Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9086/15.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS.
CGD.
Sumário:Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: Caixa Geral de Depósitos
RECORRIDO: Autoridade Tributária.

OBJECTO DO RECURSO:

Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Sintra que julgou admitir a reclamação de créditos deduzida pelo aqui recorrida, nos autos que correm por apenso à Execução Fiscal n.° ......., contra R....... e R....... para cobrança coerciva de dívidas à Caixa Geral de Depósitos (CGD), e em consequência graduou os créditos da seguinte forma:

 1°. Créditos reclamados, referentes a Contribuição Autárquica de 1993 a 2001, referente ao imóvel com o artigo 3007-AD, da freguesia de Queluz, e respectivos juros, limitados a cinco anos, a par,

2°. Crédito exequendo, devido à CGD e respectivos juros (limitados aos últimos três anos), limitado ao valor de € 8.176,30.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1.ª A douta Sentença ora recorrida merece censura, por enfermar de nulidade por contradição do decidido com a fundamentação de facto, nos termos do artigo 125.ª, n.s 1 do CPPT e 615.ª, n.º 1, alínea c) do CPC, ou caso assim não se entenda, de erro de Julgamento, no que à matéria de facto concerne, devido a um claro «error in judicando», que fez incorrer o Tribunal a quo em manifesto erro na interpretação dos factos relevantes, resultando numa sentença injusta.
2.ª A nulidade da douta Sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, ocorre, no caso concreto, em virtude de os fundamentos de facto dados como provados (em específico, os constantes nas alíneas D) e E), da fundamentação de facto da Sentença recorrida), conduzirem logicamente a uma decisão diferente da que consta no dispositivo em sindicância, a saber: a de que concorre para a graduação, o crédito exequendo proveniente de dívida à CGD (credora), garantido por hipoteca e por penhora sobre o imóvel sub Judice.
3.ª o Tribunal a quo apenas apreciou e decidiu a verificação e graduação do crédito exequendo garantido por hipoteca legal, omitindo a penhora (registada para garantia da quantia exequenda de €20.188,21), que é dada como provada na fundamentação de facto.
4.ª Verifica-se, portanto, uma contradição resultante da existência de um vício lógico na construção da sentença, pois que, estando presente na factualidade provada uma penhora, é impossível que essa garantia não venha considerada da decisão de graduação, a não ser que “o processo lógico da decisão [esteja] errado" (vide, Alberto Reis in CPC Anotado, reimpressão, Coimbra Editora, Vol. V, pág. 141), o que origina inevitavelmente a nulidade da douta Sentença.
5.ª Pese embora o decidido na douta sentença, a verdade é que o crédito exequendo relativo à dívida à CGD está garantido não só por hipoteca voluntária, efectuada em 05.05.1982 e registada na CR.P de Queluz em 10.05.1982 a seu favor, como igualmente beneficia da garantia resultante da penhora, efectuada em 22.07.1992 e registada em 24.07.1992, que titula a mesma dívida.
6.ª Destarte, o crédito exequendo goza da garantia real decorrente da penhora, a qual deveria ter sido tida em consideração na decisão final de graduação, sendo porém manifesto que na parte dispositiva da sentença de verificação e graduação de créditos, nenhuma referência existe quanto à referida penhora, em claro prejuízo do crédito da ora Recorrente CGDI
7.ª Sendo certo que, nos termos do artigo 822.º, nº 1 do Código Civil, a penhora confere ao credor o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, pelo que, através da penhora efectuada nos autos de execução fiscal, ficaram garantidos os créditos exequendos no montante de €20.188,21, havendo que considerar a Recorrente como sendo titular de tal garantia real, que lhe confere o direito a ser paga pelo produto da venda do bem, nos termos legais, e o seu crédito reconhecido e graduado na totalidade e no lugar respectivo!
8.ª Caso não se considere a sentença nula, o que só por mera hipótese e cautela de patrocínio se admite, inquinada por vícios de actividade, ou seja, se for entendido que o tribunal a quo decidiu em conformidade com o conteúdo dos factos considerados provados, então não pode a Recorrente deixar de alvitrar o vício de julgamento, por erro de julgamento de facto, de que a douta Sentença padece, porquanto os factos dados como provados nas referidas alíneas D) e E) do probatório estão incompletos, pois omite-se um facto relevante: o de que a penhora referida nessas alíneas foi efectuada e registada a favor da Fazenda Pública/Nacional, mas para cobrança de divida à CGD!
9.ª Na análise da Sentença recorrida, deparamo-nos com um elenco de "factos provados" lacunar, uma vez que omite factos relevantes para a decisão de fundo, a saber: a circunstância de a Fazenda Nacional surgir, não na veste de "Estado", mas na veste de entidade competente para as diligências executivas no que à cobrança coerciva de dívidas à CGD concerne, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 9.º do DL n.º 287/93, conjugado com o art. 61.º do DL n.º 48 953 e no art. 9.º do DL n.º 154/91.
10. ª É Jurisprudência assente de que a CGD, até à transformação operada pelo DL n.º 287/93, enquanto instituto de crédito do Estado e por reconhecidas razões de celeridade processual, tinha a faculdade de cobrar as suas dividas em processo de execução fiscal, pois que “(...) o enquadramento normativo da actividade da Caixa revela um conjunto de particularidades relativamente ao das empresas privadas no sector como por exemplo o recurso às execuções fiscais para cobrança dos seus créditos e a representação em juízo pelo Ministério Público (…) vide intróito do referido DL. n.º 287/93.
11. ª Por esta razão as penhoras nos processos de Execução Fiscal promovidas pelo Ministério Público para cobrança coerciva de dívidas à CGD, são efectuadas e registadas em nome da Fazenda Nacional, e não da CGD, não obstante ser a CGD a entidade interessada - o credor.
12. ª Indubitavelmente, os presentes autos de Reclamação de Créditos correm por apenso à Execução Fiscal n.º ......., que o Serviço de Finanças de Sintra-4 move a J....... e R......., precisamente para cobrança coerciva de divida à CGD, que, à data da instauração da execução se cifrava em Esc. 4.047.373S00 (€20.188.211. e, no desenvolvimento desses mesmos autos foi penhorado o bem imóvel sub judice, para garantia dessa mesma quantia exequenda de €20.188,21!
13.ª Com efeito, dos autos resulta apenas uma quantia exequenda (cfr. requerimento executivo a fls.... dos autos de execução fiscal), qual se cifrava à data da instauração em €20.188,21, valor que, por sua vez, corresponde na integra à penhora registada para garantia dessa mesma quantia exequenda (vide o auto de penhora a fls.... do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos e referido na sentença recorrida).
14.ª Pecou, por insuficiência factual e em claro prejuízo do crédito da ora Recorrente CGD, a douta sentença recorrida, ao mencionar nos factos apenas que “(...) foi penhorado pela FAZENDA PÚBLICA o imóvel sito (...) " e que “(...) foi registada na Conservatória do Registo Predial de Queluz, a penhora do imóvel descrito na alínea anterior, a favor da Fazenda Nacional (...) ”, sem referência directa ao facto de a penhora ter sido registada para garantia do crédito exequendo da CGD no valor de €20.188,21, que permitiria julgar, per se, o crédito exequendo da CGD como igualmente garantido por penhora, o que não se depreende, pelo menos directamente, dos factos dados como provados.
15.ª Neste contexto, deve a sentença recorrida ser modificada por manifesto erro de julgamento da matéria de facto, no sentido de as alíneas D) e E) do probatório serem alterados de modo a dar como provado que a penhora foi efectuada e registada a favor da Fazenda Pública, mas para garantia do crédito exequendo cujo titular é a CGD, nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, pois os elementos do processo acima referidos impõem essa modificação.
16.ª Em consequência, deve ser modificada a sentença na parte em que graduou o crédito o crédito da Exequente CGD, ora Recorrente, limitado ao valor garantido por hipoteca (€8.176,30) e respectivos juros (circunscritos aos últimos três anos), passando a graduar o crédito da Exequente CGD enquanto garantido por penhora, no valor de €20.188,21.

Nestes termos e nos mais de Direito,
Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, a douta Sentença recorrida:
a) ser anulada em razão da sua nulidade ou caso assim não se entenda
b) ser alterada a decisão de facto, nos termos do art.º 662.º do CPC e do modo supra descrito, com a subsequente e necessária modificação da sentença na parte em que graduou o crédito o crédito da Exequente CGD, ora Recorrente, limitado ao valor garantido por hipoteca (€8.176,30) e respectivos juros (circunscritos aos últimos três anos), passando a graduar o crédito da Exequente CGD enquanto garantido por penhora, no valor de €20.188,21, com as demais consequências legais, assim se fazendo inteira e acostumada JUSTIÇA!

CONTRA ALEGAÇÕES.

A Recorrida não contra alegou.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença é nula por contradição entre o decidido e a fundamentação de facto e se errou na graduação de créditos de que é titular a Recorrente.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) No dia 5 de Maio de 1982, foi constituída hipoteca voluntária sobre “a fracção autónoma designada pelas letras "AD", correspondente ao terceiro andar direito tardoz, apartamento tipo D, do prédio sito no Monte Abraão, B….., Lote ….., freguesia de Queluz, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o número ……..(...)" a favor da CGD, para garantia da quantia de 960.000$00, que a CGD emprestou aos EXECUTADOS, R....... e R......., para aquisição do imóvel hipotecado, respectivos juros e despesas emergentes do mesmo contrato. - cfr. Nota Privativa da CGD, registada em 5 de Maio de 1982, com o n.° 2876, de tis. 6 a 12 do PEF apenso

B) Em 10 de Maio de 1982, a hipoteca a que alude a alínea anterior foi registada na Conservatória do Registo Predial de Queluz, a favor da CGD, com o capital máximo assegurado de 1,639.200$00. — cfr. Nota de Registo (Averbamento à Inscrição) - Ap. 64 de 10 de Maio de 1982 e Ap. 61/101181 (n.° 41 021), constante da Certidão referente ao prédio ............., emitida em 5 de Janeiro de 1993, pela Conservatória do Registo Predial de Queluz, a fís. 13 e de 61 a 66 do PEF apenso

C) Em 3 de Março de 1989, a CGD instaurou processo de execução fiscal contra os EXECUTADOS, R....... e R......., para cobrança de divida proveniente de contrato de mútuo no valor de 960.000$00, celebrado entre aquela instituição e os EXECUTADOS. — cf. petição de fls. 3e 4 do PEF apenso

D) Em 22 de Julho de 1992, foi penhorado pela FAZENDA PÚBLICA O imóvel sito na Rua……….., n.° …. e Rua …………. n.°…… , …. dto., em Monte Abraão - Queluz (Antigo bloco…………), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo………., da freguesia de Queluz. – cf Auto de Penhora, a fís. 54 do PEF apenso

E) Em 24 de Julho de 1992 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Queluz, a penhora do imóvel descrito na alínea anterior, a favor da Fazenda Nacional, para garantia de quantia exequenda no valor de € 4.047.373$00. - cfr. Ap. 82/240792, convertida em definitivo pela Ap. 20/080193, constantes da Certidão referente ao prédio ............., emitida em 5 de Janeiro de 1993, pela Conservatória do Registo Predial de Queluz, de 81 a 66 do PEF apenso

F) Em 5 de Janeiro de 1999, os EXECUTADOS deviam à CGD a quantia de € 8.802.869$00, do quais:

. 1.193.864$00, proveniente de capital;

. 7.607.095$00, referente a juros vencidos entre 8 de Maio de 1982 e 5 de Janeiro de 1999;

. 1.910$00 de despesas. - cfr. Nota de débito, a fís. 13

G) Em 17 de Junho de 2003, os EXECUTADOS, R......., com o NIF ……… ê R............, com o NIF……… , eram devedores da quantia de € 854,58, à Fazenda Nacional, referente a:

. Contribuição Autárquica de 1993 a 2001, no valor global de € 590,86;

. Juros de mora, no valor de € 191,16;

» Custas no valor de € 72,56. — cf. Certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Sintra-4, a fls. 1

H) A divida de contribuição autárquica (CA) identificada na alínea anterior, é referente ao imóvel penhorado, e desdobra-se nos seguintes valores:

. 11.430$00, referente a CA, de 1993, com prazo    de pagamento voluntário até 30 de Abril de 1994;

. 12.469$00, referente a CA, de 1994, com prazo de pagamento voluntário até 30 de Abril de 1995;

° 13.508$00,   referente a CA, de 1995, com  prazo de pagamento voluntário até 17 de Maio de 1996;

• 13.508$00, referente a CA, de 1996, com  prazo de pagamento voluntário até 30 de Abril de 1997;

° 13.508$00, referente a CA, de 1997, com  prazo de pagamento voluntário até 30 de Abril de 1998;

. 13.508$00, referente a CA, de 1998, com  prazo de pagamento voluntário até 30 de Abril de 1999;

. 13.508$00 (€ 67,38), referente a CA, de 1999, com prazo de pagamento voluntário até 12 de Maio de 2000;

. 13.508$00 (€ 67,38), referente a CA, de 2000, com prazo de pagamento voluntário até 30 de Abril de 2001;

. 13.508$00 (€ 67,38), referente a CA, de 2001, com prazo de pagamento voluntário até 30 de Abril de 2002;

. € 191,16, de juros de mora;

. € 72,56, de custas. - cf. certidões de relaxe e de divida, de fís. 2 a 10

I) Em 30 de Setembro de 2010 foi realizada a venda do imóvel identificada nas alíneas A) e D) supra. - facto não controvertido que se extrai do documento de fls. 48

FACTOS NAO PROVADOS

Não existem factos alegados e não provados, relevantes para a decisão de mérito.

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.

ADITAMENTO DE FACTOS:

Subsidiariamente ao pedido de declaração de nulidade da sentença por “contradição dos fundamentos de facto com a decisão”, a Recorrente alega que a matéria de facto fixada é lacunar na medida em que omite factos relevantes para a decisão de fundo. Designadamente, defende que nos factos referidos nas alíneas D) e E) do probatório deve constar a menção de que a penhora fora registada a favor da Fazenda nacional porquanto a CGD era  representada por aquela entidade. Assim, a sentença omitiu um facto que, a ser considerado, permitiria julgar, per se, o crédito exequendo da CGD como igualmente garantido por penhora.   

A Recorrente tem razão. Os factos constantes das alíneas D) e E) tal como foram redigidos permitem uma leitura equívoca, na medida em que não evidenciam claramente que a penhora efetuada e registada foi realizada por impulso da CGD para cobrança do seu crédito sobre o Executado, embora processado em execução fiscal.

Assim, ao abrigo do art. 662º CPC, adita-se à matéria de Facto a alínea E1 com a seguinte redação:


E1)

A penhora a que se refere as alíneas precedentes foi efetuada por impulso da CGD e para cobrança da dívida que esta detém sobre o Executado.

Posto isto, prosseguimos para a apreciação da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão.

Perante o que dispõem os arts. 125 º/1 do CPPT e 668º/1, c) do CPC (correspondente ao art. 615º/1 c) do NCPC), tal nulidade ocorre quando as premissas de facto e de direito  deveriam conduzir, logicamente, a decisão oposta à adotada na sentença (cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, II, Áreas Editora, 2011, pp. 361 e  Ac. do TRC n.º 169487/08.3YIPRT-A.C1 de 06-11-2012   (Relator: HENRIQUE ANTUNES b) A nulidade da decisão com fundamento na contradição intrínseca só se verifica no caso de falta de coerência com as respectivas premissas de facto e de direito).

Há que distinguir esta nulidade de várias situações que não correspondem à nulidade aqui prevista (seguindo de perto Jorge Lopes de Sousa, op. cit. pp. 361):

Em primeiro lugar, só releva para efeito desta nulidade a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, por outro.

Também não ocorre esta nulidade quando a contradição é entre os fundamentos que a parte entende que deveriam constar da sentença e aqueles que dela efetivamente constam.

De igual modo  não se verifica esta nulidade quando a contradição é entre os fundamentos de facto entre si, e já não entre os fundamentos e a decisão (podendo então, integrar nulidade de conhecimento oficioso prevista no art. 712º/4 CPC).

O mero lapso de escrita de modo algum constitui fundamento de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão (devendo o erro ser corrigido).

Esta nulidade também não se regista quando os fundamentos de direito invocados na sentença são contraditórios entre si (poderá, então, gerar nulidade por  falta de fundamentação de direito).

Por último,  também não ocorre nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão quando o juiz erra na aplicação da norma aos factos provados (será, então, caso de erro de julgamento).

Ora a sentença não enferma da nulidade que lhe é imputada porque nenhum fundamento de facto, tal como foi levado ao probatório pela MMª juiz, autorizava a consequência lógica que a Recorrente advoga.

Quando muito, estar-se-á não perante nulidade da sentença mas sim perante um erro de julgamento, sobre o qual, depois da alteração dos factos provados, estamos em condições de nos debruçar.

Com efeito, está em causa nos autos a graduação de créditos efetuada no âmbito de uma execução fiscal instaurada mediante requerimento executivo apresentado pela  CGD em 2/3/1989.

Nos termos do art.º 62º n.º 1 al) o) do ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril, competia aos tribunais tributários de 1ª instância conhecer da cobrança coerciva de dívidas a pessoas coletivas de direito público, nos casos previstos na lei[1].

A CGD era uma pessoa coletiva de direito público, como estipulava o art.º 2º do Decreto-Lei n.º 48.953, de 5 de abril de 1969, com o estatuto de “instituto de crédito do Estado”[2]

A própria lei conferia, expressamente, competência aos tribunais tributários para cobrança coerciva das dívidas que ela e as suas instituições anexas fossem credoras[3].

As dívidas civis à CGD integravam-se no âmbito da execução fiscal como dívidas equiparadas aos créditos do Estado (cfr. art.º 233º/2-b) do CPT, então em vigor).

Este sistema só terminou com o atual estatuto da CGD aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/8.

Mas as execuções instauradas pela CGD ainda pendentes nos TT ou Serviço de Finanças em 1/1/1993, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/8, continuam a reger-se até final, pelas regras de competência e de processo vigentes nessa data.

Tal é o caso dos presentes autos.

As dívidas de direito civil cobradas coercivamente em processo de execução fiscal não perdem a natureza de dívidas de direito privado, para se transformarem em dívidas de direito público. São cobradas em processo de execução fiscal, mas continuam a ser dívidas de direito provado.

A CGD requereu a instauração de execução contra  R....... e mulher R.............para pagamento da quantia de  Esc. 4 047 373$00.

O processo foi instaurado em 3/3/1989 como processo de execução fiscal. A penhora foi realizada em 22 de julho de 1992 e registada provisória por dúvidas pela Ap. 82/240792 para pagamento da quantia de Esc. 4 047 373$00, convertida pela Ap. 20/080193.

Por seu turno, a Autoridade Tributária reclamou créditos por dívidas de Contribuição Autárquica do ano de 1993 a 2001, referente ao imóvel penhorado, que foram graduados em primeiro lugar.

A MMª juiz julgou verificados os créditos reclamados e exequendo, graduando em segundo lugar o crédito exequendo e respetivos juros devidos à CGD até ao montante de € 8.176,30, por tal ser o montante garantido por hipoteca.

Mas teve em conta somente o crédito garantido pela hipoteca cujo registo apenas abrange o montante máximo de capital e acessórios no valor de 1.639.200$00 (= € 8.176,30).

Acontece, porém, que a penhora do prédio urbano foi efetuada para garantir o pagamento de Esc. 4 047 373$00 (=€ 20.188,21), e nestes termos foi registada. Por isso, a penhora garante um valor superior ao da hipoteca registada a seu favor.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 822º do Código Civil, “Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.”[4]

A hipoteca foi constituída antes da penhora, e por isso constitui uma garantia real anterior. Duas garantias diferentes poderiam dar azo a graduações distintas – decorrentes da penhora e da hipoteca. Que neste caso se não justifica uma vez que não há credores com graduação posterior e a penhora abrange a totalidade do crédito exequendo.

Nestas circunstâncias, conclui-se que graduação de créditos efetuada em segundo lugar terá de ser corrigida graduando-se o crédito exequendo devido à CGD e respetivos juros, em conformidade com o auto de penhora.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda subsecção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte recorrida e graduar em segundo lugar o crédito exequendo devido à CGD e respetivos juros, a pagar pelo produto da venda do imóvel penhorado.

Uma vez que não há parte vencida (art. 527º/2 CPC), as custas deste recurso são devidas pela Recorrente porque dele tirou proveito (art. 527º/1 CPC).

Lisboa, 19 de novembro de 2020.

(Mário Rebelo)



[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]


[1] Seguimos de perto o parecer da Exma. PGA que doutamente resumiu o quadro histórico  das execuções fiscais para cobrança de créditos da CGD.

[2] Art. 3.º do referido diploma:

Como instituto de crédito do Estado, incumbe à Caixa colaborar na realização da política de crédito do Governo e, designadamente, no incentivo e mobilização da poupança para o financiamento do desenvolvimento económico e social, na acção reguladora dos mercados monetário e financeiro e na distribuição selectiva do crédito.

[3] Art. 61.º

A cobrança coerciva de todas as dívidas de que seja credora a Caixa e suas instituições anexas é da competência dos tribunais de 1.ª instância das contribuições e impostos, servindo de títulos executivos as escrituras, títulos particulares, letras, livranças ou qualquer outro documento apresentado pela instituição exequente, incluindo as certidões extraídas dos livros da sua escrita.

[4] O artigo 140º/3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas constitui uma exceção prevista na lei à regra da preferência conferida pela penhora.