Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:493/09.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
PRÉDIO RÚSTICO/ TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO
ARTIGO 5.º DO DECRETO-LEI N.º 442-A/88
Sumário:I - No caso dos autos, o prédio em causa foi adquirido em 1985 como terreno rústico e assim se mantinha à data da entrada em vigor do CIRS; só mais tarde adquiriu a natureza de terreno para construção.
II - Neste circunstancialismo, o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, impede que sejam tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor desse Código, ainda que posteriormente possam ter adquirido essa qualidade e venham a ser alienados como tal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO


C... e M... deduziram impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2004 e respectivos juros compensatórios, no montante total de €140.323,18.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria julgou a impugnação judicial procedente e anulou a liquidação sindicada.

Inconformada, a Fazenda Publica interpôs recurso jurisdicional da sentença, tendo apresentado alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«A. Assaca a Fazenda Pública à sentença sob recurso o vício de erro de julgamento, por não reconhecer que o terreno alienado pelos impugnantes em Abril de 2004 se destinava à construção urbana, apesar de o respectivo contrato promessa de compra e venda referir a criação e implantação de uma 'Área de Localização Empresarial' (v. Decreto-Lei n°46/2001) e aqueles autorizarem a promitente adquirente a efectuar todas as diligências necessárias à construção de 'Entreposto Logístico'.

B. É legal, congruente e adequadamente fundamentada a qualificação e subsunção tributária feitas pela Inspecção Tributária da alienação do imóvel sub judice, tendo-se apurado vários elementos suficientemente demonstrativos de que o terreno em questão (a parcela destacada ao prédio rústico com o artigo 22 - secção P) seria afecto à construção, como aliás acabou por se verificar.

C. Dentre aqueles elementos- índice, adquire especial relevância o preço de €2.394.230,00 pago pela adquirente dos terrenos alienados, valor que incorpora e reconhece a especial aptidão construtiva que lhes estava ínsita, factualidade que nenhuma apreciação crítica veio a merecer por parte da sentença impugnada.

D. Ora, a efectiva, substantiva e material qualificação do imóvel alienado como terreno para construção sempre ditaria a sua sujeição à tributação prevista no Código do IMV (art°1°, n°1), do que resultaria não ficar abrangido pela norma transitória do art.°5° do Decreto-lei n.°442-A/88, caindo ao invés na alçada da tributação estatuída na al. a) do n°1 do art.°10° do Código do IRS.

E. Sumariando de modo expressivo a questão desta exclusão condicionada de incidência tributária, fazemos apelo á jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte (processo n°00984/04):
«(…)
5. No âmbito de aplicação do CIMV, somente (sem prejuízo dos demais aqui não considerados por desinteressantes) os ganhos derivados da alienação retribuída de terrenos para construção eram passíveis de incidência do imposto de mais-valias, enquanto no reinado do CIRS, em regra, é potencial objecto de tributação a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis; logo, destacadamente, além dos já (anteriormente) visados terrenos para construção, também de prédios urbanos e rústicos.
6. Perante este estender do espectro de incidência do tributo em causa, o coligido artº5.° n°1 disciplinou as potenciais divergências no sentido de que os ganhos provenientes das alienações onerosas de direitos reais sobre outros bens imóveis, que não os terrenos para construção, só se sujeitariam ao IRS por virtude de aquisições derivadas de transmissões efectuadas após 1 de Janeiro de 1989. Logo, os proveitos derivados da alienação de prédios rústicos ou urbanos, adquiridos a título oneroso antes desta data (1.1.1989), estavam subtraídos à tributação em sede de IRS; apenas o tratamento e a incidência de mais-valias com referência a terrenos para construção encerra uma solução de continuidade.»

F. Rematando, e por se afigurar situação plenamente compaginável com a que se encontra em apreciação nestes autos, no citado Acórdão veio-se a concluir da seguinte forma:
«(…)
11. Com respeito por diverso e antagónico entendimento, o ter-se apurado que, em 5.3.1991, mais de quatro meses antes da outorga do contrato-promessa identificado no item 2., a sociedade... requereu à Câmara Municipal de Aveiro informação sobre a viabilidade de construção no terreno, que disse já possuir, propriedade dos impugnantes, requerimento sobre o qual recaiu despacho de deferimento, proferido em reunião ocorrida a 16.4.1991, faz-nos, desde logo, colocar reservas sobre a natureza futura e potencial do prédio rústico em causa, porquanto se mostram aqui, já, presentes fortes indícios de, inquestionavelmente, o mesmo vira ser destinado à construção urbana.
(...)
13. Por fim, sem surpresas e fazendo jus aos passos antes percorridos, em 10.6.1992, foram terminadas as obras de construção do edifício destinado a supermercado, construído no terreno ("prédio rústico") que havia sido propriedade dos impugnantes.
14. Apesar do rótulo de "rústico", o objecto da negociação e da transmissão, levada a cabo pelos impugnantes, integra e é subsumível ao conceito legal de "terreno para construção", com os contornos que acima traçámos, no campo específico da tributação de mais-valias. Destarte, a alienação que promoveram, em 1992, era passível de tributação em função do disposto no art.10º nº 1 al. a) CIRS, conjugado com o prescrito no artº5º nº1, DL. 442-A/88 de 30.11.»

G. Pelo que não deverá prevalecer a rotulagem de "prédio rústico" de que se querem valer os impugnantes e menos avisadamente sufragada pelo Tribunal a quo, outrossim assegurando-se a justa e legal tributação do rendimento que obtiveram a título de mais-valias.

Nestes termos e nos demais que entenda esse Douto Colectivo melhor suprir, pugna a Fazenda Pública pelo provimento do presente recurso e pela revogação da sentença recorrida, ditando-se pois a improcedência do pedido anulatório formulado pelos impugnantes, com o que se fará a desejada

Justiça!»


*

Os Recorridos finalizaram a sua contra-alegação, com o seguinte quadro conclusivo:

«1. A sentença recorrida não padece de erro de julgamento quanto á matéria de facto, nem os documentos que constam do processo conduzem a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2. Também não ocorre erro de julgamento quanto á matéria de direito porque o tribunal a quo decidiu correctamente ao ter considerado que a qualificação de um prédio como prédio rústico ou terreno para construção, para efeitos de aplicação do regime transitório da categoria G, é relevante o momento da aquisição do prédio e o momento da entrada em vigor do CIRS.

3. É correto o entendimento sufragado na sentença recorrida, segundo o qual no regime transitório da categoria G do Código de IRS quanto às mais-valias resultantes da alienação de imóveis, o direito aplicável é o que consta das normas vigentes no momento da aquisição do bem.

4. A verdade é que, o Tribunal a quo seguiu o entendimento que a Doutrina e Jurisprudência dominante consagram sobre esta matéria.

5. Como salienta a sentença recorrida, o legislador estabeleceu um regime transitório de tributação das mais- valias, e assim surge a disposição aplicável á Categoria G, concretamente o artigo 5º do DL que aprovou o Código de IRS, que prevê que os imóveis adquiridos antes de l de Janeiro de 1989, data da entrada em vigor do Código, se não estavam sujeitos a Imposto de Mais-Valias, não estão agora sujeitos a IRS.

6. Tal como correctamente se diz na douta sentença "Para que a transmissão do terreno em causa nos presentes autos fosse tributada em sede de IRS, era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, esse terreno fosse já qualificado como terreno para construção, pois só a valorização desse tipo de terrenos era tributada em sede de Imposto de Mais-valias."

7. Assim salienta a douta sentença sob recurso, que para aplicação do regime transitório, tratando-se de um bem imóvel, é necessário indagar se a alienação do mesmo teria sido tributada em sede de Imposto de Mais-Valias, o que teria acontecido se o terreno pudesse ser qualificado como terreno para construção.

8. E quanto ao momento relevante para a qualificação de um imóvel como terreno para construção a douta decisão seguiu a Jurisprudência uniforme dos tribunais superiores de que é exemplo o acórdão do STA, que aí foi indicado, proferido no processo n9 0998/09 de 02/06/2010, que diz que o momento relevante para a qualificação do prédio como rústico ou como terreno para construção, é o momento da aquisição e o momento da entrada em vigor do Código do IRS.

9. A doutrina tem sufragado a tese de que no regime transitório da categoria G do Código do IRS quanto às mais-valias resultantes da alienação de imóveis, o legislador assumiu o claro objetivo de proteger as expetativas dos proprietários dos bens imóveis. Este objetivo determina que o direito aplicável é o que consta das normas vigentes no momento da aquisição do bem.

10. Este entendimento decorre igualmente da Jurisprudência dos tribunais superiores de que é exemplo o Ac. Do STA de 02/06/2010, rec. nº 0998/09, relatora Dulce Neto.

11. Assim tal como se salienta na douta decisão recorrida, o que interessa para aplicação do regime transitório do artigo 55 nº l do DL nº442-A/88, é saber a qualidade que o bem detinha no momento da aquisição e no da entrada em vigor daquele diploma legal (l de Janeiro de 1989).

12. E como foi considerado na douta decisão, não se mostra controvertido que á data da entrada em vigor do CIRS o terreno em causa detinha a natureza de rústico. (Veja-se pág. 18 da Sentença)

13. O que nos leva a concluir tal como conclui o Tribunal a quo que a venda efectuada pelos ora recorridos não pode ser excluída do regime transitório introduzido pelo artigo 5º nº1 do DL que instituiu o Código do IRS.

14. Pretende obstar a Fazenda Pública á aplicação do artº5 do DL 442-A/88 de 30 de Novembro, alegando que o facto de no contrato-promessa se fazer menção que os impugnantes autorizam a compradora a aceder aos prédios prometidos vender, para serem realizados estudos necessários á operação de loteamento industrial por parte da compradora, é um indício de que se trata de um terreno para construção.

15. Presume-se terreno para construção, nos termos do artigo 1º § 2 do Código do Imposto de Mais-valias, os terrenos declarados como terrenos para construção no título aquisitivo.

16. Ora tal como resulta do ponto A) B) e D) do probatório, o que os impugnantes adquiriram e está plasmado na escritura pública que celebraram em 10/01/1985 foi um prédio rústico.

17. Ora as referências feitas não são relevantes para se concluir que o prédio é um terreno para construção. Primeiro, porque se trata de um contrato promessa relacionado com o título dispositivo e não com o título aquisitivo.

18. Segundo, o que ficou expressamente salvaguardado no referido contrato-promessa é que a autorização só seria dada, e tais requerimentos só seriam assinados se não alterassem a configuração do imóvel como sendo prédio rústico, pois que era esse mesmo prédio rústico que constitui o objeto do contrato promessa de compra e venda. (Veja-se ponto I) do Probatório)

19. O pressuposto de tributação de uma mais-valia gerada pela alienação de um terreno para construção é, assim considerar-se como terreno para construção aqueles terrenos com apetência jurídica para a edificabilidade.

20. A Jurisprudência tem entendido que deve tratar-se de uma afetação objetiva à construção, de que é necessário que haja aprovação para a construção, de que é exemplo o Ac do TCA Norte de 10/02/2005, Processo 00090/04, Relatora DULCE NETO, que diz "não basta a mera possibilidade abstracta de construção, exigindo-se a emissão de titulo que a possibilite em concreto para se poder classificar um prédio urbano como terreno para construção."

21. É a própria doutrina administrativa da Administração tributária que diz que "a concordância dada pela Câmara Municipal a um estudo de viabilidade de construção não altera só por si a classificação do prédio rústico em causa, mas sim a concessão de alvará de loteamento, aprovação de projecto ou concessão de licença de construção". E que as mais-valias obtidas com a venda realizada nestas condições não ficariam sujeitas ao Imposto de Mais-valias e, consequentemente, beneficiarão do regime transitório previsto para a categoria G do IRS, no artº 5º do DL nº 442-A/88, ficando, por isso, excluídas de tributação em IRS.

22. Segundo o Código de Imposto de Mais-Valias, eram considerados terrenos para construção os situados numa zona urbanizada ou numa zona abrangida por um plano de urbanização, mas este indicio de edificabilidade está ultrapassado e tem que ser interpretado com os títulos habilitantes á construção vigentes.

23. A doutrina tem sufragado a tese que terreno para construção é aquele em que o proprietário pode juridicamente iniciar a construção, tendo um direito subjetivo nesse sentido e não um mero interesse legítimo, expectativa, esperança ou desejo.

24. Ora como foi decidido e bem na douta sentença recorrida o prédio em causa não podia ser considerado, nem á data da sua aquisição, nem á data da entrada em vigor do CIRS, como terreno para construção.

25. Pois o mesmo não tinha essa qualidade no título aquisitivo, nem tinha à data da aquisição nem á data da entrada em vigor do CIRS, qualquer apetência jurídica para a edificabilidade.

26. Ora ressalvado o devido respeito pela posição da FP não podemos concordar com ela quando defende que os elementos-índice apurados pela inspecção são suficientes para qualificar o terreno para construção.

27. Pois a condição de aprovação do projecto de arquitectura para a construção de um entreposto logístico em 13/04/2004, requerido pela G..., SA não tem quaisquer efeitos na esfera jurídica dos impugnantes (pois estes já não eram proprietários do bem à data, nem foram responsáveis por requerer a aprovação de tal projecto). E é irrelevante para efeitos de tributação em mais-valias.

28. Ao contrário do propugnado pela Fazenda Pública o Mmo. Juiz a quo, julgou e bem, que a venda do prédio rústico, adquirido em 1985 beneficia do regime de exclusão de tributação consagrado no artº 5º nº1 do DL 442-A/88 de 30 de Novembro.

29. De salientar que muito se estranha o recurso da Fazenda Pública, pois o mesmo contraria a posição defendida no caso igual aos dos autos, cujos factos partem da mesma inspecção, o imposto é o mesmo, as partes processuais são as mesmas, e que correu os seus termos sob o processo de impugnação nº509/06.2BELRA neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

30. Nessa impugnação os recorrentes vieram atacar a legalidade do ato de liquidação de IRS do ano de 2001, resultante da venda de uma parcela do prédio rústico, adquirido em 1985, e em que a Administração Fiscal entendeu que a referida alienação não beneficiava do regime de exclusão de tributação consagrado no artº59 n°1 do DL n9 442-A/88 de 30 de Novembro.

31. Esse caso que é em tudo idêntico ao presente e que foi apreciado por este Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, sob o processo nº509/06.2BELRA, teve sentença favorável aos contribuintes (os aqui recorridos), em 01/12/2014, teve solução igual á encontrada na sentença sob recurso, sentença que foi junta ao presente processo através do requerimento de 19/01/2015.

32.A decisão proferida na impugnação relativa ao processo nº509/06.2BELRA, não foi objecto de qualquer recurso por parte da Fazenda Pública, tendo transitado em julgado.

33. Nesse processo, a FP aceitou que a alienação do prédio em causa beneficiava do regime de exclusão de tributação consagrado no artº5º, nº1 do DL nº442-A/88, de 30 de Novembro.

34. Já no presente caso, a FP não se conformou com a decisão de se considerar excluído da tributação a alienação do prédio rústico adquirido em 1985, e deduziu o presente recurso.

35. Convenhamos, que é difícil para um contribuinte compreender, que em resultado de casos idênticos, com os mesmos fundamentos que suportam o processo, com impugnações com sentenças semelhantes, o mesmo Representante da Fazenda Pública se contradiga, na primeira aceitando a decisão e na segunda interponha recurso, em nítida violação do princípio da igualdade.

TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR NÃO PROVADO, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO, NA ÍNTEGRA, DA SENTENÇA RECORRIDA»


*

Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:


«A)


Em 10-01-1985, no Cartório Notarial de Torres Vedras, C... e M..., celebraram escritura de aquisição do prédio rústico composto de terra de semeadura, pousio, mato e vinha, oliveiras, figueiras, laranjeiras, outras árvores de fruto, sobreiros, eucaliptos, dois poços de água nativa, uma casa de primeiro andar e loja para pessoal empregado do serviço agrícola, uma casa de arrecadação, um palheiro e um alpendre, no sitio de Casal Torteiro ou Casal Troteiro, freguesia de Santa Maria, Concelho de Torres Novas, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o artigo 2..., com a área de quatrocentos e cinquenta mil metros quadrados e inscrito na matriz predial sob o artigo 1…. - (cfr. doc. de fls. 18 a 20 dos autos).

B)


O prédio referido na alínea antecedente encontrava-se registado na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas com a descrição "terra de semeadura". - (cfr. fls. 23 dos autos).

C)


Em 05-07-1985, no Cartório Notarial de Torres Vedras, C... celebrou escritura de aquisição do prédio rústico composto de terra de semeadura, com oliveiras, figueiras, mato, nogueiras e outras árvores de fruto, casas de arrecadação, palheiros, três casas para pessoal agrícola, alpendradas, forno e lagar de azeite, com a área de 118.344 m2, denominada Casal das Mós, freguesia de Santa Maria, Concelho de Torres Novas, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº6… e inscrito na matriz predial sob o artigo 1…. - (cfr. doc. de fls. 46 a 48 do processo administrativo apenso).

D)


Em 24-08-2001, através da ap. 02, foi averbada na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, quanto ao prédio identificado em A), a inscrição do artigo matricial rústico nº2…, secção P, identificado por Casal Torteiro, cultura arvense, oliveiras, figueiras, solo subjacente de cultura arvense e olival, pastagem e sobreiros, com a área de duzentos e noventa e seis mil cento e sessenta metros quadrados. - (cfr. doc. de fls. 23 dos autos).

E)


Em 21-02-2003 o Impugnante subscreveu escrito particular de promessa de compra e venda à sociedade G... - P..., S.A. do imóvel identificado na alínea anterior e do prédio rústico sito na freguesia e concelho de Torres Novas, com a área de quarenta e nove mil cento e cinquenta e nove metros quadrados pelo valor de €2.394.230,00, correspondente a 345.319 m2. - (cfr. fls. 31 a 35 dos autos).

F)


Em 17-12-2003 a sociedade G..., S.A. requereu junto da Câmara Municipal de Torres Novas, na qualidade de promitente comprador do prédio rústico n°2…, secção P, informação sobre a viabilidade de construção de um entreposto logístico. - (cfr. doc. de fls. 58 do processo administrativo apenso).

G)


Em data não concretamente determinada a Câmara Municipal de Torres Vedras informou por escrito o ora Impugnante de que ali deu entrada um pedido de informação prévia para construção de um entreposto logístico, referido na alínea antecedente, e que o mesmo se encontra em apreciação. - (cfr. doc. de fls. 59 do processo administrativo apenso).

H)


Em 06-02-2004 a G..., SA requereu junto da Câmara Municipal de Torres Vedras o deferimento de projeto de arquitetura para a construção de entreposto logístico, numa parcela de terreno de 86.000m2 a destacar do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2…, secção P. - (cfr. doc. de fls. 62 do processo administrativo apenso).

I)


Em 23-02-2004 o ora Impugnante subscreveu declaração na qualidade de proprietário do prédio com a área de 296.160 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 2…, secção P, a autorizara G... - P..., S.A., a efetuar todas as diligências necessárias para a construção do Entreposto Logístico no lote de terreno com a área de 86.000m2, desde que tais requerimentos não alterem a configuração do prédio como sendo prédio rústico. - (cfr. doc. de fls. 71 do processo administrativo apenso).

J)


Em 13-04-2004, a Câmara Municipal de Torres Vedras aprovou o plano de arquitetura mencionado na alínea H], conforme consta de fls. 62 a 66 do processo administrativo apenso e autorizou o destaque de 86.000m2. - (cfr. fls. 69 e 70 do mesmo processo).

K)


Em 14-04-2004, no Cartório Notarial de Tomar, celebraram escritura de venda à sociedade G... - P..., S.A., do prédio rústico sito no Casal das Mós, freguesia de Santa Maria, concelho de Torres Novas, inscrito na matriz sob o artigo 2…, secção P, e do prédio rústico sito em Casal Troteiro, freguesia de Santa Maria, concelho de Torres Novas, inscrito na matriz sob o artigo 2…, secção P, pelo valor global de € 2.394.230,00. - (cfr. doc. de fls. 36 a 39 dos autos).

L)


Em 02-07-2008 a Câmara Municipal de Torres Vedras informou a Direção de Finanças de Santarém de que, à data, está em elaboração o Plano de Pormenor da Z…/G... que abrange parte do artigo matricial 2…, secção P da freguesia de Santa Maria.- (cfr. doc. de fls. 75 a 77 do processo administrativo apenso).

M)


Em 31-10-2008, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém concluíram relatório de ação de inspeção aos ora impugnantes, relativa a IRS do ano de 2004, onde consta designadamente, o seguinte:
"1-2. Conclusões da acção inspectiva
De acordo com os factos abaixo descritos resultam as seguintes correcções:

1-2.1. IRS (correcções à matéria tributável)
Exercício de 2004 - 324.218,90€.

II- Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva
II- 1. Credencial e período em que decorreu a acção
A presente acção inspectiva decorreu ao abrigo da ordem de serviço nº 01200801095, foi iniciada e terminada em 10-10-2008, previamente foi efectuada a consulta, recolha e cruzamento de elementos ao abrigo do despacho n.º DI200802904.

II - 2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Esta acção teve origem na análise interna das declarações modelo 11 remetidas pelos Notários e no seu cruzamento com as declarações de IRS. Nesta análise verificou-se que o contribuinte C... NIF 1… e mulher M... NIF 1…, por escritura de compra e venda lavrada em 14-04-2004, alienaram à Sociedade G... – P…, SA NIPC 5…, dois prédios rústicos, cuja transmissão, segundo informações recolhidas, não estaria excluída de tributação.
É uma acção de âmbito parcial - IRS, relativa a 2004.

II-3. Outras situações
O sujeito passivo C..., encontra-se enquadrado na categoria B do IRS pelo exercício da actividade de "Culturas de leguminosas secas e sementes - CAE 001112" desde 02-01-1987. Ao que conseguimos apurar, o sujeito passivo cultivou milho nos terrenos em causa até 2003, os mesmos haviam sido adquiridos em 1985, antes do início dessa actividade, não se encontrando afectos contabilisticamente à mesma.

III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Através de escritura de compra e venda lavrada em 14-04-2004 no 2.° Cartório Notarial de Tomar (Anexo I), foram alienados à sociedade G... - P..., SA, dois prédios rústicos:
• Artigo 2… da secção P, sito em Casal Troteiro/Torteiro, freguesia de Santa Maria e concelho de Torres-Novas, pelo valor de €2.251.878,00. Este artigo resultou da desanexação em 1991, do prédio rústico artigo 1… secção P e parte do artigo … secção P que haviam sido adquiridos pelos sujeitos passivos em 10/01/1985 por escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial de Torres Novas. O referido artigo ficou com uma área de 29,6160ha, segundo elementos constantes do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (Anexo H).
• Artigo 2… da secção P, sito em Casal das Mós, freguesia de Santa Maria e concelho de Torres-Novas, pelo valor de €142.352,00. Este artigo teve origem no artigo 21 secção P, adquirido pelos sujeitos passivos em 05/07/1985, objeto de desanexação em 2001, de uma parcela de 82,82 m2 para área urbana (ampliação da zona industrial) e outra de 5,88m2 para área social (construção de uma estrada) (Anexo III).
Face ao regime transitório da categoria G previsto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro,
"Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n°46 373, de 9 de junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código"

Tendo em conta que os terrenos foram adquiridos antes de 01/01/89, foram considerados excluídos de tributação em sede de IRS, os ganhos obtidos com a sua alienação.

Efectivamente, numa primeira análise, atendendo ao facto de ter sido declarada na escritura a venda de terrenos rústicos, como constam dos respectivos títulos aquisitivos, e que os mesmos haviam sido adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS, dir-se-ia que a referida transmissão estaria excluída de tributação nos termos do artº5º do D.L. nº 442-A/88. Porém, tendo em consideração que a natureza dos prédios alienados é factor determinante para sujeitar ou não a IRS os ganhos obtidos com as respectivas alienações e que o conceito de terreno para construção, para efeitos fiscais, não é um conceito formal, mas sim um conceito material ter-se-á, como adiante iremos fundamentar, de concluir de forma diferente.

Havendo dúvidas sobre a autêntica natureza dos bens transmitidos, foram solicitados esclarecimentos à Câmara Municipal de Torres-Novas, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº1 do artº63º da Lei Geral Tributária, tendo-se concluído o seguinte relativamente a cada um dos prédios:

III-1. Descrição de factos e fundamentos

III - 1.1. Relativos ao Prédio Rústico - Artigo 2… secção P

Este prédio consta em dois processos instruídos pela Câmara Municipal de Torres Novas, anteriormente à sua transmissão:
• Processo 1656/03 relativo a um Pedido de Informação Prévia em nome da G..., SA, relativo à viabilidade de destaque de uma parcela e construção de um entreposto logístico.
• Processo 179/04 relativo ao Alvará de licenciamento de Obras nº 320/2004, relativo a destaque de parcela com a área de 86.000,00 m2 e construção de entreposto logístico em nome de G..., SA, posteriormente averbado em nome de L… E COMPANHIA (prédio urbano artigo 3…).
Consultados os processos supra mencionados, apurámos que em 17/12/2003 deu entrada na Câmara Municipal de Torres-Novas um pedido de informação prévia sobre a viabilidade de construção de entreposto logístico em nome de G..., SA, tendo sido desse facto informado o proprietário C... (Anexo IV). Em 06/02/2004, dá entrada outro requerimento este para aprovação de projecto de arquitectura para a construção de entreposto logístico e desanexação de uma parcela de 86,000m2 a destacar do artigo 22-P (Anexo V). Em 23/02/2004 o sujeito passivo autoriza a sociedade G..., SA (documento constante do Anexo V)
"... a efectuar todas as diligências necessárias para fazer apreciar na Câmara Municipal de Torres-Novas e todas as entidades que forem necessárias consultar nos projectos referentes à construção de um Entreposto Logístico, para o lote de terreno com a área total de 86.000m2, assim como solicitar e pagar e obter alvará de licença de construção, terraplanagens, abertura de fundações e estruturas, bem como a licença de utilização, conforme estabelece a lei vigente, bem como tratar de quaisquer outros assuntos igualmente relacionados com o licenciamento do Entreposto Logístico supra referido, desde que tais requerimentos não alterem a configuração do imóvel como sendo rústico e nessa qualidade será objecto de escritura pública de compra e venda ..."
Por despacho do Sr. Vereador do Pelouro do urbanismo datado de 13-04-2004 foi aprovado o projecto de arquitectura e o destaque de uma parcela situada em perímetro urbano industrial com 86.000m2, ficando a parcela sobrante com 210.160m2, que não se situa em perímetro urbano industrial. Destes factos foi dado conhecimento ao interessado em 16/04/2004.
De tudo o que anteriormente foi exposto se conclui que no momento da transmissão do terreno havia a intenção clara e inequívoca de o destinar à construção, como o comprova a aprovação na véspera da escritura de compra e venda do projecto de arquitectura. Também não restam dúvidas, caso as houvesse, que estes factos eram do conhecimento do vendedor, como facilmente podemos concluir do pedido de informação prévia ocorrido em Dezembro de 2003, do qual lhe foi dado conhecimento oficial pela Câmara Municipal de Torres-Novas e da sua declaração/autorização (Anexo V) constante do processo e que aqui foi transcrita no essencial.

Sobre a natureza dos terrenos, dispõe o artigo 3.9 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI):
1- São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do nº 3 do artigo 6,°, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS),
b) (…)
2- Também são prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação. (...)

Por outro lado o nº3 do artigo 6° do CIMI, sobre os prédios urbanos, define terrenos para construção, como sendo:
(...) os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos.

Assim, nos termos do nº3 do artº6º do CIMI será de considerar como terreno para construção a parcela de 86.000 m2 destacada do artigo 2…-P, uma vez que conforme consta da certidão de destaque (Anexo V) apenas esta parcela se encontra em perímetro urbano industrial e relativamente a esta foi aprovado o projecto de arquitectura em 13/04/2004. Quanto à parcela sobrante, uma área de 210.160m2, foi a mesma incluída noutro pedido de licenciamento de operação de loteamento (Procº 1405/2006 da CMTN - Anexo VI) tendo o mesmo sido indeferido por esta área estar já integrada na operação urbanística de forma a cumprir os índices e parâmetros urbanísticos definidos pelo artº21º do RPDMTN para a Zona Industrial da Serrada Grande (Proc.º 179/2004). Configurando-se desta forma, a excepção prevista no nº3 do artº6º do CIMI:
"... exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações ... "

O sujeito passivo deixou bem claro, ao longo de todo o processo que conduziu à venda das suas propriedades, que não pretendia sujeitar à tributação os ganhos obtidos neste negócio, apesar de ter plena consciência de que as mesmas se destinavam a uma operação de loteamento, conforme se pode verificar especialmente no contrato promessa de compra e venda celebrado com a G..., SA em 21/02/2003 (Anexo I), na sua Cláusula Oitava que passamos a transcrever:

Com a celebração do presente contrato-promessa, é permitida à Segunda Outorgante o acesso às propriedades prometidas vender, a fim de serem realizados os estudos necessários à apresentação de uma operação de loteamento industrial por parte da empresa "G... - P..., SA", obrigando- se os primeiros a assinar tudo o que se tome necessário e lhe for apresentado pela segunda ou por quem esta indicar, com vista aos requerimentos a apresentar junto de quaisquer instituições ou repartições públicas, desde que tais requerimentos não alterem a configuração do imóvel como sendo prédio rústico e nessa qualidade será objecto da escritura pública de compra e venda,

A este respeito, vem a propósito, o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, no processo nº 6380/02, onde refere que a destinação indicada no título aquisitivo ou no contrato-promessa, não é, nem pode ser o único elemento a ponderar já que pode estar apenas presente na mente do adquirente e ser omitido ... e porque é no momento da aquisição do terreno ou do ganho obtido com a sua venda, que se deve reportar o destino atribuído ao mesmo. Deste modo, foram por nós reunidos indícios seguros de que no momento da transmissão é manifesta a intenção de destinar o referido terreno à construção, já que o adquirente formulou um pedido de viabilidade de construção e obteve a aprovação do projecto de arquitectura ainda antes de se concretizar a aludida transmissão. Estes factos foram igualmente omitidos para efeitos de liquidação de IMT, contra o disposto na alínea d) do nº1 do arts 20° do CIMT, que refere que para efeitos da liquidação do IMT deve o interessado fornecer, além de outros elementos, os demais esclarecimentos indispensáveis à exacta liquidação do imposto.

III -1.2. Relativos ao Prédio Rústico - Artigo 2… secção P

Questionada a Câmara Municipal de Torres-Novas sobre o prédio em questão a mesma informou (Anexo VII) que não foi identificado para esse artigo qualquer alvará de loteamento, projecto de construção ou pedido de viabilidade. Mais informa que se encontra actualmente em elaboração o Plano de Pormenor da Z…/G... que abrange o artigo em causa.

Mediante as indicações fornecidas pelo sujeito passivo sobre a localização exacta deste artigo, contíguo ao artigo 2…-P, deslocámo-nos ao local e constatámos que este se encontra actualmente afecto à actividade agrícola, tendo sido muito recentemente aí cultivado trigo (Anexo VIII), assim como na área sobrante do artigo 2…-P que não integrou o entreposto logístico do L….

Assim, não estando reunidos à data da escritura pública de compra e venda, os requisitos legais para que este prédio rústico seja classificado como terreno para construção, nos termos do nº3 do artº6º do CIMI, já que, para o mesmo não foi concedido qualquer alvará de loteamento, nem aprovada ou concedida licença de construção, encontra-se o mesmo excluído da tributação em sede de IRS, nos termos do artº5º do D.L. nº 442-A/88.

III - 2. Correcções Meramente Aritméticas Propostas

- O ganho obtido na alienação do artigo 22-P está sujeito a tributação em sede de IRS, nos termos da alínea a) do nº1 do artº10º do Código do IRS, porquanto, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, uma vez que este não se encontrava à data da alienação, afecto à actividade exercida pelo sujeito passivo.

Deste modo, vamos efectuar os cálculos conducentes à determinação da mais-valia sujeita a tributação:
Área (m 2)
%
Total 296.160 100.00%
Destaque 86.000 29.04%
Sobrante 210.160 70.96%
Como não foi possível apurar com precisão o valor de aquisição, uma vez que este artigo provém de alterações efectuadas à matriz posteriores à data de aquisição, como já foi referido, vamos considerar o valor patrimonial como o valor de aquisição e a data em que este foi determinado (1993 - ano de inscrição na matriz) como sendo a data de aquisição para efeitos de correcção monetária (Anexo IX), nos termos do artigo 50º do Código do IRS:
Total
%
Calculado
Coef
Actualizado
Valor de realização 2.251. 878,00€ 29,04 653.945,37€ 1.39 653.945,37€
Valor aquisição 13.644,20€ 29,04 3.962,28€ 5.507,57€
Mais valia 648.437,80
A mais-valia a tributar nos termos do nº 2 do artigo 43º do Código do IRS será:
648.437,80€ x 50% =324.218,90€
(...)

IX - Direito de Audição

Foi o sujeito passivo notificado através do ofício n°7813 de 15/10/2008 para exercer, querendo, no prazo de 10 dias o direito de audição nos termos dos arts 60º da L.G.T. e 60º do R.C.P.I.T.. No decurso deste prazo, foi exercido o mesmo direito por escrito mediante petição entregue no Serviço de Finanças no dia 29/10/2008.

Apesar de não serem apresentados elementos novos, os pontos 9 a 11 da petição, que vamos transcrever de seguida, merecem-nos alguns comentários:

O presente relatório de inspecção aceita que o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2…-P, não está sujeito a tributação.
10º
Mas no que se refere ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 2…-P, considera que deve ser tributado, baseando-se na consideração pessoal de que o sujeito passivo supostamente teria qualificado o terreno de forma diferente da que consta dos documentos.
11º
Ora o que resulta dos documentos em anexo ao relatório é que ambos os prédios transmitidos quanto à sua natureza são qualificados de prédios rústicos, pelo que não se aceita outra qualificação.

Contrariamente ao que é referido no ponto 11, o que resulta dos documentos em anexo ao relatório é que a parcela destacada do artigo 2…-P, tem a natureza de terreno para construção nos termos do nº3 do artº6º do CIMI, ainda que no título aquisitivo assim não tenha sido declarado. Apesar do sujeito passivo qualificar o terreno como rústico e não aceitar outra natureza que não seja essa, autorizou a que assumisse a natureza de terreno para construção com o pedido de informação prévia e a aprovação do projecto de arquitectura, antes mesmo da celebração da escritura. Deste modo, não tendo a Câmara Municipal de Torres-Novas vedado toda e qualquer licença de construção à parcela de terreno em causa, contrariamente ao que aconteceu ao artigo 2…-P, todos os indícios objectivos e subjectivos recolhidos apontam para que o terreno tenha apetência para a construção.
Assim propomos a tributação em sede de IRS, nos termos já referidos no ponto III-2.. (...) - (cfr. fls. 21 a 30 do processo administrativo apenso).


N)


Com data de 11-11-2008 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração da liquidação de IRS n.2 2008 5…, relativa ao ano 2004, no valor de € 139.171,97 - (cfr. doc. de fls. 16 dos autos).

O)


Com data de 13-11-2008, a Autoridade Tributária e Aduaneira endereçou aos ora impugnantes a demonstração de acerto de contas do IRS do ano de 2004, com data limite de pagamento de 22-12-2008. -(cfr. doc. de fls. 15 dos autos).

P)


Nos terrenos em causa o impugnante exercia a sua profissão de agricultor e ainda hoje se faz agricultura nos mesmos. - (cfr. depoimentos de L..., J... e A...).

**


Factos não provados

Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes dos presentes autos, todos objecto de análise concreta, não se provaram quaisquer outros passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito e que importe registar como não provados.


**
Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes destes autos e dos processos administrativos apensos, bem como pela prova testemunhal produzida, conforme se refere em cada alínea do probatório.
Foram ponderados e valorados os depoimentos de L..., Agricultor, que explora o terreno do impugnante, J..., Agricultor, P..., Empresário de Máquinas Agrícolas e de A..., Industrial da Construção Civil, cujo depoimento foi claro, congruente, isento de contradições, revelando conhecimento direto de alguns dos factos alegados, convencendo o Tribunal da sua veracidade quanto aos mesmos.
Foi ponderado e valorado o depoimento de M..., inspetora tributária, que depôs de forma clara e sem contradições, revelando conhecimento direto dos factos, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Porém, do seu depoimento não resultou a prova de qualquer facto autónomo a dar como provado, para além dos constantes do relatório de inspeção.»


*

Rectificação da matéria de facto:

Ao longo do probatório refere-se “Torres Vedras” quando, sem margem para dúvidas, face aos documentos referidos, se quer referir “Torres Novas”, o que traduz um lapso manifesto que o TCA pode e deve corrigir.

Assim, com referências às diversas alíneas do probatório, onde se escreveu “Torres Vedras” deve considerar-se escrito “Torres Novas”.


*

De direito

O TAF de Leiria julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C... e M... e anulou a liquidação adicional de IRS originada nas mais-valias resultantes da alienação em 2004 de um prédio rústico, correspondente ao Artigo 2…, secção P, prédio esse adquirido em 1985.

Entendeu o Tribunal recorrido, sustentando-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/06/2010, proferido no processo 0998/09, referindo-se ao regime transitório introduzido pelo art.º 5.º n.º 1 do Decreto- Lei que instituiu o Código do IRS, que:

“(…)

Como se referiu, este regime transitório foi consagrado para prevenir a aplicação retroativa do Código do IRS relativamente às mais-valias geradas com a transmissão de bens imóveis que não eram sujeitos a tributação em sede de IMV.

Este código, como se disse, só sujeitava a imposto os terrenos para construção sendo qualificados como tal os terrenos abrangidos por planos de urbanização ou em zona urbanizada ou, ainda, por se destinarem a construção urbana segundo declaração dos próprios contraentes, o que não sucede no caso vertente.

Para que a transmissão do terreno em causa nos presentes nos autos fosse tributada em sede de IRS, era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, esse terreno fosse já qualificado como terreno para construção, pois só a valorização desse tipo de terrenos era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.

Neste contexto, o prédio em causa não podia ser considerado, nem à data da sua aquisição, nem à data da entrada em vigor do CIRS, como terreno para construção.

Assim sendo, o ganho obtido pelos Impugnantes com a transmissão onerosa efetuada em 2004, não estava sujeito a IRS, pese embora esse prédio, ou parte do mesmo, pudesse ter aptidão construtiva”.

A Fazenda Pública, ora Recorrente, não se conforma com o decidido argumentando, em síntese, que a sentença errou por “não reconhecer que o terreno alienado pelos impugnantes, em 2004, se destinava à construção urbana, apesar de o respectivo contrato promessa de compra e venda referir a criação e implantação de uma “Área de Localização Empresarial' e aqueles autorizarem a promitente adquirente a efectuar todas as diligências necessárias à construção de 'Entreposto Logístico”. Para a Fazenda Pública, foram apurados vários “elementos suficientemente demonstrativos de que o terreno em questão (a parcela destacada ao prédio rústico com o artigo 22 - secção P) seria afecto à construção, como aliás acabou por se verificar”, assumindo aqui especial “relevância o preço de €2.394.230,00 pago pela adquirente”.

Nesta linha de raciocínio, deve prevalecer “a efectiva, substantiva e material qualificação do imóvel alienado como terreno para construção”, a qual “sempre ditaria a sua sujeição à tributação prevista no Código do IMV (art°1°, n°1), do que resultaria não ficar abrangido pela norma transitória do art.°5° do Decreto-lei n.°442-A/88, caindo ao invés na alçada da tributação estatuída na al. a) do n°1 do art.°10° do Código do IRS”.

Em suma, para a Fazenda Pública, “não deverá prevalecer a rotulagem de "prédio rústico" de que se querem valer os impugnantes e menos avisadamente sufragada pelo Tribunal a quo, outrossim assegurando-se a justa e legal tributação do rendimento que obtiveram a título de mais-valias”.

Lançando mão do recente acórdão do STA, de 14/10/20, proferido no processo nº 1152/10.7BELRS, diremos que:

“A questão – saber se, atento o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, estão sujeitas a IRS as mais-valias obtidas com a alienação de prédios rústicos adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e posteriormente transformados em terrenos para construção - não é nova neste Supremo Tribunal Administrativo e tem merecido de forma reiterada e uniforme a mesma solução, como dá nota o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer.

Na verdade, é jurisprudência pacífica que de harmonia com o disposto no artigo 5.º do Decreto- Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, pese embora tenham, posteriormente, adquirido a natureza de terrenos para construção e sido alienados como tal, como foi decidido no acórdão de 08/07/2015, proferido no processo 0584/15.

Assim, porque a Recorrente não arguiu razões que ponham em causa esta jurisprudência e atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, que dispõe que o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, cumpre julgar improcedente o recurso remetendo, no essencial, para a fundamentação expendida no referido acórdão, que deverá ser lido com as necessárias adaptações ao presente caso, ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Em conclusão:

De acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, ainda que posteriormente possam adquirir a natureza de terrenos para construção e sejam alienados como tal”.

Precisamente no mesmo sentido, e mais recentemente ainda, veja-se o acórdão de 18/11/20, no processo nº 01047/07.1BESNT 0923/17, no qual se pode ler, com inteira aplicação aos presentes autos, que:

“(…)

De acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 09.06. 1965” (doravante identificado pela sigla “CIMV.”), “só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”, ou seja, após 1-1-1989 – quanto a este prazo rege o artigo 2.º do dito Decreto-Lei n.º 442-A/88.

Resulta dos factos assentes que o Impugnante adquiriu os imóveis controvertidos, por sucessão “mortis causa”, em 22-6-1986, ou seja, em momento anterior à entrada em vigor do C.I.R.S..

Por outro lado, resulta ainda da dita matéria, com especial interesse quanto à data de entrada em vigor do Código do I.R.S., que os prédios em causa estavam abrangidos pelo “Plano Auzelle” como destinados a zonas de espaços, tendo apenas a 14-8-1997 sido inscritos no registo predial como terrenos para construção.

Na sentença proferida, considerou-se que ”(…) a AT não cumpriu o seu ónus de prova quanto à qualificação dos terrenos em questão, como terrenos de construção à data da entrada em vigor do CIRS, apenas fazendo alusão a factos que ocorreram após 01.01.1989, como seja a referência a valores de mercado dos terrenos para construção em 2000, a capacidade construtiva dos imóveis à data da alienação, e ao Plano Director Municipal do Porto em vigor em 2000.”

Assim sendo, e tal como decidido recentemente pelo acórdão do S.T.A. de 14-10-2020, proferido no processo 01152/10.7BELRS, acessível em www.dgsi.pt, na esteira do acórdão de 8-7-2015, no processo n.º 0584/15, acessível também em www.dgsi.pt, consideramos “o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, impede que sejam tributados em sede de I.R.S. os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do I.R.S. e que conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor desse Código, ainda que posteriormente possam ter adquirido essa qualidade e venham a ser alienados como tal”.

Face à jurisprudência transcrita que, por sua vez já apela a outra anterior, tudo num sentido uniforme e reiteradamente afirmado pelos Tribunais Superiores, há que, sem grandes delongas, concluir pelo não provimento do recurso interposto.

Com efeito, também aqui, o prédio em causa foi adquirido em 1985, como terreno rústico e assim se mantinha à data da entrada em vigor do CIRS. Só mais tarde adquiriu a natureza de terreno para construção.

Neste circunstancialismo – repete-se – a jurisprudência não hesita, e tem-se por firmado, nos termos já expostos, que o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, impede que sejam tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor desse Código, ainda que posteriormente possam ter adquirido essa qualidade e venham a ser alienados como tal.

Improcedendo as conclusões, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a sentença recorrida.


*

III – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Registe e notifique.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 25/03/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]

(Catarina Almeida e Sousa)