Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04381/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/28/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. MÉTODOS INDIRECTOS.
INSPECÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Tendo a contribuinte mudado a sua sede no decurso de uma acção inspectiva externa não finda, ainda que o respectivo prazo legal para o efeito já tivesse cessado, a atribuição a outro órgão da AT da competência em razão do território para continuar tal inspecção e que realmente a prosseguiu, não configura uma segunda inspecção, mas a continuação da anteriormente iniciada, ainda que tenha existido uma segunda ordem de serviço para tal, emitida por esta nova entidade com competência para a prosseguir;
2. Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação quando, as conclusões do relatório do exame à escrita, explicitam com clareza, suficiência e congruência, as razões que esteiam essa liquidação adicional;
3. Não tendo o contribuinte deduzido o pedido de revisão contra a fixação da matéria tributável por métodos indirectos, vedado lhe está na impugnação judicial, impugnar a falta de pressupostos para o imposto ser apurado por tais métodos, por falta dessa condição de procedibilidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...& Filhos, Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) A matéria de facto dada como provada na Douta Sentença ora recorrida contém omissões que são de grande importância para a boa resolução da causa, em violação do n.º 2, do Art. 123.º, do CPPT, os quais deverão ser aditados por este Alto Tribunal, ao abrigo do disposto na al. a), do n.º 1, do Art. 712.º, do CPC, aplicável ex vi os Art.s 749.º e 762.º, do mesmo Código, todos aplicáveis por força do disposto no Art. 281.º, do CPPT.
B) Tais omissões são evidenciadas pelos documentos juntos aos autos pela RECORRENTE e cuja factualidade neles suportada não foi considerada/apreciada pelo Tribunal a quo.
C) Assim, a RECORRENTE não se conforma com o probatório, considerando que a Douta Sentença recorrida não dá como provados factos que, no entender da RECORRENTE são essenciais para a boa apreciação do mérito da causa.
D) Assim, e por referência aos Factos Provados, deverão ser considerados os que seguidamente se enumeram:
1) A Impugnação judicial foi remetida ao Tribunal a quo, por correio, sob registo, no dia 4 de Março de 2008.
2) A IMPUGNANTE (ora RECORRENTE) não foi notificada por parte dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém da prorrogação da acção de inspecção iniciada nos termos descritos no ponto E. dos Factos provados, da Douta Sentença recorrida.
3) A IMPUGNANTE (ora RECORRENTE) não foi notificada nos termos do disposto na primeira parte do n.º 3, do Art. 63.º, da LGT de “(...) decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço (...)” por parte dos Serviços competentes da AT.
4) A fiscalização iniciada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa referida no ponto G. dos Factos provados, da Douta Sentença recorrida não visou “(...) a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas. (...)”.
5) A RECORRENTE foi objecto de Acção Inspectiva que incidiu sobre o IRC do exercício de 2001 e que foi realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém, na sequência da Ordem de Serviço n.º 01200502235, de 2 de Junho de 2005, no âmbito da qual se veio a constatar que «(...) a contabilidade não reflecte a totalidade dos proveitos obtidos pela empresa, infringindo assim, o sujeito passivo, o disposto na alínea b) do n° 3 do artigo 17º do Código do IRC (...)», tendo sido efectivada uma correcção técnica de natureza meramente aritmética no Relatório de Inspecção no âmbito do IRC, no montante de € 1.189.813,93, «(...) em resultado de omissão de proveitos (...)», conforme Documento n.º 7 da P.i..
SEM CONCEDER,
DOS ERROS DE JULGAMENTO
E) a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, por errónea valoração da prova e erro na aplicação do direito, mostrando-se violados, nomeadamente, os n.ºs 2 e 3, do Art. 36.º, do RCPIT, o n.º 3, do Art. 63.º e os n.ºs 4 e 5, do Art. 77.º e os Art.s 85.º e 87.º e seguintes, todos da LGT, pelo que deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser anulada, na medida em que:
F) No que concerne ao item B.I: Da ilegalidade da Acção inspectiva (ponto a. da douta sentença recorrida (fls 13 e segs), a RECORRENTE demonstrou junto do Tribunal a quo que o acto tributário de liquidação adicional de IRC objecto dos presentes autos é ilegal, na medida em que emerge da violação clara do disposto na primeira parte do n.º 3, do Art. 63.º da LGT, porquanto:
a) tal acto tributário vem a efectivar as correcções ao resultado fiscal declarado pela RECORRENTE no exercício de 2003, emergentes da realização de uma segunda acção inspectiva (objecto de nova Ordem de Serviço, emitida pela Direcção de Finanças de Lisboa) à RECORRENTE, incidente sobre o mesmo imposto e o mesmo exercício, pois que, relativamente ao exercício de 2003 e ao IRC, a RECORRENTE havia já sido objecto de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Santarém (objecto de uma Ordem de Serviço), conforme resulta dos pontos D.; E.; F.; G. e H., dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida.
b) Ajuizou mal o Tribunal a quo ao não subsumir a situação concreta ao disposto na primeira parte do n.º 3, do Art. 63.º, da LGT, limitando a sua análise à violação dos prazos legais relativos à duração do procedimento inspectivo - e que, aliás, reconheceu existir -, sem cuidar ponderar e decidir - como se lhe impunha à luz do pedido deduzido pela RECORRENTE na impugnação - sobre a ilegalidade consistente na existência, no caso concreto em análise, de duas acções inspectivas sobre o mesmo exercício e o mesmo imposto.
c) In casu, a não conclusão da acção de inspecção iniciada pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Santarém no prazo legal de 6 meses, sem que haja prorrogação autorizada, contende com a possibilidade legal de ser iniciada uma segunda acção de Inspecção, desta feita, pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa, desta feita, por impedimento consignado no n.º 3, do Art. 63.º, da LGT, de cuja letra expressamente emerge que “(...) O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço (...)” (sublinhado nosso).
d) Não teria cabimento tal previsão normativa - a do n.º 3, do Art. 63.º, da LGT -, se o legislador não visasse limitar a actuação da AT no exercício dos seus poderes de inspecção aos valores declarados pelos sujeitos passivos da AT, para além dos limites já decorrentes do prazo legal de caducidade previsto no Art. 46.º, da LGT.
e) Por isso, instituiu o legislador a limitação constante da primeira parte do n.º 3, do Art. 63.º, da LGT, preceito que funciona como garantia e limite de eventuais reapreciações da situação tributária de cada contribuinte, sempre que o mesmo, relativamente ao mesmo imposto e exercício, e salvo os casos previstos na segunda parte do mesmo artigo - que não merecem aplicação no caso dos autos-, tenha já sido sujeito a uma acção inspectiva.
G) No que concerne ao item B.II. DA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS (FLS.19 E SEGUINTES), a RECORRENTE, diferentemente do Douto Tribunal a quo, entende que carece de falta de fundamentação o acto administrativo em matéria tributária consubstanciado no Relatório de Conclusões da Acção Inspectiva ('RELATÓRIO’), no que especificamente concerne à aplicação na situação sub judice de métodos indirectos para efeitos de determinação da matéria tributável em sede de IRC no exercício de 2003, porquanto:
a) A AT, na sua decisão, não apresenta as razões da impossibilidade de proceder ao apuramento da matéria tributável da RECORRENTE por avaliação directa, ou seja, a impossibilidade de comprovar e quantificar, directa e exactamente, o volume de negócios da RECORRENTE;
b) A avaliação directa é nos termos da Lei, um instrumento útil na busca da verdade material - que deve nortear todo o procedimento tributário - tendo como objectivo a determinação do valor real dos rendimentos sujeitos a tributação, in casu, em sede de IRC, assumindo a avaliação indirecta o carácter excepcional e subsidiário, significativo de que a AT só ficará habilitada a fazer uso dela, quando a avaliação directa não for possível ou conveniente.
c) E é por ter este carácter excepcional e subsidiário que o legislador faz impender sobre a AT, sempre que esta decide proceder à tributação pelos métodos indirectos, o especial ónus da prova da verificação dos seus pressupostos, ónus esse que, por imposição dos n.ºs 4 e 5, do Art. 77.º, da LGT, se concretiza, nomeadamente, na «especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável», o que a AT não logrou fazer na situação sub judice.
d) Do regime legal aplicável decorre que não basta que a AT se depare com anomalias e/ou incorrecções na contabilidade dos contribuintes, pois que é indispensável que, cumulativamente, tais anomalias e/ou incorrecções, inviabilizem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável, condicionalismo que se impõe face ao preceituado nos Art. 85.º e 87.º e seguintes da LGT.
e) Cabe à AT o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso a métodos indirectos para apuramento do rendimento se tomou a única forma de calcular a matéria colectável do exercício e o imposto a liquidar, exteriorizando os elementos que levaram a concluir nesse sentido, indicando factos concretos, verificados, donde possa concluir-se pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto por esses métodos.
f) Só uma vez especificados e demonstrados esses pressupostos, passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da ilegitimidade do acto, seja por erro nos pressupostos para a avaliação por métodos indirectos, seja por erro na quantificação da respectiva matéria tributável (entre muitos, Ac. do STA, de 13/11/2002, recurso n.º 01015/02).
g) As correcções efectivadas no seio da presente acção inspectiva resultaram da mera adição aos valores escriturados na contabilidade da RECORRENTE, do diferencial não declarado, mas apurado com base nos elementos também fornecidos pela RECORRENTE (v.g., contratos promessa de compra e venda das fracções alienadas no exercício, cópia de cheques, conhecimentos de SISA), pelo que ajuizou mal o Douto Tribunal a quo ao entender que a AT tinha cumprido o dever de fundamentação para aplicação dos métodos indirectos,
h) pois que, tendo em conta os requisitos dos Art. 87.º e 88.º, ambos da LGT e o 'especial' dever de fundamentação que emerge do n.º 4, do Art. 77.º, da LGT, entende-se que a AT não fundamentou as razões pelas quais se decidiu a aplicar os métodos indirectos, sendo, certo, que os requisitos que a lei exige não foram apresentados pela AT. Não foram igualmente apresentados os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
i) Fácil é de verificar - até porque assim resulta do RELATÓRIO, designadamente de folhas 3 a 12 - que o quantum da correcção (€ 1.237.541,71) foi determinado pelos Serviços de inspecção única e exclusivamente através dos proveitos (referentes às fracções autónomas alienadas no exercício de 2003) declarados de forma directa e exacta segundo critérios objectivos e de acordo com os elementos de escrituração da RECORRENTE, pelo que não se descortinam razões que impossibilitassem os Serviços de Inspecção de efectuar o apuramento do proveito/rendimento real efectivo realizado/obtido pela RECORRENTE relativamente às fracções autónomas alienadas no exercício de 2003, quando para todas as fracções os Serviços conheciam e estavam em posse:
. de todas as escrituras públicas de compra e venda outorgadas entre a RECORRENTE e os seus respectivos clientes no ano de 2003 (em arquivo na RECORRENTE);
. dos registos contabilísticos da RECORRENTE, os quais evidenciavam as referidas transacções e reproduziam fielmente os elementos declarados do negócio: identificação do adquirente; valor/preço declarado na escritura pública de compra e venda pelas partes;
. dos Conhecimentos de SISA adicional liquidada pelos adquirentes, documentos estes que atestavam o preço real convencionado entre a RECORRENTE e o cliente;
. entre outros, de contratos promessa de compra e venda, cheques emitidos pelos clientes com o valor do diferencial entre o preço declarado na escritura pública de compra e venda e o valor real convencionado entre eles e a RECORRENTE (fornecidos pela RECORRENTE),
j) ou seja, de elementos documentais suficientes que permitiam (e continuam a permitir), com certeza e fidedignidade, determinar o proveito/resultado real obtido pela RECORRENTE na venda das fracções autónomas ocorridas no exercício de 2003, por métodos directos.
k) Face a este quadro, parece-nos indubitável a preterição de formalidades legais, por falta de fundamentação da decisão de aplicação da avaliação indirecta e violação do princípio de aplicação subsidiária da avaliação indirecta, pois que, conceptualmente, em termos gerais e como decorre do disposto no n.º 2 do Art. 87° da LGT , procede-se à avaliação indirecta nas situações em que não existem elementos fiáveis
e suficientes para demonstrar exactamente o valor dos rendimentos ou bens ou serviços sujeitos a tributação e, por essa razão, a sua tributação é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha.
l) Traga-se à colação o exemplo do exercício de 2001, em que foram efectivadas pelos Serviços de inspecção, da Direcção de Finanças de Santarém, na sequência da Ordem de Serviço n.º OI200502235, de 2 de Junho de 2005, correcções técnicas, de natureza meramente aritmética, consistentes no acréscimo dos valores constantes dos elementos que não foram registados na contabilidade, a saber, do diferencial do preço de venda das fracções alienadas no exercício de 2001 não declarado, não resultando de tais omissões a necessidade de recorrer aos métodos indirectos para a sua determinação, conforme resulta do Relatório de Inspecção respectivo junto aos autos como Documento n.º 7, da P.i..
m) Perante a mesma realidade de facto, os mesmos elementos de prova, o mesmo procedimento é, no mínimo, de estranhar a aplicação por parte dos Serviços de Inspecção da AT, de critérios absolutamente diferentes de avaliação da matéria tributável declarada pela RECORRENTE nos dois exercícios de 2001 e 2003, o que nos leva a inferir a conclusão de que algum dos Serviços de Inspecção actuou contra legem,
n) contemo-nos na segunda situação: os Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa aplicaram, erroneamente, na situação sub judice métodos de avaliação indirecta, quando estavam na posse de elementos de prova suficientes, v.g., «(...) pagamentos de SISA adicionais, existência de cheques e/ou extractos bancários e, ainda, a existência de contratos promessa de algumas fracções com valores superiores aos declarados para efeitos de escritura e pagamento de SISAS iniciais (...)» - que os habilitavam a corrigir a matéria tributável declarada com base em correcções técnicas de natureza aritmética,
o) apurando a matéria tributável corrigida com base na diferença aritmética entre os proveitos declarados e objecto de realização na venda das fracções autónomas identificadas no RELATÓRIO e os proveitos reais realizados em tais operações, apuramento este a que p rocederam com base exclusivamente, e repita-se, no diferencial aritmético entre os «(...) pagamentos de SISA adicionais, (...) cheques e/ou extractos bancários e (...) contratos promessa de algumas fracções com valores superiores aos declarados para efeitos de escritura e pagamento de SISAS iniciais (...)» de cada uma das fracções transmitidas no ano de 2003 e os valores inscritos na contabilidade e declarados nas escrituras públicas de compra e venda, o que é aliás reconhecido no RELATÓRiO e na Douta Sentença recorrida.
p) e esta questão - de serem aplicáveis à situação em análise métodos de avaliação directa ou, em alternativa, métodos indirectos - assume especial relevância, em particular, no que concerne ao direito ao reporte de prejuízos fiscais e à sua respectiva utilização para dedução aos lucros tributáveis de exercícios seguintes nos termos do Art. 47.º do Código do IRC.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DO DIREITO APLICÁVEL E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, DEVE O PRESENTE RECURSO COLHER PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A DECISÃO ORA SOB RECURSO, COM OS FUNDAMENTOS ELENCADOS NAS CONCLUSÕES SUPRA ENUNCIADAS.
DESTA FORMA, SERÁ FEITA A ESPERADA JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, tendo a sentença recorrida feito uma correcta análise dos factos a que foi feita uma adequada subsunção jurídica, pelo que deve ser confirmada.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se deve ser alterada a matéria de facto no sentido propugnado pela ora recorrente; Se a mesma foi sujeita a duas acções inspectivas para o mesmo período tributário e para o mesmo imposto, sem a existência de factos novos; Se o acto em que repousa a liquidação adicional de IRC se encontra devidamente fundamentado (do ponto de vista formal); E se pode haver lugar ao conhecimento dos pressupostos para a passagem aos métodos indirectos, quando a contribuinte não utilizou o pedido de revisão da matéria colectável.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A. No exercício de 2003, a impugnante exercia a actividade de construção de edifícios, com o CAE 45.211, e era um sujeito passivo de IRC, enquadrado no regime geral (artigos 1.° e 2.° da petição inicial e fls. 76/90 do processo administrativo tributário apenso).
B. Até 02/06/2006, teve a sua sede social em ..., data em que alterou a sua sede social para a Avenida ..., n.º 2, Cave Esquerda, Massamá, Queluz (artigos 3.° e 4.° da PI).
C. O que comunicou ao Serviço de Finanças de Sintra - 4 no dia 24/04/2006 (artigo 7.° da PI e fls. 76/90 do PAT apenso).
D. No dia 29/06/2005, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém remeteram uma carta aviso à impugnante, com base na ordem de serviço n.º OI200502232, dando conhecimento de que iria ser iniciada uma acção inspectiva, com a finalidade de proceder à verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias, de âmbito e extensão geral, abrangendo os exercícios de 2002 e 2003 (fls. 80).
E. No dia 30/06/2005, dois funcionários dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém, contactaram pessoalmente um representante da impugnante e deram-lhe conhecimento do início do procedimento de inspecção, com base na DI200501304 (fls. 81).
F. No dia 11/09/2006, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém remeteram ao Director de Finanças de Lisboa elementos para acção inspectiva a 2002, 2003 e 2004 da impugnante, através do ofício de fls. 277/286 do PAT apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 277/286 do PAT apenso).
G. No dia 15/02/2007, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa remeteram à impugnante o ofício n.º 000997 de 05/01/2007, dando conta da realização de acção de inspecção incidente sobre os valores declarados em sede de IRC no exercício de 2003, com base na ordem de serviço n.º OI200606074, de 09/10/2006 (fls. 82).
H. Na sequência desta acção de inspecção, foi elaborado o relatório de fls. 76/90 do PAT apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e de onde se destaca o seguinte:
“A presente acção inspectiva efectuou-se para dar cumprimento ao determinado no despacho de 2007/01/03, exarado na Ordem de Serviço nº OI200606074, de 2006/10/09, com o código PNAIT 221,39, tendo decorrido de 2007115/02 a 2007/06/20.
B. Motivo, âmbito e incidência temporal
A citada Ordem de Serviço para o sujeito passivo A...E FILHOS, LDA., NIF 501 107088 surgiu na sequência da acção desenvolvida pela Direcção de Finanças de Santarém.
Atendendo a que, actualmente, a sede do sujeito passivo se situa na área territorial da Direcção de Finanças de Lisboa, foi remetido a esta unidade orgânica o Relatório de Inspecção Tributária para continuação da acção inspectiva.
A acção inspectiva é de âmbito parcial e respeita ao exercício de 2003, (...)
IV - MOTIVOS E EXPOSICÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Os adquirentes já foram ouvidos pelos serviços da Direcção de Finanças de Santarém em termo de declarações com o objectivo de confirmarem, ou não, se os preços declarados nas escrituras de compra e venda e que, por consequência, serviram de base à liquidação da Sisa respectiva foram os efectivamente praticados nas transacções dos imóveis adquiridos, As diferenças apuradas na venda de fracções foram, em sede de Imposto Municipal de Sisa, regularizadas pela quase totalidade dos adquirentes das fracções, tendo os mesmos apresentado nos respectivos Serviços de Finanças os pedidos de liquidação adicional do imposto.
A análise dos factos descritos, nomeadamente os valores auto denunciados pelos adquirentes das fracções e consubstanciados nos pagamentos de Sisas adicionais, bem como a existência de cheques e/ou extractos de depósitos bancários, e ainda, a existência de contratos promessa de compra e venda de algumas fracções com valores superiores aos declarados para efeitos de escritura e pagamento das Sisas iniciais, permitem-nos concluir que a contabilidade não reflecte todas as operações tributáveis realizadas pelo sujeito passivo, conforme determina a alínea b)
do nº 3 do artº 17º do CIRC, tornando-se assim impossível a quantificação directa e exacta da matéria tributável.
Os factos do processo agora em análise traduzem, por um lado, vantagem patrimonial indevida, porque os adquirentes não pagaram o imposto (Sisa) devido na altura da compra e, por outro, negócio simulado, porque as partes contratantes não revelaram, de um modo geral, o preço real dos imóveis.
Afigura-se-nos, assim, que se verificam os elementos constitutivos do crime previsto na lei como fraude fiscal.
Assim sendo a contabilidade não reflecte de forma verdadeira e apropriada as demonstrações financeiras bem como os resultados obtidos, de acordo com o determinado nos art°s 87º a 90° da LGT e art°s 52° e 54° do CIRC.
Em face dos novos valores iremos proceder ao apuramento do lucro tributável por métodos indirectos, atendendo aos pressupostos dos art°s 87º alínea b) e 88°, alínea a), ambos da Lei Geral Tributária e art°s 52º e 54° do CIRC.
V - CRITÉRIOS E CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Atendendo aos factos expostos e em conformidade com o disposto nos art°s 88° da LGT e 52° do CIRC, vamos proceder ao apuramento do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, nos termos do art° 90° da LGT e 54 ° do CIRC.
As fracções transaccionadas pelo sujeito passivo no exercício em causa encontram-se discriminadas nos quadros abaixo, organizados por artigos matriciais.
Art° 5667 - Freguesia de Parede (110505) - Lote 148 Jardins da Parede
Este foi o empreendimento onde se verificaram as maiores diferenças entre os valores declarados para efeitos de escritura e os preços praticados nas transacções.
Trata-se de um empreendimento sito em Atanázios, São Pedro do Estoril, denominado de Jardins da Parede, Lote 148, composto pelos Blocos A e B.
O Bloco A (fracções A a S) é composto por rés-da-chão, primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares, com três fogos de habitação por piso. O Bloco B (fracções T a AS) é composto por rés-da-chão com três fogos de habitação, o primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares têm quatro fogos de habitação por piso e o sexto andar recuado é composto de um fogo (conforme escritura de propriedade horizontal de 13/03/2002, lavrada no Cartório Notarial de Amadora), num total de 42 fracções autónomas.
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas à matéria tributável em sede de IRC (€ 602.175,54) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques.
No caso da fracção L (T1 - 3° B, com uma arrecadação na cave com o número 67 e 1 parqueamento com o número 18) não foram detectadas, quer pela DF Santarém quer no âmbito do Despacho aberto para o comprador (01200701250), divergências entre o valor declarado para efeitos de escritura e o valor praticado na transacção.
Os documentos de suporte respectivos constam dos anexos referidos na linha correspondente a cada fracção do quadro seguinte
Fracção NIF Valor declarado Valor Trib. Sisa Diferença
Comprador Escritura Sisa

C 229021620 200.000,00 309.255,00 109255,00 Cópia em Anexo 1
L 199211949 127.193,46 Não Não
Q 168877 665 179.568,00 289.303,00 109.735,00 Cópia em Anexo 2
R 232555028 134.600,00 169.590,00 34.990,00 Cópia em Anexo 3
S 180702149 200.000,00 346.664,54 146.664,54 Cópia em Anexo 4
T 187941 980 200.000,00 304.266,00 104.266,00 Cópia em Anexo 5
AP 127125558 189.544,00 288.809,00 97.265,00 Cópia am Anexo 6
Total (1) €602.175,54
ARTº 17061 - Freguesia de S. D. Rana (110506) - Lote O Madoma
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas á matéria tributável em sede de IRC (€ 289.351,81) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques.
No tocante á fracção E. no âmbito do Despacho 01200701245, o comprador enviou cópia da escritura de compra e venda onde consta um empréstimo concedido pelo Banco Comercial Português de € 175.000,00 (sendo € 114.723.52 para a compra da fracção e o remanescente - € 60.276,78 para obras na referida fracção). Atendendo a que se trata de uma primeira transmissão não faz sentido a concessão de um empréstimo para obras, pelo que vamos presumir que o valor efectivamente praticado na transacção terá sido de € 175.000,00. Quanto à fracção X o comprador não respondeu à notificação efectuada no âmbito do Despacho 01200701246, tendo a carta sido devolvida com a indicação "não reclamado". Assim, vamos presumir que o valor praticado na transacção terá sido idêntico ao da fracção 1, porque se trata de uma habitação com a mesma tipologia (T2) e com a mesma permilagem; a correcção a efectuar resulta da diferença entre o valor declarado para feitos de escritura (€ 124.700.00) e o valor presumido (€ 144.651,00), ou seja, € 19.951,00.
Os documentos de suporte a essas correcções propostas constam dos anexos, referidos em cada fracção do quadro seguinte.
Fracção NIF Valor Declarado Valor Trib. Sisa Diferença
Comprador Escritura Adicional
D 206027613 114.724,00 134.676,00 19.952,00 Cópia em Anexo 7
E 199625212 114.723,52 175.000,00 60246.78 Cópia em Anexo 8
F 207906432 119.700,00 139.663,41 19.963,41 Cópia em Anexo 9
J 209973552 119.700.00 139.663,41 19.963,41 Cópia em Anexo 10
M 207792305 119.210,00 154.627,50 35.417,50 Cópia em Anexo 11
O 192989359 119.711,00 142.157,40 22.446,40 Cópia em Anexo 12
Q 145319873 129.687,45 144.687.45 15.000,00 Cópia em Anexo 13
T 195325621 125000,00 144.651,00 19.651,00 Cópia em Anexo 14
X 187503656 124.700,00 144.651,00 19.951.00 Cópia em Anexo 15
AA 209591722 130.000,00 142.157.00 12.157,00 Cópia em Anexo 16
AC 217086071 120.000,00 164.603,31 44.603,31 Cópia em Anexo 17
Total(2) € 289.351 ,81
Artº 5471 - Freguesia de Mina (111506)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas á matéria tributável em sede de IRC (€ 113.534,87) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques.
No tocante á fracção B (Loja) o comprador (emigrante na África do Sul), foi notificado pela DF Santarém e, ainda, no âmbito do Despacho DI 200701248 da DF Lisboa não tendo sido possível apurar divergências entre o valor declarado para efeitos de escritura e o praticado na transacção.
O comprador da fracção M foi ouvido pela DF Santarém e, ainda, no âmbito do Despacho DI 200701249, não tendo sido apuradas divergências entre o valor declarado para efeitos de Sisa e o praticado na transacção. ( ... )
Artº 1125 (ex 5654 da freguesia de Queluz)- Freguesia de Massamá (111116)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas á matéria tributável em sede de IRC (€ 92.271,02) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques. ( ... )
Artº 618 ex 3612 da freguesia de Queluz) - Freguesia de Massamá (111116)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas á matéria tributável em sede de IRC (€ 44.891,81) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques. ( ... )
Artº 8949 (Garagem 13) - Freguesia de Belas (111104)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas á matéria tributável em sede de IRC (€ 6.705,00) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques. ( ... )
Artº 9009 - Freguesia de Belas (111104)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas (garagem 12 e estacionamento) e as correcções totais propostas á matéria tributável em sede de IRC (€ 5.000,00) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques.
O comprador da fracção F foi ouvido pela DF Santarém e, ainda, no âmbito do Despacho DI 200701252, não tendo sido apuradas divergências entre o valor declarado para efeitos de Sisa e o praticado na transacção. ( ... )
Artº 9188 - Freguesia de Belas (111104)
No exercício em análise foi transaccionada a fracção a seguir elencada (garagem 4); nas diligências efectuadas quer pela DF Santarém quer no âmbito do Despacho 01200701253 não foram identificados elementos que indiciem que o valor declarado na transacção tenha sido diferente do praticado na transacção; além disso, a fracção em causa respeita a uma garagem inscrita na matriz no exercício de 1999, e com o valor patrimonial
de € 7.743,84, pelo que não é proposta qualquer correcção. ( ... )
Artº 9331 - Freguesia de Belas (111104)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas (garagens) e as correcções totais propostas á matéria tributável em sede de IRC (€ 7.530,00) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques.
No tocante á fracção D não foram detectadas divergências entre o valor declarado para efeitos de escritura e o praticado na transacção, no
âmbito do Despacho D1200701254; aliás, a fracção D tem uma área de 24 m2, enquanto a J tem 34 m2. ( ... )
Artº 9707 - Freguesia de Belas (111104)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas (garagem 2) e as correcções totais propostas à matéria tributável em sede de IRC (€ 964,00) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques. ( ... )
Artº 9811 - Freguesia de Belas (111104)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas à matéria tributável em sede de IRC (€ 9.726,00) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques. ( ... )
Artº 9825 - Freguesia de Belas (111104)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas à matéria tributável em sede de IRC (€ 12.491,50) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques.
No tocante á fracção B não foram detectadas divergências entre o valor declarado para efeitos de escritura e o praticado na transacção, quer nas diligências efectuadas pela DF Santarém, quer no âmbito do Despacho 01200701254, aberto pela DF Lisboa. ( ... )
Artº 10027 - Freguesia de Belas (111104)
No exercício em análise foram transaccionadas as fracções a seguir elencadas e as correcções totais propostas à matéria tributável em sede de IRC (€ 4.000,00) foram apuradas com base nos montantes declarados pelos compradores para efeitos de Sisa adicional e/ou cópias de extractos bancários/cheques. ( ... )
Para além dos cheques e/ou depósitos constantes dos anexos respeitantes aos artigos matriciais atrás referidos constam, ainda, das informações enviadas pela Caixa Geral de Depósitos e Finibanco mais alguns que foram depositados nas contas de que é titular o sócio-gerente sr. Ceciano Feliz da Silva; como não nos foi possível fazer a imputação dos cheques e/ou depósitos ao respectivo artigo matricial transaccionado pelo
sujeito passivo e, ainda, atendendo ao facto de, no caso de algumas das fracções, não termos proposto qualquer correcção á matéria tributável em
sede de IRC, vamos proceder ao relacionamento dos mesmos nos quadros seguintes para efeitos de tributação:
Conta n.o 0085085184130 - Caixa Geral de Depósitos
Data Nº depósito/cheque Montante (€) Documento
2003/01/15 6666926965 44.603,31 Cópia em Anexo 37
2003/07/25 1058815730 22.446,40 Cópia em Anexo 38
2003/10/09 1825740213 5.139,37 Cópia em Anexo 39
2003/12/22 5898694321 49.879,37 Cópia em Anexo 40
Total (13) 122.066,45
Conta nº 1993802210001 - Finibanco
Data Nº depósito/cheque Montante (€) Documento
2003/10/28 6100005563 18.953,79 Cópia em Anexo 41
2003/12/16 4618915205 13.685,92 Cópia em Anexo 42
Total (14) 32.639,71
Face ao exposto anteriormente verificamos que, no exercício de 2003, foram apuradas divergências indicadas nas colunas "diferença" - somatório de total (1) a total (14), ou seja, € 602.175,54 + € 289.351,81 + € 113.534,87 + € 92.271,02 + € 44.891,81 + € 6.705,00 + € 5.000,00 + € 7.530,00 + € 964,00 + € 9.726,00 + € 12.491,50 + € 4.000,00 + € 122.086,45 + € 32.639,71 - entre os valores declarados nas escrituras celebradas, referentes a vendas de fracções efectuadas pelo sujeito passivo nos empreendimentos atrás enunciados, e os preços reais praticados nas transacções dos imóveis que totalizaram um montante total de proveitos omitidos de € 1.343.367,71; tal montante irá servir para correcção ao lucro tributável do exercício em questão em sede de IRC (fls. 76/90 do PAT apenso).
I. Em consequência desta inspecção, foi efectuada correcção aos proveitos - vendas declarados no exercício de 2003 pela impugnante no valor de € 1.237.541,71, o que deu lugar à fixação de um total de proveitos corrigido de € 6.446.649,06 e ao reconhecimento de custos elegíveis em sede de IRC, no valor total de € 1.193.253,29, realizando-se correcção ao resultado liquido declarado de € 44.288,42, o que levou à fixação do lucro tributável corrigido em € 473.743,30 (fls. 76/90 do PAT apenso).
J. No dia 18/07/2007, a Chefe da Equipa 22 dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa emitiu o parecer que consta de fls. 75 do PAT apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, confirmando o relatório e a fixação do lucro tributável da impugnante para o exercício de 2003 em € 473.743,30 (fls. 75 do PAT apenso).
K. No dia 24/07/2007, o Chefe da Divisão 11 da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa proferiu o despacho que consta de fls. 74 do PAT apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aprovando o recurso à aplicação de métodos indirectos e determinando a fixação do lucro tributável da impugnante para o exercício de 2003 nos montantes propostos no relatório (fls. 74 do PAT apenso).
L. Da referida acção inspectiva resultou a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do exercício de 2003, com o n.º 8310016992, no montante global de € 137.093,16 (cento e trinta e sete mil, noventa e três euros e dezasseis cêntimos), com data limite de pagamento no dia 05/12/2007 (fls. 43; fls. 62 do PAT apenso).
M. Da liquidação referida no ponto antecedente foi dado conhecimento à impugnante através de carta registada remetida no dia 02/11/2007 (fls. 43).
N. A petição inicial da presente impugnação foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra através de correio registado no dia 04/03/2008 (fls. 69/70).

Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do tribunal “a quo”, em síntese, que não ocorria a caducidade do direito de impugnar, que qualquer eventual ilegalidade do procedimento inspectivo para este exercício em causa (2003) apenas poderia contender com a não suspensão do prazo de caducidade para o exercício do direito à liquidação e que se não encontrava em causa, que nem sequer fora suscitada, que o acto de liquidação adicional relativo ao IRC do exercício do ano de 2003 se encontrava formalmente fundamentado e que por não ter utilizado o pedido de revisão contra a matéria tributável fixada por métodos indirectos, não podia impugnar quer, a in/existência de pressupostos para a passagem a tais métodos, quer a eventual errada quantificação.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra alguma desta fundamentação que se vem a insurgir (para além de outra), desde logo pugnando que a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterada no sentido que elenca nos cinco pontos da sua conclusão D), que os atropelos cometidos pela AT nos actos de inspecção a que foi sujeita inquinam de ilegalidade a respectiva liquidação e que o relatório da inspecção onde repousa a liquidação adicional não se encontra formalmente fundamentado, onde também fez incluir a falta de pressupostos para a AT apurar o lucro tributável por métodos indirectos.

Vejamos então.
Quanto ao invocado errado julgamento da matéria de facto, tal como foi efectuado pelo Tribunal “a quo”, constante na matéria das citadas conclusões do recurso – pontos 1 a 5 da sua conclusão D) – desde logo convém frisar que a ora recorrente não deu cumprimento ao disposto no art.º 685.º-B do Código de Processo Civil (CPC), na redacção introduzida pelo Dec-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, então já vigente e o aplicável (correspondente à anterior norma do art.º 690.º-A do mesmo Código), já que não procedeu a quaisquer das especificações que a citada norma impõe, no sentido de demonstrar o desacerto da sentença recorrida no que a esta matéria tange, tendo como consequência a respectiva rejeição, já que também, este Tribunal, oficiosamente, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do mesmo Código, não vislumbra, desde logo, que tal matéria tenha qualquer interesse para a solução do pleito, de acordo com as várias soluções plausíveis do ponto de vista do direito aplicável –cfr. art.º 511.º , n.º1 do CPC – sendo mesmo que alguma dela, como a referida no seu ponto 1., já consta como provada na alínea N) do probatório fixado na mesma sentença e com base na qual foi julgada improcedente a suscitada caducidade do direito de impugnar, conhecida como questão prévia na parte inicial da sua aplicação do direito (nem foi por falta de qualquer prova produzida pela ora recorrente que tal impugnação foi julgada improcedente), pelo que iremos manter a matéria de facto tal como foi fixada no mesmo probatório da sentença recorrida.

Passemos agora a conhecer se a ora recorrente foi objecto de duas acções inspectivas relativas ao mesmo imposto e ao mesmo exercício (2003) e que por tal a respectiva liquidação adicional tenha ficado inquinada da ilegalidade constante no n.º3 do art.º 63.º da LGT, por ausência de “factos novos”, matéria em que a sentença recorrida se pronunciou no sentido da inexistência de tal ilegalidade, por tal inspecção comunicada à ora recorrente pela Direcção de Finanças de Santarém em 29-6-2005 não ter tido continuidade efectiva, tendo em 11-9-2006, mercê da alteração do domicílio fiscal da mesma para a área de Lisboa, sido solicitada a esta Direcção de Finanças a promoção da mesma acção de inspecção, designadamente quanto a este exercício de 2003, tendo esta Direcção de Finanças emitido nova ordem de serviço com vista à sua realização, donde veio a resultar a liquidação ora em causa, desta forma tendo havido apenas uma única inspecção efectiva que, contudo, ultrapassado o prazo legal da sua duração, apenas tem por efeito a cessação do efeito suspensivo durante o seu decurso, do respectivo prazo de caducidade, o qual se conta como se esta não tivesse tido lugar, citando diversos acórdãos do STA que no mesmo sentido têm vindo a decidir.

A matéria das alíneas B., D., F. e G. do probatório fixado na sentença recorrida e os respectivos documentos de suporte atestam esta realidade, como se pode ver de fls 80 destes autos e 277/286 do PAT apenso, onde se pode verificar que a Direcção de Finanças de Santarém, embora tenha ainda apurado e descrito algumas das irregularidades que enfermava a escrita da ora recorrente, não deu continuidade ao mesmo relatório, não o tendo concluído, onde não formulou conclusões finais, não exerceu o direito de audição prévia, tudo mercê entretanto, da alteração da sede social da ora recorrente, desta forma tendo passado a ser competente para a continuação do procedimento de inspecção, a Direcção Distrital de Lisboa, como expressamente se invoca no despacho que ordenou a remessa do mesmo (cfr. despacho de 278), aliás, em obediência ao disposto nos art.ºs 61.º da LGT e 16.º do RCPIT, sendo obrigatória a remessa das peças do procedimento, da factualidade já apurada, para a entidade tida por competente, desta forma inexistindo duas inspecções como pretende a ora recorrente, mas só uma, iniciada numa Direcção de Finanças e terminada numa outra, não sendo a existência de duas ordens de serviço que pode marcar a existência de duas inspecções, como parece pretender a ora recorrente – cfr. matéria da sua conclusão F), a) – mas sim a existência de mais do que um procedimento externo de fiscalização, é que pode ser subsumível a tal norma do art.º 63.º, n.º3 da LGT, que no caso não houve, como se viu.

A ultrapassagem da duração de tal inspecção de seis meses previsto nos art.ºs 46.º, n.º1 da LGT e 36.º, n.º2 do RCPIT, apenas tem por efeito a não suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação por tal período de tempo, como igualmente bem se decidiu na sentença recorrida, aliás de acordo com jurisprudência que temos por assente e que seguimos(1)sem inquinar de ilegalidade a respectiva liquidação subsequente, já que se trata de um vício procedimental para o qual a lei expressamente prevê esta sanção própria – cessação do efeito suspensivo, desta forma improcedendo o recurso também por este fundamento.

Quanto ao outro fundamento articulado de falta da sua fundamentação formal, pela quase total transcrição na matéria da alínea H) fixada no probatório da sentença recorrida do relatório do exame escrita relativo a este exercício, nenhumas dúvidas poderão restar dessa fundamentação do procedimento de inspecção para proceder à liquidação com recurso a métodos indirectos(2)rcê da impossibilidade de a mesma ter lugar pelo método directo, e que diríamos mesmo com ampla desenvoltura de todas as situações demonstrativas da falta de credibilidade da escrita da ora recorrente, especialmente quanto aos proveitos derivados das vendas das fracções autónomas dos diversos prédios, em regra, contabilizados por valores abaixo dos reais, bem como a imputação dos montantes das contas bancárias em nome do sócio-gerente da mesma recorrente, igualmente considerado proveito omitido, neste exercício, nos termos das operações efectuadas no mesmo relatório, que, nos termos do disposto no art.º 63.º do RCPI pode em tais conclusões do relatório do exame à escrita estar contida, para além do dever de fundamentação constante do disposto nos art.ºs 77.º, 87.º, 88.º e 90.º da LGT, e que se mostra cumprido, que no caso, com clareza, congruência e suficiência, esteiam o acto de liquidação adicional de IRC relativo a 2003, que enquanto instrumento destinado a levar ao conhecimento da contribuinte as razões porque teve lugar aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, não deixou de cumprir integralmente tal desiderato, para que a lei o veio estabelecer, que nem a ora recorrente veio colocar em causa o comprometimento desse fim, sendo patentes as razões invocadas nesse relatório porque a matéria tributável não podia ser operada com correcções técnicas apenas (método directo), pelo que igualmente não pode deixar de improceder a impugnação judicial, enquanto (também) arrimada a este vício formal de falta da sua fundamentação, como igualmente bem se decidiu na sentença recorrida.


Ainda dentro desta invocada falta de fundamentação do acto de liquidação adicional veio a ora recorrente, numa sua grande parte, esgrimir argumentos tendentes a pretender demonstrar que no caso se não encontravam reunidos os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos, bem podendo ter havido lugar a correcções técnicas apenas, matéria esta que se encontra fora do objecto do conhecimento da presente impugnação judicial, como bem se pronunciou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, bem como do presente recurso, por falta do preenchimento de uma condição de procedibilidade (falta de dedução do pedido de revisão da matéria colectável, art.ºs 91.º e 86.º da LGT), pela que da mesma, igualmente, não iremos conhecer.


Improcede assim, a matéria de todas as conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,28/06/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS



1- Cfr. neste sentido, para além dos acórdãos citados na sentença recorrida, também o proferido pelo STA em 20-10-2010, no recurso n.º 112/10.
2- De resto, tal impossibilidade de apuramento do lucro tributável por métodos indirectos, mercê da impossibilidade de o ser pelo método directo, nem necessitava de ser expressamente invocado, bastando que os factos apurados para o efeito a concretizassem – cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 7-6-2006 e de 7-10-2009, proferidos nos recursos n.ºs 1293/05 e 422/09, respectivamente.