Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2759/05.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E SUBSTANCIAL
PRO RATA
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS
Sumário:I-É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação. Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.
II-A fundamentação formal e fundamentação material do ato, são distintas sendo que a validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, sendo que a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
III-Se do teor do Relatório Inspetivo não se perceciona porque motivo a AT entende que se aceita em parte o custo, e bem assim a razão da proporção dos 2/16, e não sendo avançada qualquer justificação para a aceitação da dedução dos custos suportados e respetivo IVA quanto às ações adquiridas e não para as ações alienadas, visto que o serviço que está génese é o mesmo, ter-se-á de concluir pela falta de fundamentação formal, até porque, in casu, não nos encontramos perante uma holding pura.
IV-Se apelando às circunstâncias concretas da realidade em apreço, resulta que não é possível concluir-se, inexoravelmente, que a aludida falta de fundamentação não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, conduzindo a um resultado diferente, não é possível decretar-se o aproveitamento do ato.
V-O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, logo se a AT não coloca em causa que o custo ocorreu, que existe um documento que o suporta, que tem subjacente um contrato de crédito entre a Recorrida, a Entidade Bancária e uma Entidade Terceira, na qual a Recorrida se assume como beneficiária, e se não é controvertido que essa concessão de crédito possa ser realizada pela mesma, porquanto se insere no seu escopo societário, então a correção sindicada não pode manter-se por assentar em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “H…..”, contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), sobre relativo ao ano de 2000, e respetivos juros compensatórios, no valor global de €14.019,82.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“Vem o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida em 2020-02-14, no processo n.º 2759/05.0BELSB, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela H….., Lda., NIPC ….., sobre a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada da liquidação adicional de IVA n.º ….., no valor de €11.514,47 (onze mil, quinhentos e catorze euros e quarenta e sete cêntimos), relativa ao ano de 2000, e as liquidações de juros compensatórios n.º ….., no valor de € 1.064,24 (mil, sessenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), relativa ao período de 2000/04, n.º ….., no valor de € 820,34 (oitocentos e vinte euros e trinta e quatro cêntimos), relativa ao período de 2000/06, n.º ….., no valor de € 581,42 (quinhentos e oitenta e um euros e quarenta e dois cêntimos), relativa ao período de 2000/07, e n.º ….., no valor de € 39,35 (trinta e nove euros e trinta e cinco cêntimos), relativa ao período de 2000/11.

B. A douta sentença concluiu que o ato tributário não se encontra suficientemente fundamentado, julgando a impugnação procedente e determinando a anulação da liquidação adicional de IVA, relativa ao ano 2000, e das liquidações de juros compensatórios.

C. A RFP não se pode conformar com o entendimento vertido na douta sentença recorrida, por entender que o ato tributário se encontra devidamente fundamentado, reclamando um juízo distinto do formulado pelo Tribunal a quo.

D. O dever de fundamentação dos atos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, tendo sido materializado no procedimento administrativo no artigo 153.º do CPA. Em sede de procedimento tributário, o direito à fundamentação foi materializado no artigo 19.º e concretizado no artigo 21.º ambos do CPT, e, posteriormente, no n.º 1 do artigo 77.º da LGT.

E. A Jurisprudência e a Doutrina têm entendido que a fundamentação deve ser expressa, clara, suficiente e congruente. A título de exemplo, invoca-se, por todos, a jurisprudência constante do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 1226/13, de 2014-09-10, disponível em www.dgsi.pt.

F. A fundamentação do ato, deve, então, ser expressa, clara, congruente, suficiente e, naturalmente, contemporânea do ato. Ou seja, deve conter a explicitação das razões de facto e de direito que motivam o ato (os pressupostos tidos em conta pelo autor do ato), não podem ser confusas ou ambíguas e o conteúdo do ato tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados.

G. Cumpre chamar a atenção que o ato perante o qual se suscita a suficiência da fundamentação é a liquidação adicional de IVA n.º ….., no valor de € 11.514,47 (onze mil, quinhentos e catorze euros e quarenta e sete cêntimos), relativa ao ano de 2000, pelo que a fundamentação constante do relatório do procedimento inspetivo deve refletir as razões de facto e de direito que estão na origem das correções.

H. Analisando a matéria de facto dada como provada, encontra-se transcrito no facto C) parte da fundamentação do relatório que aqui nos interessa.

I. À cautela, caso V. Exas. entendam que somente a parte do relatório transcrita para a douta sentença pode relevar em sede instrutória, alega-se, desde já, a insuficiência da base instrutória, uma vez que a informação constante a fls. 91 do relatório do procedimento inspetivo se afigura pertinente para apreciar a suficiência da fundamentação do ato.

J. Em sede de IVA, foram propostas três correções no relatório do procedimento inspetivo:

(i) IVA indevidamente deduzido relativo a custos não aceites fiscalmente, constante do ponto III.3.1.1 do relatório do procedimento inspetivo,

(ii) IVA indevidamente deduzido contido em documentos com elementos do artigo 35.º do Código do IVA em falta, constante do ponto III.3.1.2 do relatório do procedimento inspetivo,

(iii) IVA deduzido em excesso, constante do ponto III.3.2 do relatório do procedimento inspetivo.

K. Relativamente à correção referida no parágrafo (i) anterior, alega-se que esta correção não está suficientemente fundamentada porque não contém a indicação da norma legal nem as razões pela consideração do IVA como indevidamente deduzido, cf. fls. 15 da sentença.

L. Discorda-se, respeitosamente, do vertido na sentença porque a razão pela desconsideração do IVA suportado pela Impugnante reside no facto de os custos relativos à operação não terem sido aceites em sede de IRC, conforme consta a fls. 86 do relatório.

M. A razão pela qual os custos relativos às operações não terem sido aceites em sede de IRC consta dos pontos .2.1.1.5, III.2.1.1.8 e III.2.1.1.12.1 do relatório do procedimento inspetivo, para os quais se remete no ponto III.3.1.1.

N. Em segundo lugar, discorda-se respeitosamente da douta sentença porque é indicado que a correção se fundamenta na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, cf. fls. 91 do relatório.

O. Na opinião da RFP, a correção no valor de € 9.588,98 (nove mil, quinhentos e oitenta e oito euros e noventa e oito cêntimos) de IVA suportado pela Impugnante cuja dedutibilidade não se aceita, encontra-se suficientemente fundamentada.

P. Relativamente à correção referida no parágrafo (ii) supra, relativa a IVA indevidamente deduzido, o ponto III.3.1.2 –Contido em documentos com elementos do art.º 35.º do CIVA em falta do relatório explica que foram contabilizadas as faturas n.º 10, n.º 18 e n.º 28, emitidas pelo fornecedor E….., sem a especificação concreta dos serviços prestados, em violação do disposto no n.º 5 do artigo 35.º do Código do IVA. Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA, o IVA no valor de € 423,98 (quatrocentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos) não é dedutível, cf. fls. 87 do relatório do procedimento inspetivo.

Q. Finalmente, quanto à correção referida no parágrafo (iii) supra, afirma-se na douta sentença que não é indicada a norma legal que fundamenta a correção nem o porquê da correção.

R. Respeitosamente, discordamos. Existem dois motivos patentes no relatório para efetuar a correção.

S. O primeiro motivo indicado é o facto de 14/16 (catorze dezasseis avos) do IVA suportado não ser dedutível porque 14/16 (catorze dezasseis avos) do custo também não foi aceite para efeitos de IRC, cf. pontos III.2.1.1.8, III.3.1.1 e III.3.2 do relatório do procedimento inspetivo, constantes a fls. 27, 28, 86, 87 e 88 do mesmo.

T. Sendo dedutível somente 2/16 (dois dezasseis avos) do IVA suportado pela Impugnante, cf. Pontos III.3.2 constante a fls. 87 e 88 do relatório.

U. O segundo motivo indicado é o facto de a Impugnante ter apurado o pro rata de 27% (vinte e sete por cento) para o ano de 2000, pelo que, dos 2/16 (dois dezasseis avos) de IVA suportado pela Impugnante e considerado dedutível, apenas 27% (vinte e sete por cento) são efetivamente deduzidos.

V. A fundamentação legal da correção consta a fls. 91 do relatório do procedimento inspetivo, podendo ler-se que a correção se fundamenta na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º e no n.º 1 do artigo 23.º ambos do Código do IVA.

W. Nestes termos, na opinião da RFP, a correção no valor de € 1.501,52 (mil, quinhentos e um euros e cinquenta e dois cêntimos) de IVA suportado pela Impugnante cuja dedutibilidade não se aceita, encontra-se suficientemente fundamentada.

X. Em face do exposto, a fundamentação do ato tributário é expressa, constante a fls. 86, 87, 88 e 91 do relatório do procedimento inspetivo, sendo complementada com a fundamentação constante a fls. 23, 27, 28 e 52 do relatório do procedimento inspetivo; é clara, sendo os fundamentos da decisão compreensíveis para o destinatário médio; é suficiente, constando do relatório todos os elementos que motivaram as correções; e é congruente, dado que a liquidação adicional de IVA espelha as correções propostas no relatório.

Y. Nestes termos, a exigência de fundamentação constante do artigo 77.º da LGT, nos termos requeridos pela jurisprudência e pela doutrina, encontra-se verificada.

Z. Acresce, ainda, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo há largos anos que tem entendido que, sendo atingido o objetivo pretendido pela lei, a preterição de formalidade essencial “degrada-se” em mera irregularidade, deixando de constituir fundamento para a anulação do ato, cf.  os acórdãos proferidos nos processos n.º 10457, de 1991-06-26, n.º 17940, de 1994-05-18, n.º 21228, de 1997-06-11, n.º 16376, também de 1997-06-11, cujos sumários se encontram disponíveis em www.dgsi.pt.

AA. O facto de a Impugnante deduzir a presente impugnação judicial com os fundamentos que apresenta, é sinal que conhece os fundamentos da liquidação adicional de IVA.

BB. O objetivo pretendido pelo artigo 77.º da LGT, de dar a conhecer os fundamentos do ato tributário para que o contribuinte possa conformar-se com o ato ou discutir a sua legalidade, encontra-se verificado.

CC. Ainda que se entendesse estar o ato indevidamente fundamentado, como concluiu a douta sentença ora recorrida – o que não se concede -, o ato não deveria ser anulado.

DD. A douta sentença recorrida enferma, assim, de erro na aplicação do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 77.º da LGT, não merecendo, por isso, a sua confirmação,

EE. Devendo ser substituída por outra decisão que conheça do mérito da causa, e, em conformidade, julgue a presente impugnação judicial improcedente.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que conheça do mérito da causa e julgue a presente impugnação judicial improcedente, como é de Direito e de Justiça.


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não contra-alegar.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II -FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante dedica-se à gestão de participações sociais em outras empresas e à prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas [cf. ponto C.1.3 do relatório de inspeção tributária (RIT)];

B) A Impugnante foi alvo de procedimento de inspeção tributária externa ao período de 2000, que concluiu por IVA em falta no montante de € 11 514,48;

C) Do relatório de inspeção tributária elaborado em 2003.12.10, pela Equipa 78 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, constante de fls. 11/53 de doc. nº 003918738 de 18-11-2005/17:19:01 e fls. 1/53 de doc. nº 003918739 de 18-11-2005/17:19:01, e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:

(…)

III.2.1.1.5 – Conta 622292 – Honorários IVA Dedutível 17%

Doc. interno nº 20/1043 – Data: novembro – Base Tributável: PTE 250 000$ - IVA PTE 42 500$

Despesa da participada E….., SA, sem documento de recuperação de custos, como se pode ver pelos extratos das contas 21110025, 252125 e 26810025 (…).

Assim, o [montante] de PTE 250 000$00 não poderá ser aceite como custo de natureza fiscal nos termos do disposto no artigo 23º CIRC.

(…)

III.2.1.1.8 – Conta 6223622 – Trabalhos especializados IVA dedutível 17% fora grupo

(…)

Os serviços prestados pela sociedade A….., nas datas em que foram emitidas as faturas, referem-se ao apoio de consultadoria jurídica para a aquisição de 80% do capital da S….., representado por 16 000 ações; dado que a H….. vendeu 14 000 delas a empresas suas participadas, o custo suportado deveria ter sido debitado de forma proporcional pelas mesmas, o que não se verificou, pelo que não é aceite fiscalmente o equivalente a 14/16 do custo suportado, nos termos do artigo 23º CIRC.

(…)

III.2.1.1.12.1 – Conta 68812 – Empréstimos bancários IVA 17%

Nº doc: 20/587 – data: 00.06.23 – Valor: PTE 4 500 000$ - Descrição: Comissão de organização e montagem – IVA: PTE 765 000$

O valor da operação refere-se a uma despesa relativa à organização e montagem do empréstimo para a aquisição da M…...

A conta do empréstimo é a 231263 – Médio e Longo Prazo – Banco B….. (…);

Tratou-se, portanto, do pagamento de comissão por conta da N….. não tendo havido por parte da H….. a correspondente emissão de documentos de proveitos destinados, no mínimo, ao reembolso daquele valor.

Por esse motivo, não poderá ser aceite como custo de natureza fiscal na H….. por força do disposto no artigo 23º CIRC.

(…)

III.3 – Em sede de IVA

III.3.1 – IVA Indevidamente deduzido

Em muitos dos custos não aceites fiscalmente na H….. e tratados nos pontos anteriores, não foi deduzido IVA ou pelo facto de se tratarem de operações dele isentas ou por se tratar de operações sem direito à dedução.

Porém, em algumas outras (em que houve liquidação a montante), foi indevidamente deduzido IVA.

Estão nessas condições os documentos relativos a custos não aceites fiscalmente na H….., a seguir discriminados:

Ponto do Relatório

IVA indevidamente deduzido

III.3.1.2 – Contido em documentos com elementos do artigo 35º do CIVA em falta

Foram contabilizadas três faturas emitidas pelo fornecedor de serviços E….., contribuinte n° ….., que indicam apenas "assistência técnica do mês", sem especificação concreta dos serviços prestados, o que não está conforme com o disposto no n° 5 do artigo 35° do CIVA.

Assim, não confere direito a dedução nos termos do disposto no artigo 19/2 do mesmo Diploma, o valor a seguir discriminado:

Propõe-se, por isso, a liquidação adicional no montante de 85.000$Q0 (423,98 euros).

(…)

III. 3.2 - IVA DEDUZIDO EM EXCESSO

No ano de 2000, deduziu o IVA suportado, na percentagem de 27% do total suportado (pro rata definitivo de 27%).

As operações indicadas no quadro do ponto II1.2.1.1.8 disseram respeito a serviços acessórios da aquisição de 16.000 ações da S…... Logo em março, mês da aquisição, alienou 14.000 a empresas participadas, pelo valor de custo.

Então, deveria ter sido deduzido apenas 2/16 do IVA que tinha direito a deduzir. E nesse ano de 200, apenas tinha direito a deduzir 27% do suportado.

Logo, relativamente aos dois documentos do quadro seguinte, apenas poderia ter deduzido 2/16 de 27% do IVA neles contido:

(i) Entidade: A….. – Nº doc. Interno: 30-150 – nº fatura: 841/00 – data 00.04.17 – Base Tributável: PTE 4 653 300$ - IVA: PTE 791 061$ - IVA deduzido em excesso: PTE 186 888$;

(ii) Entidade: A….. – Nº doc. Interno: 30-296 – nº fatura: 1516/00 – data 00.07.11 – Base Tributável: PTE 2 841 950$$ - IVA: PTE 483 132$ - IVA deduzido em excesso: PTE 114 140$;

(…)

D) Em 2004.02.17, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº ….., relativa ao período de 2000, com valor a pagar de € 11 514,47 e data de pagamento voluntário até 2004.04.30 (cf. fls. 1/66 de doc. nº 003918740 de 18-11-2005 17:19:01);

E) Em 2004.02.17, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº ….., relativa ao período de 0004, com valor a pagar de € 1 064,24 e data de pagamento voluntário até 2004.04.30 (cf. fls. 2/66 de doc. nº 003918740 de 18-11-2005 17:19:01);

F) Em 2004.02.17, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº ….., relativa ao período de 0006, com valor a pagar de € 820,34 e data de pagamento voluntário até 2004.04.30 (cf. fls. 3/66 de doc. nº 003918740 de 18-11-2005 17:19:01);

G) Em 2004.02.17, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº ….., relativa ao período de 0007, com valor a pagar de € 581,42 e data de pagamento voluntário até 2004.04.30 (cf. fls. 4/66 de doc. nº 003918740 de 18-11-2005 17:19:01);

H) Em 2004.02.17, foi emitida a liquidação adicional de IVA – juros compensatórios, nº ….., relativa ao período de 0011, com valor a pagar de € 39,35 e data de pagamento voluntário até 2004.04.30 (cf. fls. 5/66 de doc. nº 003918740 de 18-11-2005 17:19:01);

I) Em 2004.07.28, no Serviço de Finanças de Lisboa 8 deu entrada reclamação contra as liquidações adicionais de IVA do período de 2000 e de juros compensatórios, constante de fls. 2 do processo de reclamação (PA-RG) e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

J) Em 2005.06.21, pelo Chefe de Divisão, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, DR, II Série, nº 17, de 2004.01.21, foi proferido projeto de despacho de indeferimento da reclamação identificada na alínea que antecede (cf. fls. 201 do PA-RG);

K) O projeto de despacho de indeferimento da reclamação apresentada contra as liquidações de IVA e juros compensatórios do ano 2000, foi comunicado à Impugnante por carta registada em 2005.06.29, para exercer o direito de participação, na modalidade de audição prévia (cf. fls. 208 e 209 do PA-RG);

L) Em 2005.10.14, pelo Chefe de Divisão, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, DR, II Série, nº 17, de 2004.01.21, na informação da Divisão de Justiça Administrativa, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação apresentada pela Contribuinte contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano 2000, constante de fls. 210 do PA-RG e que aqui se dá como integralmente reproduzido; deste transcreve-se:

Concordo, pelo que, convolo em definitivo o projeto de decisão, e, com os fundamentos dele constantes, com a informação prestada infra, e com o parecer que antecede, indefiro o pedido da reclamante nos termos e com os fundamentos propostos. Notifique-se  (…)

M) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2005.10.28, foi comunicado à Impugnante o indeferimento da reclamação graciosa apresentada;

N) Em 2005.11.11, no Serviço de Finanças de Lisboa-8, deu entrada a presente impugnação (cf. carimbo aposto a fls. 2/44 de doc. nº 003918737 de 18-11-2005 17:19:01).


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não assente o seguinte:

“Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.”


***

A motivação da matéria de facto, “[e]fetuou-se com base nos documentos e informação constantes do processo.”

***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

O) A 29 de maio de 2000, foi lavrada a ata número trinta e nove, em Assembleia Geral da sociedade “H…..”, da qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

Ponto Um: Aprovação de contratação de uma operação de crédito junto de B…..-, SA, para financiamento de aquisição da totalidade do capital social da “M…..” através da N…..” (…)”

(cfr. fls. 169 a 173 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

P) A 01 de junho de 2000, foi outorgado escrito denominado de “Contrato de Abertura de Crédito”, entre o “B….., sa” (…..), a “H…..”, enquanto beneficiária, e “N…..”, na qualidade de terceira outorgante e garante, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:
 



   (…)

(cfr. fls. fls. 98 e seguintes cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

Q) A “H…..”, durante o ano de 2000, aplicou provisoriamente o pro rata (1999) de 84%, e em resultado do apuramento final do pro rata definitivo, corrigiu esse valor na declaração de dezembro do ano de 2000, em valor percentual de 57%, tendo pago o correspondente valor adicional (facto expressamente alegado na p.i. e que extrai do RIT e da informação instrutora de reclamação graciosa e bem assim das respetivas declarações periódicas de IVA e respetiva guia de pagamento, juntos ao PA apenso);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, DRFP, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “H…..” contra o ato de liquidação adicional de IVA, e respetivos juros, relativos ao ano de 2000.

Importa, desde já, relevar que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso (cfr. artigo 639.º, do CPC lido em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT).

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter decidido que as correções sindicadas padeciam do vício formal de falta de fundamentação. Procedendo o erro de julgamento, importa julgar, em substituição, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, competindo aquilatar se o IVA em contenda foi indevidamente deduzido e/ou deduzido em excesso.

Apreciando.

A Recorrente defende que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento porquanto pugna pela falta de fundamentação formal, quando as correções visadas se encontram, devida e suficientemente, explanadas no respetivo Relatório Inspetivo.

Densifica a inexistência do aludido vício relevando que o Relatório de Inspeção Tributária deve ser analisado no seu todo, sendo que a base legal das correções visadas se encontra consignada, designadamente, a fls. 91 do Relatório Inspetivo, e a fundamentação está alocada ao IRC, e contemplada no mesmo.

Conclui, nessa medida, que a fundamentação do ato tributário é expressa, constante a fls. 86, 87, 88 e 91 do Relatório Inspetivo, sendo complementada com a fundamentação constante a fls. 23, 27, 28 e 52 do mesmo, sendo clara, compreensível para um destinatário médio e suficiente, e congruente.

Ademais releva que, mesmo que se equacionasse que o aludido vício se verificava, certo é que o mesmo se degradaria em não essencial.

Ab initio, por forma a aquilatar da censura gizada pela Recorrente, atentemos, desde já, na fundamentação jurídica da decisão recorrida.

O Tribunal a quo fundou a procedência da impugnação judicial começando por evidenciar que “[o] texto do ato tributário impugnado, não é claro e comporta uma decisão que deixa dúvidas, mas não é apenas nesse sentido que a CRP exige clareza às decisões administrativas: terão de ser inteligíveis e nessa sua inteligibilidade conter enfim os elementos racionais da subsunção à norma invocada. Contudo, a fundamentação deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.”

Relevando, depois, que “[a] Autoridade Tributária e Aduaneira não convence com a propriedade dos argumentos apresentados no relatório para as correções efetuadas, ou seja, não ficamos a saber porque é que aquelas operações não conferem direito à dedução.”

Densificando, para o efeito, que “Nos pontos III.3.1 e III.3.1.1 do relatório de inspeção tributária transcrito, sob o título IVA Indevidamente deduzido – De custos não fiscalmente aceites a motivação do ato limita-se a remeter para os pontos III.2.1.1.5, III.2.1.1.8 e III.2.1.1.12.1 do mesmo relatório, igualmente transcritos supra em III.a).C) do probatório, sem indicação de norma legal ou de outras razões pelas quais aqueles montantes foram considerados como IVA indevidamente deduzido. Também no ponto III.3.2 – IVA deduzido em excesso, igualmente transcrito supra, a Autoridade Tributária não indica a norma legal ao abrigo da qual o IVA suportado pela Impugnante apenas poderia ser considerado em 14/16 de 27%, nem o porquê da correção.”

Concluindo, assim, que “[a] fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa: deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado. O ato não se encontra, pois, suficientemente fundamentado: tem razão a Contribuinte, sem necessidade de averiguar os demais motivos alegados.”

Apreciando.

A fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se previsto no artigo 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” [1].

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente[2].

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto[3]”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

In casu, são objeto de discussão as correções referentes a IVA indevidamente deduzido cujo valor global ascende a €10.012,96 e a IVA deduzido em excesso no valor de €1.501,52, as quais se encontram elencadas a páginas 86 e 87 do Relatório Inspetivo (descrito em C) do probatório) precisamente com esses itens.

Visto que a fundamentação do Tribunal a quo assentou na falta de fundamentação formal, por a mesma não ser clara, suficiente e carecer da competente base legal, vejamos, então, o que se extrai do teor do aludido Relatório Inspetivo, porquanto é nele que radica, exclusivamente, a fundamentação que subjaz às correções em contenda.

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que em sentido consonante com o aduzido pela Recorrente, o Relatório Inspetivo deve ser visto como um todo, e ter em consideração todas as remissões nele contempladas, seja por via direta ou indireta.

Sendo que atentando no aludido Relatório Inspetivo constata-se que existe um campo perfeitamente identificado relativamente às correções em sede de IVA, subdividindo-as em IVA indevidamente deduzido, repartido em custos não aceites fiscalmente (3.1.1) e documentos sem respeitar os requisitos contemplados no artigo 35.º do CIVA (3.1.2) e IVA deduzido em excesso no valor de €1.501,52.

No concernente aos custos não fiscalmente aceites, a Inspeção Tributária elenca quais são esses custos num quadro resumo constante a fls. 87, e com expressa remissão para a fundamentação contemplada em cada uma das enumerações nele identificadas e por reporte ao IRC, sendo que quanto à fundamentação legal a mesma consta enumerada a fls. 91 dos autos.

Razão pela qual, importa começar por dilucidar cada uma de per se, para se que se possa aquilatar da perceção do itinerário cognoscitivo.

Comecemos pelo IVA indevidamente deduzido, no valor de €5.561,19, o qual atentando no item III.2.1.1.8, verifica-se que respeita às faturas nºs 841/00 e 1516/00, emitidas pela sociedade de advogados “A…..”, cujos descritivos enumeram “honorários por serviços profissionais prestados conforme resumo em anexo: “Várias despesas efectuadas-fotocópias, correio, telefone, telefax, deslocações”.

Do teor da fundamentação constante no aludido item, resulta que a AT entende que os aludidos custos não podem ser aceites como custo ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, donde passíveis de dedução ao abrigo do artigo 20.º, nº1, alínea a), do CIVA, porque tais serviços “referem-se ao apoio de consultoria jurídica para a aquisição de 80% do capital da S….., representado por 16.000 acções; dado que a H….. vendeu 14.000 delas a empresas suas participadas, o custo suportado deveria ter sido debitado de forma proporcional pelas mesmas, o que não se verificou, pelo que não é aceite fiscalmente o equivalente a 14/16 do custo suportado, nos termos do art. 23º do CIRC.”

Ora, atentando na aludida fundamentação, de facto, não se aquiesce quais os motivos que estiveram na génese da correção ainda para mais quando temos na origem uma sociedade SGPS, que, in casu, não é uma holding pura, ou seja, que exerce atividades isentas e atividades sujeitas.

Com efeito, é a própria AT no Relatório Inspetivo que a qualifica enquanto sujeito passivo misto, enumerando as atividades isentas e atividades sujeitas, salientando no ponto C.1.5.2.3, com a epígrafe Dedutibilidade por percentagem (PRO RATA) que “está sujeito à determinação do montante do imposto dedutível nos termos estabelecidos no artigo 23.º do CIVA”.

Ora, atentando na aludida fundamentação não se perceciona porque motivo a AT entende que se aceita em parte o custo, e bem assim a razão da proporção dos 2/16. Não é avançada qualquer justificação para a aceitação da dedução dos custos suportados e respetivo IVA quanto às ações adquiridas e não para as ações alienadas, visto que o serviço que está génese é o mesmo.

  De relevar, neste particular, que não se perceciona se tal valor é aceite porque a AT entendeu que os serviços de consultadoria estão alocados à atividade no seu todo, se aquiesce que os mesmos estão concatenados apenas com operações económicas com direito à dedução integral, ou se os mesmos são utilizados indistintamente para a atividade de gestão de participações e para as atividades acessórias.

Note-se que, resulta de jurisprudência assente do TJUE que não tem a qualidade de sujeito passivo do IVA, na aceção do artigo 4.º da Sexta Diretiva, uma sociedade holding cujo único objeto seja a tomada de participações noutras empresas, sem que essa holding interfira direta ou indiretamente na gestão destas empresas, com ressalva dos direitos que a dita holding detenha na sua qualidade de acionista ou de sócia[4].

A simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com caráter permanente, porque o eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da simples propriedade do bem[5].

Porém, o mesmo já não sucede quando a participação seja acompanhada da interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor da participação tenha na qualidade de acionista ou de sócio[6].

Ora, nada esclarecendo a AT quanto às premissas base do seu raciocínio, no fundo, e como já devidamente densificado anteriormente, à aceitação de 2/16 de um custo, e quais os motivos que estiveram na base para a asserção de tal raciocínio, ter-se-á de concluir, efetivamente, que não se esclarece a conclusão do silogismo. E por assim ser, neste concreto particular, encontramo-nos perante falta de fundamentação formal, visto que um destinatário normal não consegue aquilatar, de que forma, quais as razões, e porque motivo só se aceita em parte um custo, donde, o respetivo IVA e a razão dessa concreta proporção.

Assume-se, nessa medida, um resultado silogístico mas não se justificam as premissas base, e que, como já evidenciado, face à atividade específica das SGPS seria curial a sua concreta densificação e alocação.

Ademais, não se consegue, outrossim, compreender a correção por IVA indevidamente deduzido em excesso, sendo, de resto contraditória e obscura, porquanto para a mesma realidade de facto a AT aquiesce que só poderia ser deduzido 2/16, corrigindo integralmente o montante de €5.561,19-descurando, desde logo, que o sujeito passivo não deduziu, integralmente, o IVA suportado, apenas percentagem- e depois com base na mesma factualidade e sem qualquer justificativo, de forma conclusiva e, no mínimo contraditória, releva que só 27% desses 2/16 são passíveis de dedução, corrigindo, adicionalmente, €1.501,48.

Há, de facto, falta de fundamentação formal no item relacionado com o IVA indevidamente deduzido e com o IVA deduzido em excesso sendo, de resto, impercetível e não justificado como é que a mesma realidade é passível de duas correções, uma relevando a sua natureza de sujeito passivo misto e tomando em linha de consideração o IVA, efetivamente, suportado e outra, desconsiderando-a e corrigindo totalmente o IVA suportado mas não, integralmente, deduzido.

Noutra formulação, numa primeira correção desatendeu à sua qualidade de sujeito passivo misto, sendo descurado que durante o ano de 2000, foi usado como valor de referência do pro rata uma dedução de 84%, tendo ulteriormente procedido à regularização da dedução suplementar de 57%, na declaração do mês de dezembro de 2000. E, seguidamente, atende a essa circunstância e considera uma proporção de 27% desses 2/16.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09)[7]” (destaques nossos).

Destarte, não ficando a Recorrida na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à realização das correções sindicadas, porquanto, como visto, não foi dado nota, ainda que de forma sucinta, do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, padece, efetivamente, de falta de fundamentação.

Aqui chegados, importa aquilatar da suscitada aplicabilidade do princípio do aproveitamento do ato administrativo.

Começando por evidenciar que é entendimento unânime jurisprudencial[8], que a falta de fundamentação constitui um vício formal que comina o ato de anulabilidade, a menos que, ao abrigo do princípio do aproveitamento do ato administrativo, seja manifesto que a decisão tributária, em abstrato, não podia ser outra da que foi tomada no caso concreto, e por isso se impunha, o seu aproveitamento.

Noutra formulação, dir-se-á que o Tribunal tem o poder de não anular um ato inválido quando a decisão administrativa não poder assumir outro conteúdo, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o ato inválido, embora sem o vício que determinou a anulação[9].

Note-se, neste particular, que o princípio do aproveitamento do ato administrativo, se encontra, atualmente, consagrado no artigo 163.º, nº5 do CPA, segundo o qual:

“5 - Não se produz o efeito anulatório quando:

a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;

b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;

c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

Ora, atentos os considerandos de direito supra expendidos e fazendo a apreciação casuística que se impõe, apelando, por isso, às circunstâncias concretas da realidade em apreço, e já devidamente materializadas anteriormente, resulta que não é possível concluir-se, inexoravelmente, que a aludida falta de fundamentação não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, conduzindo a um resultado diferente.

Ademais, como doutrinado em recente Aresto do STA, proferido no processo nº 0195/20, datado de 14 de janeiro de 2021, cujo sumário se extrata:

“II-O princípio do aproveitamento do acto com fundamento na alínea c) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA tem de ser interpretado em conformidade com os princípios que regem o exercício da actividade jurisprudencial, maxime, o princípio da separação dos poderes, do qual deflui, indubitavelmente, que aos Tribunais está vedada a possibilidade de decidir em substituição da Administração.

III - Por essa razão, não pode admitir-se a neutralização dos efeitos anulatórios quando nessa decisão estejam envolvidos juízos de valoração próprios da actividade administrativa ou mesmo quando (por inexistência de uma fundamentação adequada do acto anulado), da neutralização dos efeitos anulatórios resulte um obstáculo ao conhecimento efectivo pelo destinatário da sua concreta motivação e uma limitação dos seus meios de defesa ou quando a motivação da decisão passe a radicar na sentença judicial: Julgar não é administrar.”

Face a todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos, impõe-se concluir que nos encontramos, por um lado, perante falta de fundamentação e, por outro lado, que tal preterição não é suscetível de ser degradada em não essencial, por não poder considerar-se sanada, nos termos densificados anteriormente.

Prosseguindo.

Se é certo que entendemos que é passível de confirmação o aludido entendimento do Tribunal a quo, quanto às visadas correções, o mesmo não se aquiesce quanto às demais, porquanto, ainda que de forma sucinta, entendemos que estão explicitadas as razões, os fundamentos, que estão na génese das mesmas com a inerente densificação fática, ao contrário do que sucede na anterior correção.

Explicitemos porque assim o entendemos.

No concernente ao ponto III.2.1.1.12.1 é expressamente evidenciado a que título a que despesa foi incorrida, especificamente, comissão de organização e montagem do empréstimo para a aquisição da M….., evidenciando, de forma resumida, porque motivo esse valor não poderá ser aceite como custo,  remetendo, inclusive, para efeitos de concretização fática do empréstimo para o item III.2.11.11.10, o qual enumera a factualidade que esteve na génese do encargo e bem assim para o anexo nº 37, concluindo que não é aceite fiscalmente como custo, sendo que a base legal é elencada no já aludido quadro global, com concreta convocação do artigo 20.º, nº1, alínea a), do CIVA.

No respeitante ao item III.2.1.1.5, é evidenciada a conta 622292 Honorários IVA dedutível, evidenciando que inexiste documento de recuperação de custos, remetendo, de forma expressa para os extratos de contas e para o anexo 3, relevando que não pode ser aceite como custo, e cuja base legal, em sede de IVA, se terá de buscar no já evidenciado quadro a fls. 91, e no artigo 20.º, nº1, alínea a), do CIVA.

Ainda no item IVA indevidamente deduzido, é feita menção no ponto III.3.1.2, à contabilização de três faturas, devidamente evidenciadas, que face ao teor do seu descritivo, concretamente, “assistência técnica do mês”, não cumpre os requisitos do artigo 35.º do CIVA, e nessa medida não confere direito à dedução nos termos do artigo 19.º, nº2, do CIVA.

Ora, face ao supra expendido entende-se que, contrariamente ao evidenciado pelo Tribunal a quo, as supra expendidas correções estão, formalmente, fundamentadas, conseguindo-se percecionar quais as razões que estiveram na génese das mesmas.

Note-se, neste particular, que se essas razões permitem ou não decidir nesse sentido, tal já radica no âmbito da fundamentação substancial e não na fundamentação formal.

Com efeito, importa ter presente a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material do ato, sendo que a validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, sendo que a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.

Conforme doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0784/10, de 03 de novembro de 2010: “O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).”

Face ao supra aludido, ajuíza-se que inexiste a apontada falta de fundamentação formal decidida pelo Tribunal a quo, e por assim ser impõe-se julgar, em substituição, aferindo para o efeito se as aludidas correções padecem dos vícios de violação de lei que são arguidos pela Recorrida na sua p.i.

Vejamos, então.

Relativamente ao valor indevidamente deduzido no valor de €3.815,80, a AT aduz que o mesmo está concatenado com o documento nº 20/587, emitido pelo Banco B….., cujo descritivo “comissão de organização e montagem do empréstimo para a aquisição da M…..”, o qual se tratou do pagamento de uma comissão por conta da N….. “não tendo havido por parte da H….. a correspondente emissão de documento de proveitos destinado, no mínimo, ao reembolso daquele valor”.

Esclarecendo, em termos fáticos, no ponto III.2.1.1.11.10, do Relatório Inspetivo, o seguinte:

“O Empréstimo do Banco B….., contabilizado na conta 231263, “serviu para que a H….. financiasse a participada indirecta N….., SA para a aquisição da Empresa M….., SA, no valor de 360.000.000$00, tendo sido 180.000.000$00 de capitais próprios da própria H….. e o restante do presente empréstimo. Estas conclusões constam do próprio contrato de empréstimo e da acta de aprovação da operação. Os juros e encargos do quadro anterior referem-se apenas a quatro tranches de 30.000.000$00 cada uma, as que foram entregues à N….. neste ano de 2000 e refletidas contabilisticamente através dos docs. Internos nºs 20/646-20/648, de Junho, 20/782-20/783, de Agosto, 20/1010-20/2011 e 20/2013, de Outubro e 20/1194-20/1195 e 20/1191, de Dezembro, todos de 2000, tendo as restantes sido entregues em 2001. Anexo nº 35 (…) Estes custos não tiveram qualquer proveito financeiro correspondente. Por tal motivo, o valor de 6.358.690$00 (31.717,01 euros), não poderá ser aceite como custo de natureza fiscal nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC”.

Defendendo a Impugnante, ora Recorrida, na sua p.i. que a presente situação mais não é do que a concessão de crédito pela Impugnante à sua participada a fim de adquirir uma nova participação que será gerida daí em diante de forma indireta por si, inserindo-se, nessa medida, no escopo da atividade empresarial de uma SGPS, devendo ser aceite a sua dedução, até porque a mesma se encontra devidamente densificada na ata e respetivo contrato.

E, de facto, atento o objeto social da Recorrida, e não sendo colocada em causa a efetividade dos encargos, e estando o mesmo suportado em documento emitido em seu nome, e com comprovativos da génese da operação, mormente, ata e contrato, não se vê como manter a aludida correção.

Mas vejamos porque assim o entendemos.

Comecemos por chamar à colação a regulamentação nacional sobre as sociedades holdings, fazendo depois o respetivo enquadramento com o CIVA com a versão à data da prática dos factos tributários (2000).

As Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) são sociedades holdings regulamentadas através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro.

Dispunha, à data, o artigo 1.º do citado Decreto-Lei sob a epígrafe de sociedades gestoras de participações sociais que:

“1.   As SGPS […] têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas.

2.Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha caráter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante (…).”

Mais dispunha o artigo 4.º, n.º 1, do referido diploma legal relativamente às prestações de serviços que é permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e de gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações de, pelo menos, 10% do capital, com direito de voto, ou, excecionalmente, às sociedades nas quais detenham uma participação de, pelo menos, 10%, com direito de voto, ou com as quais tenham celebrado “contratos de subordinação”.

De relevar, outrossim, o consignado no artigo 5.º, nº1, alínea f), segundo o qual é vedada a concessão de crédito, exceto “às sociedades em que possuam a participação prevista no n.º 2 do artigo 1.º, por meio de contratos de suprimento celebrados com estas sociedades ou de tomada de obrigações destas até percentagem igual à participação no capital.”

Atentemos, ora, no que dispunha o CIVA no que para os autos releva.

O artigo 1.º do CIVA estabelece a base de incidência do IVA, consignando de forma expressa que:
“Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
b) As importações de bens;
c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias.”

Preceituando, por sua vez, os artigos 3.° e 6.° do CIVA sobre os casos de não incidência estando, por sua vez, os casos de isenção tipificados no artigo 9.º do CIVA.

De convocar, outrossim, o artigo 20.º, nº1, alínea a), do CIVA segundo o qual:
“1 - Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;”

E bem assim o preceituado no artigo 23.º do CIVA, segundo o qual:
“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
5 - No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo.
6 - A percentagem de dedução, calculada provisoriamente, com base no montante de operações efetuadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores referentes ao ano a que se reporta, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita.
7 - Os sujeitos passivos que iniciem a atividade ou a alterem substancialmente poderão praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 30.º e 31.º.
8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fração será arredondado para a centésima imediatamente superior.
9 - Para efeitos do disposto neste artigo, poderá o Ministro das Finanças e do Plano, relativamente a determinadas atividades, considerar como inexistentes as operações que deem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos nºs 2 e 3.”

Mais importa ter presente que o direito a dedução previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Diretiva faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado[10].

Sendo, outrossim, de sublinhar que esse direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante [11], logo qualquer limitação do direito a dedução tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Diretiva[12].

No caso vertente, atentando nas razões que fundaram as correções gizadas verifica-se que a AT não coloca em causa que o custo ocorreu, que existe um documento que o suporta, que tem subjacente um contrato de crédito entre a Recorrida, o Banco B….. e a N….., que essa concessão de crédito pode ser realizada pela mesma, mas tão-só que a despesa foi paga por conta da N….. sem ter faturado o correspondente proveito, inexistindo, assim, um nexo de causalidade direto.

Mas a verdade é que, para além do encargo não ter de ser alocado na sua perspetiva de nexo direto com o proveito, certo é que tem subjacente um contrato (alínea y) do probatório) em que a Recorrida é parte/beneficiária, sendo que o documento que a suporta e fundamenta foi emitido em seu nome e no âmbito de uma atividade que se enquadra- e não é controvertido- no seu âmbito e escopo social.

Com efeito, conforme resulta do probatório foi realizado um contrato de crédito entre o B….., sa (…..), a ora Recorrida, enquanto beneficiária, e N….., na qualidade de terceira outorgante e garante, da qual resulta que a Recorrida se propõe “dotar a sua participada N….. dos meios financeiros necessários à satisfação do preço convencionado para a aquisição da totalidade das acções representativas do capital social da sociedade M….., sa”.

Dimanando, outrossim, do considerando 7 que “o valor de cada prestação do preço será apurado pelo somatório de duas parcelas:
(a) 50% (cinquenta por cento) por utilização de igual valor do crédito concedido ao abrigo do presente contrato;
(b) 50% (cinquenta por cento) por utilização de fundos próprios colocados à disposição da N….. pela H…..;”

Ora, face ao supra aludido resulta que a Recorrida incorreu na despesa de €3.815,80 inerente a comissões respeitantes à celebração do aludido contrato, na qual, como visto, a mesma outorga como beneficiária, e a N….. como garante. Mais dimanando que a Recorrida outorgou esse contrato por forma a financiar a sua participada N…...

Donde, não só não se retira que a despesa foi contraída em nome da N….., como não sendo colocada em causa a sua efetividade, estando o mesmo devidamente documentado, e integrando o seu escopo societário, não carecendo, como já evidenciado, de um nexo causalidade no sentido da obtenção efetiva de um concreto proveito, então não se vê como não aceitar a dedução do IVA suportado.

Neste conspecto, importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido no processo nº 0473/13, datado de 30 de maio de 2018, do qual se extrata, parte, do seu sumário:

“Ao decidir efectuar participações acessórias de capital a algumas das empresas participadas sem delas receber quaisquer juros e, para fazer esses financiamentos contraiu empréstimos onerosos junto de instituições financeiras, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa (…)” (destaque nosso).

Com efeito, tem sido entendimento do STA[13]: ”[q]uando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas. (destaque nosso).

No mesmo sentido, já decidiu este TCA no âmbito do processo nº 8675/15, datado de 31 de outubro de 2019, segundo o qual estando uma SGPS a recorrer ao crédito bancário para financiar outras empresas, suportando esta os respetivos encargos financeiros sem que apresente a contrapartida de tais custos, tais subsumem-se no artigo 23.º do CIRC, e isto porque:

“A alínea c) do art.º23.º do CIRC considera como gastos passíveis de serem aceites fiscalmente “os de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso”.

(…)

Ora, no caso vertente, a impugnante e ora Recorrida tem por objecto imediato a gestão de participações sociais de empresas ligadas ao comércio de medicamentos. E as quantias em questão correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela Recorrida e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas participadas (…)

Tais verbas estão, pois, directamente relacionadas com a actividade do sujeito passivo que é a gestão de participações sociais.

Nessa medida, estão em causa juros de capitais alheios (descoberto bancário), aplicados na própria exploração (i.e., gestão de participações sociais) e compreendidos como custos na alínea c) do art.º23º do CIRC.(…)(destaques e sublinhados nossos).

Ora, face a todo o expendido, a correção sindicada não pode manter-se por assentar em erro sobre os pressupostos de facto e de direito. In fine, e como, igualmente, aduzido pela Recorrida, sempre a presente correção carecia, outrossim, de ilegalidade porquanto a AT desconsiderou a globalidade do IVA contido na fatura, em contenda, sem atendibilidade à concreta percentagem deduzida pela Recorrida no caso sub judice, e à sua natureza de sujeito passivo misto.

Atentemos, ora, nas demais correções supra identificadas atinentes a IVA indevidamente deduzido, no valor de €211,99, respeitante a despesa da participada “E….., SA”, e a €423,98, concernente a faturas emitidas sem os requisitos legais.

Do teor da petição inicial da Recorrida verifica-se que a mesma argui o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto a AT partiu do erróneo pressuposto que foi deduzido integralmente o IVA suportado nessas operações económicas, quando tal assunção é incorreta.

Com efeito, aduz que durante o ano de 2000, a Recorrida usou como valor de referência o pro rata correspondente ao ano anterior, tendo deduzido 84%, tendo posteriormente regularizado a regularização da dedução suplementar de 57% na declaração periódica do mês de 2000, pelo que persistindo as aludidas correções na reposição dos valores totais padecem de ilegalidade.

Ademais, a ser verdade que tais despesas teriam sido deduzidas em excesso, a AT teria de por em causa o cálculo do próprio pro rata e não a sua aplicação.

E de facto, assiste-lhe, efetivamente, razão atentando na natureza de sujeito passivo misto, e no cálculo do pro rata evidenciado no citado artigo 23.º do CIVA.

Como doutrina Sérgio Vasques[14], “O método do pro rata, para o qual aponta o artigo 173.º em primeira linha redunda numa presunção elementar quanto à afectação dos custos mistos das empresas. No essencial, através do pro rata presumimos que esses custos mistos são utilizados nas operações que conferem direito à dedução na razão directa do valor que estas operações representam face ao volume de negócios total de uma empresa. É esta presunção que o legislador verte no artigo 174.º, nº1, da Diretiva IVA, ao dispor que “o pro rata da dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes: (a) No numerador, o montante total de volume de negócios  anula, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; (b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução”.

Ora, se in casu, a  AT assume, perentoriamente, no seu Relatório Inspetivo e na informação instrutora que indeferiu a reclamação graciosa, a qualificação de sujeito passivo misto, e bem assim que “o sujeito passivo está sujeito à determinação do montante de imposto dedutível por percentagem (prorata), daqueles valores só é dedutível 27%.” E se, reconhece, inequivocamente, que “o s.p. aplicou provisoriamente o pro rata (1999) de 84%, e cumpriu as suas obrigações ficais quer de declaração quer de pagamento, e em resultado do apuramento final do ano de 2000, do pro rata definitivo, corrigiu esse valor na declaração de Dezembro/2000, e pagou o montante de IVA adicional em 2001.03.20, conforme cópia a guia de pagamento que junta”, então as correções visadas, no valor de €211,99 e de €423,98, padecem de ilegalidade, porquanto, desconsideraram a assunção de sujeito passivo misto e o valor do IVA, efetivamente, deduzido.

E por assim ser, as liquidações impugnadas padecem de ilegalidade, pelo que o juízo anulatório decidido pelo Tribunal a quo mantém-se, embora com a presente fundamentação e com os vícios, ora, analisados.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO:
ü Manter a decisão recorrida relativamente às correções de €5.561,19 e €1.501,52, por falta de fundamentação formal;
ü Revogar a decisão recorrida quanto às correções nos valores de €3.815,80, €211,99 e €423,98 e, conhecendo em substituição, julgar a impugnação procedente, com a consequente anulação dos atos impugnados e nos moldes peticionados, por vício de violação de lei.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 25 de março de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Cristina flora e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires


[1] cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
[2] neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[3] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[4] Neste âmbito, vide, designadamente, Acórdãos de 20 de junho de 1991, Polysar Investments Netherlands, C-60/90; de 14 de novembro de 2000, Floridienne e Berginvest, C-142/99; e de 27 de setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00
[5] Conforme resulta dos Acórdãos de 22 de junho de 1993, Sofitam, C-333/91, e de 6 de fevereiro de 1997, Harnas & Helm, C-80/95; e acórdão de 27 de setembro de 2001, C-16/00, Cibo Participations
[6] Acórdãos, já referidos, Polysar Investments Netherlands, Floridienne e Berginvest, e Cibo Participations; e acórdão de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08
[7] Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
[8] Vide, por todos, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 22.01.2014.
[9] Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo n.º 017/12, de 31/01/2012.
[10] vide neste sentido, acórdãos Mahagében e Dávid, C‑80/11 e C‑142/11; Bonik, C‑285/11; e Petroma Transports C‑271/12,  e demais jurisprudência aí citada
[11] vide, designadamente, acórdãos de 6 de julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, Colet., p. I-1883, n.º 18; de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98; de 13 de março de 2008, Securenta, C-437/06; e de 4 de junho de 2009, SALIX Grundstücks-Vermietungsgesellschaft, C-102/08
[12] Acórdãos de 11 de julho de 1991, Lennartz, C-97/90, e BP Soupergaz
[13] Prolatado no âmbito do processo nº 01206/17, datado de 28.02.2018.
[14] O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, reimpressão fevereiro 2020, p.352.