Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05975/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/18/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IVA. DIREITO À DEDUÇÃO. ERRO. CADUCIDADE.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O direito à dedução de IVA só pode ser exercido tendo por base uma factura ou documento equivalente, passados na forma legal, não servindo para o efeito a fotocópia de uma factura, por não garantir que tal direito não seja exercido por mais de uma vez;
2. Tendo o sujeito passivo invocado que os montantes descritos em certa factura se mostravam errados e que não correspondiam à real contraprestação obtida nessa prestação de serviços, cabia-lhe fazer a prova desse erro;
3. O prazo de caducidade do direito à liquidação em sede de IVA, em 1997, era regido pelo art.º 33.º do CPT que não pelo art.º 88.º do CIVA, por com a entrada em vigor do CPT terem ficado revogadas todas as normas relativas à matéria neste tratadas e que lhes fossem contrárias.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I) A liquidação de adicional de IVA n.º 02262057, referente ao ano de 1997 muito embora corresponda a correcções no total de € 12.037,69, como decorre dos elementos constantes dos autos, v.g. Relatório da Inspecção Tributária, abrange dois tipos de correcções.
II) Por um lado, as correcções no valor de € 10.664,49, referentes a IVA liquidado e não entregue, às quais se encontra subjacente a contabilização das facturas n.ºs 2232 e 2234 e, por outro lado, as correcções no valor de € 1.403,20, respeitantes a IVA deduzido indevidamente.
III) Esta última situação não foi objecto de apreciação na douta sentença recorrida, e sendo certo que a regularização efectuada pela Impugnante com base em fotocópias de facturas do ano anterior é indevida, não existindo base legal para que uma fotocópia simples ou autenticada possa documentar o exercício do direito à dedução, cf. art. 19° n.º2 do CIVA, não deveria nesta parte a liquidação haver sido objecto de anulação, nem o deveria ser a correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 02262056.
IV) No que respeita à correcção de € 10.664,49, a mesma teve por base o facto de, aquando da inspecção efectuada à Impugnante, haver sido detectado que a impugnante apresentou documentos justificativos dos lançamentos contabilísticos por si efectuados os quais não correspondiam aos valores contabilizados.
V) Impunha o art. 28°n.º 1 al. g) do CIVA na redacção em vigor à data dos factos), que os sujeitos passivos de imposto, como a Impugnante, são obrigados a dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposta.
VI) E, bem assim, impunha o n.º 1 do art.º 44° do CIVA na redacção em vigor à data dos factos, que: "a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica de imposto."
VII) Sendo que, como determinava o art. 45° n.º 2 do CIVA, para efeito do registo das operações: "as facturas, documentos equivalentes e guias ou notas de devolução serão numerados seguidamente, em uma ou mais séries convenientemente referenciadas, devendo conservar-se na respectiva ordem os seus duplicados e, bem assim, todos os exemplares dos que tiverem sido anulados ou inutilizados, com os averbamentos indispensáveis à identificação daqueles que os substituíram, se for caso disso."
VIII) No caso dos autos, verifica-se que o sistema de facturação da impugnante permite a emissão de várias facturas com o mesmo número, com valores e descrições diferentes, permitindo a manipulação dos valores a contabilizar.
IX) Acrescendo que, como refere a impugnante na sua Petição Inicial esta procede à destruição de facturas, em completo incumprimento da norma acima referida, tendo apresentado como documento de suporte dos lançamentos contabilísticos dois documentos com valores diferentes dos valores contabilizados.
X) Não poderá aceitar-se que, em face destas inexactidões, se mantenha uma presunção da veracidade dos valores contabilizados.
XI) Pretendendo a Impugnante demonstrar que o valor por si contabilizado, para o qual não apresentou o correspondente documento de suporte aquando da acção de inspecção, era o correcto, a si incumbia o ónus probatório.
XII) Porém, constata-se que os elementos de prova apresentados, correspondem a documentos da contabilidade de uma sociedade que tem como administrador o também administrador da Impugnante, e que utiliza inclusivamente um sistema de contabilidade partilhado com a Impugnante.
XIII) O que associado ao facto de o sistema de facturação da impugnante não ser fiável, ao permitir a emissão de diversas facturas com o mesmo número, permitindo a manipulação dos valores das facturas, e de não existirem elementos de prova obtidos junto de partes não directamente ligadas à Impugnante, e não interessadas, como seja o caso dos donos das obras: Petrogal e Câmara Municipal de Castelo de Paiva (como se alude na contestação), entre outros elementos, como seja a inacreditável sucessão de lapsos e ilegalidades que a Impugnante defende terem ocorrido no caso em apreço ­que inclusivamente se estendem a descrições de serviços diferentes nas facturas, não permitem concluir de forma inequívoca que as facturas efectivamente constantes da contabilidade da Impugnante aquando da inspecção não titulavam os valores correctos dos serviços em causa.
XIV) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida; como é de Direito e Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


I - A liquidação adicional de IVA resultou da desconformidade entre o IVA declarado e constante dos lançamentos contabilísticos da Recorrida como imputável às facturas n.º 002232 e n.º 002234 e o imposto constante nas facturas que supostamente suportam tal lançamento.
II – A discrepância entre os lançamentos contabilísticos e os supostos documentos de suporte resultou de um erro na emissão de facturas quanto aos valores devidos pela sociedade cliente, a Sociedade de Construções B..., Lda, por conta da prestação de serviços.
III - O valor reflectido na contabilidade da cliente Construções B..., é igual ao contabilizado pela Recorrida, relativamente às facturas com os números 002232 e 002234, sendo os originais destas facturas que se encontram na sua contabilidade.
IV – Resulta do probatório que os valores contabilizados correspondem aos valores constantes dos Orçamentos elaborados previamente pela Recorrida.
V – O recorte da transacção entre as duas empresas plasmadas pelos meios financeiros envolvidos no respectivo pagamento; a existência de propostas de serviços imputáveis às referidas facturas de valores iguais aos constantes nos lançamentos contabilísticos da Recorrida, e os valores das
Facturas da destinatária, comprovam o valor da operação subjacente e a correcção do lançamento contabilístico da Recorrida.
VI - O facto de no arquivo da Recorrida se encontrarem facturas originais, que vieram a ser alteradas contraposto à coerência de valores verificada em toda a documentação, não é suficiente para abalar os registos contabilísticos da Recorrida.
VII – Não está justificado o recurso à correcção técnica efectuada pela Administração Tributária para a liquidação adicional de IVA relativa às facturas em causa, só podendo a Administração Tributária rectificar as declarações do sujeito passivo e proceder à correspondente liquidação adicional quando fundamentadamente considere que nela figura um imposto inferior ao devido.
VIII - A ilegal correcção técnica efectuada pela Administração Tributária, por violar o artigo 82.º, n.º1 CIVA, resulta da liquidação efectuada se fundamentar numa contabilidade (a da Recorrida) que é considerada reconhecida e qualificada pela própria Administração Tributária como inadequada ao apuramento do imposto.
IX - E, como tal não bastasse, socorre-se a Administração Tributária, para o efeito, do único elemento que a Recorrida reconhece estar incorrecto - a factura erroneamente arquivada – para suportar o conhecimento claro e necessário para o cálculo do imposto e a suposta ilegalidade da liquidação que efectuou.
X - A Recorrente no seu percurso correctivo ignorou todos os outros elementos que tinha à sua disposição tais como os mencionados em III, IV e V Supra, talvez por saber o desconforto de efectuar numa acção inspectiva sem que dela resultasse a qualquer liquidação adicional, pois qualquer iter-cognitivo levaria a um resultado que teria que coincidir com o declarado pela Recorrida.
XI- Por outro lado, é certo que, era por demais evidente, por ilegal, a alternativa no recurso a métodos indirectos.
XII – A contabilidade da Recorrida é, pois, fiável, não podendo um mero lapso no tratamento do arquivo dos documentos contabilísticos relevar e fundamentar as correcções efectuadas pela Administração Tributária.
XII - Por último, devemos sublinhar que a 10.10.2002 já havia caducado o direito da Administração Tributária a proceder à liquidação adicional do IVA e juros compensatórios
relativos aos factos ocorridos até ao dia 10.10.1997 inclusive.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo douto Representante da Fazenda Pública e, em consequência, deve manter-se a sentença recorrida, assim fazendo V. Exas. A costumada Justiça


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, dizendo acompanhar a fundamentação expendida pela recorrente de que a sentença recorrida fez uma errada valoração da prova o que determinou uma incorrecta aplicação do direito.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se o direito à dedução de IVA não pode ter por suporte a fotocópia de uma factura; Se a impugnante não logrou provar o erro ou lapso quanto aos montantes inscritos como contrapartidas obtidas nas facturas n.ºs 2232 e 2234; E respondendo-se afirmativamente e revogando-se a sentença recorrida que em contrário decidiu, conhecendo este Tribunal em substituição, se ocorreu a caducidade do direito à liquidação dos impostos em causa.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
a) A Impugnante, A..., Lda, exerce a actividade de "Construção e Engenharia Civil", com o CAE 45212 - Cfr. documento a fls. 19;
b) A Impugnante, em sede de IVA, no ano de 1997, encontrava-se enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal- Cfr. documento a fls. 20;
c) Em cumprimento das ordens de serviço nos 56 298 e 56 300, com despacho para inspecção externa de 6 de Fevereiro de 2002, a Administração Fiscal procedeu a acção inspectiva à contabilidade da Impugnante, iniciada em 3 de Abril de 2002
e concluída em 2 de Maio de 2002 - cfr. documento a fls. 19;
d) Em 3 de Junho de 2002 foi elaborado Relatório de Inspecção, do qual se destaca o seguinte: “(...) 3.1.2-IVA
Da análise efectuada ao IVA liquidado e dedutível, verificaram-se as seguintes irregularidades:
Na conta “24331 Operações Gerais", constatou-se que os valores contabilizados não correspondem aos liquidados nas facturas nºs 2232 e 2234 de 06/05/97 e 24/05/97, respectivamente conforme se pode verificar através do extracto, (anexo 5) e respectivas facturas que se juntam (anexos 2 e 3).
O valor em falta totaliza Esc. 2.138.039$00, ou, € 10.664,49, e refere-se ao mês de Maio.
Face ao exposto, vamos proceder à sua correcção, tendo em conta o determinado no artigo 26° do CIVA.
IVA Regularizações
Da análise efectuada aos valores constantes na conta “24341 – IVA Regularizações Mensais (Trim.) a favor da empresa", (anexo 6), verificou-se que a mesma regularizou imposto a seu favor no mês de Julho, no montante de Esc. 281.316$00, ou €1.403,20, com base em fotocópias de facturas do ano anterior (1996), junta-se uma cópia a título de exemplo, (anexo 7).
Todavia, essa regularização é indevida, por não reunir os requisitos do nº2 do artigo 19° do CIVA, não existindo porém base legal para que uma fotocópia simples ou autenticada, possa documentar o exercício do direito à dedução.
Por esse facto, vai proceder-se à sua correcção.(...)
IVA
Em relação a este imposto foram feitas correcções no total de € 12.067,69, como a seguir se indica:
IVA liquidado e não entregue € 10.664,49
IVA deduzido indevidamente € 1.403,20 (..)
V – DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
(..)
Em relação aos argumentos apresentados pela empresa, para justificar a não aceitação das correcções referentes às facturas nºs 2232 e 2234, refere-se o seguinte:
Todos os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.
As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.
Na situação em apreço, não foram seguidos os procedimentos correctos, uma vez que as facturas foram emendadas, quando o procedimento correcto seria a sua anulação, contrariando assim o referido no parágrafo anterior.
Esta situação configura falta de organização e controle interno, leva à falta de fiabilidade e por consequência pode levar à existência de erros materiais relevantes.
Em face do exposto, mantêm as correcções efectuadas, uma vez que não há elementos novos susceptíveis de quaisquer alterações. (...)" - Cfr. documento a fls. 17 a 23, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
e) Em 1 de Outubro de 2002 foi enviada notificação à Impugnante para pagamento voluntário da liquidação adicional de IVA n0 02262057, no valor de € 12.067,69, referente ao ano de 1997, com data limite de pagamento em 30 de Novembro de
2002 - Cfr. documento a fls. 10, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
f) Em 1 de Outubro de 2002 foi enviada notificação à Impugnante para pagamento voluntário da liquidação de Juros Compensatórios n° 02262055, no valor de € 6.006,88, referente ao ano de 1997, período 05, com data limite de pagamento em 30 de Novembro de 2002 - Cfr. documento a fls. 11, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
g) Em 1 de Outubro de 2002 foi enviada notificação à Impugnante para pagamento voluntário da liquidação de Juros Compensatórios n° 02262056, no valor de € 763,73, referente ao ano de 1997, período 07, com data limite de pagamento em
30 de Novembro de 2002 - Cfr. documento a fls. 12, o qual se dá, aqui, por inteiramente reproduzido;
h) Consta dos autos cópia de factura emitida pela Impugnante, com o n° 002232, em 6 de Maio de 1997, com o valor total de Esc.14.274.000$00, incluindo IVA - Cfr. documento a fls.25, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
i) Consta dos autos cópia de factura emitida pela Impugnante, com o n° 002232, em 6 de Maio de 1997, com o valor total de Esc. 7.915.050$00, incluindo IVA ­Cfr. documento a fls.38, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
j) Consta dos autos cópia de factura emitida pela Impugnante, com o n° 002234, em 24 de Maio de 1997, com o valor total de Esc.8.365.500$00, incluindo IVA - Cfr. documento a fls. 26, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
k) Consta dos autos cópia de factura emitida pela Impugnante, com o n° 002234, em 24 de Maio de 1997, com o valor total de Esc.9.711$00, incluindo IVA - Cfr. documento a fls.39, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
l) Consta dos autos cópia de carta emitida pela Impugnante, tendo como destinatário "Construções B..., Lda", da qual se extrai o seguinte: “(..) 10-04-1997
Assunto: POSTO PETROGAL
FERREIRA DO ALENTEJO
Exm°s Srs.
Em seguimento ao solicitado por v. Exªs., junto enviamos a nossa proposta relativa ao fornecimento e montagem de caixilharias de alumínio, a realizar na cor RAL 2004, de acordo com os elementos de projecto que nos foram enviados,
para a vossa obra em referência.
(...)
VALOR GLOBAL 6.765.000$00
Os valores apresentados serão acrescidos da taxa legal em vigor do IVA de 17%. (..)" - Cfr. documentos a fls. 46 e 47, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos;
m) Consta dos autos cópia de carta emitida pela Impugnante, tendo como destinatário “Construções B..., Lda", da qual se extrai o seguinte: "(...) 06-05-1997
Assunto: PISCINA APRENDIZAGEM
CASTELO DE PAIVA
Exmºs Srs.
Em seguimento ao solicitado por V. Exªs., junto enviamos a nossa proposta relativa ao fornecimento de acessórios de apoio para a vossa obra em referência.
(...)
VALOR GLOBAL 8.300$00
Os valores apresentados serão acrescidos da taxa legal em vigor do IVA de 17%. (...)” - Cfr. documentos a fls. 48 e 49, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos;
n) Consta dos autos cópia de extracto da contabilidade da Sociedade de Construções B..., Lda, destinatárias das facturas nºs 2232 e 2234, referidas nas alíneas h) a k), onde se pode constatar que os lançamentos contabílisticos relativos a essas facturas foram feitos pelos valores de,
respectivamente, Esc. 6.765.00$00 e Esc. 8.300$00 - Cfr. documentos a fls. 31 e 32, não impugnados;
o) Consta dos autos cópia de extracto da contabilidade da Impugnante, onde se verifica que os lançamentos das facturas nºs 2232 e 2234, referidas nas alíneas h) a k), foram efectuados pelos valores de, respectivamente, Esc. 6.765.00$00 e Esc. 8.300$00 - Cfr. documento a fls. 24, não impugnado;
p) Os serviços prestados pela Impugnante na Piscina de Aprendizagem em Castelo de Paiva limitaram-se ao fornecimento e montagem de apoios de estrutura - Cfr. documentos a fls. 48 e 49, depoimento da testemunha Carlos Alberto Neiva Franco Amorim, cujo depoimento se revelou sério, coerente, denotando um conhecimento directo e pessoal sobre a matéria a que foi
inquirido.

Nenhum outro facto com interesse para a decisão da causa ficou provado.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que as liquidações adicionais são ilegais por violarem o disposto no art.º 16.º, n.º1 do CIVA, já que da prova recolhida junto das entidades com que a ora recorrida contratou confirmam a veracidade dos lançamentos efectuados pela mesma e donde apurou o imposto declarado, ainda que não tenha agido da forma legal com a anulação das facturas primitivas, mais tendo considerado prejudicado no seu conhecimento os restantes fundamentos da impugnação, dos quais não conheceu.

Para a recorrente Fazenda Pública (FP), de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o assim decidido conducente à sua revogação, desde logo pugnando que a sentença recorrida se não ateve à parte da liquidação em assentou sobre indevido direito à dedução, tendo tratado toda a liquidação de igual forma, bem como na parte restante, que a ora recorrida apresentava uma contabilidade não devidamente organizada que através dela não era possível apurar e fiscalizar o imposto devido, que o sistema de facturação não era fiável por permitir a emissão de várias facturas com o mesmo número, com valores e descrições diferentes, desta forma permitindo a manipulação dos valores a contabilizar.

Vejamos então.
Desde logo não podemos deixar de realçar como bem invoca a recorrente, que, na realidade, a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, provém de duas realidades distintas, como no relatório da inspecção tributária se dá conta, cuja factualidade aliás, foi fixada no probatório da sentença recorrida, na sua alínea d), donde se pode colher que do montante total de imposto liquidado de €12.067,69, €10.664,49 se reporta a imposto liquidado e não entregue e €1.403,20 se reporta a IVA deduzido indevidamente, sendo que tais diversas correcções comportam diverso arrimo jurídico o que a sentença recorrida não atentou, como devia.

Na verdade, nos termos do disposto nos art.ºs 19.º, n.º2 e 35.º, n.º5 do CIVA (redacção de então e a aplicável), só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, o que constitui um verdadeiro requisito substancial em ordem à dedução do IVA suportado, como constitui jurisprudência corrente(1).

Nesta parte, tendo a ora recorrida procedido ao exercício de tal direito com base na fotocópia das facturas como foi apurado em sede de inspecção, sem que tal factualidade tenha sido infirmada ou sequer contrariada, nesta parte, não pode o recurso deixar de proceder com a revogação da sentença recorrida que assim não entendeu e decidiu, já que tais fotocópias não garantem que o imposto não seja deduzido mais do que uma vez(2).

Quanto ao restante valor de imposto liquidado adicionalmente de € 10.664,49, assentou nas facturas n.ºs 2232 e 2234, cujas contabilizações não correspondem aos valores inscritos nas mesmas, como foi apurado no mesmo relatório da inspecção e que a ora recorrida tenta justificar com um erro no tratamento contabilístico – cfr. art.º 13.º da petição de impugnação e matéria da sua conclusão II – e que na sentença recorrida se fundamentou pela sua existência face a outros elementos de prova como sejam as facturas enviadas ao respectivo destinatário e respectivos valores contabilizados neste, e bem assim, os montantes nos respectivos orçamentos de tais prestações de serviços.

É certo que as normas dos art.ºs 44.º, n.º1 e 45.º, n.º2 do CIVA, impõe que o sujeito passivo deva possuir uma contabilidade organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, tendo por suporte facturas ou documentos equivalentes numeradas seguidamente, em uma ou mais séries e devendo conservar-se na respectiva ordem os seus duplicados, mas a infracção a tais comandos, não determina, só por si, que haja lugar a liquidações adicionais de imposto, mas só quando se prove (ainda que através de indícios), que não tiveram lugar as respectivas operações ou que as mesmas tiveram lugar por montante inferior ao mencionado e contabilizado, por aplicação entre outros, do disposto no art.º 16.º, n.º1 do mesmo Código, em que dispõe que o valor tributável das operações, em regra, será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, sendo também certo que só pode lugar a liquidação adicional de imposto quando fundamentadamente existam suspeitas de que na declaração periódica figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos – cfr. art.º 82.º, n.º1 do CIVA – sem prejuízo, naturalmente, das sanções devidas para tal falta de organização contabilística ao nível contra-ordenacional.

Porém, no caso, o que aconteceu foi que pelas cópias das citadas facturas n.ºs 2232 e 2234, constantes de, entre lugares, a fls 25 e 26 destes autos, delas se podem colher que mencionam os montantes de contraprestação total obtida de 14.274.000$ e 8.365.500$ (IVA incluído), respectivamente, quando, contabilizados foram apenas por montantes inferiores donde resultou a diferença apurada pela AT de 2.138.039$, como se não coloca em causa, pelo que a questão se não coloca em a AT ter desconsiderado os elementos da sua contabilidade, mas sim por força dos elementos documentais de suporte da mesma contabilidade, ter rectificado a declaração periódica relativa ao período 9705, por nela figurar um imposto apurado de montante inferior, naquela dimensão quantitativa resultante dos montantes daquelas facturas supra referidas, documentos esses que então, aquando dessa inspecção, eram os únicos que figuravam na mesma contabilidade como suporte dessas operações, pelo que legitimada ficava a AT para, ao abrigo do disposto no art.º 82.º do CIVA, corrigir tal declaração da ora recorrida.

Só em sede do direito de audição é que a mesma ora recorrida veio defender a correcta contabilização desses valores contabilizados e que eram aquelas facturas é que se encontravam erradas nos seus montantes descritos, pretendendo que tais montantes certos antes fossem os de 7.915.050$ e 9.711$, respectivamente, como constava das facturas que entretanto veio a emitir (cfr. suas cópias a fls 38 e 39 dos autos), e que estes se encontravam de acordo com valores contabilizados na empresa a quem prestou os serviços e bem assim nos respectivos orçamentos dos serviços prestados, tese que foi aceite pela M. Juiz do Tribunal ”a quo”, por haver concluído que estes é que foram os valores obtidos de contraprestação.

Porém, esta tese não é de aceitar pelas seguintes razões. Desde logo, nestas facturas passadas a posteriori, nada refere que as mesmas se destinassem a corrigir as anteriormente emitidas e com os mesmos números, os meios de pagamento que terão sido utilizados, cujas cópias constam de fls 40 a 45, não coincidem nos seus montantes com os montantes de tais contraprestações invocadas, sendo que para a factura 2232 tais documentos globalizam o montante de 13.900.000$, em que neles se descreve que constituem parte do pagamento desta mesma factura, quando aquele valor é muito inferior (7.915.050$). Por outro lado e sobretudo, o quantitativo total destas facturas emitidas posteriormente, não conduz à diferença apurada pela inspecção tributária de 2.138.39$, entre os montantes das inicialmente passadas, o que na sentença recorrida se não atentou, já que a diferença nos termos propugnados pela ora recorrida seria de 14.714.739$ (14.274.000$+8.365.500$-7.915.050$-9.711$), pelo que a origem para tal diferença não se pode encontrar nos descritivos posteriores destas facturas passadas com estes valores mais baixos, pelo menos na sua globalidade, tendo de haver outras razões para aquela diferença, desta forma não provando a ora recorrida, como lhe cabia, como parte do direito que se arroga a tal rectificação – cfr. art.º 74.º, n.º1 da LGT – que a mesma provenha da passagem destas posteriores facturas com os respectivos valores correctos em função das contraprestações realmente obtidas, pelo que a causa lhe tem de ser desfavorável, sendo por isso de revogar a sentença recorrida que em contrário decidiu, com a manutenção da liquidação por este fundamento.

Procede assim, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe conceder provimento e de revogar a sentença recorrida que em contrário decidiu.


4.1. Revogada a sentença recorrida, cabe a este Tribunal conhecer, em substituição, do outro fundamento articulado pela impugnante na sua petição de impugnação e que ficara prejudicado pela procedência da impugnação por aquele outro fundamento, nos termos do n.º2 do art.º 715.º do CPC, já que os autos fornecem os elementos necessários e sem a necessidade de previamente ouvir as partes para o efeito, já que as mesmas já se pronunciarem sobre tal questão.

E essa questão, como bem se pronuncia a impugnante na matéria da sua conclusão XII das suas alegações, consiste na caducidade do direito à liquidação do tributo em causa, relativo a IVA, sendo o mais antigo do período 9705, como a mesma se pronunciava na matéria dos art.ºs 32.º e segs da mesma petição de impugnação.

Tal prazo de caducidade do direito à liquidação, então, era de 5 anos e contava-se nos impostos de obrigação única como no IVA, desde a data em que ocorreu o facto tributário, por força do disposto no art.º 33.º do CPT, na redacção introduzida pelo Dec-Lei n.º 47/95, e suspendeu-se com a notificação à contribuinte do início da acção de inspecção externa – cfr. art.º 46.º, n.º1 da LGT (redacção de então) – com o máximo de seis meses, pelo que no caso, tendo ocorrido a contagem do início desse prazo em 1-6-97, o seu termo seria em 31-5-2002, a que há a acrescer o prazo de suspensão por força do decurso do tempo em que ocorreu a inspecção de cerca de um mês – entre 3-4-2002 e 2-5-2002, cfr. matéria da alínea c) do probatório – o mesmo sendo de dizer que em Outubro deste mesmo ano, quando foi notificado dessas liquidações, já tal prazo se havia esgotado, desde 1-7-2002, para o imposto mais antigo supra e de 1-9-2002, para o imposto relativo a 9707, como bem se pronuncia a impugnante.

Este prazo é contado nos termos do disposto neste art.º 33.º do CPT que não do art.º 88.º do CIVA(3), como pretende a AT, por o Dec-Lei preambular que aprovou o CPT – o Dec-Lei n.º 154/23, de Abril – ter nos seus art.ºs 4.º e 11.º, disposto sobre a revogação de toda a legislação em contrário da aqui regulada, onde não se pode deixar de abranger tal norma do CIVA que em contrário dispunha, ainda que possa ser lei especial, por essa ter sido a vontade inequívoca do legislador, nos termos do disposto no art.º 7.º, n.º3 do Código Civil(4), desta forma procedendo a impugnação e por este fundamento, sendo por isso de anular tais liquidações.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida e conhecendo em substituição, em julgar procedente a impugnação e em anular as liquidações impugnadas.


Custas do recurso pela recorrida na parte em que decaiu e que se fixa a taxa de justiça em metade, não sendo devidas custas pela AT, por força da isenção de que então gozava.


Lisboa,18/06/2013

EUGÉNIO SEQUEIRA
JOAQUIM CONDESSO
PEDRO VERGUEIRO









1- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do 15-4-2009, recurso n.º 951/08-30.
2- Cfr. no mesmo sentido o acórdão do STA de 12-1-2011, recurso n.º 533/10.
3- Com a contagem desse prazo desde o início do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
4- Cfr. no mesmo sentido e sobre esta mesma questão, o acórdão do STA de 20-1-2010, recurso 696/09.