Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:269/17.1BESNT
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
EFEITO DO RECURSO
PENA DISCIPLINAR DE DEMISSÃO
FUMUS BONI IURIS
PROPORCIONALIDADE
Sumário:I – Nos termos do artigo 143º nº 2 alínea b) do CPTA o recurso (apelação) interposto de decisões respeitantes a processos cautelares tem efeito meramente devolutivo.

II – As sanções disciplinares a aplicar aos trabalhadores em funções públicas elencadas deverão sê-lo tendo de acordo com o tipo e gravidade da infração mas também atendendo à natureza, à missão e às atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do trabalhador, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade do seu vínculo de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infração tenha sido cometida que militem contra ou a favor do trabalhador (cfr. artigos 184º a 188º e 189º da LGTFP).

III – Não se mostra preenchido o requisito do fumus boni iuris com vista à decretação da providência cautelar de suspensão de eficácia da pena disciplinar de demissão aplicada a guarda prisional, se atenta a natureza e contexto das infrações disciplinares que foram praticadas pelo requerente e a sua gravidade, não é de configurar como desproporcionada a aplicação da pena disciplinar de demissão, à luz do quadro normativo aplicável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

JOAQUIM ……………………….. (devidamente identificado nos autos), requerente no Processo Cautelar que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA no qual requereu a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho do Director-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais de 07/02/2017, que no âmbito do Processo Disciplinar n.º643-D/2016 lhe aplicou a pena disciplinar de demissão inconformado com a sentença de 29/09/2017 daquele Tribunal que julgou improcedente o pedido cautelar, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela sua revogação, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
1. A douta sentença recorrida faz uma errada avaliação dos factos, desconsiderando os princípios da proporcionalidade e adequação previstos no artigo 120.º do CPTA.

2. O Tribunal a quo decidiu mal ao concluir pela improcedência do pedido cautelar, errando ao considerar que a desvalorização das atenuantes previstas no artigo 190.º n.º 2 alínea a) e b) da LTFP não violam o principio da proporcionalidade e da adequação.

3. Ora as atenuantes previstas no artigo 10.º n.º 2 alínea a) e b) da LTFP têm enorme relevância disciplinar e, por isso devem as mesmas constar na acuação sob pena da mesma padecer de nulidade insanável.

4. E, a entidade recorrida ao não as fazer constar na acusação, faz incorrer o procedimento disciplinar num vicio procedimental, vide Acórdão do TCA Sul, processo 09192/12, 12.03.2015.

5. As atenuantes previstas no artigo 190.º n.º 2 alínea a) e b) da LTFP pela sua relevância sobre a conduta profissional do recorrente têm que ser consideradas em termos de medida concreta da pena, não estando em momento algum demonstrado a inviabilização irreversível do vinculo de emprego público.

6. O arrependimento do recorrente a sua longa carreira com um comportamento impoluto, corroborado pelos seus superiores hierárquicos que prestaram depoimento no procedimento disciplinar, atestam que a pena de suspensão será o bastante para assegurar a verificação da prevenção geral e especial positiva que a pena visa atingir.

7. Sendo a pena de demissão manifestamente desproporcional e desadequada ao caso concreto do recorrente.

8. Face a estes elementos e, sendo a verificação da aparência do direito (fumus boni iuris) uma apreciação superficial, não pode o tribunal a quo fazer uma apreciação, como ocorre na sentença recorrida, antecipando a titulo definitivo a decisão da ação principal que se encontra pendente.

9. Mais, a aplicação imediata da pena de demissão, tem afetado as necessidades básicas do recorrente e do seu agregado familiar, considerando que auferindo o mesmo cerca de 1350,00€ brutos, passou, desde que aquela pena disciplinar lhe foi aplicada, a auferir, subitamente, nada, estando a sua esposa desempregada, sendo certo que os encargos mensais (crédito à habitação, seguros, impostos, comunicações, SMAS, EDP, condomínio, despesas escolares, gás, transportes, gastos normais com alimentação, vestuário, calçado, combustível), estão a ser impossíveis de satisfazer com a aplicação imediata da pena, tendo na presente data já inúmeras dívidas.

10. Deste modo, apesar de no processo-crime o recorrente ter sido condenado por ter recebido de uma sociedade um cheque de 3.000$00, o decurso do tempo e o seu comportamento global, bastante positivo segundo os próprios superiores, atenua fortemente aquela ocorrência. Não sendo evidente a procedência da pretensão, o tribunal apreciou os prejuízos invocados pelo recorrente, constatando que a aplicação imediata da pena afetaria as necessidades básicas do seu agregado familiar, de forma drástica. No caso concreto, estando o requerente a receber o valor liquido de €1.173,07, passaria, subitamente, para a quantia de €416,00, sendo certo que os encargos mensais (crédito à habitação, conta empréstimo, seguros, comunicações, SMAS, EDP, locação financeira relativa ao veículo automóvel e gastos normais com alimentação, vestuário e calçado) ascendem a €1.090,00, impossíveis de satisfazer com a aplicação imediata da pena. Ora, como é jurisprudência máxime do STA, ficando afectada a subsistência do requerente e do seu agregado familiar (cfr. Ac. TCA-Sul de 30.07.2013, Ac. TCA-Sul de 12.05.2005, Proc.686/05; Ac. TCA-Sul de 09.08.2011, Proc.7893/11; Ac. STA de 28.01.2009, Proc.1030/08; Ac. STA de 28.01.2009, Proc. 0412/05, entre muitos outros; na doutrina, vide Vieira de Andrade).

11. Destarte, revela-se a pena disciplinar de demissão desproporcional e desadequada ao caso concreto do A., atendendo às atenuantes especiais de que deve beneficiar, ao manifesto arrependimento pela conduta adotada e que confessou e, às boas informações dos seus superiores hierárquicos e colegas.

12. Concluindo-se que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo está ferida de vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.


O recorrido MINISTÉRIO DA JUSTIÇA contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, tendo formulado o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
a) A motivação do Recorrente assenta na discordância relativamente à sentença recorrida, dado que o Recorrente pretende outro resultado;

b) Acontece que a sentença recorrida encontra-se estruturada e não contém vícios;

c) Foram dadas como provadas – o que o Recorrente não nega – todas as condutas do ora recorrente integrantes da previsão normativa que conduziram à aplicação da pena;

d) Sanção à qual a Administração estava – pelo tipo de infração cometida pelo Recorrente – vinculada a aplicar;

e) Portanto, o “outro resultado” pretendido pelo Recorrente não é possível obter;

f) Desde logo, porque o, pretendido pelo Recorrente, efeito de confissão, não colhe dado que não foi livre nem espontâneo, tendo ocorrido quando já decorria processo-crime em que se averiguava a conduta do ora Recorrente;

g) A dosimetria da pena disciplinar foi adequada à conduta e à prova produzida;

h) Atenta a natureza conservatória da providência cautelar, a decisão da Administração apenas é sindicável em caso de erro grosseiro ou manifesto. O que, no caso, não se verifica;

i) Nem o ora Recorrente identificou qualquer erro grosseiro;

j) A sentença recorrida decidiu que não é manifesta a procedência da ação principal; e que,

k) Em relação ao requisito do “periculum in mora”, impendia sobre o Requerente da providência, ora Recorrente, o ónus de especificar e concretizar o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e / ou a produção de prejuízos de difícil reparação. O que não aconteceu;

l) Inexiste qualquer superveniência que implique alteração das circunstâncias disciplinarmente punitivas e judicialmente julgadas.


Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido do presente recurso não dever merecer provimento, confirmando-se a sentença recorrida, nos seguintes termos:
«Pugna o recorrente pela revogação da douta sentença, alegando em síntese que a mesma fez uma errada avaliação dos factos, desconsiderando os princípios da proporcionalidade e adequação previstos no artigo 120.º do CPTA, «revelando-se a pena disciplinar de demissão desproporcional e desadequada ao caso concreto do A., atendendo às atenuantes especiais de que deve beneficiar, ao manifesto arrependimento pela conduta adotada e que confessou e, às boas informações dos seus superiores hierárquicos e colegas.», concluindo que a douta sentença está ferida de vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Como se refere no acórdão do STA de 05-04-2017, rec. 01467/16, «I - A nova redacção do art. 120º, nº 1 do CPTA, faz depender o deferimento das providências cautelares da existência cumulativa dos dois requisitos positivos enunciados neste nº 1, que correspondem aos designados “periculum in mora” e “fumus boni iuris”. Pressupondo, ainda, a verificação do requisito negativo do nº 2 do mesmo preceito, que corresponde a uma ponderação subsequente (verificados os requisitos cumulativos do nº 1), “dos interesses públicos e privados em presença”. II - O art. 120º, nº 1 enquadra o requisito do fumus boni iuris no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, pelo que a pretensão cautelar só poderá ser deferida se for “provável” que a acção principal “venha a ser julgada procedente”. III – Faltando o fumus boni iuris, por não ser provável a verificação das ilegalidades imputadas ao acto suspendendo, a providência cautelar soçobra de imediato.»

As decisões em matéria de providências cautelares estando limitadas à verificação ou não dos requisitos necessários para o seu decretamento, cabendo ao requerente a alegação de factos necessários à demonstração da verificação dos pressupostos a que se refere o art° 120° do CPTA.
Neste contexto, tendo presente a matéria de facto constante do probatório, as alegações e conclusões do recorrente, cremos que o recorrente não alega os factos necessários à demonstração da verificação dos mencionados requisitos à concessão da providência requerida.
É que como se refere no acórdão do STA de 15-09-2016, rec. 0979/16: «Face à nova redacção do art. 120º do CPTA, o deferimento do presente meio cautelar exige a presença cumulativa dos dois requisitos positivos constantes do seu n.º 1 – os quais correspondem aos chamados «periculum in mora» e «fumus boni juris». E pressupõe, ainda, a ocorrência do requisito negativo previsto no n.º 2 do mesmo artigo, ligado a uma ponderação subsequente – como o n.º 2 diz «in initio» – dos «interesses públicos e privados em presença».
Assim, a aferição da bondade desta providência deve metodologicamente começar pela análise dos requisitos ínsitos no n.º 1 do art. 120º do CPTA – sendo indiferente principiar por qualquer deles; e só no caso de ambos se verificarem passaremos ao cotejo imposto no n.º 2 do artigo.
E enfrentaremos já o «fumus boni juris». Na primitiva versão do CPTA, este requisito genérico dos procedimentos cautelares era avaliado a partir de critérios de evidência. Mas o enunciado actual do art. 120º, n.º 1, do CPTA reconduziu o assunto às soluções processuais comuns, enquadrando o requisito no plano da probabilidade de existir o direito exercitado. Assim, a pretensão cautelar da requerente só vingará se for «provável» que a acção principal «venha a ser julgada procedente».
«Provável» é o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça. E, no domínio jurídico em que ora nos situamos, isso exige que algum dos vícios atribuídos pela requerente ao acto suspendendo se apresente já – na análise perfunctória típica deste género de processos – com a solidez bastante para que conjecturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do acto.»

Sendo que dele notificadas as partes nenhuma se apresentou a responder.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


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Da questão prévia do efeito do recurso
No seu requerimento de interposição do recurso o recorrente mencionou, e bem, ser o recurso interposto com efeito devolutivo.
Nas suas contra-alegações também o recorrido invocou dever o recurso ter efeito devolutivo nos termos do artigo 143º nº 2 do CPTA.
Todavia, e sem tomar sequer posição motivada sobre a posição consensual das partes acerca do efeito meramente devolutivo do presente recurso, no despacho que o admitiu (datado 27-11-2017) a Mmª Juíza do Tribunal a quo fixou-lhe efeito suspensivo.
Ora, se bem que a regra, tal como se estabelecida no artigo 143º nº 1 do CPTA, seja o do efeito suspensivo dos recurso, dispõe expressamente o nº 2 do artigo 143º do CPTA que os recurso interpostos de “decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo”.
Como já se constatou no acórdão deste TCA Sul de 18-12-2014, Proc. 11609/14, de que fomos relatores, disponível in, www.dgsi.pt/jtcas, mostra-se consolidado e reiterado o entendimento jurisprudencial, de que não há razão para divergir, de que o preceito do nº 2 do artigo 143º do CPTA se refere quer às decisões que deferem providências cautelares quer às que as indeferem (vide, designadamente, os Acórdãos do STA de 13/09/2012, Proc. n.º 628/12; de 05/03/2012, Proc. nº 553/12; de 14/02/2013, Proc. n.º 1353/12; de 05/02/2013, Proc. nº 1178/12; de 24/05/2011, Proc. 1047/10; de 24/05/2012, Proc. 225/12; de 08/11/2012, Proc. 849/12; de 31/10/2012, Proc. 850/12; de 31/10/2012, Proc. 793/12, in, www.dgsi.pt/jsta).
Pelo que a Mmª Juíza do Tribunal a quo devia ter sido fixado efeito meramente devolutivo ao presente recurso, nos termos previstos no nº 2 do artigo 143º do CPTA, e não efeito suspensivo, como sucedeu.
Razão pela qual, se procede agora, ao abrigo do disposto no artigo 654º nº 1 do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, à luz do entendido supra, à fixação de efeito meramente devolutivo ao presente recurso.
O que se decide.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face das conclusões formuladas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa, no que tange ao juízo feito quanto aos requisitos do fumus boni iuris, devendo ser revogada.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPC novo, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada como provada e na sentença recorrida, a qual não foi impugnada no presente recurso nem deve ser objeto de qualquer alteração.

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B – De direito

1. Da decisão recorrida
1.1 Pela sentença recorrida o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido cautelar formulado pelo ora recorrente – o de decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho do Director-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais de 07/02/2017, que no âmbito do Processo Disciplinar n.º643-D/2016 lhe aplicou a pena de demissão – em face da consideração, que fez, de que no caso não se encontrava preenchido o pressuposto do fumus boni iuris previsto no nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Decisão que tendo por base a matéria de facto que ali foi considerada provada, que não vem impugnada no presente recurso, assentou na seguinte fundamentação que se passa a transcrever, no que releva para a utilidade do presente recurso:
«Da factualidade provada resulta que foi aplicada ao requerente a pena disciplinar de demissão por ter violado os deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, previstos no artigo 73.º, n.º2, alíneas a), b) e g), e n.ºs 3, 4 e 9, da LGTFP, e os deveres especiais previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 18.º do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Decreto-lei n.º3/2014, de 9 de Janeiro.
O artigo 18.º, alíneas a), b) e c), do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional estabelece o seguinte: “Constituem deveres especiais dos trabalhadores do CGP: a) Não aceitar, a qualquer título, dádivas ou vantagens de reclusos, de familiares destes ou de outras pessoas, em consequência da profissão exercida; b) Não deixar entrar ou sair dos estabelecimentos prisionais nem permitir o acesso a reclusos a quaisquer bens ou valores, sem autorização superior de acordo com o previsto nas normas e instruções aplicáveis; c) Não celebrar qualquer negócio ou contrair dívidas com reclusos e seus familiares ou com qualquer outra pessoa com eles relacionada”.
Nos presentes autos, o requerente não impugna, antes confessa, que praticou os factos de foi acusado no âmbito do processo disciplinar e que determinaram que lhe fosse aplicada a pena de demissão. Contudo, alega que beneficia das circunstâncias atenuantes extraordinárias previstas no artigo 190.º, n.º2, alíneas a) e b), da LGTFP, e que a pena de demissão é manifestamente desproporcional.
Vejamos.
Nos termos do artigo 180.º, n.º1, da LGTFP, “As sanções disciplinares aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas pelas infracções que cometam são as seguintes: a) Repreensão escrita; b) Multa; c) Suspensão; d) Despedimento disciplinar ou demissão”.
A sanção de demissão consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador nomeado, cessando o vínculo de emprego público, sendo aplicável em caso de infracção que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego público nos termos previstos na LGTFP [artigos 181.º, n.º6, e 187.º da LGTFP].
Relativamente à medida das sanções disciplinares, o artigo 189.º da LGTFP estabelece o seguinte: “Na aplicação das sanções disciplinares atende-se aos critérios gerais enunciados nos artigos 184.º a 188.º, à natureza, à missão e às atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do trabalhador, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade do seu vínculo de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele”.
Por sua vez, o artigo 190.º da LGTFP consagra as circunstâncias dirimentes e atenuantes da responsabilidade disciplinar, sendo que, nos termos dos n.ºs 2 e 2 do referido artigo, “2. São circunstâncias atenuantes especiais da infracção disciplinar: a) A prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo; b) A confissão espontânea da infracção; c) A prestação de serviços relevantes ao povo português e a actuação com mérito na defesa da liberdade e da democracia; d) A provocação; e) O acatamento bem intencionado de ordem ou instrução de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência. 3. Quando existam circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do trabalhador, a sanção disciplinar pode ser atenuada, aplicando-se sanção disciplinar inferior”.
Na determinação da medida da pena disciplinar, a Administração goza de alguma margem de discricionariedade, sendo que os tribunais não podem sindicar a proporcionalidade da medida concreta da pena, salvo havendo erro grosseiro ou manifesto [Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proferido no Processo n.º0622/11].
Atento o teor do Relatório Final do instrutor, conclui-se que, na determinação da medida da pena aplicada ao requerente não foram consideradas as circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas a) e b), do n.º2, do artigo 190.º da LGTFP, constando do referido relatório, quanto a esta matéria, designadamente, o seguinte:
Pugna a defesa que face ao arrependimento e face à verificação da circunstância atenuante especial prevista na alínea a) do n.º2 do art. 190 da LGTFP deve a sanção a aplicar ser inferior. Ou seja, a defesa do trabalhador não coloca em causa que em abstracto a conduta do trabalhador é passível de ser sancionada com a sanção de demissão. Apela apenas ao arrependimento e às circunstâncias atenuantes especiais.
Conforme se referiu supra, as circunstâncias especiais atenuantes da infração não operam automaticamente. A atenuação da pena depende, nos termos do artigo 190, n.º3 da LGTFP., da verificação de “circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do arguido”.
Estas circunstâncias relevarão para a determinação da sanção disciplinar, sopesando todo o demais circunstancialismo fático, de entre o qual, a gravidade dos factos, o seu relevo disciplinar, o seu reflexo e efeitos, bem como a personalidade do trabalhador.
No caso, conforme já referimos, não consideramos verificar-se a circunstância atenuante especial prevista na alínea n.º2 al. b) do mencionado art. 190.º - confissão espontânea dos factos – na medida em que não houve uma confissão integral e sem reservas e a mesma não foi espontânea na medida em que o trabalhador já havia sido confrontado com um manancial de provas no âmbito do inquérito criminal após a sua detenção para 1.º interrogatório judicial.
No que se refere à circunstância atenuante especial de prestação de mais de 10 anos com exemplar comportamento e zelo, reproduzindo o que acima se referiu, face aos depoimentos das testemunhas e ao seu registo biográfico, consideramos provado que o trabalhador nos últimos dez anos teve um desempenho profissional exemplar e com zelo. Todavia, afigura-se-nos que tal não diminui consideravelmente a sua culpa.
Na verdade, perante a gravidade da conduta do trabalhador que não se traduziu apenas na prática de um único ato irreflectido mas se consubstanciou num conjunto de atuações que implicaram recebimentos de quantias monetárias e a permissão de posse por parte de um recluso de objectos proibidos, contrariando os objectivos do serviço, efectuando um juízo valorativo da conduta do trabalhador, mesmo a verificar-se a circunstância atenuante especial de exemplar comportamento e zelo por mais de dez anos, não podemos deixar de concluir que os factos provados revelam gravidade bastante que importa, sem margem para dúvidas, a aplicação da sanção de demissão.
Aliás, não podemos olvidar que o trabalhador revelou continuadamente ter atuado com dolo em relação à atividade aqui em causa e isto porque tendo consciência da ilicitude dos atos que praticava e dos benefícios que auferia, não deixou de, durante um período de tempo, de os praticar. Revelar-se agora arrependido apenas quando foi detido e posteriormente lhe foi instaurado processo disciplinar não releva para a diminuição da sanção aplicável.
Inexistem, assim, razões para desvalorizar a conduta do trabalhador, quer sob o ponto de vista da sua ilicitude, quer da sua culpabilidade, em termos que pudessem afastar a aplicação da sanção disciplinar mais grave. (…).” [alínea c) dos factos provados].
Resultou provado no processo disciplinar que o requerente, guarda prisional, no exercício das suas funções, permitiu que o recluso Allan ............... guardasse telemóveis e outros objectos na sua cela e recebeu depósitos, no montante de €250.00, pelo menos três vezes, na sua conta bancária, efectuados por Solange ……… a pedido de Allan ............... [alínea c) dos factos provados].
O requerente, em data não concretamente apurada, situada entre Fevereiro e Abril de 2016, em conversa mantida com outro guarda prisional a exercer funções no E.P. de Viseu, onde o recluso Allan ............... se encontrava temporariamente, transmitiu ao seu colega que o recluso “estava limpinho” e que não causava problemas [alínea c) dos factos provados].
Em outra ocasião, dentro do mesmo período temporal, o recluso Allan ..............., num dos contactos telefónicos mantidos com o requerente, solicitou a este para obter informações sobre a ala do E.P. onde um amigo, de nome Vítor, que iria ser transferido para o E.P. de Pinheiro da Cruz, iria ser colocado, sendo que, nessa sequência, o requerente transmitiu ao recluso que iria “tratar dele” [alínea c) dos factos provados].
Ora, o requerente, com a sua conduta, manteve contacto pessoal com um recluso, de quem aceitou quantias em dinheiro em troca de permitir que aquele mantivesse na sua posse telemóveis e outros objectos, quando impendia sobre o mesmo o dever de não aceitar, a qualquer título, dádivas de reclusos, bem como o dever de não permitir o acesso dos reclusos a quais quaisquer bens ou valores, sem autorização superior [artigo 18.º, alíneas a) e b), do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional.
Assim, atenta a gravidade da conduta do requerente, concluímos que a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo não diminui substancialmente a sua culpa, de tal forma que a pena disciplinar devesse ser atenuada, sendo certo que, como resultou provado no processo disciplinar e o requerente não impugna, aquele sabia que os reclusos não podem ter ou usar telemóveis ou equipamento informático e que compete aos guardas prisionais apreender os telemóveis dos reclusos, bem como sabia que não podia manter relações de proximidade com reclusos e respectivos familiares, nem contactar com outros guardas de forma a obter tratamento favorável para o recluso Allan e receber qualquer vantagem patrimonial por parte de recluso.
Em suma, embora o requerente beneficiasse da circunstância atenuante prevista no artigo 190.º, n.º2, alínea a), da LGTFP, a mesma não diminui substancialmente a sua culpa, pelo que é insusceptível de atenuar a sanção disciplinar.
Por outro lado, e tal como entendeu a entidade requerida, o requerente não confessou espontaneamente a infracção, uma vez que se limitou a não negar os factos que lhe eram imputados no processo disciplinar após ter sido confrontado com a prova no âmbito do inquérito criminal, sendo que a confissão será tida como relevante quando for feita em tempo útil, de forma livre, tiver contribuído decisivamente para a descoberta da verdade e não resultar da evidência dos factos.
Assim, e numa apreciação sumária, concluímos que a ponderação efectuada pela entidade requerida quanto à existência de circunstâncias atenuantes susceptível de atenuar a sanção disciplinar não viola a norma do artigo 190.º, n.º2, alíneas a) e b), da LGTFP.
Por outro lado, atenta a já referida gravidade dos factos praticados pelo requerente, não podemos concluir que a aplicação da pena de demissão viola o princípio da proporcionalidade, sendo certo que, como já referimos, na determinação da medida da pena disciplinar, a Administração goza de alguma margem de discricionariedade, sendo que os tribunais não podem sindicar a proporcionalidade da medida concreta da pena, salvo havendo erro grosseiro ou manifesto.
Pelo exposto, concluímos que não é provável que a pretensão formulada pelo requerente na acção principal venha a ser julgada procedente, uma vez que se afigura que o acto suspendendo não viola a norma do artigo 190.º, n.º2, alíneas a) e b), da LGTFP e o princípio da proporcionalidade, pelo que não se encontra preenchido um dos pressupostos do decretamento da providência cautelar requerida, qual seja o fumus boni iuris, pelo que, sendo tais pressupostos de verificação cumulativa, o pedido cautelar tem de improceder.»
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2. Da tese do recorrente
2.1 Pugna o recorrente pela revogação da sentença recorrida, sustando ter ela errado ao considerar que a desvalorização das atenuantes previstas no artigo 190.º n.º 2 alínea a) e b) da LTFP não violam o principio da proporcionalidade e da adequação; que as atenuantes previstas no artigo 10.º n.º 2 alínea a) e b) da LTFP têm enorme relevância disciplinar e, por isso devem as mesmas constar na acusação sob pena da mesma padecer de nulidade insanável; que a entidade recorrida ao não as fazer constar na acusação, faz incorrer o procedimento disciplinar num vício procedimental; que as atenuantes previstas no artigo 190.º n.º 2 alínea a) e b) da LTFP pela sua relevância sobre a conduta profissional do recorrente têm que ser consideradas em termos de medida concreta da pena, não estando em momento algum demonstrado a inviabilização irreversível do vinculo de emprego público; que o arrependimento do recorrente, a sua longa carreira com um comportamento impoluto, corroborado pelos seus superiores hierárquicos que prestaram depoimento no procedimento disciplinar, atestam que a pena de suspensão será o bastante para assegurar a verificação da prevenção geral e especial positiva que a pena visa atingir, sendo a pena de demissão manifestamente desproporcional e desadequada ao caso concreto do recorrente; que face a estes elementos e, sendo a verificação da aparência do direito (fumus boni iuris) uma apreciação superficial, não pode o tribunal a quo fazer uma apreciação, como ocorre na sentença recorrida, antecipando a título definitivo a decisão da ação principal que se encontra pendente; que a aplicação imediata da pena de demissão, tem afetado as necessidades básicas do recorrente e do seu agregado familiar, considerando que auferindo o mesmo cerca de 1350,00€ brutos, passou, desde que aquela pena disciplinar lhe foi aplicada, a auferir, subitamente, nada, estando a sua esposa desempregada, sendo certo que os encargos mensais (crédito à habitação, seguros, impostos, comunicações, SMAS, EDP, condomínio, despesas escolares, gás, transportes, gastos normais com alimentação, vestuário, calçado, combustível), estão a ser impossíveis de satisfazer com a aplicação imediata da pena, tendo na presente data já inúmeras dívidas; que a pena disciplinar de demissão se revela desproporcional e desadequada ao caso concreto do recorrente atendendo às atenuantes especiais de que deve beneficiar, ao manifesto arrependimento pela conduta adotada e que confessou e, às boas informações dos seus superiores hierárquicos e colegas.
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3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Comece-se por precisar que, como bem foi considerado na sentença recorrida, são de aplicar ao presente processo cautelar, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 15º do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, os critérios decisórios ínsitos no artigo 120º do CPTA na sua nova redação, dada pelo DL n.º 214-G/2015, que é a seguinte:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 — Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.

Com esta nova redação dada ao artigo 120º do CPTA com a sua revisão, operada pelo DL n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, foi revogada a anterior alínea a) do nº 1 deste artigo 120º (a atinente à manifesta procedência da ação principal) e concomitantemente eliminado o distinto critério decisório quanto ao fumus boni iuris que se encontrava consignado nas anteriores alíneas b) e c), a aplicar consoante se estive perante medidas cautelares de natureza conservatória ou medidas cautelares antecipatória, distinção essa que perde agora relevância.
A tal respeito se refere aliás o preâmbulo do DL n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, dizendo que “o novo regime previsto no artigo 120º consagra um único critério de decisão de providências cautelares, quer estas tenham natureza antecipatória ou conservatória, as quais poderão ser adotadas quando se demonstre a existência de um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende acautelar no processo principal, e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
3.2 Como é sabido a razão da tutela cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal.
A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes.
Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal ou, pelo menos, da improbabilidade do seu fracasso (fumus boni iuris).
O que significa que a discussão em torno da invalidade da decisão disciplinar trazida ao autos deve ser estritamente resolvida na dimensão adequada da análise perfunctória própria da decisão cautelar, com vista a concluir-se se será provável (ou não) a pretensão impugnatória do ato administrativo suspendendo, em termos que o mesmo deva, naquela ação, vir a ser anulado.
3.3 Simultaneamente na fase de recurso, em que nos encontramos, o que importa, como é sabido, é apreciar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2 do CPTA e 639º nº 1 e 635º do CPC novo (ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), às que integram o objeto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas respetivas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso), mas simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo (vide, neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90).
Sendo, pois, os recursos jurisdicionais meios de impugnação de decisões judiciais, não devem ser utilizados como meio de julgamento de questões novas, que não tenham sido oportunamente invocadas. Com efeito, o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal de recurso é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido (ou pedidos) formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância (ressalvada naturalmente a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objeto por anulação do julgado – cfr. artigos 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artigo 665º nºs 1, 2 e 3 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA. Destinando-se a alterar ou a anular a decisão judicial de que se recorre para tribunal superior, dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que não lhes cabe o conhecimento ex novo de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida, nem aquelas que não foram em primeira instância suscitadas pela parte (a este respeito, vide, António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; Miguel Teixeira de Sousa, in, “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2a edição, págs. 524 a 526; Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 309 e 359, bem como, entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 08/05/2014, Proc. 11054/14 e de 19/02/2013, Proc. 06193/12, in.www.dgsi-pt/jtacs).
3.4 Ora, o referido pelo recorrente nas conclusões 3ª e 4ª das suas alegações de recurso, consubstancia a invocação de questões novas, enquanto fundamentos de invalidade da decisão disciplinar suspendenda, tendentes, por conseguinte, a preencher o requisito do fumus boni iuris, só agora foram trazidas em recurso. De modo que o Tribunal a quo não foi chamado a pronunciar-se sobre a invocação, agora aqui feita pelo recorrente, de que as atenuantes previstas no artigo 10.º n.º 2 alínea a) e b) da LTFP devem constar na acusação sob pena da mesma padecer de nulidade insanável e de assim não sucedendo o procedimento disciplinar está ferido de vício procedimental. Nem deve agora este Tribunal ad quem proceder a tal apreciação.
3.5 Pelo que, o objeto do presente recurso deve ser reconduzido à questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não verificado o requisito do fumus boni iuris por referência aos fundamentos de invalidade apontados pelo requerente ao ato suspendendo no requerimento inicial da providência. Que são, afinal, os que integram a causa de pedir.
3.6 Na situação presente o ato suspendendo é o despacho do Director-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais de 07/02/2017, que no âmbito do Processo Disciplinar n.º 643-D/2016 aplicou ao recorrente, a pena disciplinar de demissão.
Resulta dos autos, e foi considerado na sentença recorrida, que a pena disciplinar de demissão se fundou na violação, pelo recorrente, enquanto membro do corpo da guarda prisional, dos deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade, previstos no artigo 73.º, n.º2, alíneas a), b) e g), e n.ºs 3, 4 e 9, da LGTFP, e os deveres especiais previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 18.º do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Decreto-lei n.º3/2014, de 9 de Janeiro, por facto ocorridos quando desempenhava funções no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz.
3.7 No requerimento inicial da providência cautelar o recorrente não pôs em causa os factos ocorridos, que confessou em sede disciplinar, nem a consubstanciação das infrações disciplinares pelas quais foi punido, tendo aceite expressamente dever por eles punido disciplinarmente. O que sustentou é que a pena disciplinar de demissão é manifestamente desproporcional, sendo a aplicação de outra sanção o bastante para que se mostrem verificados o principio da prevenção geral e especial positiva da pena, por estar arrependido, ter confessado os factos e ter uma carreira profissional com cerca de 15 anos, impoluta, com boas informações dos seus superiores hierárquicos e colegas e, classificação de serviço de bom, possuindo ainda 2 louvores, verificando-se assim as circunstâncias atenuantes extraordinárias previstas no artigo 190.º n.º 2 alínea a) e b) da LGTFP - (vide 1º a 8º, 12º e 13º do RI).
3.8 Na decisão disciplinar foi considerado que « (…) perante a gravidade da conduta do trabalhador que não se traduziu apenas na prática de um único ato irreflectido mas se consubstanciou num conjunto de atuações que implicaram recebimentos de quantias monetárias e a permissão de posse por parte de um recluso de objectos proibidos, contrariando os objectivos do serviço, efectuando um juízo valorativo da conduta do trabalhador, mesmo a verificar-se a circunstância atenuante especial de exemplar comportamento e zelo por mais de dez anos, não podemos deixar de concluir que os factos provados revelam gravidade bastante que importa, sem margem para dúvidas, a aplicação da sanção de demissão (…)», que « (…) o trabalhador revelou continuadamente ter atuado com dolo em relação à atividade aqui em causa e isto porque tendo consciência da ilicitude dos atos que praticava e dos benefícios que auferia, não deixou de, durante um período de tempo, de os praticar (…)» e que, assim, inexistiam «…razões para desvalorizar a conduta do trabalhador, quer sob o ponto de vista da sua ilicitude, quer da sua culpabilidade, em termos que pudessem afastar a aplicação da sanção disciplinar mais grave.»
3.9 As sanções disciplinares aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas elencadas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, são as de repreensão escrita; multa; suspensão e despedimento disciplinar ou demissão, a serem aplicadas em conformidade com o tipo e gravidade da infração, nos termos enunciados nos artigos 184º a 188º da LGTFP, mas também atendendo “…à natureza, à missão e às atribuições do órgão ou serviço, ao cargo ou categoria do trabalhador, às particulares responsabilidades inerentes à modalidade do seu vínculo de emprego público, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infração tenha sido cometida que militem contra ou a favor dele”, como expressamente estatui o artigo 189º da LGTFP.
De harmonia com o previsto no nº 2 do artigo 190º da LGTFP, são designadamente circunstâncias atenuantes especiais da infração disciplinar a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo (alínea a)) e a confissão espontânea da infração (alínea b)).
Prevendo o nº 3 do artigo 190º da LGTFP que “quando existam circunstâncias atenuantes que diminuam substancialmente a culpa do trabalhador, a sanção disciplinar pode ser atenuada, aplicando-se sanção disciplinar inferior”.
3.10 Invocando estes normativos o requerente da providência sustenta que ao invés de lhe ter sido aplicada a sanção disciplinar de demissão, devia apenas ter-lhe sido aplicada a sanção disciplinar de suspensão, sendo a demissão manifestamente desproporcional.
Pelo que a providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão disciplinar de demissão do requerente apenas poderia ser decretada se fosse de concluir que a ação principal (a ação administrativa em que está impugnada a decisão disciplinar) devesse ser procedente, com anulação da pena disciplinar de demissão, com tal fundamento.
3.11 Nos termos do disposto no artigo 187º da LGTFP as sanções de despedimento disciplinar ou de demissão são aplicáveis “…em caso de infração que inviabilize a manutenção do vínculo de emprego público nos termos previstos na presente lei”. Constituindo infração disciplinar que inviabiliza a manutenção do vínculo, nos termos do nº 3 do artigo 297º da LGTFP, nomeadamente, “…os comportamentos do trabalhador que:
a) Agrida, injurie ou desrespeite gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, em serviço ou nos locais de serviço;
b) Pratique atos de grave insubordinação ou indisciplina ou incite à sua prática;
c) No exercício das suas funções, pratique atos manifestamente ofensivos das instituições e princípios consagrados na Constituição;
d) Pratique ou tente praticar qualquer ato que lese ou contrarie os superiores interesses do Estado em matéria de relações internacionais;
e) Volte a praticar os factos referidos nas alíneas c), h) e i) do artigo 186.º;
f) Dolosamente participe infração disciplinar supostamente cometida por outro trabalhador;
g) Dentro do mesmo ano civil, dê cinco faltas seguidas ou 10 interpoladas sem justificação;
h) Cometa reiterada violação do dever de zelo, indiciada em processo de averiguações instaurado após a obtenção de duas avaliações de desempenho negativas consecutivas;
i) Divulgue informação que, nos termos legais, não deva ser divulgada;
j) Em resultado da função que exerce, solicite ou aceite, direta ou indiretamente, dádivas, gratificações, participação em lucro ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou procedimento;
k) Comparticipe em oferta ou negociação de emprego público;
l) Seja encontrado em alcance ou desvio de dinheiros públicos;
m) Tome parte ou tenha interesse, diretamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar por qualquer órgão ou serviço;
n) Com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício económico ilícito, falte aos deveres funcionais, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados, ou lese, em negócio jurídico ou por mero ato material, designadamente por destruição, adulteração ou extravio de documentos ou por viciação de dados para tratamento informático, os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar;
o) Autorize o exercício de qualquer atividade remunerada nas modalidades que estão vedadas aos trabalhadores que, colocados em situação de requalificação, se encontrem no gozo de licença extraordinária.

3.12 Na situação dos autos resultou provado no processo disciplinar que o requerente, guarda prisional no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, no exercício das suas funções, permitiu que um determinado recluso guardasse telemóveis e outros objetos na sua cela, tendo recebido depósitos, no montante de 250,00€, pelo menos três vezes, na sua conta bancária, efetuados por terceira pessoa, a pedido daquele mesmo recluso; que o requerente, em data não concretamente apurada, situada entre Fevereiro e Abril de 2016, em conversa mantida com outro guarda prisional a exercer funções no Estabelecimento Prisional de Viseu, onde o mesmo recluso se encontrava temporariamente, transmitiu ao seu colega que o recluso “estava limpinho” e que não causava problemas; que no mesmo período temporal, aquele mesmo recluso, num dos contactos telefónicos mantidos com o requerente, solicitou a este para obter informações sobre a ala do Estabelecimento Prisional onde um amigo, que iria ser transferido para o Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, iria ser colocado, sendo que, nessa sequência, o requerente transmitiu ao recluso que iria “tratar dele” - (vide alínea c) do probatório).
E como resulta do teor da decisão punitiva, muito embora ciente de que o requerente possuía mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo, a entidade requerida considerou que tal circunstância não era idónea a afastar a aplicação da sanção disciplinar mais grave, a de demissão, que foi a decidida, nos termos assim expressos na decisão punitiva (vide c) do probatório):
«Na verdade, perante a gravidade da conduta do trabalhador que não se traduziu apenas na prática de um único ato irreflectido mas se consubstanciou num conjunto de atuações que implicaram recebimentos de quantias monetárias e a permissão de posse por parte de um recluso de objectos proibidos, contrariando os objectivos do serviço, efectuando um juízo valorativo da conduta do trabalhador, mesmo a verificar-se a circunstância atenuante especial de exemplar comportamento e zelo por mais de dez anos, não podemos deixar de concluir que os factos provados revelam gravidade bastante que importa, sem margem para dúvidas, a aplicação da sanção de demissão.
Aliás, não podemos olvidar que o trabalhador revelou continuadamente ter atuado com dolo em relação à atividade aqui em causa e isto porque tendo consciência da ilicitude dos atos que praticava e dos benefícios que auferia, não deixou de, durante um período de tempo, de os praticar. Revelar-se agora arrependido apenas quando foi detido e posteriormente lhe foi instaurado processo disciplinar não releva para a diminuição da sanção aplicável.
Inexistem, assim, razões para desvalorizar a conduta do trabalhador, quer sob o ponto de vista da sua ilicitude, quer da sua culpabilidade, em termos que pudessem afastar a aplicação da sanção disciplinar mais grave. (…).»

3.13 Ora, atento a natureza e contexto das infrações disciplinares que foram praticadas pelo requerente e a sua gravidade, não se pode configurar como desproporcionada a aplicação da pena disciplinar de demissão, à luz do quadro normativo convocado.
Nem é errada a consideração, vertida na sentença recorrida, de que «…atenta a gravidade da conduta do requerente, concluímos que a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo não diminui substancialmente a sua culpa, de tal forma que a pena disciplinar devesse ser atenuada, sendo certo que, como resultou provado no processo disciplinar e o requerente não impugna, aquele sabia que os reclusos não podem ter ou usar telemóveis ou equipamento informático e que compete aos guardas prisionais apreender os telemóveis dos reclusos, bem como sabia que não podia manter relações de proximidade com reclusos e respetivos familiares, nem contactar com outros guardas de forma a obter tratamento favorável para o recluso (…) e receber qualquer vantagem patrimonial por parte de recluso.»
3.14 Significando que a decisão disciplinar não haverá, num juízo perfunctório próprio da sede cautelar, de ser anulada na ação principal, como propugnado pelo requerente.
Não se encontrando, assim, verificado o requisito do fumus boni iuris.
Razão pela qual, improcede o presente recurso, devendo ser mantida a decisão de improcedência do pedido cautelar.
O que se decide.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.

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Lisboa, 31 de Janeiro de 2018


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)





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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho