Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:527/11.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:RECLAMAÇÃO DA NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA DAS CUSTAS DE PARTE;
FALTA DE DEPÓSITO DA TOTALIDADE DO VALOR DA NOTA;
ART. 26.º-A RCP; ART. 9.º DL 18/2018, DE 15.10
Sumário:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:



I. Relatório

O Recorrente, ora Reclamante, S. N. E. S., não se conformando com o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 10.05.2020, que «não admitiu a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, por falta de depósito da totalidade do valor da nota», veio do mesmo recorrer para este tribunal, concluindo como se segue – cfr. fls. 3899 e ss., ref.ª SITAF:

«(…)

A) A presente ação foi a interposta em cumprimento da finalidade de promoção e defesa dos interesses socioprofissionais dos trabalhadores com relação de emprego público que representa, tendo como objetivo a condenação das instituições de ensino superior/investigação (entidades empregadoras públicas), e o Estado a pagarem as remunerações a que os trabalhadores representados pelo A., a tinham direito a 31/12/2010, com fundamento na ilegalidade da redução das remunerações determinada pelo art.º19º, da LOE 2011, com fundamento na inconstitucionalidade de tal norma;

B) O autor/recorrente estava/está isento de custas - art.º 310º, n.º 3 do RCTFP, art.º 338º, n.º 3, da LTFP e art.º 4.º n.º 1, alínea f) do RCP, por ser uma pessoa coletiva privada sem fins lucrativos, instaurando a presente ação para defender os direitos e interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos estatutos e pela lei, direitos e interesses coletivos dos trabalhadores que representam; no caso, o direito à integralidade do valor de remuneração auferida;

C) Aproveitando o disposto no Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, que implementou medidas acessórias de caráter extraordinário para recuperação de pendência nos tribunais administrativos e fiscais, nomeadamente: 1) A isenção de custas processuais pela desistência de pedidos nos processos administrativos e tributários, pendentes, até ao final de 2019, invocando o art.º 9º, do diploma, o autor /recorrente desistiu do pedido (sentença proferida a 19.12.2019, fls. 3478.SITAF);

D) A pendência da reclamação da conta de custas dever-se-á reger pelo quadro normativo vigente à data da entrada da respetiva ação (22.0.2011), ou seja, o artigo 33.º, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, que menciona no seu n.º 2, que a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota;

E) Sucede porém que, pelo Ac. Tribunal Constitucional n.º 280/2017, de 30/6, tal norma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma que determina que a «reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota», constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março;

F) Devendo em consequência ser revogada a decisão impugnada por erro de direito ao aplicar o art.º 26º-A, n.º 2, do RCP em vez de considerar aplicável o regime da Portaria n.º419-A/2009 (art.º 33º, n.º2), respeitando a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, admitindo a reclamação sem prévio depósito da totalidade da verba global das notas de custas de parte;

Sem prescindir,

G) Nenhuma dúvida se levantou quanto à questão da legitimidade e qualidade do autor/recorrente na ação como defensor de direitos coletivos fundamentais dos seus assocados, exercendo tal patrocínio em cumprimento do dever estatutário, legal e constitucional (art.º 55º, n.ºs 2 e 3, da CRP com o disposto no art.º 442º, n.º 1, al. a) do CT, art.º 309º al. a) da RCTFP (Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro) e art.º 337º, da LTFP (Lei Geral de Trabalho em Funções públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho);

H) Nessa exata medida foi reconhecida a isenção de custas, que tem como escopo fundamental não impor às associações sindicais um ónus ou encargo financeiro que, a existir, será um entrave absoluto ao recuso dos tribunais para fazer valer os direitos e interesses coletivos dos trabalhadores e associados dos sindicatos;

I) Para uma associação sindical, por natureza e força e lei, sem fins lucrativos, gerindo a sua atividade com base exclusiva nas quotas dos seus associados, para fazer face às despesas de funcionamento dos serviços (encargos com remunerações e fornecedores), dispor de €10.396,92 e deixá-los imobilizados à ordem de terceiros, é incomportável;

J) Mas, mais relevante para o objeto deste recurso é a arbitrariedade e injustificabilidade da exigência do depósito face à natureza do reclamante, da lide (defesa de direitos e interesses fundamentais dos trabalhadores) e a todas as concretas circunstâncias, que em concreto, denunciam, quanto excessiva, desproporcional e injustificável será a obrigação do depósito do valor das custas de parte, para que seja aceite a reclamação;

K) A quem o legislador, por considerações de ordem constitucional, no caso, o direito das associações sindicais em defender os direitos coletivos dos trabalhadores, seus associados, quanto às suas remunerações, isenta de custas, não pode, ser sujeito, sem a apreciação prévia, pelo Juiz, das concretas circunstâncias da lide, ao depósito de um valor a título de custas de parte;

L) Não se admitir nenhum controle prévio por parte do Juiz antes de tomar a decisão de sobre a obrigação de depósito (ou a consequente rejeição liminar da reclamação) é uma desproporcional, arbitrária e injustificada restrição de um direito à tutela jurisdicional efetiva;

M) Segundo a doutrina do Ac. TC n.º 155/2022, O critério normativo, segundo o qual não é permitido ao tribunal dispensar o reclamante do depósito integral do valor das notas justificativas quando o considere excessivamente oneroso ou arbitrário — tem subjacente a falência dos «mecanismos de controlo interno» que garantiriam a sua conformidade constitucional. De acordo com a dimensão normativa sindicada, não existe mecanismo corretivo que, quando o tribunal considere o valor a depositar manifestamente excessivo ou arbitrário, assegure a tutela jurisdicional efetiva para questionar aquele mesmo valor, conduzindo, desse modo, à obrigação de depósito de valores manifestamente exagerados que não podem considerar-se necessários ao objetivo de racionalização das reclamações;

N) Deveria o Tribunal a quo ponderar se no caso concreto a exigência do depósito prévio da totalidade do valor da nota de custas como condição de conhecimento da reclamação daquela se afigura excessiva, consideradas as circunstâncias atinentes à lide e à parte que reclama, como decorre da jurisprudência supracitada;

O) Ao ter aplicado a norma do art.º 26º-A, n.º 2, do RCP, o Mº Juiz a quo incorreu em erro de julgamento de direito sobre a inconstitucionalidade da norma ao exigir como condição de conhecimento da reclamação o depósito da totalidade do valor das notas;

P) Deve assim ser revogada a decisão recorrida com fundamento de que obrigar o reclamante/recorrente ao depósito integral do valor das notas justificativas excessivamente oneroso, desproporcional, arbitrário e injustificado, sem possibilidade de um controlo concreto prévio por parte do juiz das circunstâncias da lide, opera uma restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efetiva, em violação do disposto do n.º 1 do artigo 20.º em conjugação com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição, e em consequência desaplicar a norma permitindo a admissão da reclamação;

Sem prescindir,

Q) O art.º 9º, do Decreto-lei n.º 81/2018, ao prever a isenção de custas processuais da parte que desistir dos pedidos nos processos administrativos e tributários, é uma norma excecional, porquanto, cria um regime oposto, contrário, ao regime-regra, com fundamento em razões de interesse público: a diminuição de pendências nos TAF;

R) Ao criar este regime excecional sobre os efeitos da desistência do pedido na repartição responsabilidade das custas processuais, incluindo as custas de parte foi vontade do legislador não aplicar neste tipo de casos (os previstos no art.º 9º, do Decreto-Lei n.º 81/2018), a regra do art.º 537º, n.º1, do CPC;

S) Em suma, por aplicação da norma excecional inscrita no art.º 9º, do DL n.º 81/2018, o ora recorrente não estava/está obrigado ao pagamento de custas de parte;

T) Desta conclusão resulta que a invocação na reclamação de que não eram devidas custas de parte, por força da lei nova e excecional relativamente à regra geral de repartição de responsabilidade por custas, deveria ter sido atendida pelo M. º Juiz a quo, como equiparada à arguição de exceção perentória, que nada tendo a ver com o valor das notas de custas, deveria ter sido aceite sem prévio depósito, pois equipara-se em razão justificativa, à arguição da intempestividade.;

U) Deve a douta decisão recorrida ser revogada por erro de julgamento de direito e em consequência ser dada como procedente a arguição de que, por força do art.º 9º, do DL n.º 81/2018, estava o recorrente dispensado do depósito prévio do valor das notas de custas de parte;

V) A entender-se pela aplicação do art.º 149º, n.º 3, do CPTA, apreciado o mérito da reclamação, deve-se no presente acórdão, reconhecer a isenção do recorrente do pagamento de custas de parte;

Termos em que deve o presente recurso proceder e:

i) Ser a decisão impugnada revogada com fundamento na inconstitucionalidade orgânica com força obrigatória geral declarada sobre o a norma do n.º 2, do art.º 33º, da Portaria n.º 419-A/2009, no pressuposto de ser o regime e custas de parte nela vigente, aplicável aos autos, estando assim o recorrente dispensado do depósito prévios do valor das notas de custas de parte;

Sem prescindir,

ii) Ser a decisão impugnada revogada com fundamento na inconstitucionalidade material da norma do n.º 2, do art.º 26º-A, do RCP, por o valor global das notas justificativas ser excessivamente oneroso, desproporcional, arbitrário e injustificado, não permitindo a possibilidade de um controlo concreto prévio por parte do juiz das circunstâncias da lide, gerando uma restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efetiva, em violação do disposto do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição, e em consequência desaplicar a norma permitindo a admissão da reclamação;

ou

iii) Ser revogada a douta decisão impugnada com fundamento em erro de julgamento de direito, porquanto, por força da lei nova - o art.º 9º, do DL n.º 81/2018, originou-se um facto jurídico novo constitutivo do direito à dispensa do depósito do valor total da nota, valendo a sua arguição, nos mesmos termos do que a arguição de intempestividade, admitida pelo M.º Juiz a quo na douta decisão impugnada como causa justificativa da dispensa do depósito;

E se se entender que deve ser apreciado o mérito da reclamação,

iv) Sendo o art.º 9º do DL n.º 81/2018, uma norma excecional quanto ao regime de repartição de responsabilidade das custas de parte no caso de desistência do pedido previsto no art.º 537º, n.º1, do CPC, ou seja, criando um regime oposto, dispensando assim o desistente do pagamento de custas processuais, incluindo as custas de parte, estava e está o recorrente dispensado do depósito prévio do valor total de custas de parte, revogando-se a decisão recorrida proferindo-se acórdão reconhecendo-se que a isenção de custas processuais prevista naquela norma, abrange também as custas de parte reclamadas.»


Os Recorridos, notificados de recurso interposto, optaram por não contra-alegar.

A DMMP deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso - cfr. fls. 4000, ref. SITAF – considerando que «face às concretas pretensões formuladas nas reclamações apresentadas, o Tribunal a quo decidiu corretamente que a sua apreciação estava dependente do depósito do valor da nota nos termos do disposto no art. 26º-A, do Regulamento das Custas Processuais.»

O Recorrente, notificado do douto parecer do DMMP, veio responder ao mesmo, defendo, em suma, o que já havia aduzido sede de recurso - cfr. fls. 4047, ref. SITAF:

Cumpre apreciar e decidir, com dispensa de vistos prévios.

II.1. Fundamentação de facto e de direito

Embora não tenham sido fixados factos no despacho recorrido, entende-se ser útil elencar as seguintes vicissitudes processuais, dado o seu relevo para a decisão do presente recurso:

1. Do despacho recorrido de 10/05/2019, consta o seguinte - cfr. fls. 3871, ref.ª SITAF:

«(…) Reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte: Considerando que o artigo 26º-A, do RCP, impõe que a referida reclamação está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota, e que o A. não procedeu ao mesmo, deve a mesma ser rejeitada.

Com efeito, só assim não seria se o A. tivesse invocado a intempestividade da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, o que não é o caso.

Pelo exposto, não se admite a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, por falta de depósito da totalidade do valor da nota.»
2. Da decisão sumária proferida em 19.12.2019, consta o seguinte - cfr. fls. 3469, ref.ª SITAF:
«(…) Por requerimento de fls. 3450-3453 e 3467 (ref. SITAF) veio o A. desistir do pedido.

Por seu turno, veio uma das R. U. B. I. dizer que não se verificam as circunstâncias do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, pelo que dever ser o A. condenado em custas (cfr. fls. 3454 e ss.- ref. SITAF).

O autor pode, em qualquer altura, desistir do pedido, sendo esta livre, exceto quando importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis, o que não é o caso dos autos, assim como não depende da aceitação do réu, pois extingue o direito que o autor pretendia fazer valer (artigos 283.º, n.º 1, 285.º, 286.º, n.º 2, 287.º, e 289.º, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA).

Atento o que, nada obstando, declara-se extinta a instância, por desistência do pedido (artigos 277.º, alínea d), e 290.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA).

Sem Custas (em virtude de o A. delas estar isento nos presentes autos – cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA e art. 4.º, n.º 1, alínea f) do RCP – e ainda, por aplicação subsidiaria, do art. 9.º do DL 81/2018, de 15.10).

3. Dos 37 RR., apenas 13 apresentaram nota de custa de parte, a saber – cfr. fls. SITAF:

E. S. E. C. (€459,00), U. A. (€687,50), I. P. C., (€688,50), I. P. C. A. (€918,00), U. C.(€ 688,50), U. A. (€688,50), U. É. (€688,50), U. M. (€688,50), U. N. L. (€1377,00), I. P. B. (€688,50), I. P. G. (€918,00), E. N. I. D. H. (€918,00) e M. F. (€758,92).

*

Cumpre decidir.

Atentas as alegações e conclusões do presente recurso, cumpre conhecer do erro de julgamento em que terá incorrido o despacho recorrido e, mais concretamente, aferir o seguinte:

i) Do erro de julgamento em que incorreu a decisão recorrida «com fundamento na inconstitucionalidade orgânica com força obrigatória geral declarada sobre o a norma do n.º 2, do art.º 33º, da Portaria n.º 419-A/2009, no pressuposto de ser o regime e custas de parte nela vigente, aplicável aos autos, estando assim o recorrente dispensado do depósito prévios do valor das notas de custas de parte» – cfr. alíneas D) a F) das conclusões de recurso.

Esta conclusão recursiva improcede, manifestamente, pois que o Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, após as alterações que decorreram da Lei n.º 7/2012 de 13.02, passou a ser aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor (29.03.2012) e, sem prejuízo do disposto nos nºs 2 a 13 do seu art.8º (aplicação no tempo), aos processos pendentes nessa data. O processo em apreço deu entrada em tribunal a 22.02.2011 – cfr. fls. 1 e ss., ref. SITAF – pelo que estava já pendente a 29.03.2012. Porém, como decorre, muito em particular, do n.º 12 do citado art. 8.º supra, «[s]ão aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei

Razão pela qual, a norma do n.º 2, do art. 33.º, da Portaria n.º 419-A/2009, não é, não foi, e não tinha de ser aplicada pelo tribunal a quo, enquanto regime e custas de parte aplicável aos autos, como melhor explicitaremos infra.

ii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter aplicado o n.º 2 do art. 26.º-A do RCP «com fundamento na inconstitucionalidade material da norma do n.º 2, do art. 26º-A, do RCP, por o valor global das notas justificativas ser excessivamente oneroso, desproporcional, arbitrário e injustificado, não permitindo a possibilidade de um controlo concreto prévio por parte do juiz das circunstâncias da lide, gerando uma restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efetiva, em violação do disposto do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição, e em consequência desaplicar a norma permitindo a admissão da reclamação – cfr. alíneas M) a P) das conclusões de recurso.

Vejamos.

O art. 26.º-A do RCP foi aditado a este pela Lei n.º 27/2019, de 28.03, e é aplicável ao caso em apreço por via da regra prevista no art. 12.º do CC, de que uma lei processual, adjetiva, como será a da exigência de pagamento de um valor para que um incidente processual possa ser apreciado, é de aplicação imediata, sendo por isso aplicável às ações pendentes. E, no caso, tendo a nota discriminativa e justificativa de custas de parte e a reclamação que se lhe seguiu, sido apresentadas na vigência desta mesma redação do Regulamento das Custas Processuais, dúvidas não temos de que deve aplicar-se ao respetivo incidente o regime previsto no art. 26º-A do RCP.

Neste sentido, v. a título de exemplo,(1) o acórdão Ac. TRP 9323/14.0T8PRT-A.P1, de 09.01.2020, no qual se sumariou que «I - Tendo a nota discriminativa e justificativa de custas de parte sido apresentada na vigência da redação conferida ao R.C.P. pela Lei n.º 27/19, de 28/03, aplica-se ao respetivo incidente a que dá origem o disposto no artigo 26.º-A, do R.C.P. (introduzido por aquela Lei).» e de cuja fundamentação consta, designadamente, o seguinte: (…) artigo 26.º-A, do R. C. P. se aplica a todos os incidentes de pedido de custas de parte e sua reclamação que se iniciem após a entrada em vigor do mesmo, em processos instaurados antes ou depois dessa data de entrada em vigor. Referimos ainda que aquele artigo 26.º-A impõe, na nossa visão, efetivamente uma alteração legislativa pois a norma que antes impunha o pagamento pelo reclamante da quantia que a parte peticiona a título de custas de parte (artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04), foi julgada organicamente inconstitucional com força obrigatória geral - Ac. T. C. de 06/06/2017 (…). Concretizando, quando a aqui recorrida apresenta a nota de custas de parte e a envia à contraparte (30/05/2019) e, naturalmente, quando é apresentada a resposta pela recorrente (11/06/2019), já estava em vigor o citado artigo 26.º-A, do R. C. P.»
Sobre a (in)constitucionalidade do n.º 2 do art. 26.º-A do RCP já teve o Tribunal Constitucional oportunidade de se pronunciar, entre muitos, no recente acórdão n.º 153/2022,(2) no sentido de que «[o] critério normativo fiscalizado — segundo o qual não é permitido ao tribunal dispensar o reclamante do depósito integral do valor das notas justificativas quando o considere excessivamente oneroso ou arbitrário — tem subjacente a falência dos «mecanismos de controlo interno» que garantiriam a sua conformidade constitucional. De acordo com a dimensão normativa sindicada, não existe mecanismo corretivo que, quando o tribunal considere o valor a depositar manifestamente excessivo ou arbitrário, assegure a tutela jurisdicional efetiva para questionar aquele mesmo valor, conduzindo, desse modo, à obrigação de depósito de valores manifestamente exagerados que não podem considerar-se necessários ao objetivo de racionalização das reclamações.», para depois concluir que «a norma contida no n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, interpretada no sentido de não ser permitido ao tribunal dispensar o reclamante do depósito integral do valor das notas justificativas quando o considere excessivamente oneroso ou arbitrário, opera uma restrição desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efetiva, em violação do disposto do n.º 1 do artigo 20.º em conjugação com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º, ambos da Constituição.». Assim tendo decidido «[j]ulgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e à justiça, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, a norma contida no n.º 2 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aditada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março na interpretação segundo a qual o tribunal não pode dispensar o depósito do valor integral do valor das notas justificativas quando o considere excessivamente oneroso ou arbitrário; (…)» (sublinhados nossos).

Neste pressuposto, o que é determinante saber é se, em concreto, o montante que o Reclamante tinha que depositar, a título de custas de parte, se pode ou deve considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário, e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente, por insuficiência de meios económicos. Ora, dos elementos constantes dos autos não é possível formular tal juízo – cfr. factos n.º 3 e 4 supra.

Acresce que, no caso em apreço, apenas em sede de recurso veio o Reclamante, ora Recorrente, suscitar a questão de o valor global das notas justificativas ser excessivamente oneroso – cfr. designadamente, alínea J) das conclusões de recurso. Ora, não obstante nos feitos submetidos a julgamento não poderem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados – cfr. art. 204.º da CRP – o tribunal a quo, perante os dados que tinha, quando proferiu o despacho recorrido, não suscitou tal questão, pois que da parte do Reclamante nada havia sido alegado nesse sentido.

Por seu turno, também este tribunal de recurso entende não ser esse o seu caminho, conforme melhor explicitaremos de seguida.

iii) e iv) Dos erros de julgamento de direito em que incorreu o despacho recorrido «porquanto, por força da lei nova - o art. 9º, do DL n.º 81/2018, originou-se um facto jurídico novo constitutivo do direito à dispensa do depósito do valor total da nota, valendo a sua arguição, nos mesmos termos do que a arguição de intempestividade, admitida pelo M.º Juiz a quo na douta decisão impugnada como causa justificativa da dispensa do depósito» pois que «[s]endo o art.º 9º do DL n.º 81/2018, uma norma excecional quanto ao regime de repartição de responsabilidade das custas de parte no caso de desistência do pedido previsto no art.º 537º, n.º1, do CPC, ou seja, criando um regime oposto, dispensando assim o desistente do pagamento de custas processuais, incluindo as custas de parte, estava e está o recorrente dispensado do depósito prévio do valor total de custas de parte» – cfr. alíneas Q) a U) das conclusões de recurso.

Vejamos.

O dispositivo do art. 9.º, do Decreto-lei n.º 81/2018, de 15.10, invocado e aplicado na decisão que extinguiu a instância – cfr. facto n.º 2 supra -, não é isento de dúvidas. Dúvidas essas a que o Reclamante, ora Recorrente, de alguma forma, alude, qualificando-o como sendo uma dispensa de custas e não uma isenção, e por isso o invoca como exceção perentória, para daí retirar a inexigibilidade do depósito da totalidade dos valores das notas de custas de parte apresentadas – cfr. factos n.º 3 e 4 -, tal como resulta da jurisprudência que cita, no sentido de que o depósito do valor total da nota não é exigível, no caso de os reclamantes apenas terem invocado uma exceção perentória – neste sentido v. também, ac. TRC de 06.10.2015, P. 1466/14.7T8CBR-E.C1 e TRG de 09.2.2017, P. 473/10.3TBVRL-B.G1.(3)

Porém, é certo que o Recorrente, enquanto Reclamante, também impugnou o valor de algumas das notas de custas de parte que lhe foram enviadas, pelo que, as circunstâncias do caso não são inteiramente as mesmas que estavam subjacentes à jurisprudência invocada.

Não obstante, retomando o disposto no citado art. 9.º do Decreto-lei n.º 81/2018, de 15.10, a que o Recorrente apela, qualificando o seu recurso como sendo uma dispensa de custas e não uma isenção, justifica que se avance um pouco mais com esta questão.

Vejamos por partes.

O referido art. 9.º, sob a epígrafe «Desistência do pedido com isenção de custas», inserido que está no Capítulo III, referente a «Medidas acessórias extraordinárias», do citado Decreto-Lei n.º18/2018 que procedeu à criação de equipas de magistrados que tiveram (4) por missão proceder à recuperação de pendências na jurisdição administrativa e tributária e, bem assim, à implementação de outras medidas acessórias de caráter extraordinário, nas quais se insere, a medida em apreço, rege o seguinte: «[e]m caso de desistência do pedido, até 31 de dezembro de 2019, nos processos administrativos e tributários pendentes de decisão final nos tribunais administrativos e fiscais, incluindo nos tribunais superiores, há dispensa de pagamento de custas processuais

De onde resulta que, embora na sua epígrafe refira uma «isenção», o que nos levaria à aplicação do art. 4.º, n.º 7, do RCP, no texto do artigo refere uma «dispensa de pagamento de custas processuais», onde a aplicação de tal norma já não tem cabimento.

Atentando no preâmbulo deste diploma, parece resultar que a intenção do legislador foi isentar do pagamento de custas processuais no caso de desistência do pedido, na medida em que ali se aduz que, no referido contexto de implementação de «outras medidas acessórias de caráter extraordinário para a recuperação de pendências nos tribunais administrativos e fiscais, nomeadamente: 1) A isenção de custas processuais pela desistência de pedidos nos processos administrativos e tributários pendentes, até ao final de 2019;». Por contraponto com a migração de processos para a arbitragem – cfr. art. 11.º, do mesmo diploma e contexto, ao dispor que «[o]s sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais – coerentemente com o que se refere no preâmbulo, sobre a «possibilidade dos sujeitos passivos poderem submeter as suas pretensões impugnatórias aos tribunais arbitrais em matéria tributária, com dispensa de pagamento de custas processuais, relativamente a processos tributários pendentes que tenham dado entrada nos tribunais tributários até 31 de dezembro de 2016.» (sublinhados nossos).

Posto isto, numa leitura conjugada da norma constante do art. 9.º aqui em causa, com o texto do preâmbulo, que distingue, entre isenção de custas na desistência do pedido e a dispensa de custas, com a migração para a arbitragem, somos de considerar que o que ali se quis prever, foi, efetivamente, uma situação de isenção de custas e não de dispensa do seu pagamento.

Para chegar a esta conclusão concorre ainda que o regime de isenção de custas previsto no art.4.º do RCP é o regime que mais se aproxima do pretendido no art. 9.º, pois que a dispensa prevista no art. 11.º do mesmo Decreto-Lei 18/2018, para os casos de migração de processos para a arbitragem, sempre se justificaria enquanto tal, como forma de impedir uma duplicação de pagamento de custas processuais, pois que estas seriam depois fixadas, com a migração, em na decisão arbitral que viesse a ser proferida.

Acresce que, o art. 4.º do RCP foi recentemente alterado pela Lei n.º 7/2021, de 26.02 - de modo a acomodar, no mesmo sentido, outra das medidas extraordinárias previstas no contexto deste Decreto-Lei n.º 81/2018.

Referimo-nos à medida prevista no art. 10.º, que rege sobre a revisão oficiosa de atos relativos a processos pendentes, por parte da Autoridade Tributária (AT), passando-se a prever, na alínea bb) do referido art. 4.º, do RCP, uma isenção de custas para a AT, nos «casos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira revogue ou anule atos administrativos em matéria tributária ou reveja os atos tributários, ou outros, que sejam objeto de processos tributários pendentes nos tribunais administrativos e fiscais, ao abrigo do disposto no artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária».

Aqui chegados, e realçando que art. 9.º do Decreto-Lei n.º 18/2018, de 15.10, embora na sua epígrafe refira uma «isenção», o que nos levaria à aplicação do art. 4.º, n.º 7, do RCP, no texto do artigo refere uma «dispensa de pagamento de custas processuais», de onde resultaria que a aplicação do art. 4.º, n.º 7 do RCP já não teria cabimento e, consequentemente, também não teria o art. 26-A, n.º 2, do RCP.

Face a todo o exposto, tal imprecisão do legislador, justifica, em nosso entender, que, ao abrigo do princípio pro actione, previsto no art. 7.º do CPTA, sejam conhecidas as reclamações do Reclamante, ora Recorrente, que apresentou das notas justificativas de custas de parte juntas aos autos, embora não tenha procedido ao depósito da totalidade do valor das referidas notas.

III. Termos em que, e face a todo o exposto, acórdão os juízes da secção de contencioso administrativos deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e em consequência, revogar o despacho recorrido, ordenando a baixa dos autos para a prossecução do incidente.

Sem Custas.

Lisboa, 27.04.2023

Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira












1) Neste sentido também, v. ac. TRP, P. 330/14.4TBVNG-F.P1 , de 21.10.2021, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
2) Disponível aqui https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220153.html
3) Ambos disponíveis em www.dgsi.pt
4) Por deliberação do CSTAF de 14.12.2022 foram extintas as equipas de recuperação ainda em funcionamento -cfr. ponto 9 da tabela da Sessão de 14.12.2022.