Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03751/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/23/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PROVISÕES
Sumário:I) -Muito embora a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão constitua causa de nulidade da sentença prevista no nº 1 do artº 125º do CPPT, há que distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada pois a lei considera que só gera nulidade a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

II) -Decorrendo do alegatório que a recorrente não invoca a falta absoluta da motivação, excluída ficou a sentença da previsão do nº 1 do artº 125º do CPT (vd. a al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC), irrelevando que ela seja deficiente ou que ocorra mesmo a falta de justificação dos fundamentos.

III) -A necessidade de constituição de provisões surge porque a tributação do rendimento se processa anualmente, obrigando as empresas a fazer paragens teóricas da sua actividade para a periodização do lucro tributável, concretizada de acordo com o princípio da especialização dos exercícios. E o princípio da prudência adoptado pelo Plano Oficial de Contabilidade determina que as diminuições do activo, ainda que potenciais, deverão ser relevadas contabilisticamente.

IV) -Constatando-se que as cartas enviadas aos devedores pela recorrente estão datadas de forma não coincidente com as datas das facturas e respectivos prazos normais de pagamento, havendo lapsos de cerca de 7 anos, e porque a verificação da incobrabilidade deve ser, tanto quanto possível próximo da data da factura em prazo corrente de pagamento, designadamente durante o mesmo exercício, devendo ser constituída a provisão pelo crédito de cobrança duvidosa, não pode ser considerado como tal o custo que a provisão pretendia consignar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO

A...& FILHOS, LDª, com os sinais identificadores dos autos, inconformada com a sentença do TAF de Castelo Branco que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 1993 interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. - Os custos deduzidos fiscalmente, a título de provisões para clientes de cobrança duvidosa, cumprem com os Art.° 18°, 33° e 34° do CIRC e Art.° 104°, n.° 2, da CRP.
2. - Quanto aos juros compensatórios, existiu falta de fundamentação, ao não indicar se os pressupostos do Art° 80° do CIRC, foram ou não cumpridas pela Administração Tributária, o que constitui nulidade da sentença, cf. Art.° 125°, n.° 1, do CPPT, n.° 1 do Art.° 144° do ex-CPT e alínea b), do n.° 1 do Art.° 668° do CPC.
Nestes termos;
Deve a decisão apreciar os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.
Não houve contra -alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS:

A) - DOS FACTOS PROVADOS
Na sentença recorrida e analisada a prova documental, consideraram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito e que por nossa iniciativa:
a) A impugnante exerce a actividade de carreiras interurbanas de autocarros com o CAE 60.212.
b) A impugnante apresentou a sua declaração de IRC relativa a 1994, apurando um lucro tributável de 20.369.708$00.
c) Os Serviços de Inspecção Tributária procederam à correcção desse lucro para 21.083.508$00, com a seguinte fundamentação: "A empresa não respeitou o princípio da especialização preconizado pelo art. 18°, n° l do CIRC porque não acresceu ao lucro tributável as provisões que não foram contabilizadas como custos dos exercícios a que respeitam".
d) Os Serviços de Inspecção contaram a mora, tendo em conta as condições gerais de venda adoptadas pela empresa que estabelecia o pagamento em 30 dias.
e) As facturas a que respeitam os créditos da impugnante datam de diversos anos, desde 1987, 1988, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1993.
f) Foram apresentadas cartas demonstrativas da realização de diligências no sentido de cobrar os créditos de cobrança duvidosa remetidas ao longo do ano de 1994.
g) Foram ainda efectuadas tentativas de cobrança via telefónica que não lograram o pagamento das facturas pretendido.
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, juntos por ambas as partes, os quais foram corroborados pelo depoimento da testemunha inquirida.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções da douta petição integram antes conclusões de facto e/ou direito, ou são inócuas para a boa decisão da causa.
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

É atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso que passamos a conhecer deste.
A sentença recorrida identificou como questões a apreciar e decidir as de saber se, tendo a impugnante tratado como custos, no exercício de 1994, montante relativo a provisões para créditos de cobrança duvidosa considerando que só então se verificou a fundada dúvida de não recebimento das importâncias em dívida, tal enquadramento é erróneo porquanto, no trilho do entendimento perfilhado pela AT de acordo com a qual existe fundada dúvida a partir dos 30 dias após a data da emissão da factura, concebendo-se como quotas perdidas as importâncias relativas às provisões não constituídas atempadamente.
A resposta da sentença foi no sentido desfavorável à pretensão da impugnante e ora recorrente ao concluir que a verificação da incobrabilidade deve ser, tanto quanto possível próximo da data da factura em prazo corrente de pagamento, designadamente durante o mesmo exercício. Mais, que então seja constituída a provisão pelo crédito de cobrança duvidosa. Se não constituída a provisão nestes termos implicará a sua não aceitação para efeitos fiscais, ou seja, não será considerado como tal o custo que a provisão pretendia consignar.
Com base nessa fundamentação, a sentença entendeu como adequada às disposições legais vigentes a correcção inerente à liquidação adicional, devendo improceder a impugnação.
A ainda acrescentou: por maioria de razão improcederá a impugnação no que respeita aos juros compensatórios.
Como se vê das conclusões recursivas, a recorrente assaca à sentença um vício procedimental quanto às questões suscitadas na p.i. sobre a liquidação dos juros compensatórios, consistente na falta de fundamentação, por não indicar se os pressupostos do Art° 80° do CIRC, foram ou não cumpridas pela Administração Tributária, o que constitui nulidade da sentença, cf. Art.° 125°, n.° 1, do CPPT, n.° 1 do Art.° 144° do ex-CPT e alínea b), do n.° 1 do Art.° 668° do CPC.
Começaremos por conhecer deste vício que afecta a estrutura lógica da sentença.
Preceitua-se no artigo 125º do CPPT:
1. Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
(…)”.
Sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, dispõe o artigo 668º do CPC, ao que ao caso importa, que: “1 - É nula a sentença: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Daqui decorre que as situações de nulidade da decisão se encontram legalmente tipificadas no art. 668º, nº1 do CPC, cuja enumeração é taxativa (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 25/11/2004 - Proc. n.º 04B3540), podendo umas, por um lado, ser de carácter formal (artº668º, nº1, al. a) do CPC) e outras, por outro, referentes ao conteúdo intrínseco da decisão (artº668º, nº1, als. b) a e) CPC], sendo, desde já, de referir que a nulidade, suscitada nos autos, se integra nesta segunda classe de nulidades – al. b) do nº1 do artº. 668º.
Todavia, a nosso ver, porque na sentença recorrida se mostra fundamentada a decisão de forma inteligível e se mostra devidamente discriminada a matéria provada e não provada, aduzindo-se depois que, com base na fundamentação jurídica que adoptou, se considerava “…adequada às disposições legais vigentes a correcção inerente à liquidação adicional, devendo improceder a impugnação” e que, “Por maioria de razão improcederá a impugnação no que respeita aos juros compensatórios”, o que poderá haver é erro de julgamento, determinante da revogação da sentença.
Com efeito, os actos dos magistrados estão subordinados ao dever geral de fundamentar a decisão consagrado no artº 158º do CPC face ao qual a omissão de fundamentação acarreta a nulidade mesmo do simples despacho nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 158º, 659º, 668º, nº 1, al. b), aplicáveis «ex-vi» da al. e) do artº 2º do CPPT (vd. Acórdão do STA de 22/9/1974, in BMJ 239º-242).
Refira-se que na disciplina processual e porque o fundamento do recurso em apreço à fundamentação fáctica e jurídica se atém, se é certo que «...a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão...» constitui causa de nulidade da sentença prevista no nº 1 do artº 125º do CPPT que é de conhecimento oficioso por força do nº 4 do artº 712º do CPC, há no entanto que distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. É o que se considera nos Acórdãos da Rel. De Lisboa de 17/1/91 publicado na CJ, XVI, tomo 1º, pág. 122 em que se expende que «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade». No mesmo sentido veja-se o Acórdão deste Tribunal de 1 de Outubro de 1997, tirado no recurso nº 64201 e de 19/09/06, Recurso nº 1270/06.
Ora, o certo é que a sentença recorrida tem probatório contendo os factos com base nos quais decidiu aduzindo-se ainda as razões de direito que, no entender do julgador, eram adequadas às disposições legais vigentes sobre a correcção inerente à liquidação, incluindo dos juros compensatórios, o que não configura a falta absoluta de motivação que a recorrente lhe assaca, pelo que se encontra fundamentada quer quanto à matéria de facto quer de direito.
Doutro modo, a sentença é uma decisão jurisdicional, dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC e, em especial, do artº 125º do CPPT.
Cremos que o caso «sub judicio» se integra na primeira hipótese já que o que a recorrente pretende é que os factos e o direito admitidos na sentença não são correctos (erro de julgamento da matéria de facto e de direito).
A sentença deu como provada e não provada a factualidade alegada com interesse para a decisão, e, como se expende no Ac. STJ de 6.1.77, in BMJ 263º-187, «O que é necessário para a perfeição meramente formal da sentença ou acórdão, é que se decida e se diga porquê».
Destarte, não assiste razão à recorrente porquanto no probatório da sentença se vê que o Mº Juiz «a quo» julgou com base nos autos e a sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da RL de 12/10/93, CJ, Ano XVIII, T. IV), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese.
Como se vê, essa indagação foi feita pelo Mº Juiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova com base nas normas que regulam nesta jurisdição o direito probatório material.
Termos em que se julga não verificada a nulidade arguida.
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Quanto ao outro fundamento do recurso, a sua apreciação e decisão consiste em determinar se podem considerar-se como custo, no exercício de 1994, montante relativo a provisões para créditos de cobrança duvidosa considerando que só então se verificou a fundada dúvida de não recebimento das importâncias em dívida – tese defendida pela impugnante – ou se, ao invés, a fundada dúvida existe a partir dos 30 dias após a data da emissão da factura, devendo considerar-se como quotas perdidas as importâncias relativas às provisões não constituídas atempadamente – tese da AT.
As provisões de um exercício são lançamentos que, nesse mesmo exercício, se fazem na conta de resultados, como valores negativos, correspondentes a factos nele ocorridos mas cuja concretização fica dependente de eventualidades que só nos exercícios seguintes podem ocorrer.
O regime das provisões fiscalmente aceites encontra-se regulado nos arts. 33° e segs. do CIRC.
À data dos factos - 1994 - determinava o art. 33° do CIRC que:
"1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b)As que se destinarem a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências;
c)As que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício;
d) As que, de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal, tiverem sido constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da Comunidade Europeia, bem como as que tiverem sido constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Instituto de Seguros de Portugal às empresas submetidas à sua fiscalização, incluindo as provisões técnicas que as empresas seguradoras se encontram legalmente obrigadas a constituir;
e) As que, constituídas por empresas que exerçam a indústria extractiva do petróleo, se destinem à reconstituição de jazigos:
2 - As provisões a que se referem as alíneas a) a c) do número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo consideram-se proveitos do respectivo exercício,
Por outro lado, o art. 34° do mesmo diploma estabelecia que:
"1 - Para efeito da constituição da provisão prevista na alínea a) do n° 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
2 - O montante anual acumulado da provisão para cobertura dos créditos referidos na alínea c) do número anterior não poderá ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses.
3 - Não serão considerados de cobrança duvidosa:
a) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;
b) Os créditos cobertos por seguro, com excepção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;
c) Os créditos sobre pessoas singulares ou colectivas que detenham mais de 10% da capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n° 1;
d) Os créditos sobre empresas participadas em mais de 10% do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n° 1."
Subjacente à constituição de provisões dos créditos de cobrança duvidosa encontra-se o princípio do balanceamento dos custos com os inerentes proveitos e o princípio da prudência, determinando o POC, no seu ponto 2.9, que a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de passivo certo.
O princípio de prudência conduz á inserção nas contas de um determinado grau de precaução para fazer face a situações de incerteza, de tal forma que os activos e os resultados não sejam sobredimensionados.
A constituição de provisões tem como finalidade essencial possibilitar a inclusão de custos ou perdas de dado exercício de montantes que de outro modo nele não figurariam, por lhe faltar justificação documental para a respectiva movimentação; é, exactamente, falta de justificação documental que a constituição da provisão vem suprir. Ou seja, as contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais, de provável processamento futuro, ou, sendo certa a sua ocorrência futura, apenas o seu montante é actualmente incerto.
Podemos então definir provisões como sendo custos estimados e actuais (do exercício) correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou que são de eventual ocorrência futura.
A necessidade de constituição de provisões surge porque a tributação do rendimento se processa anualmente, obrigando as empresas a fazer paragens teóricas da sua actividade para a periodização do lucro tributável, concretizada de acordo com o princípio da especialização dos exercícios. E o princípio da prudência adoptado pelo Plano Oficial de Contabilidade determina que as diminuições do activo, ainda que potenciais, deverão ser relevadas contabilisticamente.
Estamos perante possíveis futuras perdas de rendimentos da empresa.
Haverá, todavia, a considerar que a integração de um grau de precaução nas contas não pode conduzir à criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou à deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso.
O POC prevê, entre outras, a constituição de provisões para créditos de cobranças duvidosas.
No entanto, e porque a constituição abusiva de provisões para créditos de cobrança duvidosa poderia conduzir a uma distorção dos resultados duma empresa, para efeitos fiscais, o legislador introduziu normas tipificando as situações que são passíveis de constituir custos para efeitos fiscais.
Efectivamente, do ponto de vista fiscal, consagra-se, como regra geral, no artigo 23°, n° 1, alínea b), do CIRC, dedutibilidade fiscal das provisões. Todavia, essa regra sofre as limitações qualitativas expressas no presente artigo e, do ponto de vista quantitativo, as restrições constantes dos artigos 34 ° a 36° do Código. Tais condicionalismos conduzem ao facto de não existir coincidência entre os critérios contabilísticos e critérios fiscais Assim, o art. 35° do CIRC, estabeleceu as situações em que as provisões constituídas pelos contribuintes poderão ser consideradas para efeitos de apuramento do lucro tributável, de forma taxativa.
Foi, claramente, objectivo do legislador tributário não deixar a constituição das provisões ao livre arbítrio dos contribuintes.
Assim, e antes de mais, os créditos têm que resultar da actividade normal da empresa e tem-se entendido que os créditos resultantes da actividade normal da empresa são os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício devidamente evidenciados em contas apropriadas.
Assim sendo, os créditos de cobrança duvidosa deverão ser registados na contabilidade, em contas apropriadas, e, contabilizando, em sub contas, os créditos desta natureza em função das alíneas a) a c) do n° 1 do art° 34° conjugado com o art° 33° al. a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. É, ainda, necessário que os créditos que estejam evidenciados como créditos de cobrança duvidosa na contabilidade e, para os clientes que não estão em contencioso, terá de haver prova de terem sido feitas diligências tendentes ao recebimento dos créditos em mora relativos aos quais foram constituídas as provisões, por exemplo, carta registada com aviso de recepção insistindo no pagamento.
No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n° 101/03 de 30/04/03, in www.dqsi/jsta.pt. foi afirmado que "os artigos 34° n°1 alínea a) e 18° n°1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas não exigem que a provisão para créditos de cobrança duvidosa seja constituída no exercício em que esses créditos entrem em mora.
Para que a provisão seja recusada como custo fiscal não basta, pois, invocar que os créditos já estavam em mora há mais de seis meses aquando da constituição da provisão, importando que a Administração afirme, e isso se prove no processo de impugnação judicial, que a incobrabilidade dos créditos foi verificada em exercícios anteriores àquele em que ocorreu essa constituição, e isso evidenciado na contabilidade do contribuinte, pois só neste caso há ofensa do princípio da especialização dos exercícios, a justificar o não atendimento da provisão como custo fiscal do exercício.
No regime do CIRC, a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, "não ao exercício da constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade". Ou seja, "não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade".O que nos diz a lei - artigo 34° n° 1 alínea a) do CIRC - é que o crédito em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento pode ser considerado de cobrança duvidosa; e que, para o cobrir, pode ser constituída uma provisão fiscalmente dedutível - artigo 33° n° 1 alínea a) do mesmo diploma - no exercício do ano em que o crédito seja considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, mas não já em exercícios posteriores - artigo 18° nº 1, ainda do mesmo diploma.
Defende-se ainda no referido Acórdão, "não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade.
Ou seja, tudo está em saber em que exercício a incobrabilidade foi constatada e isso reflectido na contabilidade da recorrida. Sendo que tal exercício não tem, necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança."
Ou seja, a Administração Tributária para efectuar estas correcções teria de ter afirmado e tal teria de ficar provado em sede de impugnação judicial que a incobrabilidade dos créditos que originaram a provisão foi constatada e reflectida na contabilidade da impugnante em exercício anterior ao de 1994. A falta de prova desse pressuposto deve valorar-se em desfavor da Administração.
Por outro lado, e como já foi afirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 19/07/2006, no recurso n° 1095/06, in www.dgsi/itcasui.pt. "(...) o contribuinte se poderá socorrer de todas as provas que, atento o circunstancialismo a demonstrar, lhe sejam facultadas pelo ordenamento jurídico, o que vale por dizer não ser questionável «(...) que a prova da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade possa ser feita (...)» , designadamente , (...) por via testemunhal."
Passemos agora ao caso concreto dos presentes autos.
Tal como enfatiza a EPGA, dos autos decorre, com toda a clareza e segurança, que a impugnante não logrou provar que o conhecimento da incobrabilidade ocorreu no decurso de 1994, quando a mesma é referenciada a facturas datadas de 1987 até 1997.
É que, como se salienta na sentença recorrida, nos documentos juntos constata-se que as cartas enviadas aos devedores pela recorrente estão datadas de forma não coincidente com as datas das facturas e respectivos prazos normais de pagamento, havendo lapsos de cerca de 7 anos.
Por outro lado, a prova testemunhal não corrobora a tese da recorrente, bastando, nesse sentido, examinar o conteúdo do depoimento constante de fls. 54 dos autos, prestado pelo funcionário da impugnante, José Adriano Abrunhosa Lopes, que se limitou a dizer que “Confirma a correspondência de fls. 8 a fls. 21 dos autos, enviada pela impugnante e redigida pela sua colega de escritório, na altura, Dona Bárbara, actualmente de baixa de parto. Outras diligências que foram ainda efectuadas, por telefone não resultaram em cobrança”.
Sendo assim, teremos de concordar com a sentença quando afirma que da ponderação das regras que devem assistir à contabilidade e ainda aos elementos que se deram como provados, é manifesto que a impugnante desprezou um risco elevado de incobrabilidade que podia ter registado em prazo adequado a não postergar o princípio da especialização.
Significa que a verificação da incobrabilidade deve ser, tanto quanto possível próximo da data da factura em prazo corrente de pagamento, designadamente durante o mesmo exercício, devendo ser constituída a provisão pelo crédito de cobrança duvidosa sob pena da sua não aceitação para efeitos fiscais, e, consequentemente, não ser considerado como tal o custo que a provisão pretendia consignar.
Termos em que improcedem «in totum» as conclusões de recurso.
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3. - DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se, em conferência, nesta Secção de Contencioso Tributário deste TCA em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente com 5 UCs de taxa de justiça.
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Lisboa, 23/02/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)