Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06779/13
Secção:CT
Data do Acordão:04/14/2016
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:ADUANEIRO, ÓNUS DA PROVA, PRESCRIÇÃO
Sumário:Tendo a AT recolhido indícios suficientemente sólidos de que o valor aduaneiro não corresponde ao declarado na declaração aduaneira de importação da mercadoria cessa a presunção de veracidade da declaração (art. 75.º da LGT) cabe ao Recorrente o ónus da prova de que a transacção comercial foi realizada tendo por base a factura que serviu de base à declaração aduaneira (art. 74.º da LGT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Impugnante M. vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada do indeferimento da reclamação graciosa por si deduzida contra a liquidação levada a efeito pela Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o consumo, no montante de €307.913,02.

O Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

“Texto e/ou quadro no original”

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A FAZENDA PÚBLICA, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:
“ CONCLUSÕES
a) Com base nos elementos de prova obtidos no âmbito do pedido de assistência mútua administrativa, foi revisto o valor aduaneiro da embarcação declarada para importação, na declaração aduaneira n° … de 28/01/2003, tendo sido apurada e liquidada dívida adicional.
b) No entanto, o ora Recorrente não se conforma com a revisão oficiosa da declaração aduaneira e com a consequente liquidação adicional, tendo apresentado reclamação graciosa nesta Alfândega em 29/03/2004.
c) Reclamação graciosa que foi apreciada na sequência de decisão judicial que reconheceu a sua tempestividade e que foi objecto de despacho de indeferimento.
d) Na sequência do citado despacho de indeferimento da reclamação graciosa, foi intentada impugnação judicial, porquanto o Impugnante não se conforma nem aceita os termos da decisão subjacente à reclamação (revisão oficiosa da declaração aduaneira e liquidação adicional), por considerar que a mesma é inválida, pelo que, no seu entender, também é inválida a liquidação adicional.
e) Quanto à alegada prescrição da divida não assiste razão ao Recorrente, porquanto, contrariamente ao que o mesmo pretende fazer crer, a exigibilidade da dívida encontra-se suspensa dado que o mesmo prestou garantia no âmbito do processo de execução fiscal, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 49° n° 4 da LGT e 169° do CPPT.
f) Tal garantia foi associada ao processo de execução fiscal em Dezembro de 2007, tendo determinado a suspensão da exigibilidade da dívida exequenda, pelo que não se verificou a alegada prescrição da dívida (cfr. Does 1 e 2 que se anexam ora facultados pelo Serviço de Finanças de …).
g) Sobre a alegada relevância da não transmissão da propriedade sobre a embarcação, e, contrariamente à pretensão do Recorrente, a transferência de propriedade não é um facto constitutivo da dívida aduaneira na importação, conforme resulta do disposto na alínea a) do n° 1 do art. 201° do CAC e alínea c) do n° 1 do art 7° do CIVA conjugado com a alínea a) do n° 1 do art. 5° do CIVA.
h) Com efeito a legislação comunitária estabelece que o facto constitutivo da dívida aduaneira na importação é a introdução em livre prática, ou seja, a entrada das mercadorias no território da Comunidade, estando as mesmas sujeitas a direitos aduaneiros e demais imposições.
i) Sendo que a dívida aduaneira se considera constituída no momento da aceitação da declaração aduaneira em causa (n° 2 do art. 201° do CAC). É a este momento que se vão reportar os elementos de tributação necessários para o cálculo do montante da dívida (art. 214° do CAC).
j) Por sua vez, o CIVA, no seu art. 5° considera importação a entrada em território nacional de bens originários ou procedentes de países terceiros e que não se encontrem em livre prática ou que tenham sido colocados em livre prática no âmbito de acordos de união aduaneira.
k) Acresce que a alínea c) do n° 1 do art. 7° do CIVA determina que, nas importações, o imposto é devido e torna-se exigível no momento determinado pelas disposições aplicáveis aos direitos aduaneiros, sejam ou não devidos esses direitos ou outras imposições comunitárias estabelecidas no âmbito de uma política comum.
l) Assim, de acordo com os citados normativos legais, quer a legislação comunitária, quer a legislação nacional, não fazem depender a liquidação da dívida da propriedade da mercadoria.
m) Efectivamente, a propriedade da embarcação não é um pressuposto da liquidação dos direitos aduaneiros e do IVA, pelo que o litígio referente à propriedade da embarcação é totalmente autónomo do processo de desalfandegamento e, consequentemente, da liquidação dos tributos devidos.
n) Contrariamente ao alegado pelo ora Recorrente, a AT efectuou todas as diligências necessárias para apurar o valor aduaneiro da embarcação, tendo obtido provas de que o valor aduaneiro não corresponde ao declarado na declaração aduaneira de importação da mercadoria.
o) AT considerou manifestamente baixo o valor aduaneiro declarado para importação da embarcação em causa, dadas as suas características e valor praticado no mercado, configurando uma subfacturação, pelo que foi comunicado ao declarante e importador que se procederia a um controlo a posteriori, nos termos do art. 78° do CAC.
p) Assim, em conformidade com o art. 78° do CAC e com o Regulamento (CE) n° 515/97, do Conselho de 13/05, foi efectuado um pedido de assistência mútua no sentido de averiguar a veracidade dos documentos e dos dados comerciais que serviram de base à declaração de importação processada pelo ora recorrente.
q) Foi com base nos elementos de prova recolhidos na sequência do controlo a posteriori que se procedeu à revisão oficiosa da declaração aduaneira de importação, a fim de ajustar o valor aduaneiro ao preço efectivamente pago pela "O." ao fabricante do iate "F.".
r) Se efectivamente a transacção comercial foi realizada tendo por base a factura que serviu de base à declaração aduaneira, conforme alega o Recorrente, competia ao mesmo comprovar o respectivo pagamento à "M.", nos termos do disposto no art. 74° da LGT, através da apresentação de prova da respectiva transferência bancária ou outro, o que não fez.
s) Mas mesmo admitindo a tese do Recorrente no sentido do processo de negociação para aquisição da embarcação ter decorrido entre este e o director da "M.", o Sr. R., competia-lhe demonstrar que procedeu ao pagamento da quantia que declarou na declaração aduaneira de importação, podendo fazê-lo através de extractos bancários, ou quaisquer outros documentos, o que não fez.
t) O Recorrente não pode pretender que a AT comprove o que o mesmo alega. Porquanto conforme dispõe o art. 74° da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque.

Nestes termos, não se verificando os alegados vícios da liquidação e consequentemente do acto recorrido, deve ser negado provimento ao presente recurso, por não provado, mantendo-se o acto recorrido e a liquidação por legais, não se devendo fixar a favor do recorrente qualquer indemnização nos termos requeridos na petição inicial, porque qualquer direito à indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado só teria lugar com base em actos ilícitos culposamente praticados, nos termos dos arts. 2° e 6° do DL 48051, de 21/11/1967, o que como vimos não ocorreu, demonstrada que ficou toda a legalidade da actuação da AT, e não se devendo ainda fixar juros indemnizatórios a favor do Recorrente, porquanto tal pedido não consta da petição inicial não sendo, nesta fase, de admitir tal pedido, com o que se fará justiça.”
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Prescrição da dívida [conclusões [1 a 23];
_ Erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, porquanto não relevou a operação de transferência de propriedade subjacente à operação de transferência, sendo que a aquisição não chegou a ter lugar na medida em que quem lhe transmitiu a embarcação não tinha poderes para tal, e nessa medida não se verificou o facto tributário não sendo devido IVA [conclusões 24 a 35];
_ Erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida no que diz respeito às regras de repartição do ónus da prova, e relativamente aos limites legais do art. 31.º do CAC, mais sendo de aplicar o disposto no art. 100.º do CPPT [conclusões 36 a 51].


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“III. SEGMENTO FACTICO

Com interesse para a decisão da causa, resulta assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:
A) A entidade " F." emitiu a favor de " O." a factura n.º … de 17.06.2002, pelo valor de € 2.042.437,35 respeitante à venda da embarcação de recreio modelo "F.", n.°44. ( Doc. fls.102 do p.a.t.)
B) Através da declaração aduaneira, Documento Administrativo único (DAU) n.º …, de 28.01.2003, processado na Alfândega de … foi declarado para a introdução em livre prática e consumo a embarcação denominada "B.", marca e modelo "F.", ano de construção 2002, com casco de fibra, com o comprimento de 22,30 e com os dois motores n.° … e …. (Doc. l junto ao p.a.t.)
C) Á declaração aduaneira a que alude a al. B) do probatório foram juntos pelo
declarante os seguintes documentos:
. Fatura n.° 215 de 17.06.2002, emitida pelo fabricante, empresa "F." à empresa " O.", sem valor discriminado; - Doc. fls. 2 junto ao p.a.t-
. Certificado de Registo de Propriedade efectuado em Gibraltar a favor de " O.", com o n.° … de 05.07.2002; Doc.s fls. 7 e 8 juntos ao p.a.t-
. Bill of Sale de 02.01.2003 emitido pela " O.", a favor da empresa "M."; Doc. fls. 4-junto ao p.a.t.-
. Fatura n.° … de 24.01.2003 emitida pela "M." a favor do importador, pelo valor de € 485.000 (valor aduaneiro da mercadoria e valor tributável de IVA. - Doc.fls.5 junto ao p.a.t-
D) No dia 25.06.2003, o Impugnante deu entrada na Secretaria do Ministério Público do Tribunal de … da petição/participação junta a fls. 103/105 dos autos, a qual veio a corresponder aos autos de inquérito n.° …/03.6TACSC.
E) Na petição/ participação a que alude a al. D) do probatório, o Impugnante articulou, além do mais o seguinte: " (...) O participante é proprietário da embarcação denominada B. marca e modelo F., registada na capitania do porto de , a folhas 6 livro 55 son o n.° , com o número de casco , com 22,O3 metros de comprimento de cor barncam com o valor comercial de 2.000.000,00 Euros." (Doc. fls. 103/105 dos autos)
F) No dia 27.07.2003, o Impugnante reivindicou o direito de propriedade sobre a embarcação denominada "B.", marca e modelo "F.", ano de construção 2002, com casco de fibra, com o comprimento de 22,3O e com os dois motores n.° … e … no Supremo Tribunal da Jurisdição Marítima de Gilbraltar, contra M…. (Docs. n.°s 6 e 7 juntos á p.i.)
G) Mediante ofício n.° …, datado de 16.10.2003, emitido pela Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais Sobre o Consumo foi o Impugnante
notificado para, no prazo de dez dias, querendo se pronunciar sobre o projecto de revisão oficiosa da declaração aduaneira a que aule a al.A) do probatório, do qual se extrai designadamente o seguinte:
" (...) 3. Como o valor aduaneiro declarado para a importação se considerou manifestamente baixo em relação quer ás características do iate, quer ao preço constantes nas revistas da especialidade, foi comunicado ao declarante que se procederia a um controlo à posteriori da declaração, nos termos previstos no art 78° do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), instituído pelo Regulamento (CEE) n.°29l3/92 do Conselho, de 12 de Outubro, tendo em vista averiguar a exactidão dos documentos e dados comerciais anexos à mesma.
4. Os resultados obtidos no controlo -fornecidos pelas autoridades italianas e de Gilbraltar -são os seguintes:
a) A fatura n.º … de 2002/06/17 emitida pela firma " F." a favor de " O." foi processado pelo valor de 2.042.437,35€ e diz respeito á venda da embarcação de recreio modelo "F.", n.°44 (doc. 1, em anexo);
b) O preço efectivamente pago pela empresa "O." à empresa "F." totalizou 2.071.570€,
- Fatura n.° … de 02/06/17, no valor de 2.042.437,35€ ( doc. 1),
- Fatura n.º … de O2/06/20, no valor de 29.132,65 € (doc.2);
Junta-se respostas das autoridades italianas, bem como os documentos recolhidos na contabilidade das empresas intervenientes na venda, designadamente, facturas da venda do iate (docs. 1 e 2) e documentos comprovativos da transacção ( docs. 3, 4, 5 e 6)
c) A empresa M. afirmou desconhecer a venda do iate e a emissão da factura n. ° …, referida no ponto 2d) — cfr. resposta das autoridades de Gibraltar ( docs. 7 e 8)
5. Dos factos acima descritos conclui-se que o valor aduaneiro não correspondeu ao valor transaccionai, isto é, ao preço efectivamente pago ou a pagar pela mercadoria declarada, Porquanto, não se pode aceitar como valor aduaneiro como o valor transaccionai constante numa factura que não se encontra registada na contabilidade da empresa emissora da mesma, no caso em apreço, a "M.".
6. Considerando que, nos casos em que não se pode aplicar o valor transacional, a administração aduaneira e o importador devem concertar-se para calcularem a base do valor em conformidade com as regi'as previstas no art. 29° e segs do CAC.
7. Considerando, ainda, que tal não foi possível, na medida em que o importador foi notificado em 2003/07/24, através do n/oficio n.º 1129, para presentar provas do valor real da transacção e, até ao momento, nada de relevante foi acrescentado ao processo.
8. Determino, que seja atribuído ao iate F. o valor aduaneiro de 2.O42.437,35€, em conformidade com o disposto no art. 31°do CAC e Anexo 23 (Notas interpretativas para efeitos de valor aduaneiro) das Disposições de Aplicação do CAC, aprovadas pelo Regulamento (CEE) n.º 3454/93 da Comissão, de 2 de Julho.
9. Assim e de acordo com o disposto nos arts. 100 e 101 da Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto - Lei n, 46311 de 27 de Abril de 1965 e do n.°3 do art. 78° co CAC. "(...) nos sentido de ser revisto o valor aduaneiro da embarcação, consequentemente, de ser efectuada uma liquidação oficiosa da
divida remanescente, no valor de duzentos e noventa cinco mil novecentos e treze euros e dez cêntimos, acrescidos de juros compensatórios por atraso na liquidação imputável ao sujeito passivo ( art. 83° do CVA e 35° da LGT)

Valor aduaneiro e Valor Tributável de IVA

2.042.437,35
IVA à taxa de 19%
388.063,10
IV A cobrado em 2003/02/11
921,5O
IVA devido - arts 78°/3 e 201/n.°1, a) do CAC
296.913,10
Taxa de Juros compensatórios; 7% ao ano
(Doc. fls. 81/83 do p.a.t.)
H) Em O3.11.2O03, deu entada na Alfândega de … as alegações escritas produzidas pelo Impugnante em sede do exercício de audição prévia. (Doc. fls. 259/261)
I) Mediante ofício n.° … datado de 27.11.2003, foi o Impugnante notificado para proceder ao pagamento da quantia de € 307.913,02 ( IVA € 295.913,10, acrescida de juros compensatórios € 11.998,67 e impressos e €1,25) respeitante á liquidação adicional de IVA emitida com base no controlo a posteriori efectuado á declaração aduaneira a que alude a al. B) do probatório. (Doc. fls. 98/109 do p.a.t)
J) Em 26.O1.2004, o Impugnante, O., M. e R. outorgaram o termo de transacção na ação n.° …, que correu termos no Supremo Tribunal de Gilbraltar do qual se destaca: "11. A O. e o T. envidarão os melhores esforços para assistir o M. na sua tentativa de recuperar a quantia de € 499.399 paga por esse à S. e ainda as três transferências que totalizam 1,5 milhões de Euros que o M. defende ter transferido para a S./ou O. e que ainda não foram recebidas pela S./ou O. H." ( Doc. fls. 267/271 dos autos)
L) Em 29.03.2004, o Impugnante deduziu reclamação graciosa respeitante á revisão oficiosa efectuada à declaração aduaneira de introdução em livre prática e consumo, DAU n.° … de 28.01.2003. (Doc. fls. 284/295 do p.a.t)
M) Por despacho proferido pelo Diretor Geral da Direção de Serviços de Tributação Aduaneiro a 31.08.2009, foi a reclamação a que alude a al. L) do probatório indeferida. (Doc. fls. 663/664 do p.a.t.)
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções integram antes ou meras considerações pessoais ou conclusões de facto e/ou direito.”

Dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

N) Em 08/03/2004, com base na certidão de dívida n.º … da Alfândega de … foi instaurado à Recorrente, no serviço de …, o processo de execução n.º … para a cobrança coerciva da dívida de IVA e juros compensatórios do ano de 2003, referente à liquidação n.º … de 26/11/2003 (Cfr. fls. 1 a 11 do PEF, e fls. 476 dos autos);
O) O Recorrente foi citado para o processo de execução fiscal em 20/04/2004 (cfr. fls. 16 do PEF, e fls. 476 dos autos);
P) Por ofício de 18/05/2004 o Recorrente foi notificado para prestar garantia no PEF referido no ponto N) (cfr. fls. 26 e 27 do PEF e gls. 476 dos autos);
Q) Em 25/06/2004 o Recorrente apresentou termo de fiança da sociedade “T., SA” válido por 11 meses (cfr. fls. 33 a 50 do PEF e fls. 470 dos autos);
R) Em 29/06/2004 foi ordenada a suspensão do processo de execução fiscal (cfr. fls. 470 dos autos);
S) Em 17/11/2005 o Recorrente apresentou novo termo de fiança da sociedade “T., SA” válido por 12 meses (cfr. fls. 52 e 53 do PEF e fls. 470 e 477 dos autos);
T) Em 20/11/2006 o Recorrente requereu a renovação da fiança referida no ponto anterior (cfr. fls. 61 do PEF e fls. 470 e 479 dos autos);
U) Em 21/02/2007 o Recorrente foi notificado do despacho que indeferiu a garantia prestada em S) e prejudicado o conhecimento do pedido de renovação referido no ponto T) (cfr. fls. 67 do PEF e fls. 470 e 480 dos autos);
V) Do despacho referido no ponto anterior o Recorrente apresentou reclamação nos termos do art. 276.º do CPPT (cfr. fls. 470 e 473 e ss dos autos);
X) Em 26/07/2007 foi proferida sentença pelo TAF de Sintra que julgou procedente a reclamação referida no ponto anterior (cfr. fls. 473 e ss dos autos);
Z) Na sequência da sentença referida no ponto anterior, o serviço de finanças de … remeteu à Recorrente ofício datado de 12/10/2007 a informar que para efeitos do disposto no art. 169.º, n.º 1 do CPPT dispunha do prazo de 15 dias para prestar garantia no valor de 412.081,43€ (cfr. fls. 488 dos autos);
AA) Em 04/12/2007 o Recorrente apresentou termo de fiança da sociedade “T., SA” (cfr. fls. 491 dos autos);
BB) O Recorrente apresentou a impugnação judicial em 18/09/2009 (cfr. fls. 2 dos autos).
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2. Do Direito

Invoca o Recorrente, desde logo, que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a prescrição, matéria de conhecimento oficioso, sendo certo que no dia 29/01/2012 verificou-se a prescrição da dívida [conclusões [1 a 23].

In casu, a prescrição não foi invocada na p.i. e por essa razão o tribunal a quo dela não conheceu, pois apesar de se tratar de questão de conhecimento oficioso, o seu conhecimento apenas se impõe quando o juiz entenda, face aos elementos disponíveis nos autos, que aquela se verifica. Não obstante, sendo invocada a prescrição em sede do presente recurso importa conhecer da mesma.

Como resulta da matéria de facto aditada oficiosamente por este TCA, estamos perante dívida de IVA do ano de 2003, e nessa medida aplica-se o prazo de prescrição de 8 anos contados a partir de 01/01/2004 (cfr. art. 48.º, n.º 1 da LGT).

Deste modo, se não ocorressem quaisquer causas de interrupção ou de suspensão do prazo de prescrição (art. 49.º da LGT) o prazo de prescrição se completaria em 31/12/2011.

Sucede que conforme decorre dos factos aditados oficiosamente a dívida encontra-se garantida em data anterior ao término do prazo de prescrição, o que determinou a sua suspensão nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 4 da LGT.

Com efeito, para o que releva nos autos, desde que tenha sido deduzida reclamação ou impugnação (para além do mais previsto na lei) e a dívida esteja garantida verifica-se a suspensão do prazo de prescrição até que haja decisão transitada em julgado (art. 49.º, n.º 4, da LGT).

Ora, conforme resulta dos factos provados as diversas fianças apresentadas pelo Recorrente suspenderam o prazo de prescrição porquanto inicialmente foi apresentada reclamação graciosa e posteriormente impugnação judicial.

Aliás, nem sequer colhe a argumentação do Recorrente vertida na sua conclusão 19, pois, por um lado, a fiança foi aceite inicialmente (cfr. ponto Q) e R) da matéria de facto), e por outro lado, se posteriormente foi indeferida a prestação de nova fiança, a verdade é que por força da procedência da reclamação do art. 276.º do CPPT apresentada pelo Recorrente aquele indeferimento desapareceu da ordem jurídica, e nesse contexto, foi prestada em 04/12/2007 novo termo de fiança (cfr. pontos S) a AA) dos factos provados). Assim sendo, verifica-se a suspensão do prazo de prescrição antes do término do mesmo, e deste modo, manifestamente, a dívida não se encontra prescrita, pois verifica-se a suspensão do prazo de prescrição até que haja decisão transitada em julgado (art. 49.º, n.º 4, da LGT).

Pelo exposto, nesta parte, o recurso não merece provimento.

O Recorrente invoca ainda o erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, porquanto esta não relevou a operação de transferência de propriedade subjacente à importação, sendo que a aquisição não chegou a ter lugar na medida em que quem lhe transmitiu a embarcação não tinha poderes para tal, e nessa medida não se verificou o facto tributário não sendo devido IVA [conclusões 24 a 35].

Mas sem razão.

Com efeito, é de confirmar na íntegra a fundamentação da sentença recorrida que assentou no entendimento de que “fora das situações de introdução irregular previstas no artigo 202.º e de outras situações peculiares previstas nos artigos 203.º e 205.º o facto constitutivo da dívida aduaneira na importação é a introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação, e o momento constitutivo dessa dívida é o da aceitação da declaração de importação pelas autoridades aduaneiras competentes. O que significa que o facto constitutivo da relação aduaneira é a introdução da mercadoria em livre prática, embora a lei fixe como momento da constituição da respectiva dívida o da aceitação da correspondente declaração. Assim contrariamente ao alegado pelo Impugnante, como bem adiantou a Impugnada, a transferência da propriedade não é um facto constitutivo da dívida aduaneira na importação (…)” .

Na verdade, e ao contrário do que invoca o Recorrente a transferência de propriedade não é um facto constitutivo da dívida aduaneira na importação, e isso mesmo resulta do regime aplicável, ou seja do disposto na alínea a) do n.° 1 do art. 201.° do CAC que dispõe no sentido de que é facto constitutivo a introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação, e alínea c) do n° 1 do art 7.° do CIVA conjugado com a alínea a) do n° 1 do art. 5.° do CIVA.

Tal como se decidiu no TAF de Sintra, e contra-alega a Recorrida, o facto constitutivo da dívida aduaneira na importação é a introdução em livre prática (cfr. na alínea a) do n.° 1 do art. 201.° do CAC), ou seja, a entrada das mercadorias na União Europeia, estando as mesmas sujeitas a direitos aduaneiros e demais imposições.

De igual modo, se atentarmos ao disposto no art. 5.° do CIVA considera-se importação a entrada em território nacional de bens originários ou procedentes de países terceiros e que não se encontrem em livre prática ou que tenham sido colocados em livre prática no âmbito de acordos de união aduaneira. No que diz respeito à exigibilidade do imposto, a alínea c) do n.° 1 do art. 7.° do CIVA dispõe que nas importações o imposto é devido, e torna-se exigível, no momento determinado pelas disposições aplicáveis aos direitos aduaneiros, sejam ou não devidos esses direitos ou outras imposições comunitárias estabelecidas no âmbito de uma política comum.

Portanto, e em suma, não assiste razão ao Recorrente ao pretender que releve a transferência de propriedade, pois esta não é o facto constitutivo da dívida aduaneira na importação de acordo com as normas aplicáveis.

Pelo exposto, também nesta parte o recurso não merece provimento.

Por fim, o Recorrente invoca erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida no que diz respeito às regras de repartição do ónus da prova, e relativamente aos limites legais do art. 31.º do CAC, sendo de aplicar o disposto no art. 100.º do CPPT [conclusões 36 a 51].

Mas sem razão.

Conforme resulta dos factos provados [alínea G)] a AT recolheu indícios suficientes para considerar que o valor aduaneiro declarado para a importação não correspondia ao declarado.

Desde logo, partiu das características do iate e do preço constantes nas revistas da especialidade, e posteriormente, procedeu-se um controlo a posteriori da declaração, tendo sido efectuado um pedido de assistência mútua nos termos previstos no art. 78.° do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), para averiguar a exactidão dos documentos e dados comerciais anexos à mesma.

Procedeu então a AT a análise dos resultados obtidos no controlo e que foram fornecidos pelas autoridades italianas e de Gilbraltar (ao abrigo do art. 78.º do CAC), apurando-se:

a) A fatura n.º de 2002/06/17 emitida pela firma " F." a favor de " O." foi processado pelo valor de 2.042.437,35€ e diz respeito á venda da embarcação de recreio modelo "F.", n.°44 (doc. 1, em anexo);
b) O preço efectivamente pago pela empresa "O." à empresa "F." totalizou 2.071.570€,
- Fatura n.° de 02/06/17, no valor de 2.042.437,35€ ( doc. 1),
- Fatura n.º de O2/06/20, no valor de 29.132,65 € (doc.2);
Junta-se respostas das autoridades italianas, bem como os documentos recolhidos na contabilidade das empresas intervenientes na venda, designadamente, facturas da venda do iate (docs. 1 e 2) e documentos comprovativos da transacção ( docs. 3, 4, 5 e 6)
c) A empresa M. afirmou desconhecer a venda do iate e a emissão da factura n. ° , referida no ponto 2d) — cfr. resposta das autoridades de Gibraltar ( docs. 7 e 8)”.

Apenas após o apuramento destes factos é que a AT conclui que o valor aduaneiro não correspondeu ao valor transaccionado, mais se concretizando que “não se pode aceitar como valor aduaneiro como o valor transaccionai constante numa factura que não se encontra registada na contabilidade da empresa emissora da mesma, no caso em apreço, a "M.".”

Ou seja, foi com base nos elementos recolhidos na sequência do controlo a posteriori que se procedeu à revisão oficiosa da declaração aduaneira de importação, alterando-se o valor aduaneiro em conformidade com o preço efectivamente pago pela "O." ao fabricante do iate.

Importa, então, concluir que a AT efectuou as diligências necessárias para apurar o valor aduaneiro da embarcação, aplicou de forma correcta os normativos do CAC, tendo obtido indícios suficientemente sólidos de que o valor aduaneiro não corresponde ao declarado na declaração aduaneira de importação da mercadoria, e nessa medida, cessou a presunção de veracidade da declaração (art. 75.º da LGT), cabendo ao Recorrente o ónus da prova nos termos do art. 74.º da LGT de que a transacção comercial foi realizada tendo por base a factura que serviu de base à declaração aduaneira.

Deste modo, é manifesto que não assiste razão ao Recorrente no alegado nas conclusões 39 a 51, pois cabia-lhe o ónus da prova, tendo a AT efectuado as diligências necessárias à correcção. Ou seja, cabia ao Recorrente fazer prova do pagamento à "M." do preço que invoca, o que poderia ter sido feito pela prova do meio de pagamento, por ex. através da respectiva transferência bancária ou cheque, posto que a AT recolheu indícios suficientes dos pressupostos da sua actuação. Nem se diga como pretende o Recorrente que seja aplicável o art. 100.º da LGT, pois não foi sequer gerada dúvida, e muito menos fundada, para que se aplicasse este preceito legal.

A sentença recorrida que nesse sentido decidiu não enferma de erro de julgamento, e nessa medida, também nesta parte, não assiste razão ao Recorrente.

Face ao exposto, o recurso não merece provimento in totum.
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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
D.n.
Lisboa, 14 de Abril de 2016.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso