Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:885/18.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ILEGITIMIDADE PASSIVA
TAXA MUNICIPAL DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
Sumário:I. Na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado.
II. Não é imputável à entidade municipal nem aos seus órgãos ou serviços o ato impugnado de repercussão do valor de um tributo municipal que não foi por eles praticado nem de alguma forma determinado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

A S... - S..., S.A, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva do Município do Seixal, no âmbito da impugnação judicial por si deduzida contra a taxa de ocupação do subsolo incluída na fatura do mês de maio de 2018 pela G..., G..., S.A., dela veio interpor recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

A. A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida.
B. Com efeito, decorre do artigo 85.°, n.° 3, da Lei do OE para 2017 que a "taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores".
C. A ilegalidade da repercussão da TOS é, aliás, confirmada, quer pela entidade Recorrida, quer pela sentença do Tribunal a quo.
D. Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.° 89 1891/00006057, emitida em 10 de maio de 2018 pela g…, G…, S.A., e na qual foi incluída a TOS no montante de € 47.732,25.
E. Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 8 de junho de 2018, ao pagamento da fatura e da TOS, tendo, no dia 11 de junho de 2018, apresentado reclamação graciosa necessária junto do Município do Seixal por forma a reagir contra a repercussão ilegal.
F. Perante a formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a Recorrente deduziu impugnação judicial, cujo objeto era o ato de indeferimento tácito, a anulação da TOS incluída na fatura n.° 89 1891/00006057 e o reembolso do seu montante acrescido de juros indemnizatórios.
G. O Tribunal a quo concluiu pela total improcedência da ação, declarando a absolvição da instância por falta de legitimidade passiva do Município.
H. Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito.
I. Em suma, a Juíza a quo decidiu a favor da Recorrida porquanto entende não existir entre sujeito ativo e repercutido vínculo jurídico, mas duas ou mais relações jurídicas distintas, a saber: uma de natureza tributária (entre sujeito ativo e sujeito passivo da relação jurídico-tributária); e uma outra de natureza civilística regulada pelo direito privado que se estabelece entre a distribuidora de gás natural e o repercutido.
J. Neste ponto, discorda-se totalmente do raciocínio seguido pelo Tribunal a quo, já que o lançamento da TOS pelo Município do Seixal e a sua repercussão ao consumidor final - a ora Recorrente - integram ainda uma mesma relação jurídico- tributária.
K. Nos termos do artigo 18.° da LGT: "[o] sujeito ativo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer diretamente quer através de representante." e que o "sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.", acrescentando o número 4 que "[N]ão é sujeito passivo quem: a) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;".
L. Neste sentido, dispõe também o artigo 54.°, n.° 2, da LGT, que "[a]s garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.".
M. Ainda, nos termos do artigo 9.° do CPPT, "[t]êm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido".
N. Ora, nos termos do artigo 18.°, n.° 4, da LGT, o repercutido tem um interesse legalmente protegido, pelo que, também nos termos do artigo 9.° do CPPT, terá direito de agir em processo.
O. Sem prejuízo da posição que se possa ter, do ponto de vista teórico, quanto à composição da relação jurídica tributária, sempre será de aceitar que, apesar de a Recorrente não ser sujeito passivo, suporta a TOS por repercussão legal, pelo que, nos termos das normas acima transcritas terá direito de ação, dispondo, portanto, do direito de impugnar, de reclamar, de recorrer e de lançar mão de todas as garantias processuais para defesa dos seus direitos e legítimos interesses que tenham sido lesados por aplicação do mecanismo da repercussão.
P. De modo que, estando o direito do repercutido à impugnação judicial previsto na LGT e no CPPT, que preveem relações jurídicas de direito público, não se pode considerar a repercussão uma relação jurídica de direito privado.
Q. Não se pode ignorar que a lei - a LGT - atribui ao repercutido o direito de ação.
R. Aliás, a doutrina tem defendido consistentemente que o repercutido está munido quer pela LGT quer pelo CPPT de um conjunto de direitos para defesa dos seus direitos e interesses legítimos.
S. Os direitos de defesa dos repercutidos abrangem os seus direitos e interesses legítimos, em suma, todos os atos suscetíveis de gerarem uma lesão.
T. Ademais, a LGT, nos termos do artigo 1°, n° 1, relativo ao seu âmbito de aplicação, regula as relações jurídico-tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas,
U. E não as relações de direito privado, pelo que, encontrando-se o direito de ação do repercutido previsto na LGT, considera a lei que o repercutido é ainda parte de uma relação jurídico-tributária (de direito público) e não de uma relação de direito privado.
V. Tratando-se de uma relação jurídico-tributária, será o sujeito ativo da mesma quem deverá estar em processo, o que justifica a legitimidade passiva do Município do Seixal no presente processo.
W. Por outro lado, como foi exposto na petição inicial e demais articulados o que se discute na presente ação a "repercussão" é ainda um elemento da TOS, pelo que é a ilegalidade da TOS que se discute na presente ação.
X. Não podemos esquecer que a repercussão se trata de matéria tributária e, como tal sujeita à jurisdição dos tribunais tributários.
Y. Conforme decorre expressamente do artigo 4°, n° 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: "1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
b) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;".
Z. A repercussão não é matéria contratual, não se encontra na disponibilidade das partes, não podendo, nunca, configurar uma relação de direito privado.
AA. Sem prejuízo de neste caso a repercussão ser ilegal a obrigação de suportar a TOS por repercussão resulta como se explica abaixo de um bloco legal não contratual.
BB. . Contrariamente ao que é sustentado pela Meritíssima Juíza na sentença que ora se impugna, são vários os excertos das peças processuais que permitem concluir que a discussão gira em torno da ilegalidade da taxa - TOS. 
CC. Tanto assim é que a própria Magistrada do Ministério Público não aponta dúvidas relativamente ao objeto da ação: "[v]em o sujeito passivo acima identificado impugnar judicialmente a liquidação da Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS), referente à fatura n° 89 1891/00006057, de 10 de maio de 2018, no valor de € 47.732,25, da G..., comercializadora, SA, liquidada pelo Município do Seixal.".
DD. A ser procedente a tese defendida na sentença, as garantias dos contribuintes estariam irremediavelmente comprometidas visto que não poderiam discutir, em sede judicial, elementos de uma taxa como acontece com o erro no montante apurado, desde que esta fosse legalmente repercutida.
EE. A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela "utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal".
FF. Assim, no contexto de uma relação jurídico-tributária, o Município do Seixal é o sujeito ativo dado que é ele quem cria e liquida a TOS, e arrecada a receita,
GG. Dispondo, por conseguinte, do direito de exigir o cumprimento da prestação tributária junto do sujeito passivo.
HH. Acresce que o Município tem intervenção na própria fixação da repercussão legal, i.e., não é alheio a este elemento da vida da taxa, o que, ademais, justifica a sua legitimidade passiva no presente processo.
II. Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.° 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.
JJ. A título de exemplo, a Cláusula 7.º, n.° 2, de cada uma das minutas de concessão prevê que "[a]ssiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais.".
KK. Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa- se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal do Seixal liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a S... — S..., S.A.), que é repercutida ao comercializador (a g…) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrente.
LL. Salienta-se, porém, que não foi esquecido o ADN municipal da TOS, permitindo-se que os municípios intervenham na metodologia de fixação da repercussão.
MM. Daí que o ponto 7. do Manual, sob a epígrafe Acordos a Celebrar entre Municípios e Operadores da Rede de Distribuição De Gás Natural, permita a celebração de "acordos entre Municípios e operadores da rede de distribuição de gás natural que estabeleçam condições mais favoráveis de repercussão dos montantes correspondentes às taxas de ocupação do subsolo", acrescentando ainda o referido ponto do manual que os "acordos celebrados entre Municípios e operadores da rede de distribuição de gás natural poderão integrar um valor do desvio (A), em percentagem, do valor integral das taxas de ocupação do subsolo a repercutir face ao valor integral de referência, previsto no ponto 3.2 do presente Manual, superior ao valor máximo definido pela ERSE para o ano em causa." (sublinhado nosso).
NN. Do quadro descrito resulta que é admissível, reitera-se, a repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.
OO. Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr. artigos 85.°, n.° 3, e 276.°, do OE 2017). 
PP. . Ora, a repercussão consiste na forma de cobrança de um tributo, permitindo imputar o encargo económico para entidade diferente do seu sujeito passivo.
QQ. Sendo que nos termos do Decreto-Lei n.° 30/2006, de 15 de fevereiro, o consumidor é o "cliente final de gás natural".
RR. Assim, sendo a Recorrente cliente final de gás natural reconduz-se, necessariamente, ao conceito de consumidora final pelo não pode suportar, por via de repercussão, a taxa.
SS. Assim, e uma vez que a lei lhe atribui expressamente um direito de defesa que se pode manifestar por diferentes vias: direito a reclamar, direito a impugnar, a Recorrente tem direito de ação conforme o disposto no artigo 18.°, n.° 4, al. a), da LGT.
TT. Não obstante não ser sujeito passivo, a Recorrente integra a relação jurídico- tributária em sentido amplo.
UU. Tal significa que inclui todas as obrigações decorrentes da relação jurídico- tributária em sentido estrito e na qual se inclui o fenómeno da repercussão legal.
VV. É, portanto, no contexto de uma relação jurídica em sentido amplo que o repercutido justifica a sua legitimidade processual ativa.
WW. Dado que a partir de 1 de janeiro de 2017, como já foi referido, a repercussão da TOS nos consumidores finais foi expressamente proibida, nos termos dos artigos 85.°, n.° 3, e 276.°, da Lei do OE para 2017, a Recorrente dispõe, indubitavelmente, de um interesse direto e pessoal na presente ação, já que teve de suportar, através de repercussão ilegal, uma taxa criada e liquidada pelo Município do Seixal.
XX. Assim, torna-se evidente que a Recorrente é o sujeito ativo da relação material controvertida visto que é ela quem tem interesse direto em demandar (e a Recorrente é quem mais interesse tem em demandar, já que suporta economicamente a TOS por força da repercussão (i)legal que sofre). 
YY. Por outro lado, e uma vez que a relação material controvertida é definida por quem dá o impulso processual, i.e., pelo autor é ele que configura a relação jurídica processual e determina contra quem é instaurada a ação para tutela dos seus direitos e legítimos interesses.
ZZ. Assim, e porque da procedência da ação pode advir um prejuízo real e concreto para o Município do Seixal que se traduz necessariamente no reembolso do tributo repercutido (e por si liquidado) acrescido de juros indemnizatórios ele terá todo o interesse em contradizer.

Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, em face da fundamentação exposta, revogando-se assim a douta sentença e substituindo-a por uma outra que declare procedente a ação judicial da Impugnante, ora Recorrente.


A Entidade Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

A. O presente Recurso carece em absoluto de fundamento legal, já que inexiste o vício assacado à D. Sentença proferida nos autos.
B. Os Municípios têm legitimidade para a criação de taxas, desde que subordinadas aos princípios da equivalência jurídica, da justa repartição dos encargos públicos e da publicidade, nos termos do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro, na sua redacção actualizada).
C. Na alínea c), do n.° 1, do artigo 6° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais está expressamente prevista a incidência objectiva de taxas sob o aproveitamento do domínio público e privado municipal, quer temporário, quer permanente.
D. A legalidade da liquidação de taxas por ocupação do subsolo do domínio público municipal com infraestruturas necessárias à distribuição e comercialização de gás natural foi já sobejamente pleiteada, de que são espelho diversos “Acórdãos de uniformização de jurisprudência” proferidos pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que negaram provimento aos recursos interpostos pela S... - S..., S.A., mantendo os arestos recorridos.
E. Assume-se inequivocamente na jurisprudência o entendimento de que assiste aos municípios o direito de cobrar taxas por ocupação do subsolo do domínio público municipal com infraestruturas necessárias à distribuição e comercialização de gás natural.
F. A relação jurídico-tributária geradora da obrigação de pagamento da TOS tem como sujeito activo o município titular do direito de exigir contrapartida pela utilização do solo e subsolo com tubos e condutas e como sujeito passivo a empresa concessionária de distribuição de gás natural, se o respectivo contrato de concessão ou a lei, expressamente, dela a não isentar.
G. A ora Recorrente atacou nos presentes autos o acto de repercussão da taxa em causa, acto que nem foi praticado pelo Impugnado, nem por este pode ser alterado/anulado.
H. Considerando que a taxa municipal de ocupação do subsolo é paga ao município pela concessionária do serviço público de distribuição de gás natural, torna-se inequívoco que a previsão do n.° 3 do artigo 85° do OE 2017 não é aplicável aos municípios, mas sim às empresas distribuidoras de gás natural.
I. A repercussão da TOS no consumidor final, a partir de 2017, deixou de ter enquadramento legal, mas quem a executou foi operador de gás, que sequer foi parte nos presentes autos, não o Município.
J. O recorrido nunca poderia anular o acto de repercussão da TOS sub judice, nem proceder à restituição da quantia paga indevidamente, acrescida de juros indemnizatório, por ilegitimidade para tal.
K. O regime de concessão do serviço público de distribuição de gás natural é competência do Conselho de Ministros, sendo os respectivos contratos de concessão outorgados pelo membro do Governo responsável pela área da energia, em representação do Estado e a metodologia de “repercussão” aprovada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.
L. A “S... - S..., S.A.” e demais concessionárias congéneres, ao abrigo da lei e de acordo com a metodologia de “repercussão” aprovada pela ERSE, tem vindo a repercutir para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais os montantes relativos às taxas indevidamente impugnadas, acrescidos da taxa devida no respectivo ano, paga sem qualquer contestação.
M. Ainda que se verifiquem efeitos económicos negativos na actividade e sustentabilidade financeira das mais variadas empresas por conta da aludida “repercussão” de custos nos agentes económicos privados, facto é que os municípios são completamente estranhos quer aos actos de liquidação idênticos ao ora impugnado, quer à natureza e forma de repercussão da taxa em apreço.
N. Na presente demanda revela-se inconcussa a ilegitimidade do Impugnado Município, pois a liquidação na qual a Recorrente é sujeito passivo, e que reputa lesiva dos seus interesses ou direitos, é executada por outra entidade que não o ente público ora Recorrido. 
O. A ilegitimidade de uma das partes, o que in casu manifestamente sucede, configura uma excepção dilatória, dando lugar à absolvição da instância.
P. A posição adoptada pela ora Recorrente assenta numa interpretação jurídica incongruente, alicerçada numa argumentação desconexa e em jurisprudência desfasada da realidade que subjaz ao caso concreto.
Q. De facto, nunca poderia ser nos presentes autos decidida a alegada ilegalidade da repercussão da TOS na factura do consumidor final, na medida em que a construção jurídica imprescindível à solvência das posições antagónicas apresentadas o Município Recorrido jamais poderia ser parte, por manifesta ilegitimidade.
R. Destarte, verifica-se a inexistência de qualquer vício e, pelo contrário, total licitude da D. Sentença proferida, objecto do presente recurso, que julgou «totalmente procedente, por provada, a excepção dilatória da ilegitimidade passiva do Município do Seixal, ao abrigo do disposto no art. 577°, ai. e) do CPC, aplicável ex vi art. 2º, al. e) do CPPT.».

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, por ser de Direito e de JUSTIÇA.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: (i) se incorre em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou o Impugnado, ora Recorrido parte ilegítima e o absolveu da instância; (ii) por fim, e revogando-se a sentença recorrida, se os autos fornecem os necessários elementos para em substituição, este Tribunal conhecer dos fundamentos da impugnação.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. Em 10/05/2018 a G..., G..., S.A. emitiu a sua factura n° 89 1891/000…, em nome da impugnante (cfr. doc. junto a fls. 49 do doc. de fls. 1, numeração do SITAF);

2. Da factura identificada no ponto anterior consta a cobrança da quantia de € 47.732,25 referente à Taxa de Ocupação do Subsolo (cfr. doc. junto a fls. 49 do doc. de fls. 1, numeração do SITAF);

3. A Impugnante procedeu ao pagamento da factura identificada nos dois pontos anteriores em 08/06/2018 (cfr. doc. junto a fls. 53 do doc. de fls. 1, numeração do SITAF);


II.2 Do Direito

A Recorrente, após receber a fatura n° 89 1891/00006057 do gás, emitida pela G…, G..., S.A., e na qual foi incluído o montante de € 47.732,25, relativo à repercussão da taxa de ocupação do subsolo (TOS), deduziu impugnação judicial na qual termina pedindo que seja anulada a repercussão da TOS incluída naquela fatura, por violação do artigo 85/3 do OE de 2017, procedendo-se ao respetivo reembolso acrescido de juros indemnizatórios e o reconhecimento da inconstitucionalidade da repercussão da TOS, por violação do artigo 165/1.i) e 103/2.3 da CRP.

Não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que entendendo que o impugnante, ora Recorrente, não invocou a ilegalidade do ato de liquidação da taxa municipal de ocupação do subsolo (TOS) mas invocou, antes, a ilegalidade do ato de repercussão da referida taxa, julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade processual passiva do Município do Seixal e consequentemente absolveu a Entidade Impugnada, ora Recorrida da instância, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Defende a Recorrente que a Entidade Impugnada, ora Recorrida, é parte legítima e como tal, sujeito da mesma relação jurídica de natureza tributária como entidade de direito público, por ser titular ativo na medida em que cria, liquida e arrecada a referida taxa.

Assim, e antes de tudo o mais, cumpre apreciar e decidir a questão da exceção da ilegitimidade passiva do ora Recorrido Município do Seixal alegando a Recorrente que o tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o preceituado no artigo 18/1/4.a) da LGT.

Anote-se, desde já, que questão submetida pela Recorrente à apreciação deste Tribunal Central Administrativo não é nova e já foi objeto de decisão deste tribunal e do Supremo Tribunal Administrativo, em sentido contrário ao propugnado pela Recorrente.

A sentença recorrida começa por trazer à colação as normas relativas à legitimidade dos intervenientes processuais e diz no excerto que aqui nos interessa:

Dispõe o art. 30° do CPC que:
“1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2.O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3.Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo auto/’.

Este artigo corresponde ao anterior art. 26° do CPC de 1961, cuja redacção resultou da revisão efectuada pelo DL. 329-A/95 de 12/12, sendo intenção do legislador, assumida no relatório do diploma, “tomar expressa posição sobre a “vexata questio’’ do estabelecimento do critério de determinação de legitimidade das partes, visando a solução legislativa proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídica processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatendo na nossa doutrina e jurisprudência, sem que se haja até agora alcançado um consenso. Partiu-se, para tal, de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada no Decreto-Lei n.° 224/82 - e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães, na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis. Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da legitimidade singular e directa - isto é, à fixação do “critério normal” de determinação de legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida (...)”

Como refere Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 165, “não são já qualidades da pessoa em si que agora estão em jogo, mas antes algo que se conexiona com a causa concreta “de qua agitur”. Os problemas da legitimidade e do interesse em agir cifram-se fundamentalmente em pôr a descoberto a relação que autor e réu em certa causa guardam com o direito material deduzido em juízo”.
A legitimidade processual, enquanto pressuposto adjectivo para que se possa obter decisão sobre o mérito da causa, não exige a verificação da efectiva titularidade da situação jurídica invocada pelo autor, bastando-se com a alegação dessa titularidade.
Por outro lado e nas palavras de M. Teixeira de Sousa, (in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, 1995, pags. 48 e sgs.), “A legitimidade processual é apreciada por uma relação da parte com o objecto da acção. Essa acção é estabelecida através do interesse da parte perante esse objecto: é esse interesse que relaciona a parte com o objecto para aferição da legitimidade. É claro que os titulares do objecto do processo são sempre titulares desse interesse, mas não se podem excluir situações em que a esses titulares não pode ser reconhecida a legitimidade processual e em que a certos sujeitos, que não são titulares desse objecto, possa ser reconhecida essa legitimidade’.
Concluindo o autor que “A legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado a causa de pedir têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor’.

E prossegue na apreciação sobre o caso concreto em análise:

Descendo aos presentes autos, verificamos que a Impugnante no seu petitório inicial intenta a presente acção contra decorrente da inclusão na factura emitida pela “G…, G... S.A.” da taxa municipal de ocupação de subsolo, sustentando ser ilegal a repercussão da sobredita taxa.
De toda a petição inicial não se retira nenhuma alegação relacionada com a ilegalidade da liquidação da taxa mas, tão só, da ilegalidade da repercussão da mesma na factura emitida pela G..., G..., S.A. à Impugnante.
No que concerne aos sujeitos da relação tributária, dispõe o artigo 18.° da Lei Geral Tributária nos correspondentes n°s. 1, 3 e 4, alínea a), sob a epígrafe “Sujeitos”:
“1 - O sujeito activo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer directamente quer através de representante.
(…)
3 - O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
4 - Não é sujeito passivo quem:
a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias. (...)”

Do supra citado dispositivo legal, concretamente da letra do respectivo n° 1, resulta ser o sujeito activo da relação tributária, sempre, uma entidade de direito público.
Especificamente na situação em análise, estando em causa uma taxa liquidada pelo Município do Seixal, corresponderá esta entidade àquele sujeito activo da relação tributária.
A impugnante não é o sujeito passivo da relação tributária, sendo, no entanto, quem, no caso concreto, suportou o encargo do imposto por repercussão, pretendendo a Impugnante discutir apenas a legalidade dessa repercussão efectivada pela G..., G..., S.A..

Na verdade, a impugnante não é contribuinte directo, pois, conforme salienta Casalta Nabais in Direito Fiscal, 6.a Edição, pág. 259, este configura aquele em cuja esfera sucede directamente o desfalque patrimonial, seja ou não o devedor de imposto, por contraposição com o contribuinte indireto que é aquele que suporta, na sua esfera, o desfalque patrimonial através do fenómeno económico da repercussão do imposto.
Este fenómeno, nas palavras de Américo Fernandes Brás Carlos, in Impostos — Teoria Geral, 3.a Edição, pág. 264, consiste na “transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para outrem com que este tem relações económicas”. O imposto é assim suportado por quem não é sujeito passivo (no caso pelo consumidor final), ou seja, por quem é estranho à relação jurídico-tributária.

E, uma vez que a impugnante suporta o encargo do imposto por repercussão legal, apesar de não ser sujeito passivo da relação tributária, a lei reconhece-lhe legitimidade processual activa na impugnação judicial - cfr. o transcrito n.° 4, alínea a) do artigo 18.° da Lei Geral Tributária -, como refere Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, I Volume, 6.a Edição, Lisboa, 2011, pág. 115:
“Nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [art. 18.°, n.° 4, da LGT]"

De notar que o direito de impugnação se refere à legalidade do acto de liquidação.
Em relação à legitimidade no processo judicial tributário, é de atender ainda ao consignado no artigo 9.°, n.°s. 1 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com e epígrafe “Legitimidade”, segundo o qual:
“1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
(...)
4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública”.

Em anotação a este preceito, refere Jorge Lopes de Sousa (obra já citada, pág. 114), o seguinte:
“A administração tributária é integrada pela DGCI, pela DGAIEC, pela Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, pelas demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, pelo Ministro das Finanças ou por outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário e pelos órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e das autarquias locais (n. ° 3 do mesmo artigo).
A administração tributária é a entidade que dirige o procedimento tributário, pelo que nas suas intervenções nele deve mais propriamente falar-se de competência para o procedimento do que em legitimidade para intervir nele."

Ora, em situações como a presente, entre o sujeito activo da relação tributária - Município do Seixal - e o terceiro repercutido - a impugnante, S... - S..., S.A. - não existe, de facto e como sustenta o Município do Seixal, vínculo jurídico. Verificando-se duas ou mais (como no caso) relações jurídicas distintas: uma, de natureza tributária (relação jurídica de imposto), que se estabelece entre o sujeito activo enquanto credor do imposto (aqui o Município do Seixal) e o sujeito passivo (aqui a empresa concessionária —S... - S..., S.A.II); uma ou uma(s) outra(s) de natureza civilística (regulando-se pelo direito privado) que surge(m) entre o credor (distribuidor de gás natural —S..., S.A.II) e o(s) repercutido(s), no caso o comercializador —G..., G..., S.A e a impugnante —S... - S..., S.A., titular do interesse económico (a este propósito ver Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3.ª Edição, em anotação ao artigo 18°).

Daqui decorre que a Impugnante teria legitimidade activa para discutir a legalidade da liquidação da taxa de ocupação de subsolo e o Município teria legitimidade passiva.
A questão colocada pelo Município do Seixal prende-se com a legitimidade (ou falta dela) do Município em face à causa de pedir e ao pedido formulado pela Impugnante.
Mais uma vez se realça a circunstância de nunca ser colocada em causa a legalidade do acto de liquidação da taxa de ocupação do subsolo.
No entanto, no caso dos autos não sendo colocada em causa a legalidade do acto de liquidação da taxa é suscitada a questão do acto de repercussão da mesma por parte da G..., G..., S.A., na factura por esta emitida à Impugnante.

Ou seja, a relação material controvertida é entre a Impugnante e a G..., G..., S.A..

É apenas e só essa repercussão que é colocada em causa pela Impugnante, sendo o seu pedido o de anulação do acto de repercussão da taxa na factura emitida pela G..., G..., S.A. ou, subsidiariamente, o reconhecimento da inconstitucionalidade da repercussão da referida taxa.
Ou seja, em causa não se encontra qualquer acto de natureza tributária praticado pelo Município do Seixal, mas apenas e só o acto de repercussão da taxa de subsolo efectuado pela G..., G..., S.A. na Factura referente ao mês de Abril de 2017.
A Impugnante possui, inequivocamente, e atento o conceito anteriormente explanado de legitimidade, legitimidade activa processual.

Tendo concluído pela legitimidade processual ativa da Impugnante ora Recorrente, passa de seguida a analisar se se verificam os pressupostos relativos à legitimidade passiva do Município, ora Recorrido, nos seguintes termos:

A questão coloca-se relativamente à legitimidade processual passiva do Município do Seixal.
Como é afirmado no n° 3 do já citado art. 30° do CPC, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Ora, na relação material controvertida configurada pela Impugnante os titulares do interesse são: a própria impugnante e a G..., G..., S.A.. A Impugnante apenas é chamada a pagar a taxa de ocupação do subsolo porque a G..., G..., S.A. repercutiu para si o pagamento da taxa que lhe foi liquidada pelo Município. Ou seja, no dizer da própria impugnante o que está em causa é o acto de repercussão da taxa efectuado e não qualquer ilegalidade praticada no acto de liquidação da taxa.
Aliás, como a própria Impugnante afirma, se até à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2017 era legitima a repercussão da taxa de ocupação do subsolo, tudo fazendo crer que o sujeito passivo da taxa era o consumidor final, a verdade é que com a publicação da referida Lei, mais concretamente, por força do seu artigo 85°, n° 3, a repercussão não é admitida pelo que, sem qualquer sombra para dúvidas o sujeito passivo desta taxa é a S… e, em última instância, a G..., G..., S.A..

Estamos perante uma violação do citado preceito pela privada G..., G..., S.A. e não pelo Município.
Aliás se assim se não entendesse, teríamos o Município condenado a devolver uma taxa de ocupação de subsolo cuja legalidade não foi questionada, no âmbito destes autos.

Assim sendo concluímos pela procedência da excepção dilatória da ilegitimidade do Município do Seixal e, consequentemente, absolvê-lo-emos da presente instância.


Como já referimos supra, a questão colocada pela Recorrente, foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo, em formação alargada, no acórdão de 2020.10.14, Proc. nº 0506/17, disponível em www.dgsi.pt, no sentido de que o município não é parte legítima, jurisprudência que acolhemos e que aqui seguiremos de perto.

Jurisprudência, aliás, reiterada nos recentes acórdãos STA de 2020.10.28, Proc. nº 300/19, de 2020.12.02, Proc. nº 78/18, de 2020.12.02, Proc nº 887/17, de 2021.02.17, Proc. nº 0926/18, de 2021.02.17, Proc. nº 567/18, de 2021.02.21, Proc. nº 768/17, de 2021.04.07, Proc. nº 0561/19.0BEALM, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt.

Decidiu-se no citado acórdão STA:
(…)
Os recursos incidem sobre a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a exceção da ilegitimidade passiva do ora Recorrido Município do Seixal e, em consequência, o absolveu da instância.
Os Recorrentes não se conformam com o assim decidido, desde logo, por entenderem que o tribunal de primeira instância interpretou e aplicou erradamente o artigo 18.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), da Lei Geral Tributária.
E interpretou e aplicou erradamente este dispositivo legal, porque dele deriva que o lançamento da taxa e a sua repercussão dizem respeito a «uma mesma relação jurídico-tributária» (8.ª conclusão do recurso do M.º P.º e conclusão “J” do recurso da Impugnante).
Ou seja, os Recorrentes entendem que a ali Impugnante é parte legítima porque é sujeito da mesma relação jurídica que existe entre a entidade de direito público titular do direito de exigir o pagamento da TOS (no caso, a Recorrida) e a entidade que se encontra obrigada a pagar-lhe essa prestação (no caso a “C……..”).
Só que este entendimento tem subjacente o pressuposto de que a legitimidade processual se afere definindo a relação jurídica substantiva aplicável ao caso.
Ou seja, que o critério de determinação da legitimidade processual é a relação material tributária.
Ora a relação material tributária não releva para a decisão da questão da legitimidade processual. Nem poderia relevar, porque a determinação da existência e do conteúdo da relação material tributária é uma questão que importa (ou pode importar) ao conhecimento do mérito. E não faria sentido que se tivesse que conhecer do mérito para decidir de um pressuposto de que depende o seu conhecimento.
A relação material tributária não releva para a decisão da questão da legitimidade processual nem mesmo quando ganha importância para o efeito a figura da relação material controvertida.
O conceito de relação material controvertida difere do conceito de relação material tributária por ser um conceito estritamente processual erigido para a resolução de uma questão exclusivamente processual. Que é a de saber quem são os titulares dos interesses que se controvertem no processo.
O conceito de relação material controvertida não se sobrepõe ao conceito de relação material tributária porque não tem por base a relação que deriva da aplicação ao caso da lei material tributária, mas a relação que deriva da aplicação ao caso da lei processual tributária. Isto é, do relevo que, para o efeito, a lei processual atribui à matéria factual alegada e ao direito a que o autor se arroga no processo.
Ora, se o artigo 18.º da Lei Geral Tributária não releva para a determinação da legitimidade processual, nunca poderia o tribunal de primeira instância ter violado este dispositivo ao decidir pela ilegitimidade processual da entidade recorrida, o Município do Seixal.
Sempre se dirá, de passagem, que o dispositivo em causa não atesta nada do que os Recorrentes dele pretendem extrair.
Em primeiro lugar, porque dele não derivam os elementos essenciais da relação tributária: identificam-se os seus sujeitos, no pressuposto de que esta exista.
Em segundo lugar, porque da alínea a) do seu n.º 4 não deriva que a repercussão é um «mecanismo da liquidação» (expressão do primeiro Recorrente) ou um «elemento da liquidação» (expressão da segunda Recorrente): deriva apenas que o repercutido não é sujeito passivo da relação tributária mesmo quando esteja em causa a repercussão legal tributária, isto é, a repercussão determinada por lei tributária.
Ou seja, se há algum sentido útil, para o caso, a retirar daquele dispositivo legal é o de que o repercutido não é sujeito da mesma relação jurídica que coloca de um lado o sujeito ativo e do outro o sujeito passivo no cumprimento da obrigação tributária. Em terceiro lugar, porque a segunda parte da alínea a) daquele n.º 4, serve precisamente para estender o direito de ação a quem não o teria, em princípio, por não ser, em abstrato, titular de nenhum direito ou interesse direto que contenda com a liquidação.
Dito de outro modo: a necessidade legal de proteger o seu interesse deriva precisamente do facto de não ser sujeito da relação tributária. A questão de saber se a proteção legal do seu interesse se relaciona (ou pode relacionar) com a admissão de uma relação tributária em sentido amplo transcende completamente o âmbito da norma.
Não se pode deduzir que o legislador configura uma relação jurídica ampla que inclua a repercussão quando se limita a dizer que o repercutido não é sujeito da relação jurídica da liquidação. Porque o sentido que, então, se pretende extrair da norma não tem nela o mínimo de correspondência verbal (cfr. artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil).
Em quarto e último lugar, a lei protege o seu interesse para impugnar a liquidação e não para impugnar a repercussão. Porque para impugnar a repercussão o repercutido não carece de proteção especial. Porque aí tem um interesse direto.
Por isso, a conclusão que a segunda Recorrente pretende extrair desta norma na conclusão “P” do seu recurso não faz qualquer sentido: do direito do repercutido a impugnar a liquidação, protegido pela lei tributária, não deriva que o legislador pretenda que a repercussão integra necessariamente uma relação de direito público. Porque o legislador nem sequer se está ali a referir à repercussão ou a pretender caracterizá-la: está a referir-se à liquidação e ao direito do repercutido de a impugnar.
E no caso, não está em causa a liquidação. Está em causa a repercussão. Pelo que não estamos, sequer, no âmbito daquele dispositivo legal.
Em conclusão: o artigo 18.º não releva nem para a questão da legitimidade processual e nem sequer relevaria para a questão de saber se a repercussão é um mecanismo ou elemento da liquidação, como pretendem os Recorrentes.
Pelo que os recursos não podem ser providos por aqui.

3.2. Os Recorrentes também não se conformam com o decidido por entenderem que a decisão recorrida desconsidera o artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O primeiro Recorrente, entende que o n.º 4 deste dispositivo foi mal interpretado. Porque dele deriva que a legitimidade processual passiva na impugnação judicial é sempre atribuída a uma entidade pública (ver a conclusão “13.ª”).
A segunda Recorrente entende que este dispositivo foi mal aplicado. Porque dele deriva que têm legitimidade no processo tributário quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido (ver a conclusão “M”).
Nenhum dos Recorrentes tem razão. Vejamos porquê.
O argumento do primeiro Recorrente pode ser assim interpretado: se [premissa maior] a legitimidade processual passiva pertence sempre a uma entidade pública e [premissa menor] o Município do Seixal é a única entidade pública que figura na relação em questão é porque [conclusão] o Município do Seixal tem legitimidade.
Só que, para aí chegar, o primeiro Recorrente já toma como certo que a relação de repercussão é uma relação tributária (onde chega, de resto, por pressupor que a repercussão é um mecanismo da liquidação) e que, por isso, se deve colocar do outro lado da contenda o sujeito ativo dessa relação.
De certa forma, o primeiro Recorrente recupera aqui o mesmo vício de raciocínio que já identificamos no ponto anterior, que é o de definir a relação processual em função de uma certa configuração da relação material subjacente.
Por outro lado, está também subjacente ao seu raciocínio que, quando o legislador atribui legitimidade à administração tributária e ao representante da Fazenda Pública, está a fornecer uma regra operativa para a determinação de legitimidade processual no processo tributário.
Ora, não é assim que aquele dispositivo deve ser interpretado, a nosso ver. O legislador não forneceu, por ali, nenhum critério de determinação da legitimidade, mas regras complementares.
Porque o que o legislador pretendeu com estas referências foi salvaguardar a intervenção daqueles órgãos ou serviços no processo, designadamente, nos casos em que lhes caiba intervir nos termos do artigo 15.º do Código.
Ou seja, à administração tributária e ao representante da Fazenda Pública é atribuída legitimidade para intervir processualmente no pressuposto de que a legitimidade deve ser atribuída a uma certa entidade pública, de acordo com um critério de atribuição de legitimidade que já subentende.
E que não consta daquele segmento da norma.
Pelo que o seu recurso também não pode merecer provimento por aqui.
Pelo seu lado, a segunda Recorrente vem dizer que tem um interesse legalmente protegido e que a parte final do n.º 1 do artigo 9.º lhe atribui legitimidade processual.
É um facto que a segunda parte da alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da Lei Geral Tributária atribui ao repercutido o direito de impugnar a liquidação do imposto repercutido e que a parte final do n.º 1 do artigo 9.º, em conjugação com o seu n.º 4, lhe atribui legitimidade processual ativa na impugnação judicial correspondente.
Mas o que aqui está em causa não é saber se o repercutido tem legitimidade processual ativa para impugnar a liquidação: é saber se o Município tem legitimidade processual passiva para contestar a ilegalidade da repercussão.
Ora, em lado nenhum a Recorrente alega que a lei protege algum interesse do Município em contestar a ilegalidade da repercussão, qualquer que ele possa ser.
Pelo que o recurso desta Recorrente também não pode ser provido por aqui.

3.3. Na 14.ª conclusão, o primeiro Recorrente refere que a decisão recorrida ofende, em última instância o direito fundamental (do Impugnante) de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Na conclusão “DD”, a segunda Recorrente refere que, a ser procedente a tese defendida na sentença, as garantias dos repercutidos estariam irremediavelmente comprometidas, visto que não poderiam discutir, em sede judicial, «elementos de uma taxa».
Está subjacente a estas conclusões que a solução a que chegou a sentença recorrida viola o direito fundamental à tutela judicial efetiva.
É chegado o momento para dizer claramente que a segunda Recorrente, ao contrário do que veio alegando repetidamente, não pretendeu impugnar «elementos de uma taxa».
Porque se tivesse realmente pretendido impugnar «elementos de uma taxa», teria impugnado a taxa. E não (apenas) a sua repercussão.
Porque os vícios que afetam a legalidade dos «elementos de uma taxa» põem em causa a sua validade intrínseca e, por conseguinte, a subsistência da própria tributação.
Pelo que, ao reconduzir o âmbito da impugnação ao ato de repercussão em si mesmo, esta Recorrente está a fazer precisamente o oposto do que diz fazer: está a distinguir a repercussão da liquidação, a tomá-la como um ato distinto deste.
Na verdade, o que a Recorrente pretende realmente é obter os mesmos efeitos da anulação da taxa sem discutir a legalidade da taxa, isto é, sem imputar ao Município qualquer atuação ilegal ao efetuar essa liquidação. E sem sequer pedir a sua anulação.
E ao fazê-lo está a transcender largamente a finalidade prosseguida pelo legislador ao proteger o interesse do repercutido, que era a de salvaguardar o seu direito de discutir a legalidade intrínseca da taxa repercutida.
Por outro lado, da decisão de julgar o Município parte ilegítima na relação de repercussão não deriva nenhuma ofensa do direito à tutela judicial efetiva. O repercutido continua a poder demandar o sujeito ativo da repercussão para discutir a legalidade da repercussão; e a demandar o sujeito ativo da liquidação para discutir a legalidade da liquidação.
Isto é, a tutela do seu direito de impugnar qualquer um destes atos está assegurada efetivamente.
O que da sentença deriva é que o repercutido não pode demandar o sujeito ativo da liquidação para discutir a legalidade da repercussão e obter deste a restituição do valor repercutido mesmo quando nenhuma ilegalidade dessa repercussão lhe seja imputada.
E daí não se vê que fique em causa o direito à tutela judicial efetiva. Porque não atribui ao demandante o direito de demandar quem bem entenda; atribui-lhe apenas o direito de demandar a entidade que deve ser demandada de acordo com os elementos de conexão que a lei estabelece para que esse direito possa ser exercido.
Pelo que os recursos também não podem merecer provimento nesta parte.

3.4. Nas conclusões 21.ª e 23.ª, o primeiro Recorrente invoca o artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e conclui que o entendimento firmado na sentença recorrida desacorda do que nele vem estabelecido.
Na conclusão “Y”, a segunda Recorrente invoca o mesmo normativo.
Não é clara a razão porque os Recorrentes entendem que a decisão recorrida desatende esta norma. Sabe-se apenas que associam esta norma à conclusão de que a repercussão é matéria tributária e está sujeita à jurisdição dos tribunais tributários (ver também a conclusão “X” da segunda Recorrente).
Parece, em todo o caso, que os Recorrentes não se conformam é com a identificação na decisão recorrida de duas relações distintas (a relação de tributação e a relação de repercussão) e com a atribuição a esta última de «natureza civilística», regulada pelo direito privado. É possível até que pretendessem invocar uma contradição intrínseca entre a assunção da competência para conhecer do litígio e a conclusão de que a relação de repercussão é uma relação privada.
Deve adiantar-se desde já que o tribunal de recurso não acompanha este segmento da sentença recorrida, mas por uma razão bem distinta da dos Recorrentes: é que esta questão não releva para a questão da legitimidade processual. Relevará quando muito, para uma decisão de mérito.
Isto é, o tribunal de recurso entende que a determinação da natureza da relação jurídica que se controverte não interessa à decisão da legitimidade processual porque não releva como critério de determinação desta.
Mas daí não deriva que a decisão recorrida deva ser revogada. Só assim será se o sentido dessa decisão não estiver de acordo com o critério de determinação da legitimidade efetivamente aplicável. Do que se conhecerá no ponto seguinte.

3.5. Na 2.ª conclusão do seu recurso, o Recorrente M.º P.º invoca a noção processual-civilística da legitimidade constante do artigo 30.º, do Código de Processo Civil, pretendendo a sua transposição para o caso a coberto da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E na conclusão 23.º, aponta a violação do n.º 3 deste dispositivo legal.
Nas conclusões “YY” a “ZZ”, o segundo Recorrente afirma que é a ele que incumbe definir a relação jurídica processual e que dela deriva que da procedência da ação pode advir um prejuízo real e concreto para o Município do Seixal, caso se veja compelido a reembolsar o valor do tributo repercutido. E remata dizendo que «ele terá todo o interesse em contradizer».
Os Recorrentes apelam, assim, aos dois critérios de determinação da legitimidade processual que derivam da lei processual civil: o critério da relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor e o critério do interesse processual (caracterizado como um interesse em demandar por parte do autor e um interesse em contradizer por parte do réu).
Vejamos então.
Para a determinação da legitimidade no processo judicial tributário releva, em primeiro lugar, a lei processual tributária. Subsidiariamente – e de acordo com o artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – relevam as normas de natureza processual dos códigos e das leis tributárias, as normas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e as normas do Código de Processo Civil. Por esta ordem.
Assim, a primeira disposição a considerar para o caso é o artigo 9.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Segundo o qual têm legitimidade no processo judicial tributário os sujeitos do procedimento tributário.
Ou seja, de acordo com esta regra, tem legitimidade passiva no processo judicial tributário o sujeito ativo do procedimento tributário. O legislador mobilizou para a determinação da legitimidade processual a figura jurídica do procedimento tributário, utilizando-a como critério fundamental na aferição deste pressuposto processual.
O que sucede porque o procedimento tributário é considerado pelo legislador a forma típica de atuação administrativa nas relações jurídico-tributárias, o modo típico de criar, modificar ou extinguir estas relações.
É claro que não é sempre assim. Nem sempre as decisões do sujeito público das relações administrativas em matéria tributária estão integradas num procedimento, sendo até muito frequentes os casos em que a composição dessas relações é determinada por um único ato, seja ele um ato tributário ou um ato administrativo em matéria tributária.
Nestes casos, a figura jurídica do procedimento tributário já não serve para a determinação da legitimidade processual. E os critérios suplementares fornecidos pelo artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (parte nos contratos fiscais; titulares de interesse legalmente protegido) também não se lhe adequam.
E quando aquele normativo não fornece nenhum critério suplementar que possa ser mobilizado há que recorrer ao direito subsidiário.
E como esse critério também não é fornecido por outras leis tributárias (e já vimos que não é fornecido pelo artigo 18.º da Lei Geral Tributária) devem ser convocadas para o efeito as regras do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de acordo com a alínea c) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ora, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos regula separadamente as questões da legitimidade processual ativa e passiva. O que sucede porque se colocam questões diversas do lado ativo e do lado passivo da relação processual administrativa, que justificam o seu tratamento autonomizado e soluções assimétricas.
Estabelecem-se neste Código, para a determinação da legitimidade processual passiva, diversos critérios especiais (a maior parte dos quais não são adaptáveis ao processo tributário) e dois critérios residuais.
Dos critérios especiais destacamos, com interesse para o caso, o que deriva do n.º 2 do seu artigo 10.º: tem legitimidade passiva, nos processos instaurados contra entidades públicas, a pessoa coletiva de direito público a cujos órgãos ou serviços sejam imputáveis os atos impugnados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar as ações omitidas.
Salvo nas ações contra o Estado ou as Regiões Autónomas. Aqui, a legitimidade processual passiva é atribuída ao próprio serviço do Estado a que seja imputável o ato (sendo que a «administração tributária» é considerada um serviço do Estado para este efeito, por força da regra especial inserida no n.º 1 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Ou seja, de acordo com este critério, tem legitimidade passiva no processo judicial tributário, basicamente, a entidade ou o serviço a quem seja imputável o ato impugnado (conforme o caso), ou a quem seja imputável o dever de o praticar (no caso da omissão de ato devido).
Merece destaque a expressão «…a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados» (e não «…imputados»): nos processos de impugnação de atos, o sujeito ativo da relação processual não demanda quem quer; demanda quem deve demandar.
O que se justifica, fundamentalmente, por uma razão histórica: os processos de anulação de atos administrativos nasceram como processos sem partes ou «processos feitos a um ato». Pelo que quem impugna o ato não configura a relação jurídica nem demanda a entidade que coloca do outro lado dessa relação: identifica o ato e a autoridade que o praticou.
Dos critérios residuais só releva em direito tributário, praticamente, o primeiro que vem anunciado no n.º 1 do artigo 10.º: o critério da «relação material controvertida».
O que sucede porque a entidade demandada não é, em princípio, titular de nenhum «interesse contraposto ao do autor». Aliás, a administração tributária não realiza, na determinação da prestação tributária, nenhum interesse subjetivo que não seja o de aplicação estrita da lei.
Todavia, aquele critério só tem aplicação nos litígios cuja estrutura se aproxima do modelo do processo civil [neste sentido, ver MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in «Manual de Processo Administrativo», 3.ª edição, Almedina 2017, pág. 247], como as ações de condenação ou de simples apreciação. É, por isso, um critério cuja aplicação é muito rara no processo judicial tributário.
De todo o exposto deriva que o artigo 30.º, do Código de Processo Civil não é aplicável ao caso.
E que os critérios de determinação da legitimidade processual nele contidos não são adaptáveis aos processos de impugnação que se reconduzam a um pedido de anulação ou de declaração de nulidade de um ato. Seja porque têm natureza residual e há critérios que se aplicam ao caso especialmente. Seja porque os processos impugnatórios não têm, tipicamente, por objeto mediato uma relação material que se controverta no processo, mas legalidade do próprio ato. Decorrendo a legitimidade da entidade demandada da identificação do autor desse ato.
Pelo que as referências à doutrina civilística que se colhem das doutas alegações de recurso, com destaque para a querela doutrinária sobre o critério da determinação da legitimidade e os seus ilustres protagonistas, bem como à solução introduzida pela reforma do código de processo civil de 1995/96, não vêm ao caso.
Mas, sobretudo, não vem ao caso a ideia de que são partes legítimas os sujeitos da pretensa relação material controvertida. Em particular porque, nos processos impugnatórios, o juiz não é confrontado com a pretensão à existência de uma certa relação material, mas com a existência de um ato que se identifica e com a pretensão à declaração da sua invalidade.
No processo de impugnação judicial tributário, a legitimidade processual passiva é, normalmente, atribuída ao sujeito ativo do procedimento tributário de onde emana a decisão impugnada ou à entidade ou o serviço a quem seja imputável o ato impugnado, conforme o caso.
Apliquemos estes conceitos ao caso.

3.6. Embora faça alusão a uma reclamação necessária apresentada no dia 15 de março de 2017 junto do Município do Seixal e invoque a impugnação judicial do indeferimento tácito dessa reclamação no artigo 15.º da douta petição inicial, a verdade é que nos presentes autos não é impugnada a decisão de nenhum procedimento.
Desde logo, porque – como deriva do documento 4 junto com aquele douto articulado (e para que remete o seu artigo 12.º) e o processo administrativo em apenso ao processo físico confirma – o procedimento de reclamação necessária tinha como objeto o ato de liquidação da taxa municipal de ocupação do subsolo (“TOS”) relativa ao mês de janeiro de 2017, no montante de € 40.057,46.
Enquanto a presente impugnação tem por objeto o ato de cobrança do valor correspondente, que foi incluído da fatura n.º 89 1791/00000829, emitida pela entidade que se identifica como “G………”.
Na reclamação, invocava-se a invalidade da liquidação da taxa, por ser nula a deliberação autárquica que determinou o seu lançamento (artigo 7.º da reclamação) e por ser inválida a atualização dos valores respetivos, visto não ter sido acompanhada da fundamentação económico-financeira (seu artigo 9.º). A referência, no ser artigo 6.º à ilegalidade da cobrança, tinha em vista, desde logo, a sua cobrança à “C…………”, por ser inválida a própria taxa cobrada.
Na impugnação, invoca-se a invalidade da repercussão do valor dessa taxa (artigos 6.º, 8.º da p.i.), porque a sua repercussão aos consumidores do gás natural é, ela própria, ilegal, por violação do artigo 85.º, n.º 3, do Orçamento de Estado para 2017.
Na reclamação, pedia-se «a declaração de nulidade ou, sem conceder e no limite, a revogação do ato de liquidação da taxa de ocupação do subsolo».
Na impugnação, pede-se que se «anule a repercussão da TOS» e, subsidiariamente, que se reconheça «a inconstitucionalidade da repercussão da TOS».
Na reclamação apontava-se diretamente a um ato de liquidação; na impugnação aponta-se exclusivamente a um ato de repercussão.
Pelo que não se pode dizer que o Impugnante se insurja contra alguma decisão (tácita) da reclamação. Não se vê como se possa dizer que a entidade administrativa indeferiu (ainda que tacitamente) uma pretensão sobre a qual nunca se poderia ter pronunciado. Ora, se não pode dizer-se que a impugnação judicial tenha por objeto a decisão (tácita) do procedimento de reclamação, também não pode convocar-se o critério inserido no artigo 9.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário para a determinação da legitimidade da entidade impugnada.
Porque este critério toma como pressuposto que o processo judicial tributário tenha por objeto alguma decisão desse procedimento.
Mal se compreenderia, de resto, que tivesse legitimidade para contradizer uma pretensão impugnatória a entidade administrativa que nunca sobre ela se pronunciou e nunca sobre ela se poderia ter pronunciado, apenas porque existiu a montante um procedimento administrativo.
De qualquer modo, será de entender que, no caso do indeferimento tácito, o objeto mediato da impugnação judicial nem será a decisão tácita de indeferimento – que não passa de uma ficção jurídica destinada a viabilizar o acesso à impugnação – mas o próprio ato identificado na impugnação (parece ir neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume II, Áreas Editora, 6.ª edição 2011, pág. 197).
E, assim sendo, também por aqui não pode recorrer-se ao critério de atribuição de legitimidade processual passiva que deriva do n.º 4 do artigo 9.º citado.
Estamos, por isso, reconduzidos ao critério subsidiário de atribuição de legitimidade processual passiva que deriva do artigo 10.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Ou seja, nos processos intentados contra entidades públicas, deve ser demandada a entidade (ou o serviço, nos processos contra o Estado) a quem (ou a que) seja imputável a prática do ato impugnado.
Sucede que deriva da própria alegação da Impugnante que não foi o Município que praticou o ato impugnado. Porque não foi o Município que inseriu na fatura o valor da TOS e fez, assim, repercutir esse valor contra ela. Foi, como deriva dos artigos 4.º e 121.º da própria p.i., a entidade que se identifica como “G ……….” (e que, de acordo com o doc. 2 junto com a p.i., será a «U……….., S.A.»). E a quem, de resto, pagou o valor correspondente.
Pelo que a alegação da Recorrente só pode ser interpretada no seguinte sentido: a repercussão, embora não tendo sido praticada pelo Município, é-lhe imputável.
A Recorrente entenderá que a repercussão é imputável ao Município porque decorre necessariamente da tributação. Em termos que possa ser considerada um elemento desta. Embora aquela tivesse sido praticada pela comercializadora do gás natural, ela não teria como deixar de o fazer.
É verdade que a repercussão de um tributo só existe porque existe um tributo a repercutir. Mas isso não basta para concluir que a repercussão é um reflexo necessário da tributação. É também necessário que se possa concluir que a tributação só existe porque há repercussão.
Ou seja, que o tributo foi instituído de forma a que o encargo fosse suportado pelo repercutido.
E não é isso que decorre, não só dos elementos dos autos, como até da alegação da Recorrente.
Desde logo, porque a repercussão é, na sua própria alegação, facultativa (artigos 25.º e 26.º da douta p.i.). E se a repercussão é facultativa, não decorre de nenhuma obrigação tributária. Decorre do exercício de um direito ou faculdade de quem repercute. Exercício esse que só pode ser imputado ao titular do direito respetivo. No caso, a entidade comercializadora do gás natural.
Depois, porque a repercussão é associada a minutas contratuais aprovadas em Conselho de Ministros e a regulamentos e manuais de procedimentos da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Mas não é relacionada com nenhum regulamento municipal (ou qualquer outra forma de atuação da administração autárquica). E muito menos com o que aprovou a taxa municipal de ocupação do subsolo.
A Recorrente nem sequer alega que a taxa tivesse sido estruturada de modo a imputar o respetivo encargo económico ao consumidor final do serviço de gás natural. Ou que tivesse sido essa a finalidade que presidiu à sua criação, revelada, designadamente, pela respetiva fundamentação económico-financeira.
Do exposto deriva que não existem elementos que permitam, sequer, relacionar o Município com o ato de repercussão.
Não há, assim, como concluir que a repercussão é imputável ao Município.
Pelo que a decisão recorrida deve ser confirmada, ainda que com a precedente fundamentação.
E os recursos não merecem provimento.”


Assim, em face da identidade substancial dos casos em que se discute a legalidade do ato de repercussão de um tributo, remetemos para a fundamentação adotada no referido acórdão usando da faculdade concedida no artigo 663/5 do CPC, aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT, confirmamos a sentença recorrida e julgamos procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, que é de conhecimento oficioso, impede o conhecimento de mérito e determina a absolvição da instância da Recorrente - artigos 278.º, n.º 1 alínea d), 576.º n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea e), e 578.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

Termos em que se nega provimento ao recurso.


Sumário/Conclusões:

I. Na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado.
II. Não é imputável à entidade municipal nem aos seus órgãos ou serviços o ato impugnado de repercussão do valor de um tributo municipal que não foi por eles praticado nem de alguma forma determinado.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, com a presente fundamentação, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]


Lisboa, 27 de maio de 2021

SUSANA BARRETO