Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04047/10
Secção:CT -2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/29/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA
OPERAÇÕES SIMULADAS
FACTOS -ÍNDICE
Sumário:I)- A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indiciários que suportam a liquidação.

II)- Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito – ao tempo consagrado no artº 78° do CPT-, passando a, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.

III)- Não é exigível que a AF prove cabalmente os pressupostos da simulação previstos no art. 240°do C.Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos – ou factos índice- que traduzam uma probabilidade elevada de que a escritura não titula o negócio nos termos dela constantes, que estes não correspondem à realidade.

IV)- Nesse sentido, dentro do principio da livre apreciação da prova cabe ao juiz aceitar os factos que a experiência ditar como mais razoáveis e impõe-se concluir, face à prova documental que foi produzida, que as operações existiram tal como foram declarados nos documentos e, assim, que nos negócios em causa não houve simulação que teve por fim que a recorrente pagasse menos imposto.

V)- Assim sendo, porque, em face do decidido, incumbia à recorrente infirmar a conclusão de que houve acordo simulatório carreando factos que permitissem credibilizar os dados da sua escrita, uma vez que os alegou e ofereceu prova eficaz, impõe-se a conclusão de que a A.F. não demonstrou suficientemente os factos-índice mal andando ao considerar que esses factos não foram infirmados e permitem inequivocamente a conclusão de que a contabilidade espelha a realidade das operações, sendo intangível a presunção da veracidade da escrita da impugnante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso da sentença que julgou procedente a impugnação que A...– Sociedade de Construções e Turismo, S.A., deduziu contra a liquidação de IVA relativa ao ano de 1991 e respectivos juros compensatórios, concluindo assim as suas alegações:
“I - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória que julgou procedente a impugnação deduzida por A...- Sociedade de Construções e Turismo, S.A., contra a liquidação adicional de IVA n° 95230874, do ano de 1991.
II - A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento segundo o qual "a tese da Administração Tributária não está suficientemente ancorada com vista a poder concluir-se que as facturas em causa não têm na base da sua emissão serviços efectivamente prestados. Os documentos não apresentam irregularidades formais e, quanto à afirmação de que uma das entidades emitentes de factura é já conhecida por poder emitir facturas cujos valores poderão não corresponder a uma prestação de serviços, não constitui a mesma prova de que esse seja o caso dos autos, bem como não comprova a falsidade da factura o facto, alegado, de que outro emitente consta do cadastro como cessado. As correcções que deram origem á liquidação impugnada não poderão manter-se, uma vez que a Administração não logrou fazer a prova, que lhe era exigida, do bem fundado da formação das suas presunções de existência de facturação falsa. (...) É que, como se compreende, não importa só que a Administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados, o que aqui não se verifica. Acresce que como resulta de F dos factos provados, foi arquivado pelo DIAP de Lisboa o inquérito instaurado à actuação da Impugnante, em sede de IRC, relativamente ao mesmo ano de 1991 a que respeita a liquidação aqui impugnada o que, embora nos autos não haja noticia da razão do arquivamento, fortalece a convicção do de que a Administração Tributária não conseguiu demonstrar que as facturas em causa não correspondem a operações reais, devendo com tal fundamento, ser anulada a liquidação.
III - Consta documentalmente provado pelo teor do relatório transcrito na douta sentença, e que ora damos por integralmente reproduzido, que, a acção de fiscalização teve origem num programa de acção extraordinária relativo ao sector da construção civil, tendo sido fiscalizadas várias empresas detidas maioritariamente pelo sócio gerente da impugnante.
IV - A Administração Tributária constatou que o sujeito passivo tinha na sua contabilidade, como documentos de suporte, facturas das quais a inspecção já tinha conhecimento, em virtude das acções realizadas, que podiam não corresponder a verdadeiras prestações de serviços, e especifica relativamente às facturas que originaram as correcções quais os indícios em que se baseia a sua convicção, mencionando-se no relatório que:
- Existe compra de imobilizado titulada por factura cujo número de contribuinte foi rasurado, tendo-se obtido na sede da firma fornecedora do imobilizado cópia da factura que prova a rasura, bem como a guia de remessa onde consta que o local de descarga do material é de outro sujeito passivo;
- Contabilização como custo fiscal da factura n°265 de 30.12.1991, no montante de 800.000$00 cujo emissor da mesma consta no cadastro como cessado em 31.07.1991;
- Contabilização como custo fiscal em imobilizado a factura n°621 de 26.10.91 no montante de 861.784$00 mas cujo fornecedor consta no cadastro de IVA como inexistente;
-O sujeito passivo não utiliza a conta Bancos, embora mantenha relações económicas com agências de viagens portuguesas e estrangeiras, e possui até uma máquina da Unicre;
-O gerente em termo de declarações declara que os pagamentos são efectuados quer em dinheiro quer em cheque.
V -Ora, tais indícios recolhidos pela Administração Tributária em sede de procedimento, constituem indícios fortes de que a impugnante contabiliza facturas que não têm subjacentes operações reais, sendo que só conferem direito à dedução as facturas passadas sob a forma legal que tenham subjacente uma operação real, nos termos do n.° 3 do artigo 19° do CIVA.
VI -Com efeito, não pode concluir-se, como se conclui na douta sentença, que as facturas desconsideradas pela Administração Fiscal e discriminadas no Anexo 16 do relatório "não apresentam irregularidades formais".
VII - Relativamente à factura n° 302, emitida pela B...- Produtos Químicos Industriais, Lda., não cumpre a mesma os requisitos exigidos pelo artigo 35° do CIVA, porquanto não descreve em absoluto o tipo de serviços prestados, remetendo para o orçamento que não se encontra anexado à factura, nem junto aos autos;
VIII - Quanto à factura n°33107, emitida por C..., foi rasurado o número de identificação fiscal, tendo os Serviços de Inspecção apurado que a mercadoria se destinava a outro sujeito passivo;
IX - Em relação à factura n°621 emitida por E... verificou a inspecção que o contribuinte era inexistente no cadastro;
X - E quanto à factura n°265, foi a mesma emitida põe um contribuinte cessado e também não se encontram cumpridos os requisitos do n°5 do artigo 35° do CIVA relativos à correcta identificação dos bens transmitidos, limitando-se a factura à referência "a fornecimento de material para equipamento de uma piscina", desconhecendo-se de que material se trata.
XI - Ora, as deficiências de que padecem as facturas em causa conjugadas com outros factos apurados, designadamente, o facto do sujeito passivo não utilizar a conta Bancos, e declarar que efectua pagamentos em cheque e em dinheiro não obstante os fluxos financeiros não terem tratamento contabilístico, constitui factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade da contabilidade do sujeito passivo, ao contrário do que foi decidido pela meritíssima juíza a quo.
XII - Muito embora beneficiem os contribuintes da presunção de veracidade da escrita e dos respectivos documentos contabilísticos, essa presunção cessa quando se verificarem erros, inexactidões, ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva, nos termos do artigo 78° do CPT.
XIII - Cabe, portanto, à Administração Fiscal o ónus de provar que estão verificados os pressupostos que legitimam a sua actuação ao abrigo do artigo 19° do CIVA, designadamente, deverá enunciar e provar a existência de indícios sérios que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas facturas assim desconsideradas não se efectuaram.
XIV - E ao contribuinte, cabe provar que os custos são reais, por corresponderem a trabalhos efectivamente realizados e pagos, e que conferem, por isso, o direito à dedução do IVA nos termos do artigo 19° do respectivo Código (vd. Ac. TCAN, de 17-12-2004, Proc. 212/04, In www.dgsi.pt).
XV - Com efeito, a Administração Fiscal apurou factos que indiciam que as facturas emitidas à impugnante consubstanciavam prestações de serviços não reais, sendo que factos como a ausência de contabilidade e o incumprimento das suas obrigações declarativas dos emitentes das facturas não podem ser à partida desconsiderados como indiciadores de situações irregulares, principalmente quando a outra parte não junta qualquer meio de prova da efectiva da realização das operações.
XVI - Por outro lado fundamentou-se a douta sentença no arquivamento pelo DIAP do Inquérito n° 54/96.2 IDSLB para firmar a convicção de que a Administração Tributária não conseguiu demonstrar que as facturas em causa não correspondem a operações reais.
XVII - Não obstante, desconhecia a meritíssima juíza qual a razão do arquivamento, sendo que o despacho de arquivamento relativamente à arguida "A...- Sociedade de Construção e Turismo, Lda,, ora impugnante, tem como fundamento o facto de ter sido efectuado o pagamento da dívida ao abrigo do D.L. 124/96, não existindo qualquer pronuncia sobre a eventual pratica do crime de fraude fiscal.
XVIII - Donde, a decisão de arquivamento do inquérito não permite retirar a ilação de que a Administração Fiscal demonstra que as facturas em causa não titulam serviços efectivamente prestados.
XIX - A manter-se na ordem jurídica, a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação do n°3 do artigo 19° do CIVA, do n°5 do artigo 35° do CIVA, e do artigo 78° do CPT.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
Não houve contra – alegações.
O EPGA pronunciou-se pelo improvimento do recurso pelas razões a que infra se fará alusão.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
*

2.-Na sentença recorrida assentou-se a seguinte matéria de facto provada, não provada e respectiva motivação:

“A. A impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção relativamente aos exercícios de 1990, de 1991 e de 1992, levada a cabo pelos Serviços de
Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, em resultado da qual foi elaborado o relatório de fls. 23 e ss do processo administrativo;
B. Lê-se no relatório referido em A, no que se refere ao ano de 1991:
«3.1.2-Exercício de 1991
1) Contabilizou como custo fiscal na rubrica de conservação e reparação (...) no total de 800 000$00 quando o fornecedor desses Serviços já constava no cadastro como CESSADO, pelo que nos termos do art. 23° n°1 do CIRC não consideramos esse valor como custo do exercício.
2) Contabilizou como custo fiscal na rubrica de conservação e reparação a importância de 4 8000 000$00, factura n°302 de 29.11.91, despesa essa emitida pela firma B...(...).
Essa firma é já do conhecimento dos serviços como emitente de facturas cujos valores poderão não corresponder a uma P. Serviços efectivamente efectuada ou inclusive não corresponder mesmo à realização de qualquer serviço. Acresce ainda que:
a) Da análise a outro sujeito passivo podemos constatar que a B...emitiu a factura n°438 de 11.11.91 pelo que existe uma relação inversa entre, . , a numeração e a data de emissão.
b) Porque o S. Passivo não utiliza a conta Bancos foi essa importância dada como paga através da conta Caixa com um único lançamento.
c) Embora o gerente em Termo de declarações (...) tenha informado a fiscalização que o pagamento foi efectuado em dinheiro por diversas vezes ou cheque.
d) Face ao exposto nas alíneas anteriores estamos perante serviços que embora facturados, os mesmos não correspondem à execução do serviço, razão pela qual nos termos do art. 23 n° 1 do CIRC não considera esse valor como custo do exercício.
3 - Contabilizou como custo fiscal na rubrica do imobilizado a aquisição de quadros no total de 881 784$00 adquiridos a um fornecedor que é INEXISTENTE no Cadastro. Porque neste exercício não foi efectuada a amortização apenas não consideramos o IVA dedutível no total de 146 503$00 (...).
4 - Contabilizou como custo fiscal na rubrica de imobilizado a aquisição de máquinas no total de 6 389 000$00, tendo rasurado o n° de contribuinte da factura. Foi efectuada a circularização com o fornecedor C...e constatou-se que, não só o n° de contribuinte tinha sido rasurado como o equipamento se destinava a outro S. Passivo.
(....)
6 - CÁLCULO DO IVA EM FALTA POR C. TÉCNICAS
Por força do art° 19° n°s 2 e 3 do CIVA efectuamos correcções em sede de IVA no total de 2 184 633$00 em 1991, correcções estas relacionadas com os custos referidos no ponto 3.1.2 do presente relatório, os quais se encontram discriminados no anexo 16-Mod. 107N ».
C. Em consequência da correcção referida em B, foi, em 7 de Novembro de 1995, emitida a liquidação adicional n°95230873, a qual foi paga em 18 de Abril de 1997-fls. 7 e 29;
D. Do anexo 16, referido em B, resulta que as facturas que a Inspecção Tributária considerou não corresponderem a operações reais são as seguintes:
• Factura n° 302, emitida por B...- Produtos Químicos Industriais, Lda, em 29 de Novembro de 1991, relativa à prestação de serviços à Impugnante de pintura e reparação geral do edifício sito em Areias de S. João, Lotei 1, Albufeira, no valor de 4 800 000$00 acrescido de 816$00 de IVA - fls. 33 do P. a;
• Factura n° 33107, emitida por C..., Industrial e Agrícola, Lda, em 28 de Outubro de 1991, relativa a aquisição de bens do imobilizado, no valor de 6 389 000$00, acrescido de 1 086 130$00 de IVA - fls. 39 do p. a;
• Factura n° 265, emitida por D..., em 30 de Dezembro de 1991, relativa a fornecimento de materiais e mão de obra para equipamento de uma piscina, no valor de 800 000$00, acrescido de 136 000$00 de lVA-fls.41 do p.a;
• Factura n°621, emitida por E..., em 26 de Outubro de 1991, relativa a aquisição de quadros, no valor de 861 784$00, acrescido de 146 503$00 de IVA - fls. 44 do p. a.;
E. Em qualquer das 4 facturas referidas em D, consta a designação dos serviços prestados ou dos bens fornecidos, a identificação do emitente da factura e da Impugnante como beneficiária dos serviços prestados ou adquirente dos bens em causa, com indicação correcta do respectivo número de contribuinte - fls. 33, 39,41 e 44 do p. a.;
F. Relativamente ao IRC da Impugnante dos exercícios de 1990 e de 1991, correram pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, uns autos de inquérito que foram arquivados - fls. 12 do p. a.;
G. Conforme depoimento do gerente da Impugnante os pagamentos de serviços e fornecimentos eram, às vezes, efectuados em dinheiro - fls. 48 do p. a.
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A decisão da matéria de facto baseou-se nos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo (p. a.) junto por linha.
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Não resulta provado que as facturas referidas em D dos factos provados correspondam a operações simuladas.

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3. -Fixada a factualidade relevante e atentas as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, decorre que as questões que se impõe conhecer são as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, enquanto decidiu considerar para efeitos de dedução do I.V.A. facturas que a Administração Tributária desconsiderou, para efeito de IVA, tendo, em consequência, procedido à liquidação impugnada, quatro facturas emitidas por prestadores de serviço e fornecedores de bens à Impugnante durante o ano de 1991, com base no entendimento de que em causa estão situações que não correspondem à realidade, isto é, por alegadamente se tratar de facturação falsa.
A impugnante inicialmente que os serviços facturados foram todos prestados, bem como foram adquiridos os bens referidos nas facturas. O valor não aceite pela AT corresponde a 2 184 633$00, somatório dos montantes de IVA relativo às quatro facturas referidas em D dos factos provados.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação ancorando-se na seguinte fundamentação:
“Vejamos, então, se os alegados indícios de facturação falsa recolhidos pela Administração Tributária podem, ou não, abalar a presunção de verdade de que gozam as declarações da Impugnante nos termos do art.° 78.° do CPT.
Como se sabe, a AT, no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções que suportam a liquidação. Assim, no caso subjudice, a AT tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar facturas contabilizadas, por entender que não titulam reais transacções/ prestações de serviços, ou seja, por entender que se trata de facturação falsa.
Só a demonstração de tal factualidade é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - art.78° do CPT).
Ora, retomando o caso concreto, entende o Tribunal, atenta a análise crítica de toda a prova documental produzida, que a tese da AT não está suficientemente ancorada com vista a poder concluir-se que as facturas em causa não têm na base da sua emissão serviços efectivamente prestados.
Os documentos não apresentam irregularidades formais e, quanto à afirmação de que uma das entidades emitentes de factura é já conhecida por poder emitir facturas cujos valores poderão não corresponder a uma prestação de serviços, não constitui a mesma prova de que esse seja o caso dos autos, bem como não comprova a falsidade da factura o facto, alegado, de que outro emitente consta do cadastro como cessado.
As correcções que deram origem à liquidação impugnada não poderão manter-se, uma vez que a Administração não logrou fazer a prova, que lhe era exigida, do bem fundado da formação das suas presunções de existência de facturação falsa. Na falta dessa prova, essa questão, ou seja a questão relativa à legalidade da sua actuação, praticando o acto tributário impugnado, terá que ser resolvida contra ela, ao abrigo do princípio da veracidade contido no art. 78° do CPT. É que, como se compreende, não importa só que a Administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados, o que aqui não se verifica.
Acresce que, como resulta de F dos factos provados, foi arquivado pelo DIAP de Lisboa, o inquérito instaurado à actuação da Impugnante, em sede de IRC, relativamente ao mesmo ano -1991 - a que respeita a liquidação aqui impugnada o que, embora, nos autos, não haja notícia da razão do arquivamento, fortalece a convicção do Tribunal de que a Administração Tributária não conseguiu demonstrar que as facturas em causa não correspondem a operações reais, devendo, com tal fundamento, ser anulada a liquidação.”
Quid juris?
Ante omnia, importa analisar a substância das correcções efectuadas, começando por tecer algumas considerações sobre o regime jurídico aplicável.
Assim e como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento da matéria colectável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.
Como é bem de ver, o sistema jurídico tinha necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte, como ser(ia)á , além do mais e designadamente, o caso de não disponibilizar os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT , no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei.
Tudo isso para se alcançar a tributação dos rendimentos reais, por via do aludido sistema declarativo o que pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos, que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.
E só quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração designadamente pela não apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência á realidade da sua contabilidade, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo lucro tributável, é que a AF ficará legitimada ao recurso a meio alternativo de tributação por correcções técnicas ou por métodos indiciários.
Na verdade, nos termos do art.º 78.º do revogado CPT (no caso os factos tributários reportam-se a 1991), organizada a escrita nos termos da lei comercial e fiscal, salvo a existência de erros, inexactidões ou outros indícios fundados resultantes da mesma de que não reflecte a real matéria tributável do contribuinte, havia que presumir a sua veracidade, presunção esta de natureza legal, ainda que “iuris tantum ”, exigia que a parte a quem seja oposta para a ilidir fizesse a prova do contrário como se expende no Ac. deste Tribunal tirado no Rec. nº 1.292/03, em 9 de Maio de 1006 “(...) como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (...), o contribuinte, se tiver a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os factos delas decorrentes. Só assim não será no caso de, (...), se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva: neste caso, cessa a presunção, mesmo que a escrita esteja organizada de acordo com a lei. E isso é o que se verifica quando a contabilidade, apesar de estar formalmente organizada, for avaliada do ponto de vista técnico -contabilístico e se verificar então que omite operações efectuadas ou inclui operações não efectuadas.”
Por outro lado, no que concerne à organização da contabilidade e à sua relevância, para os aludidos efeitos do artigo 78.º já referido, dir-se-á, na senda do Ac. deste Tribunal Rec. 2597/99, que «...a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais fundamenta-se na chamada escrituração comercial, constituída pelos livros e registos obrigatórios e submetidos a formalidades legais, pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. folhas de caixa, artºs. 31º a 37º do C. Com.) e, ainda, pelos documentos justificativos, não sendo de esquecer que , de acordo com a lei , a escrituração comercial é , não só , o meio descritivo dos factos patrimoniais como , também , o modo formal da respectiva comprovação.».
Acresce ainda que importa não olvidar que nos movemos no âmbito tributário em que imperam os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, tendo por desiderato último a descoberta da verdade material o que, em termos de ónus de prova, acarreta a inexistência de uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja.
Seja como for, isso não significa que neste contencioso não exista um direito probatório que regulamente quem tem que provar o quê, para que se alcance uma qualquer pretensão formulada. É por isso que a questão que se controverte não pode deixar de ser objecto de definição, se os factos relevantes se não provarem, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Tribunal, ela não possa deixar de ser decidida de forma que seja desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório –cfr. neste sentido, entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, o Ac. deste Tribunal de 99.12.14 , Rec. nº. 2.467/99.
Deste modo, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos...” Cfr. Ac. deste Tribunal, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00.
Contudo e como é entendimento jurisprudencial pacífico do STA, nos casos como o vertente, em que esteja em causa a desconsideração do direito à dedução do IVA, no pressuposto de que as operações tituladas pelas facturas não têm aderência à realidade, não é a AT que se socorre de qualquer factualidade positiva, agressiva e desfavorável ao contribuinte, enquanto constitutiva de um qualquer direito que se (não) arroga, antes e ao invés é o contribuinte que pretende fazer valer esse invocado direito à dedução, o que vale por dizer que não é a AT que tem de demonstrar a inexistência das operações tituladas pelas facturas, antes e ao invés, é àquele que se impõe provar a aderência á realidade de tais operações. Nessas situações, à AF apenas se impõe atestar a ocorrência de factualidade que, com foros de seriedade, razoabilidade e normalidade, crie uma dúvida sustentada da aderência á realidade daquelas referidas operações, ou como lapidarmente se escreve no Ac. do STA de 03MAI07 , tirado no Proc. n.º 1026/02 Que aqui , de entre outros , se cita a título exemplificativo. “(...) à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art.º 82º n.º 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa”.
Postos estes considerandos cabe então determinar se a AT coligiu, do ponto de visto substancial, elementos legitimadores da conclusão de que as facturas em causa não titularam operações reais, nos termos nelas descritos e, nessa medida, a concluir pela inexistência do direito à dedução do IVA correspondente.
Ora, como resulta dos elementos de prova coligidos para os autos, particularmente do relatório da acção inspectiva a que foi sujeita a recorrente, crê-se que, tal como o entendeu a decisão recorrida, as circunstâncias apuradas não justificam que se tenha consubstanciado a suspeita de que, no caso, as facturas em questão não titularam operações reais.
Com efeito, no essencial e à luz do dito relatório, subscreve-se o que se diz na sentença recorrida, por cotejo com a apreciação da prova produzida, que a AT não reuniu indícios bastantes e suficientemente sérios de que os emitentes das facturas não eram prestadores de serviços da impugnante e de que as facturas em questão não reflectem a realidade negocial relativa às relações nelas referidas, sendo que a recorrente logrou demonstrar a aderência à realidade das referidas facturas, cumprindo o seu ónus da prova do declarado.
E, na senda dos Acórdãos do STA, de 27 de Outubro de 2004, proferido no processo n°0819/04, do TCAS, de 08/10/2002, Recurso nº 6180/02, de 11 de Março de 2003,proferido no recurso n.° 7450/02 e de 19/05/2009, no Recurso nº 3026/09, disponíveis no sítio da internet www.dgsi.pt, havendo indícios sérios e objectivos que traduzam a probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, passa a incumbir ao impugnante recorrente o ónus de provar a sua veracidade.
Como já se deixou antever, não se torna necessário provar todos os pressupostos da simulação referidos no artigo 240° do CC, bastando à AF evidenciar indícios fundados de que traduzam a probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais.
Como bem nota o EPGA a AF não precisa de fazer a "prova provada" da simulação.
Ora, como ainda bem salienta o EPGA decorre do probatório e do RIT junto ao apenso PAT, que a AT na sustentação da sua posição não põe em causa a correcção formal das facturas de suporte, salvo no que concerne à rasura do n.° de contribuinte numa factura, pelo que este aspecto não deve nem pode ser chamado à colação para efeitos de apreciação do presente recurso.
Por assim ser, as razões que levaram a AT a considerar que as facturas em causa não têm por trás operações reais são, exclusivamente, as constantes do ponto B) do probatório, a saber:
«3.1.2-Exercício de 1991
1) Contabilizou como custo fiscal na rubrica de conservação e reparação (...) no total de 800 000$00 quando o fornecedor desses Serviços já constava no cadastro como CESSADO, pelo que nos termos do art. 23° n°1 do CIRC não consideramos esse valor como custo do exercício.
2) Contabilizou como custo fiscal na rubrica de conservação e reparação a importância de 4 8000 000$00, factura n°302 de 29.11.91, despesa essa emitida pela firma B...(...).
Essa firma é já do conhecimento dos serviços como emitente de facturas cujos valores poderão não corresponder a uma P. Serviços efectivamente efectuada ou inclusive não corresponder mesmo à realização de qualquer serviço. Acresce ainda que:
a) Da análise a outro sujeito passivo podemos constatar que a B...emitiu a factura n°438 de 11.11.91 pelo que existe uma relação inversa entre, . , a numeração e a data de emissão.
b) Porque o S. Passivo não utiliza a conta Bancos foi essa importância dada como paga através da conta Caixa com um único lançamento.
c) Embora o gerente em Termo de declarações (...) tenha informado a fiscalização que o pagamento foi efectuado em dinheiro por diversas vezes ou cheque.
d) Face ao exposto nas alíneas anteriores estamos perante serviços que embora facturados, os mesmos não correspondem à execução do serviço, razão pela qual nos termos do art. 23 n° 1 do CIRC não considera esse valor como custo do exercício.
3 - Contabilizou como custo fiscal na rubrica do imobilizado a aquisição de quadros no total de 881 784$00 adquiridos a um fornecedor que é INEXISTENTE no Cadastro. Porque neste exercício não foi efectuada a amortização apenas não consideramos o IVA dedutível no total de 146 503$00 (...).
4 - Contabilizou como custo fiscal na rubrica de imobilizado a aquisição de máquinas no total de 6 389 000$00, tendo rasurado o n° de contribuinte da factura. Foi efectuada a circularização com o fornecedor C...e constatou-se que, não só o n° de contribuinte tinha sido rasurado como o equipamento se destinava a outro S. Passivo.”
A conclusão de que a AT não põe em causa a correcção formal das facturas de suporte, salvo no que concerne à rasura do n.° de contribuinte numa factura, pelo que este aspecto não deve nem pode ser chamado à colação para efeitos de apreciação do presente recurso, sai reforçada pela materialidade que se vazou no ponto D do probatório do qual emerge que, do anexo 16, referido em B, resulta que as facturas que a Inspecção Tributária considerou não corresponderem a operações reais são as seguintes:
• Factura n° 302, emitida por B...- Produtos Químicos Industriais, Lda, em 29 de Novembro de 1991, relativa à prestação de serviços à Impugnante de pintura e reparação geral do edifício sito em Areias de S. João, Lotei 1, Albufeira, no valor de 4 800 000$00 acrescido de 816$00 de IVA - fls. 33 do P. a;
• Factura n° 33107, emitida por C..., Industrial e Agrícola, Lda, em 28 de Outubro de 1991, relativa a aquisição de bens do imobilizado, no valor de 6 389 000$00, acrescido de 1 086 130$00 de IVA - fls. 39 do p. a;
• Factura n° 265, emitida por D..., em 30 de Dezembro de 1991, relativa a fornecimento de materiais e mão de obra para equipamento de uma piscina, no valor de 800 000$00, acrescido de 136 000$00 de lVA-fls.41 do p.a;
• Factura n°621, emitida por E..., em 26 de Outubro de 1991, relativa a aquisição de quadros, no valor de 861 784$00, acrescido de 146 503$00 de IVA - fls. 44 do p. a.;
E. Em qualquer das 4 facturas referidas em D, consta a designação dos serviços prestados ou dos bens fornecidos, a identificação do emitente da factura e da Impugnante como beneficiária dos serviços prestados ou adquirente dos bens em causa, com indicação correcta do respectivo número de contribuinte - fls. 33, 39,41 e 44 do p. a..
Ora, no que tange às facturas a que se reportam o ponto - 1) /2) e 3) do probatório parece-nos que a AT não evidencia indícios fundados de que não reflectem operações reais porquanto, na esteira do douto parecer do EPGA, não é exigível à recorrida que averigúe a situação fiscal dos seus fornecedores, pelo que o facto destes constarem como cessados no cadastro fiscal ou não constarem do mesmo não é suficiente par infirmar a presunção de veracidade da declaração da recorrente.
Por outro lado, no que concerne à factura referida no ponto - B) /3) do probatório o seu emitente, através da declaração de fls. 5 junta aos autos confirma a operação e que houve um erro tipográfico na impressão do número de contribuinte.
O mesmo pode dizer-se relativamente ao facto da factura referida no ponto B) ter sido paga através da conta caixa e a entidade prestadora dos serviços ter emitido anteriormente uma factura anteriormente e com numeração posterior.
Depois, no que se refere à factura referida no ponto B) também estamos de acordo com o EPGA quando entende que a AT não evidencia indícios de que a mesma não corresponde a uma efectiva aquisição de bens, pois que, não obstante ser certo que o número de contribuinte se encontra rasurado, não é menos verdade que em todos os documentos (facturas e guia de remessa) consta o nome da recorrida.
E quanto ao facto da mercadoria ter sido descarregada não na sede da recorrida em Lisboa mas no Hotel Sol-Albufeira, conforme fls. 40 do apenso PAT, também não se afigura decisivo, uma vez que, conforme resulta do RIT (fls. 25 do apenso PAT) a quase totalidade da actividade da recorrida desenrolava-se em Albufeira.
Em suma: a sentença recorrida não merece qualquer censura ao considerar que a AT não demonstra indícios sérios e objectivos de que as facturas em causa não titulam operações reais, de molde a ilidir a presunção de veracidade da declaração da recorrida.
Improcedem, por isso, e in totum as conclusões recursivas, sendo de conformar a sentença sob censura.

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4. - Nestes termos, acordam os juízes da secção de contencioso tributário do TCAS, em negar provimento ao recurso assim se confirmando a decisão recorrida que nessa medida se mantém na ordem jurídica.

Não se condena a recorrente em custas por, sendo as mesmas da responsabilidade da Fazenda Pública, como parte vencida (art. 446°, n°s. 1 e 2, do CPC), delas estar isenta por se tratar de processo instaurado em data anterior a 2004 - art. 14°, n° 1, do Dec-Lei n° 324/2003, de 27 de Dezembro.
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LISBOA, 29/06/2010
(Gomes Correia)
(Magda Geraldes)
(Aníbal Ferraz) – Vencido, quanto às facturas n.º265 e 621, porque perante a comprovação de que os respectivos emitentes eram cessado e inexistente no cadastro, tal como se aduz na fundamentação existiam indícios sérios e objectivos traduzindo a probabilidade elevada de que as facturas em causa não titularam operações reais, pelo que, incumbia à impugnante o ónus de provar a sua veracidade.