Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09421/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL – OMISSÃO DE PRONÚNCIA - CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:I - Nos termos do preceituado no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. A nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II – Na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a impugnante defendeu-se quer por excepção, quer por impugnação. Defendeu por excepção a caducidade do direito de acção do pedido (em concreto) de pronúncia arbitral. O Tribunal Arbitral Singular ao limitar as questões a decidir – questões decidendas - não incluiu a caducidade do direito da acção invocada pela impugnante. E na fundamentação de direito da decisão arbitral considerou não existir qualquer questão prévia sobre o qual o Tribunal se devesse pronunciar e não foi sequer referida ou aflorada a questão da caducidade do direito da acção. Não tendo apresentado qualquer justificação ou razão para o não conhecimento da questão em causa. Ora, a problemática em torno da caducidade do direito à acção não é uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela resolução das demais questões.
III - A formulação daquela excepção configura uma questão de necessária resolução prévia às demais. Com efeito, a questão deduzida pela Impugnante, configura uma excepção que a ser procedente obstaria ao conhecimento do mérito do pedido - cfr. artigo 576° nº2 do CPC ex vi artigo 29° do RJAT, pelo que importaria conhecer previamente daquela questão. Ao não ter apreciado, como lhe competia, a excepção invocada pela Impugnante, tal conduta omissiva do Tribunal, violou frontalmente os deveres de pronúncia do mencionado Tribunal.
IV - O que importa a nulidade da decisão ora impugnada, por força da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, e a procedência da presente Impugnação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - Nos termos do preceituado no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. A nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

II – Na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a impugnante defendeu-se quer por excepção, quer por impugnação. Defendeu por excepção a caducidade do direito de acção do pedido (em concreto) de pronúncia arbitral. O Tribunal Arbitral Singular ao limitar as questões a decidir – questões decidendas - não incluiu a caducidade do direito da acção invocada pela impugnante. E na fundamentação de direito da decisão arbitral considerou não existir qualquer questão prévia sobre o qual o Tribunal se devesse pronunciar e não foi sequer referida ou aflorada a questão da caducidade do direito da acção. Não tendo apresentado qualquer justificação ou razão para o não conhecimento da questão em causa. Ora, a problemática em torno da caducidade do direito à acção não é uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela resolução das demais questões.

III - A formulação daquela excepção configura uma questão de necessária resolução prévia às demais. Com efeito, a questão deduzida pela Impugnante, configura uma excepção que a ser procedente obstaria ao conhecimento do mérito do pedido - cfr. artigo 576° nº2 do CPC ex vi artigo 29° do RJAT, pelo que importaria conhecer previamente daquela questão. Ao não ter apreciado, como lhe competia, a excepção invocada pela Impugnante, tal conduta omissiva do Tribunal, violou frontalmente os deveres de pronúncia do mencionado Tribunal.

IV - O que importa a nulidade da decisão ora impugnada, por força da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, e a procedência da presente Impugnação.

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira, veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26 e 27º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão arbitral proferida no processo nº197/2015-T, intentado por G…, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO-, que julgou procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto Único de Circulação respeitante aos anos de 2009 a 2012 e referente aos veículos identificados e melhor descritos na Tabela junto como Anexo I aos autos arbitrais e condenou a AT a restituir a quantia de 4.870,61€ [montante indevidamente pago pela requerente] acrescida dos respectivos juros indemnizatórios.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:


A. A sentença proferida pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa que julgou totalmente procedente o pedido de anulação das 43 liquidações de IUC e de juros compensatórios padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido de questão essencial sobre a qual se deveria ter pronunciado [artigo 28.a/1-c) do RJ AT];

B. Por via do pedido de pronúncia arbitral visou a impugnada colocar em crise as referidas 43 liquidações referentes ao período decorrido entre 2009 e 2012:

C. A impugnante deduziu Resposta ao pedido de pronúncia arbitral mediante a apresentação de articulado através do qual, e em síntese se defendeu, quer por excepção, quer por impugnação:
a) Defendeu por excepção a caducidade do direito de acção do pedido (em concreto) de pronúncia arbitral (cfr. artigos 4° a 26.º da Resposta);
b) Defendeu, por impugnação:
• que o artigo 3º do Código do IUC não contém qualquer presunção ilidível
• Impugnou especificadamente cada um dos factos atinentes aos veículos automóveis em causa, tendo apreciado e colocado em causa os documentos a eles referentes;
• Alertou para as consequências resultantes da não observância, por banda da Impugnada, do especial dever de comunicação previsto no artigo 19ºdo Código do IUC;
• Suscitou o facto de contrariamente ao alegado, a impugnada nunca ter exercido o direito de audição prévia para o qual foi regularmente notificada, (cfr. artigos 27° a 124º da Resposta), e
c) Pugnou pela sua não condenação ao pagamento das custas arbitrais (cfr. artigos 125.° a 143.° da Resposta)

D. Cada uma destas questões foi devidamente desenvolvida pela Impugnante ao longo do seu articulado, encontrando-se, cada uma delas, inequivocamente inseridas em capítulos autonomizados e, por conseguinte, perfeitamente identificáveis por parte de qualquer leitor

E. O Tribunal Arbitral Singular entendeu que as questões a decidir se limitavam a (cfr. pág. 4 da sentença);
«A impugnação feita pela Requerente relativa à liquidação material dos atos de liquidação, relativamente aos anos de 2009 a 2012, referente ao IUC sobre os veículos melhor referenciados nos autos;
- A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva prevista do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo;
- O valor jurídico do registo do veículo automóvel.»

F. Ao longo das páginas 5 a 12 da sentença o Tribunal Arbitral Singular seguiu aquele elenco de questões que lhe cumpria solucionar e, efectivamente, procedeu à sua resolução, ora enquadrando juridicamente os factos relevantes, ora examinando criticamente a prova documental subministrada, ora, ainda, procedendo à interpretação da lei e aplicando-a ao caso concreto.

G. Contudo, não só o elenco de questões fixado pelo Tribunal Arbitral Singular veio omitir a questão referente á caducidade do direito de acção do pedido (em concreto) de pronúncia arbitral, que a Impugnante apresentou, como também - e mais importante ainda - a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquela questão não despicienda.

H. O Tribunal Arbitral Singular não justificou a razão ou as razões que o levaram a não conhecer da questão em causa;

I. A problemática em tomo da caducidade do direito à acção não é uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela resolução das demais questões;

J. Pois que a formulação daquela excepção configura uma questão de necessária resolução prévia às demais.

K. Com efeito, a questão deduzida pela Impugnante, configura uma excepção que a ser procedente obstaria ao conhecimento do mérito do pedido - cfr. artigo 576° nº2 do CPC ex vi artigo 29° n°2 do RJAT, pelo que importaria conhecer previamente daquela questão.

L. Ademais, o Tribunal Arbitral, ainda que não fosse suscitado pela Impugnante a questão da caducidade do direito de acção, sempre teria qua aferir da tempestividade da acção enquanto pressuposto prévia à sua apreciação de mérito - o que não o fez.

M. Ao não ter analisado, como lhe competia, a excepção invocada pela Impugnante, tal conduta omissiva do Tribunal, violou frontalmente os deveres de pronúncia do mencionado Tribunal.

N. Questão omissa que não é de todo despicienda, porquanto, a aqui impugnada suscitou junto do Tribunal arbitral, pedido de pronúncia arbitral sobre a mesma questão (liquidações de IUC) e com os mesmos fundamento, em concreto nos processos nº194/2015-T; 195/2015-T e 196/2015-T, todos já decididos, e transitados em julgado, onde foi julgada procedente a excepção invocada pela Impugnante e nos presentes autos omissa,

O. A sentença arbitral não padece de uma "mera" fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma “decisão surpresa”;

P. Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser anulada a decisão arbitral.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser anulada a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA»

*


Admitida a Impugnação e notificada a Impugnada, “G, S.A- Em Liquidação”, não foi por esta apresentado articulado de resposta.

*


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), nada disse.

*
Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (que vai por nós numerada):

«1. A Requerente apresentou elementos probatórios dos veículos automóveis, em questão, cfr. Documentos nºs 1 a 43, consubstanciados nos anexos, l a IV e V (constantes no PA), que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;


2. Provando que os referidos veículos se encontravam abrangidos juridicamente pelos Contratos de Locação Financeira (Anexo V);

3. Considerando-se, por isso, que os titulares da propriedade serão os locatários por serem os seus verdadeiros possuidores dos veículos automóveis, "in casu" (nº2 do artigo 3º do CIUC)».

*
A título de fundamentação da matéria de facto exarou-se na sentença recorrida que: «Os factos dados como provados estão baseados nos anexos l a IV e V, juntos às Reclamações Graciosas (constantes do PA e PI), que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.».

E, em sede de factualidade não provada facto consignou-se que: «Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados».

*

II.2. De Direito

O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.).


Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Arbitral deliberou julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto Único de Circulação respeitante aos anos de 2009 a 2012 e referente aos veículos identificados e melhor descritos na Tabela junto como Anexo I aos autos arbitrais e condenou a AT a restituir a quantia de 4.870,61€ [montante indevidamente pago pela requerente] acrescida dos respectivos juros indemnizatórios.

A impugnante dissente do julgado veio invocar que a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa que julgou totalmente procedente o pedido de anulação das 43 liquidações de IUC e de juros compensatórios padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido de questão essencial sobre a qual se deveria ter pronunciado [artigo 28.a/1-c) do RJ AT], cfr. conclusão A.

Entende a impugnante que por via do pedido de pronúncia arbitral visou a impugnada colocar em crise as referidas 43 liquidações referentes ao período decorrido entre 2009 e 2012. Que a impugnante deduziu Resposta ao pedido de pronúncia arbitral mediante a apresentação de articulado através do qual, e em síntese se defendeu, quer por excepção, quer por impugnação:
a) Defendeu por excepção a caducidade do direito de acção do pedido (em concreto) de pronúncia arbitral (cfr. artigos 4° a 26.º da Resposta);
b) Defendeu, por impugnação:
• que o artigo 3º do Código do IUC não contém qualquer presunção ilidível
• Impugnou especificadamente cada um dos factos atinentes aos veículos automóveis em causa, tendo apreciado e colocado em causa os documentos a eles referentes;
• Alertou para as consequências resultantes da não observância, por banda da Impugnada, do especial dever de comunicação previsto no artigo 19ºdo Código do IUC;
• Suscitou o facto de contrariamente ao alegado, a impugnada nunca ter exercido o direito de audição prévia para o qual foi regularmente notificada, (cfr. artigos 27° a 124º da Resposta), e
c) Pugnou pela sua não condenação ao pagamento das custas arbitrais (cfr. artigos 125.° a 143.° da Resposta);
cfr. conclusões B. e C.

Mais invoca a impugnante que não só o elenco de questões fixado pelo Tribunal Arbitral Singular veio omitir a questão referente á caducidade do direito de acção do pedido (em concreto) de pronúncia arbitral, que a Impugnante apresentou, como também - e mais importante ainda - a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquela questão não despicienda. O Tribunal Arbitral Singular não justificou a razão ou as razões que o levaram a não conhecer da questão em causa. A problemática em torno da caducidade do direito à acção não é uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela resolução das demais questões. Pois que a formulação daquela excepção configura uma questão de necessária resolução prévia às demais. Com efeito, a questão deduzida pela Impugnante, configura uma excepção que a ser procedente obstaria ao conhecimento do mérito do pedido - cfr. artigo 576° nº2 do CPC ex vi artigo 29° n°2 do RJAT, pelo que importaria conhecer previamente daquela questão. Ademais, o Tribunal Arbitral, ainda que não fosse suscitado pela Impugnante a questão da caducidade do direito de acção, sempre teria qua aferir da tempestividade da acção enquanto pressuposto prévia à sua apreciação de mérito - o que não o fez. Ao não ter analisado, como lhe competia, a excepção invocada pela Impugnante, tal conduta omissiva do Tribunal, violou frontalmente os deveres de pronúncia do mencionado Tribunal. Questão omissa que não é de todo despicienda, porquanto, a aqui impugnada suscitou junto do Tribunal arbitral, pedido de pronúncia arbitral sobre a mesma questão (liquidações de IUC) e com os mesmos fundamento, em concreto nos processos nº194/2015-T; 195/2015-T e 196/2015-T, todos já decididos, e transitados em julgado, onde foi julgada procedente a excepção invocada pela Impugnante e nos presentes autos omissa. A sentença arbitral não padece de uma "mera" fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma “decisão surpresa”. Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser anulada a decisão arbitral, cfr. conclusões G. a P. do recurso.

Analisemos, pois, se a decisão recorrida sofre de tal nulidade.

Nos termos do preceituado no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de petitionem brevis, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).

Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).

Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).

Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).


Revertendo ao caso dos autos, defende a impugnante que a decisão arbitral omitiu pronúncia e que não só o elenco de questões fixado pelo Tribunal Arbitral Singular veio omitir a questão referente á caducidade do direito de acção do pedido (em concreto) de pronúncia arbitral, que a Impugnante apresentou, como também - e mais importante ainda - a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquela questão não despicienda. Mais alega que o Tribunal Arbitral Singular não justificou a razão ou as razões que o levaram a não conhecer da questão em causa.

Adianta-se, desde já, que assiste razão à impugnante.

Na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, a impugnante defendeu-se quer por excepção, quer por impugnação.

Defendeu por excepção a caducidade do direito de acção do pedido (em concreto) de pronúncia arbitral, cfr. artigos 4º a 26º da resposta.

O Tribunal Arbitral Singular ao limitar as questões a decidir – questões decidendas - não incluiu a caducidade do direito da acção invocada pela impugnante.

E na fundamentação de direito da decisão arbitral considerou não existir qualquer questão prévia sobre o qual o Tribunal se devesse pronunciar e não foi sequer referida ou aflorada a questão da caducidade do direito da acção.

Não tendo apresentado qualquer justificação ou razão para o não conhecimento da questão em causa.

Ora, a problemática em torno da caducidade do direito à acção não é uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela resolução das demais questões.

Como alega a impugnante, a formulação daquela excepção configura uma questão de necessária resolução prévia às demais. Com efeito, a questão deduzida pela Impugnante, configura uma excepção que a ser procedente obstaria ao conhecimento do mérito do pedido - cfr. artigo 576° nº2 do CPC ex vi artigo 29° n°2 do RJAT, pelo que importaria conhecer previamente daquela questão.

Ao não ter apreciado, como lhe competia, a excepção invocada pela Impugnante, tal conduta omissiva do Tribunal, violou frontalmente os deveres de pronúncia do mencionado Tribunal.

O que importa a nulidade da decisão ora impugnada, por força da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC e a procedência da presente Impugnação.

III- Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul,
em julgar procedente a impugnação da decisão arbitral, com as legais consequências.

Sem Custas.

Registe e Notifique.



Lisboa, 9 de Junho de 2016





--------------------------------


[Lurdes Toscano]


-------------------------------


[Ana Pinhol]


--------------------------------


[Jorge Cortês]