa aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. // Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, pois, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” (sublinhados nossos).

As leis interpretativas podem ser reputadas como tal no texto do diploma legal ou pode essa caraterização ser feita pelo aplicador.

Ora, no caso dos autos, do texto do diploma legal não resulta que o legislador tenha considerado ser tal norma de cariz interpretativo.

Por outro lado, considerando o demais contexto, nada faz concluir pelo caráter interpretativo do normativo em análise.

Com efeito, não existia qualquer situação controversa em torno não subsunção dos contratos de cash pooling à alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, que faça com que a atual alínea h) do n.º 1 do mesmo art.º 7.º seja encarada como uma tomada de posição do legislador, de entre as soluções admissíveis.

É evidente que havia e há diferendos judiciais em torno da matéria, mas não se pode concluir que tal circunstância, per se, consubstancia situação controversa para os efeitos de se considerar determinada norma como interpretativa. Ou seja, não se conhece controvérsia doutrinal ou jurisprudencial que justifique entender-se a norma em causa como verdadeiramente interpretativa, do ponto de vista material.

Por outro lado, atente-se na redação da referida alínea h):

“h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.

As diferenças entre esta alínea e a previsão da alínea g) são visíveis, desde logo porque a alínea h) não faz depender a isenção de qualquer destino exclusivo à cobertura de carências de tesouraria.

Trata-se, sim, da previsão de uma nova isenção, com concretas caraterísticas e distinta das demais consagradas.

Aliás, este caráter inovatório também se extrai do relatório do Orçamento do Estado para 2020 (1), onde se refere:

“Também como forma de apoio à tesouraria das empresas, isenta-se de Imposto do Selo todas as operações financeiras de curto prazo realizadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling)”.

Estando nós perante uma norma que, do ponto de vista material, não é interpretativa, a mesma não se aplica a eventos passados [cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos deste TCAS, de 10.02.2022 (Processo: 124/10.6 BELRS) e de 24.03.2022 (Processo: 2338/11.2 BELRS)].

Como tal, não assiste razão à Recorrente, resultando, nesta sequência, prejudicado o alegado quanto ao direito a juros indemnizatórios e pagamento de indemnização pela garantia prestada.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 12 de maio de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


_______________________________
(1) Disponível para consulta em https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063484
d364c793968636d356c6443397a6158526c6379395953565a4d5a5763765247396a6457316c626e527663306c7561574e7059585270646d45764d6d4d7a5954526a596a51744d5751304e6930304e54686b4c5467774e4455744e6d526c5a5756684e7a55784d47466b4c6e426b5a673d3d&fich=2c3a4cb4-1d46-458d-8045-6deeea7510ad.pdf&Inline=true.