Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05203/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/19/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:TRIBUNAIS ARBITRAIS.
REGIME DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA EM DIREITO TRIBUTÁRIO (DEC.LEI 10/2011, DE 20/1).
PRINCÍPIOS PROCESSUAIS INERENTES AO PROCESSO ARBITRAL.
RECURSO DE DECISÃO PROFERIDA POR UM TRIBUNAL ARBITRAL (ARTºS.25, 27 E 28, DO RJAT).
NULIDADE DA SENTENÇA. ARTº.668, Nº.1, AL.D), DO C. P. CIVIL. EXCESSO DE PRONÚNCIA.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NOÇÃO.
ARTº.456, DO C.P.CIVIL.
PRESSUPOSTOS DA CONDENAÇÃO DA A. FISCAL COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ (ARTº.104, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA).
Sumário:1. A possibilidade de existência de tribunais arbitrais surgiu na Constituição da República a partir da sua revisão em 1982 (cfr.artº.211, nº.2, da C.R.P.), actualmente estando consagrada no artº.209, nº.2, do diploma fundamental.
2. O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/1 (RJAT), sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma.
3. Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
4. No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada. Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso. Em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos (cfr.artº.25, do RJAT).
5. Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral para os T. C. Administrativos (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
6. No que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b-Oposição dos fundamentos com a decisão;
c-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
7. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.668, nº.1, do CPCivil.
8. O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no último segmento da norma.
9. Conforme se retira da factualidade provada nos autos, o Tribunal arbitral examinou e decidiu de forma desfavorável à impugnante as questões por esta suscitadas, obstativas da decisão de mérito, as quais consistiram na competência do próprio Tribunal arbitral para julgar a questão controvertida e na ilegitimidade passiva da D.G.C.I. Assim sendo, não se verifica qualquer excesso de pronúncia de que padeça a decisão arbitral, se as excepções por este apreciadas foram alegadas pelas partes no processo, mais se devendo referir que, em todo o caso, sempre seriam de conhecimento oficioso (cfr.artºs.494 e 495, do C.P.Civil). Por último, sempre se dirá que o deficiente enquadramento jurídico e decisão de tais excepções pode consubstanciar erro de julgamento de direito, mas não será nunca causa de nulidade/anulação da decisão arbitral devido a excesso de pronúncia.
10. Não nos dá o ordenamento jurídico-tributário a noção de litigância de má-fé, devendo ir buscar-se ao C.P.Civil, o qual se aplica supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário; artº.104, da L.G.Tributária). Neste campo, o princípio geral a observar, decorrente do próprio direito de acção, consagrado no artº.20, da C.R.P., é o de que o processo deve proporcionar às partes a ampla e incondicionada possibilidade de dirimir, com intensidade, liberdade e abrangência, as suas razões de facto e de direito, segundo um espírito de razoabilidade e equilíbrio, mas igualmente sem inibições ou constrangimentos, que possam eventualmente advir do receio de futuras penalizações, assentes no entendimento que o Tribunal vier a adoptar sobre os temas em discussão. Em consonância com o disposto no artº.266-A, do actual C.P.Civil, o qual impõe às partes o dever geral de probidade, estatui o artº.456, nº.1, do mesmo diploma legal que será condenado em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, o litigante de má-fé.
11. Na descrição da figura do litigante de má-fé, o texto legal diz-nos que se deve considerar como tal aquele que actuando com dolo ou negligência grave (cfr.artº.456, nº.2, do C.P.Civil):
a-Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
b-Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factualidade relevante para a decisão da causa (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
c-Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou use o processo ou os meios processuais de forma manifestamente reprovável (modalidades de dolo ou negligência grosseira instrumental).
12. Especificamente quanto à possibilidade de condenação da A. Fiscal no pagamento de uma sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras da litigância de má-fé, deve levar-se em consideração o artº.104, nº.1, da L.G.Tributária, normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas de patente violação, por banda da Fazenda Pública dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé. O comportamento sancionado no preceito é apenas o da actuação da Administração no processo judicial e não também o tido no processo administrativo gracioso (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.Protuguesa).


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo dos artºs.27 e 28, nº.1, al.c), do dec.lei 10/2011, de 20/1, dirigida a este Tribunal visando decisão proferida no procedimento arbitral nº.2/2011-T, tendo por objecto liquidação de Imposto de Selo no montante de € 50.000,00 e levada a efeito no ano de 2008.
X
O apelante termina as alegações da impugnação (cfr.fls.30 a 51 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta decisão arbitral decidiu a excepção invocada pelo ora impugnante de ilegitimidade processual passiva da D.G.C.I. cindida em duas partes, competência do tribunal arbitral e ilegitimidade processual passiva da D.G.C.I. Esta sistematização da análise deturpou a conclusão, porquanto;
2-Em abstracto, o Tribunal arbitral é competente em razão da matéria e é a D.G.C.I. que administra o imposto, mas;
3-Foi traçado, incorrectamente, face à lei, um paralelo entre a D.G.C.I., administração tributária e representação da Fazenda Pública;
4-Estava em causa o Imposto de Selo referente à verba 26.3 da Tabela Geral do Imposto de Selo, receita própria do IGFIJ, em que a competência para anulação da liquidação pertence ao Instituto dos Registos e Notariado I.P. de quem dependem as conservatórias, e para a respectiva restituição do imposto e consequentes juros indemnizatórios a competência pertence ao Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P.;
5-É manifesta a confusão de que a referida decisão arbitral padece, confundindo DGCI e Fazenda Pública, assim como “parte” e “representante em juízo”;
6-O artº.15, do C.P.P.T., sob a epígrafe “Competência do Representante da Fazenda Pública” estabelece a competência do Representante da Fazenda Pública nos Tribunais tributários: representar a administração tributária e, nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal; Recorrer e intervir em patrocínio da Fazenda Pública na posição de recorrente ou recorrida;
7-O disposto no nº.2, do artº.10, do C.P.T.A., refere: “Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.”;
8-Nos processos de impugnação judicial, aplicam-se as regras sobre processo nos tribunais administrativos, a legitimidade para intervir no lado passivo cabe ao Ministério sobre cujos órgãos recaia o dever de observar o comportamento pretendido, pelo que, a entidade demandada terá de ser o Director Geral dos Impostos e não a Representação da Fazenda Pública;
9-Em sede de Arbitragem Tributária, e nos respectivos processos, quem consta como parte é a D.C.C.I. - é ela que se “vinculou” às decisões aí proferidas - e não a “Fazenda Pública”, logo o Tribunal arbitral não poderá proferir decisões neste âmbito já que as suas decisões não “vinculam” o IRN ou o IGFIJ;
10-Estamos em crer que a douta decisão arbitral faz eco desta confusão estabelecida entre a D.C.C.I. e a “Fazenda Pública”: nos processos judiciais a parte é a “Fazenda Pública”, a qual intervém em juízo por intermédio dos “representantes da Fazenda Pública”, os quais são funcionários da D.G.C.I. em função do previsto na lei (ETAF e CPPT);
11-Nos processos arbitrais a parte é a “D.G.C.I.” (entidade específica que está expressamente vinculada às decisões arbitrais), a qual é representada por jurista designado, em função do previsto no CPTA;
12-De acordo com os artºs.1, nº.3, e 100, da L.G.T., e o artº.13, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1, só o dirigente máximo do Instituto dos Registos e Notariado I.P. ou do Instituto Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P., pode revogar, rectificar, reformar ou converter o acto tributário cuja legalidade foi posta em causa e praticar os actos subsequentes, como seja a restituição do imposto e o pagamento de juros indemnizatórios, através do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P., sempre no âmbito do Ministério da Justiça - autor do acto impugnado;
13-Dado que o imposto liquidado, cobrado e arrecadado não tramitou pela D.G.C.I., mas pelo Ministério da Justiça “lato sensu” - autor do acto - resulta que a sua anulação e restituição do imposto não pode ser objecto da presente jurisdição arbitral, uma vez que o Ministério da Justiça não se encontra vinculado;
14-O dever de executar que consta do artº.173, do CPTA, consiste no dever da Administração de restituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado. De acordo com o artº.174, do CPTA, o dever de executar a decisão ora proferida é do órgão que tenha praticado o acto anulado;
15-Não se encontrando o autor do acto sob a jurisdição arbitral não podia, pois, esta jurisdição, decidir contra quem não está vinculado a ela. E não podia, também, decidir contra quem está vinculado à referida jurisdição arbitral, mas não pode executar a decisão em razão da matéria, “in casu” o acto de liquidação do pedido!
16-Nos termos do artº.30, do dec.lei 10/2011, de 20/1, não se pode submeter os processos de impugnação com este objecto à apreciação dos Tribunais arbitrais, por serem incompetentes em razão da matéria, tendo de permanecer na jurisdição judicial;
17-Existe, assim, fundamento para o presente recurso com base em pronúncia indevida, no sentido da decisão arbitral ter decidido contra quem não praticou o acto;
18-Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente pedido de impugnação da decisão arbitral, e, em consequência, ser revogada a decisão produzida pelo Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo supra referenciado e mantê-lo na jurisdição judicial.
X
Contra-alegou a sociedade impugnada, “A..., S.A.”, com os demais sinais dos autos, a qual pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas Conclusões o seguinte (cfr.fls.84 a 112 dos autos):
1-A decisão arbitral é inimpugnável, uma vez que não se verifica o fundamento invocado pela D.G.C.I. de “pronúncia indevida” previsto na 1ª. parte, da al.c), do artº.28, do dec.lei 10/2011, de 20/1, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), no sentido de o tribunal ter conhecido de uma questão que não podia/devia conhecer por não ter sido suscitada pelas partes ou não ser de conhecimento oficioso;
2-O Tribunal arbitral limitou-se a julgar as excepções sobre a competência do tribunal arbitral e legitimidade processual passiva da D.G.C.I., que foram suscitadas por esta na sua resposta ao requerimento inicial, considerando as mesmas improcedentes, pelo que não se verifica qualquer situação de “conhecimento de questões que não pudesse e devesse conhecer”;
Sem conceder, subsidiariamente:
3-De acordo com o disposto no artº.2, nº.1, al.a), do RJAT, os Tribunais arbitrais são competentes para apreciar a (i)legalidade de actos de liquidação de tributos, entre outros actos, sendo que, segundo o previsto no artº.4, do RJAT, e na portaria 112-A/2011, de 22/3 (cfr.artºs.1, al.a), e 2, a Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), actual AT, está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais quando esta tenha por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida;
4-Não obstante o imposto do selo, no caso dos autos, ter sido liquidado e cobrado por uma Conservatória do Registo Comercial, a realidade é que esta actuou apenas como mero sujeito passivo do imposto, nos termos conjugados dos artºs.2, nº.1, al.a), e 23, nº.1, ambos do Código do Imposto de Selo (CIS), como sucede em muitas outras situações em sede de I.R.C., I.V.A. e de outras verbas do próprio Imposto do Selo, inclusive com repercussão económica, legalmente prevista, do imposto autoliquidado pelo sujeito passivo sobre o terceiro/cliente/consumidor do serviço (como fez a Conservatória, neste caso - repercutiu o imposto sobre a SPCG);
5-Nem por isso a competência para a administração do imposto deixa de estar, em todos esses casos, com a DGCI/AT, e isso é quanto basta para autorizar a intervenção e funcionamento da jurisdição arbitral (cfr.artº.2, da portaria 112-A/2011);
6-E é inequívoco que a administração do Imposto do Selo incumbe à DGCI/AT (nem a AT o nega - cfr.parágrafo 5 das suas alegações);
7-É a AT (ex DGCI) quem inspecciona e fiscaliza a aplicação do Imposto do Selo (cfr. artº.52 e seg. do Código do Imposto do Selo - CIS - as als.d) e e), do artº.7, da portaria 348/2007, e, actualmente, as als.d) e e), do artº.7, da portaria 320-A/2011), quem liquida imposto em falta em caso de incumprimento do sujeito passivo obrigado à autoliquidação (cfr.artº.67, do CIS, artº.99, nº.2, al.c), do Código do IRC, e a Circular da DGCI 20/2002, de 28 de Agosto, atrás junta como Doc. Anexo), quem tem competência para decidir reclamações graciosas, recursos hierárquicos e pedidos de revisão oficiosa (cfr.al.h), do artº.7, da portaria 348/2007, os artºs.10 e 66, e seg., do CPPT e, actualmente, a al.h), do artº.7, da portaria 320-A/2011), quem emite instruções com vista a uniformizar a aplicação das normas atinentes, entre outros, ao Imposto do Selo (exemplo disso é precisamente a Circular da DGCI 20/2002, de 28 de Agosto, atrás junta como Doc. Anexo) e quem elabora os respectivos modelos declarativos (cfr.als.b) e c), do artº.7, da portaria 348/2007 e, actualmente, as als.b) e c), do artº.7, da portaria 320-A/2011), quem recebe o produto da autoliquidação do imposto do selo levada a cabo pelo sujeito passivo do mesmo (cfr.artº.44, nº.1, do CIS), quem tem o poder de alterar o valor tributável declarado (cfr.artº.12, do CIS), quem organiza em relação a cada sujeito passivo um processo individual (cfr.artº.24, do CIS), etc.;
8-Acresce que são os funcionários e agentes da AT (ex DGCI) quem representa os interesses do credor tributário em sede de imposto do selo e de outros impostos (qualquer que seja esse credor tributário: Estado, administração indirecta, autónoma ou local) nos tribunais tributários (cfr.artº.54, nº.1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), sendo a todos os títulos incompreensível que, contra lei expressa (cfr.artº.2, da portaria 112-A/2011), esta mesma AT se queria agora eximir a representar estes mesmos interesses quando seja usado o fórum alternativo da arbitragem tributária;
9-A circunstância de, por opção legislativa, com vista a obter uma maior eficiência do sistema fiscal, a lei atribuir competência a outros órgãos e entidades, que não a própria DGCI/AT, para proceder à liquidação e cobrança do imposto, é relativamente comum e transversal a uma série de impostos e situações (como sucede, por exemplo, com os vários sujeitos passivos do imposto previstos no artº.2, nº.1, do CIS, bem como nos casos do IVA e do IRC onde prevalece também um sistema de autoliquidação do imposto), não afastando, porém, a competência daquela DGCI/AT para administrar os tributos em causa;
10-E o facto de a receita gerada pelo imposto liquidado ao abrigo da verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) constituir receita própria do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, e não da DGCI/AT, ao abrigo do disposto no artº.4, nº.1, do dec.lei 322-B/2001, de 14 de Dezembro, não implica que esta entidade passe a administrar impostos, nem tão pouco a obrigará perante o contribuinte (com o qual não teve nem tem qualquer relação tributária) a restituir quantias autoliquidadas pelo sujeito passivo;
11-Como se pode ler na decisão do Tribunal arbitral impugnada, “esta consignação, como se alcança do nº.5, do artº.10, da Lei 85/2001, de 4 de Agosto, e do próprio preâmbulo do DL 322-B/2001 (nº.1, 2º. parágrafo), teve por único objectivo suprir necessidades de financiamento do Ministério da Justiça e não já criar um Imposto de Selo “especial”. De facto, a lei orgânica do IGFIJ, IP, que sucedeu ao IGFPJ (DL 128/2007, de 27/04) não consagra qualquer poder tributário - maxime, administração e fiscalização de imposto, acção de justiça ou representação judiciária - para além da atribuição de receitas próprias (cfr.artºs.3 e 11)”;
12-Acresce que uma coisa é sempre certa e sabida: a receita nunca é da DGCI (actual AT). E a consignação de receitas tributárias a outras entidades consiste numa opção legislativa bastante comum, constituindo caso paradigmático as receitas geradas em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, de Derrama e de IUC, integralmente consignados às Autarquias Locais (ou, em mais um exemplo, o IVA parcialmente consignado ao sector do turismo ou à Segurança Social);
13-Esta consignação das receitas tributárias não se reflecte, de modo algum, nas eventuais vicissitudes dos actos tributários que as geraram, nem interfere com a competência da DGCI (actual AT) para administrar os tributos em causa, administração esta onde naturalmente se insere a discussão em juízo (judicial ou arbitral) da legalidade das liquidações e autoliquidações do mesmo, ou não fosse a DGCI/AT, como é, a entidade especializada (como o não será a entidade a quem tenha sido consignada a receita) em impostos;
14-Daí que num caso em que a receita pertence à União Europeia (direitos aduaneiros), o legislador, para o subtrair à arbitragem tributária, tivesse de o dizer expressamente, tivesse de excepcionar esse tributo da arbitragem tributária (cfr.al.c), do artº.2, da portaria 112-A/2011);
15-Quanto à ilegitimidade passiva suscitada pela AT, importa ainda acrescentar que ela não tem qualquer razão de ser sequer como hipótese em abstracto equacionável, como se pode concluir dos mais diversos ângulos de observação;
16-Em primeiro lugar, a arbitragem tributária é um processo estruturado à imagem e semelhança da impugnação judicial (e em contraste com o - actual - contencioso administrativo, e com o processo civil), que se dirige objectivamente à apreciação da legalidade de um acto (de liquidação) e não, subjectivamente, à condenação de uma parte;
17-Daí que só o acto, e não também uma qualquer parte contrária, tenha de ser identificado na petição inicial, em contraste com o que sucede no contencioso civil e administrativo (quanto a este último, vejam-se os artºs.10 e 78, nº.2, al.e), do CPTA);
18-Acresce que se a lei tivesse optado (não optou) por um processo de partes, teria tido que fazer ainda outro tipo de opções que não levariam necessariamente ao resultado que a AT aqui pretende (sem qualquer base legal) alcançar: deveria ser parte para efeitos deste processo arbitral quem por força da lei tem as competências de administração deste imposto (como de jure condendo parece mais curial) ou, pelo contrário, a figura do beneficiário último da receita gerada pelo imposto (completamente afastado de qualquer acto de administração deste imposto) ? E optando-se por esta última solução, não acharia o legislador mais sensato que, de qualquer modo, na prática tudo fosse tratado por quem administra o imposto do selo (a AT) através de uma representação instituída pela própria lei ?
19-A julgar pelas soluções adoptadas em sede do processo de partes que é hoje (desde 2002) o processo nos tribunais administrativos regulado pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), se a arbitragem tributária (ou a impugnação judicial de actos tributários prevista no CPPT) fosse um processo de partes, muito provavelmente a parte a demandar seria o Ministério das Finanças (e não o credor financeiro último da receita do imposto), na qualidade de Ministério “(…) a cujos órgãos [é] imputável o acto jurídico impugnado [recorda-se que, entre muitas outras que lhes cabem, a competência para emitir actos de liquidação de imposto do selo em caso de omissão de autoliquidação por parte do sujeito passivo ou obrigado tributário, é exclusivamente de órgãos/serviços na dependência hierárquica do Ministério das Finanças, sendo sempre serviços na mesma dependência hierárquica quem se relacionam para todos os efeitos com o contribuinte para efeitos deste imposto, incluindo a sua cobrança] ou sobre cujos órgãos [recai] o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” (cfr.artº.10, nº.2, do CPTA);
20-Para terminar este ponto, que inaceitável visão esta que a AT pretende impor ao contencioso tributário: em sede de tribunais tributários, durante décadas, nenhum problema que questões de imposto do selo como esta sejam discutidas com um exercício do contraditório a cargo exclusivamente de funcionários e agentes da AT (e não do IGFIJ, IP - cfr.artº.54, nº.1, do ETAF); em sede de tribunais arbitrais, o mesmo princípio já não seria válido;
21-Em síntese, não sendo a arbitragem tributária um processo de partes, não é admissível suscitar a ilegitimidade passiva da AT. E se fosse, a solução que se vislumbra prospectivamente dentro do espírito do sistema sempre apontaria para a legitimidade passiva da AT (ex DGCI);
22-Com respeito à questão suscitada pela AT relativamente a saber sobre quem incumbe a responsabilidade de restituir ao contribuinte o imposto anulado, é de começar por referir que está-se ainda apenas na fase declarativa, pelo que todas as questões relacionadas com quem suporta, em termos finais, o encargo com um eventual reembolso do imposto e pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, são de momento totalmente irrelevantes;
23-Mas sempre se dirá a propósito que o contribuinte (o sujeito passivo que autoliquidou o imposto - neste caso a Conservatória do Registo Comercial de Setúbal - ou, por maioria de razão, a entidade sobre quem por força da lei recaiu o encargo económico do imposto - neste caso a SPCG) relaciona-se exclusivamente com a DGCI (ex AT) que o fiscaliza, lhe fornece os modelos declarativos, liquida em sua substituição quando entenda ter havido omissão ilegal e recebe/cobra o imposto autoliquidado; o IGFIJ, IP não desempenha qualquer papel nesta relação tributária, do mesmo modo que um município não desempenha qualquer papel em relações tributárias em sede de IMT ou de IUC, por exemplo (limita-se a ser o beneficiário último da receita arrecadada pelos Serviços da DGCI/AT);
24-Daí que custe especialmente a entender esta tese de que o contribuinte terá de pedir contas ao IGFIJ, IP (com quem nunca se relacionou), especialmente num contexto em que tal nunca havia sido anteriormente aventado em sede de imposto do selo ou de outros impostos em que se preveja uma qualquer consignação das suas receitas (IMI, IMT, IUC, Derrama Municipal, etc.);
25-Como é evidente, é à AT (ex DGCI), que administra o imposto e o arrecada, que o contribuinte deve pedir contas em caso de anulação do mesmo; o contribuinte é alheio às relações que a AT (ex DGCI) ou, mais correctamente, o Estado português, tenha, com entidades a jusante no circuito do imposto (Municípios, IGFIJ, IP, ou outras); caberá ao Estado português (única entidade que se relaciona com os referidos Municípios ou com o IGFIJ, IP, em sede de impostos cuja receita lhes esteja consignada), se assim o entender, intentar as acções necessárias (no limite, acção de regresso) para reaver o equivalente à receita de imposto em causa (embora estranho seja se o fizer neste caso, se se tiver em conta que foi o Estado português quem definiu que essa receita - prevista em norma que se veio a julgar violadora do Direito Comunitário - seria necessária ao funcionamento do IGFIJ, IP, pelo que, de uma ou de outra forma, haverá de ter de o prover com montante equivalente);
26-E este resultado resulta sem esforço de uma simples leitura da lei: a Administração tributária, em sede de imposto do selo, é a AT/DGCI (cfr.artº.1, nº.3, da LGT), pela razão simples de que é esta AT (ex DGCI), e não qualquer outra entidade, quem o administra;
27-Ora, assim sendo, é sobre a AT (ex DGCI) que recai, de acordo com a norma contida no artº.24, do RJAT, relativa aos efeitos da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, o dever de restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito;
28-Em síntese, improcedem integralmente as conclusões do articulado impugnação da AT;
29-Se este Tribunal assim não entender (no que não se concede mas se admite a benefício de raciocínio por cautela de patrocínio), mais se requer, caso seja anulada a decisão arbitral posta em crise, que este Tribunal decida então a questão substantiva que nessa hipótese ficará órfã de decisão, ao abrigo do disposto no artº.149, do CPTA, aplicável “ex vi” artº.27, nº.2, da lei da arbitragem tributária aprovada pelo dec.lei 10/2011, de 20/1;
Da litigância de má fé
30-A AT incorre na prática de litigância de má fé à luz do disposto no artº.456 e seg. do CPC (aplicável na arbitragem tributária quer ao Contribuinte quer à AT, em razão do disposto no artº.16, nº.1, als.b) e f), e no artº.29, nº.1, al.e), do dec.lei 10/2011, de 20/1, e da igualdade de estatutos processuais entre as partes imposto pelo artº.20, nº.4, da Constituição da República Portuguesa) quando baseia a invocação da sua ilegitimidade processual e da incompetência do Tribunal Arbitral numa visão (como “processo de partes”) do processo aplicável que nunca foi a sua num processo estruturalmente idêntico ao arbitral como é a impugnação judicial (a inversa será mais correcta: o arbitral é que será idêntico);
31-Esta conduta da AT diverge do seu procedimento habitual em situação idêntica no que ao pressuposto processual aqui em causa - de legitimidade passiva - respeita;
32-Daí que se possa e deva concluir, salvo melhor opinião, que com este recurso a AT deduz pretensão cuja falta de fundamento legalmente relevante a AT não devia ignorar (cfr.artº.456, nº.2, al.a), do CPC) e que se possa concluir também que este recurso da AT configura um uso do processo e dos meios processuais em abstracto disponíveis, manifestamente reprovável, cujo único efeito e intenção discerníveis será o entorpecimento da acção da justiça e o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão arbitral (cfr.artº.456, nº.2, al.d), do CPC);
33-Subsidiariamente, sem conceder, sempre se dirá que caso se conclua que a AT beneficia e pode constitucionalmente beneficiar de um estatuto especial no que respeita à prática da litigância de má fé, sempre se vislumbra, mesmo à luz desse estatuto especial, a ultrapassagem dos limites legalmente impostos (os do artº.104, da LGT): divergência da AT, neste processo, relativamente ao seu procedimento habitual em situações idênticas, como se tentou mostrar supra;
34-NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO À IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL, MANTENDO-SE NA ORDEM JURÍDICA A DOUTA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL ARBITRAL;
35-MAIS SE REQUERE QUE A AT SEJA CONDENADA PELA PRÁTICA DE LITIGANCIA DE MÁ FÉ, EM MULTA ADEQUADA E EM INDEMNIZAÇÃO/SANÇÃO PECUNIÁRIA A SATISFAZER À PORTUCEL, DE VALOR NUNCA INFERIOR A € 5.000;
36-CASO ASSIM NÃO VENHA A ENTENDER, DEVERÁ ENTÃO ESTE TRIBUNAL, ANULADA QUE SEJA A DECISÃO ARBITRAL, DECIDIR AS QUESTÕES A CUJA RESOLUÇÃO SE DIRIGIA A MESMA.
ASSIM DELIBERANDO, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA.
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Foi cumprido o artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (“ex vi” do artº.27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1), não tendo o Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitido pronúncia sobre a presente impugnação (cfr.fls.78 e 79 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.81 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão arbitral impugnada julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.101 e 102 do processo administrativo apenso):
1-A assembleia geral da “A..., S.A.” (adiante designada também por SPCG), pessoa colectiva nº.503 218 359, com sede em Mitrena, apartado 55, 2901-861 Setúbal, deliberou em 2007/10/31 aumentar o seu capital social de € 500.000.00 para € 13.000.000,00, sendo o reforço de € 12.500.000,00 realizado por conversão de prestações suplementares de capital;
2-Em 2008/01/08, a A...apresentou na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal o pedido de registo daquele aumento de capital;
3-Aquela Conservatória liquidou imposto de selo no valor de € 50.000,00 correspondente a 0,4% do valor do aumento de capital (verba 26.3 da TGIS);
4-Em 2008/04/07, a A...impugnou judicialmente aquela liquidação no TAF de Almada, processo que corre os seus termos sob o nº. 317/08.6BEALM;
5-Decorreram mais de 2 (dois) anos desde a entrada em juízo daquela impugnação, sem que tenha sido proferida sentença.
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A decisão da matéria de facto pelo Tribunal arbitral baseou-se em prova documental constante dos presentes autos e apenso, pelo que, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, do C. P. Civil (“ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1):
6-Na resposta à presenta acção, a ora impugnante suscitou, como questões obstativas da decisão de mérito pelo Tribunal impugnado, a da competência do tribunal arbitral para julgar a questão controvertida e a da ilegitimidade passiva da D.G.C.I., enquanto demandada no âmbito do presente processo (cfr.articulado junto a fls.34 a 45 do processo administrativo apenso);
7-Tais questões, elencadas no nº.6, foram expressamente apreciadas e julgadas pela decisão impugnada, de forma desfavorável às pretensões da D.G.C.I. (cfr.decisão do Tribunal arbitral constante de fls.100 a 112 do processo administrativo apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão impugnada julgou procedente a petição que originou o procedimento arbitral, em consequência do que anulou a liquidação de imposto de selo identificada no nº.3 do probatório, mais tendo condenado a D.G.C.I. no pagamento de juros indemnizatórios à sociedade requerente.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil, “ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1).
O impugnante dissente do julgado alegando, em síntese e conforme aludido supra, que está em causa o Imposto de Selo referente à verba 26.3 da Tabela Geral do Imposto de Selo, receita própria do IGFIJ, em que a competência para anulação da liquidação pertence ao Instituto dos Registos e Notariado I.P. de quem dependem as conservatórias, e para a respectiva restituição do imposto e consequentes juros indemnizatórios a competência pertence ao Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P. Que em sede de Arbitragem Tributária, e nos respectivos processos, quem consta como parte é a D.C.C.I. - é ela que se “vinculou” às decisões aí proferidas - e não a “Fazenda Pública”, logo o Tribunal arbitral não poderá proferir decisões neste âmbito já que as suas decisões não “vinculam” o IRN ou o IGFIJ. Que de acordo com os artºs.1, nº.3, e 100, da L.G.T., e o artº.13, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1, só o dirigente máximo do Instituto dos Registos e Notariado I.P. ou do Instituto Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P., pode revogar, rectificar, reformar ou converter o acto tributário cuja legalidade foi posta em causa e praticar os actos subsequentes, como seja a restituição do imposto e o pagamento de juros indemnizatórios, através do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P., sempre no âmbito do Ministério da Justiça - autor do acto impugnado. Dado que o imposto liquidado, cobrado e arrecadado não tramitou pela D.G.C.I., mas pelo Ministério da Justiça “lato sensu” - autor do acto - resulta que a sua anulação e restituição do imposto não pode ser objecto da presente jurisdição arbitral, uma vez que o Ministério da Justiça não se encontra vinculado. Pelo que, nos termos do artº.30, do dec.lei 10/2011, de 20/1, não se pode submeter os processos de impugnação com este objecto à apreciação dos Tribunais arbitrais, por serem incompetentes em razão da matéria, tendo de permanecer na jurisdição judicial. Assim existindo fundamento para o presente recurso com base em pronúncia indevida, no sentido da decisão arbitral ter decidido contra quem não praticou o acto (cfr.conclusões 1 a 17 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo entendemos, assacar à decisão arbitral recorrida o vício de excesso de pronúncia previsto no artº.28, nº.1, al.c), do dec.lei 10/2011, de 20/1.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
A possibilidade de existência de tribunais arbitrais surgiu na Constituição da República a partir da sua revisão em 1982 (cfr.artº.211, nº.2, da C.R.P.), actualmente estando consagrada no artº.209, nº.2, do diploma fundamental (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.550 e seg.).
A arbitragem encontra, assim, um espaço próprio por onde pode começar a irradiar. Com efeito, face aos crescentes níveis de litigação, que se tornam absolutamente incomportáveis para o sistema de justiça tradicional, os Tribunais arbitrais voluntários têm vindo a assumir-se como uma verdadeira alternativa para os cidadãos resolverem os seus litígios.
O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/1 (RJAT), sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.
Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.
Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.
Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.
Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.
Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.
Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.668, nº.1, do CPCivil.
E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos.
Voltando ao caso concreto, a entidade impugnante fundamenta o seu apelo para este Tribunal no citado artº.28, nº.1, al.c), do RJAT, alegando que a decisão arbitral recorrida padece do vício de excesso de pronúncia.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.d), do C. P. Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.660, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no último segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.915; ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/9/2010, rec.1149/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5265/11).
No caso “sub judice”, a entidade impugnante fundamenta o alegado excesso de pronúncia (pronúncia indevida) no facto da decisão arbitral ter decidido contra quem não praticou o acto, em concreto a D.G.C.I.
Ora, conforme se retira da factualidade provada (cfr.nºs.6 e 7 do probatório), o Tribunal arbitral examinou e decidiu de forma desfavorável à impugnante as questões por esta suscitadas, obstativas da decisão de mérito pelo Tribunal impugnado, que consistiram na competência do próprio Tribunal arbitral para julgar a questão controvertida e na ilegitimidade passiva da D.G.C.I.
Assim sendo, não se verifica qualquer excesso de pronúncia de que padeça a decisão arbitral, se as excepções por este apreciadas foram alegadas pelas partes no processo, mais se devendo referir que, em todo o caso, sempre seriam de conhecimento oficioso (cfr.artºs.494 e 495, do C.P.Civil).
Por último, sempre se dirá que o deficiente enquadramento jurídico e decisão de tais excepções pode consubstanciar erro de julgamento de direito, mas não será nunca causa de nulidade/anulação da decisão arbitral devido a excesso de pronúncia.
Concluindo, improcede a presente impugnação quanto à alegada nulidade por excesso de pronúncia da decisão arbitral recorrida.
Cabe deixar cair uma última palavra sobre a requerida condenação da entidade impugnante como litigante de má-fé, em multa e indemnização à sociedade impugnada, nos termos do cfr.artº.456 e 457, do C.P.Civil (cfr.conclusões 30 a 33 das contra-alegações).
Não nos dá o ordenamento jurídico-tributário a noção de litigância de má-fé, devendo ir buscar-se ao C.P.Civil, o qual se aplica supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário; artº.104, da L.G.Tributária).
Neste campo, o princípio geral a observar, decorrente do próprio direito de acção, consagrado no artº.20, da C.R.P., é o de que o processo deve proporcionar às partes a ampla e incondicionada possibilidade de dirimir, com intensidade, liberdade e abrangência, as suas razões de facto e de direito, segundo um espírito de razoabilidade e equilíbrio, mas igualmente sem inibições ou constrangimentos, que possam eventualmente advir do receio de futuras penalizações, assentes no entendimento que o Tribunal vier a adoptar sobre os temas em discussão.
Em consonância com o disposto no artº.266-A, do actual C.P.Civil, o qual impõe às partes o dever geral de probidade, estatui o artº.456, nº.1, do mesmo diploma legal que será condenado em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, o litigante de má-fé.
Na descrição da figura do litigante de má-fé, o texto legal diz-nos que se deve considerar como tal aquele que actuando com dolo ou negligência grave (cfr.artº.456, nº.2, do C.P.Civil; José Alberto dos Reis, C.P.Civil Anotado, II, 3ª. Edição-Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág.263):
1-Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
2-Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factualidade relevante para a decisão da causa (modalidade de dolo ou negligência grosseira substancial);
3-Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou use o processo ou os meios processuais de forma manifestamente reprovável (modalidades de dolo ou negligência grosseira instrumental).
O dolo ou negligência grosseira substancial dizem respeito à relação material ou de direito substantivo, enquanto que o dolo ou negligência grosseira instrumental dizem respeito à relação jurídico-processual. No primeiro caso o litigante visa a obtenção de decisão de mérito que não corresponda à verdade e à justiça. No segundo a parte procura cansar o seu adversário, somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transacção injusta.
Na base da má-fé encontra-se o seguinte vector essencial: consciência de não ter razão. É necessário que as circunstâncias do caso induzam o Tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 5/6/2000, rec.24971, Ac.Dout., nº.466, pág.1302 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc.6235/12).
O instituto da litigância de má-fé deve ser, nesta perspetiva, reservado, em moldes relativamente apertados, para as condutas processuais inequivocamente inadequadas ao exercício de direitos ou à defesa contra pretensões, assentando num critério semelhante ao que se encontra subjacente à figura do abuso de direito que se situa apenas no âmbito dos direitos substantivos e está genericamente consagrada no artº.334, do C.Civil (cfr. Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, pág.193 e seg.; Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pág.368 e seg.).
Com o instituto da litigância da má-fé pretende-se, pois, acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo Tribunal e pela própria Justiça.
Especificamente quanto à possibilidade de condenação da A. Fiscal no pagamento de uma sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras da litigância de má-fé, deve levar-se em consideração o citado artº.104, nº.1, da L.G.Tributária, normativo que visa apenas as situações restritas nele explicitadas de patente violação, por banda da Fazenda Pública dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé. O comportamento sancionado no preceito é apenas o da actuação da Administração no processo judicial e não também o tido no processo administrativo gracioso (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.Protuguesa; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.892).
Voltando ao caso dos autos, não vislumbra este Tribunal que se verifiquem os necessários pressupostos legais, que, para efeitos da sua condenação, a tal título, no âmbito em que nos movemos, se encontram, expressa e taxativamente, elencados no artº.104, nº.1, da L.G.Tributária. Concretizando, a conduta da A. Fiscal no âmbito do presente processo não se mostra patentemente violadora dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente a presente impugnação e, em consequência, confirma-se a decisão arbitral recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO E CONFIRMAR A DECISÃO ARBITRAL que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a entidade impugnante em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 19 de Fevereiro de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Lucas Martins - 1º. Adjunto)



(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)