Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:357/10.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores: NULIDADE DO ACTO - CONHECIMENTO
ANULAÇÃO DA RETENÇÃO NA FONTE
Sumário:I – Como a nulidade dos actos é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 124.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPPT), não importa que a questão da omissão de pronúncia não tenha sido invocada no recurso, sendo certo que, tendo o recorrente impugnado a matéria de facto (por insuficiência), o acórdão sempre terá de conhecer dessa questão.
II - A anulação de uma retenção na fonte sem carácter definitivo não tem qualquer consequência sobre uma liquidação de imposto, uma vez que se trata de um pagamento antecipado relativamente à própria liquidação cujo contorno definitivo ainda se desconhece.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
J.........., com os demais sinais nos autos, veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO por aquele deduzida contra a liquidação adicional de IRS, e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano 2005, no valor de € 17.044,63.

O Recorrente, J.........., veio oferecer as suas alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«a) O Recorrente fez munir os autos de elementos factuais, e prova documental, que são muito relevantes e não constam do probatório fixado, tendo necessariamente de vir a ser aditados.
b) É que a impugnação aqui em causa surgiu na sequência de uma liquidação efectuada ao aqui Recorrente por englobamento de verbas, tidas pela AT como rendimentos tributáveis, que aquele havia percebido da seguradora G........ e tais verbas haviam também sido alvo de retenção na fonte aquando do seu pagamento ao Recorrente.
c) Tendo o Impugnante reagido na sede própria a tal acto de retenção veio a obter sufrágio o seu entendimento junto do Tribunal Central Administrativo Sul, tendo sido ordenada a anulação de tais actos de retenção e ordenada a baixa do processo para quantificação do valor a reembolsar ao Impugnante.
d) Terá, pois, de ser aditado ao probatório fixado que as retenções na fonte que haviam sido efectuadas ao Recorrente, retenções essas feitas no pressuposto de que as verbas recebidas seriam tributáveis, foram anuladas por decisão judicial transitada em julgado.
e) Sendo o acto de liquidação que se discute nos presentes autos um acto consequente/subsequente daquele outro (de retenção na fonte) que foi anulado tal traduz­se em que o acto de liquidação aqui objecto de apreciação é nulo, resultando tal do artigo 133°, nº 2, i) do CPA.
f) Nenhum sentido, juridicamente falando, fará manter erecto um acto de liquidação quando aquele prévio que se lhe encontra estritamente conexo foi anulado e tal conexão resulta da própria natureza da retenção na fonte aqui em causa, que no presente caso, e não sendo a título definitivo, constitui um pagamento por conta do imposto devido a final.
g) Em suma e em conclusão quanto a este aspecto: anulada a retenção na fonte o acto de liquidação colocado em crise é, enquanto acto consequente daquele outro, nulo nos termos do artigo 133°, nº 2, i) do CPA.
i) A aceitar-se como boa a tributação/retenção na fonte efectuada tal enferma de erro na interpretação e aplicação do vertido no artigo 2º do CIRS ao concluir pela tributação como rendimentos do trabalho os valores em causa, isto atento o consagrado no artigo 2°, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS.
j) O Recorrente ao atingir as condições previstas no contrato resgatou a parte que lhe cabia de acordo com o dito contrato mas se a resgatou nessa altura era aquela em que efectivamente o podia resgatar sem que houvesse uma antecipação de qualquer recebimento.
k) Como resulta do contrato, o recebimento era para ser colhido quando se encontrassem preenchidos os respectivos pressupostos apenas se devendo considerar antecipação se o Recorrente o tivesse feito antes, o que aquele não fez nem tal resulta provado nos autos.
l) O artigo 2°, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS, embora de leitura difícil, permite identificar duas situações matriz, a saber:
I) A de direitos adquiridos e individualizados;
II) A de não existência de direitos adquiridos e individualizados mas em que existe resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade.
m) A acrescer a estes dois segmentos surge, efectivamente, o trecho que refere:
«ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado.»
n) Sucede que este trecho complementa os dois segmentos anteriores sendo tal o que resulta da expressão «em qualquer caso»
o) Quer isto dizer que o mesmo não é autónomo como que valendo de per se apenas admitindo o referido trecho legislativo só admite a seguinte interpretação/leitura:
I) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «V.....», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários e em que haja recebimento de capital;
lI) Não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade e em que haja recebimento de capital.
p) Ou seja, o recebimento do capital tem de, cumulativamente, articular-se com qualquer uma das duas situações atrás referidas e assim sendo, como inegavelmente o é, tem SEMPRE de se ver se esse recebimento se reporta ou não a uma situação de direitos adquiridos e individualizados ou a uma situação em que não existem direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários.
q) Facilmente se conclui que a situação não é de direitos adquiridos e individualizados do beneficiário pelo que a alínea a) supra referida fica excluída.
r) Mas para se aplicar a hipótese referida em b) supra teria que existir SEMPRE uma antecipação do recebimento pois que o preceito legal refere:
«sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade
s) Sendo assim evidente de concluir que o resgate só seria passível de cair sob a alçada da norma de incidência se houvesse uma antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato, mas não foi isso que se passou pois o ora Recorrente só recebeu na data prevista no contrato, nem os autos demonstram o contrário, pelo que embora tendo ocorrido resgate não foi com antecipação em relação à data prevista.
t) Pelo que não se está, efectivamente e bem ao contrário do entendimento da Douta Sentença, perante a ocorrência de facto tributário.
u) Salvo o devido respeito mas os fundamentos utilizados pela Douta Sentença para legitimar os juros compensatórios não são o bastante para os manter vigentes.
v) É que a imputação do atraso na liquidação ao Recorrente implica imperativamente que tal atraso lhe possa ser assacado a título de culpa, na sua modalidade de dolo ou negligência, e não nas situações em que uma interpretação diferente da lei, mas interpretação essa razoável e séria, faz com que o Recorrente tenha agido como agiu.
x) Pelo que, na ausência da prova de culpa do Recorrente, a liquidação de juros compensatórios efectuada se afigura, bem ao contrário do decidido, como ilegal.
y) Violou a Douta Sentença os artigos 133°, nº 2, i) do CPA, 2°, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS e 35°, nº 1 da LGT, assim como fez uma errónea interpretação da matéria de facto que deve levar que se adite ao probatório que as retenções na fonte que haviam sido efectuadas ao Recorrente, retenções essas feitas no pressuposto de que as verbas recebidas seriam tributáveis, foram anuladas por decisão judicial transitada em julgado.
w) Devendo, em consequência de tudo o alegado, ser revogada e substituída por uma decisão que dê integral provimento à pretensão do Recorrente com a anulação da liquidação colocada em crise.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença que assim não entendeu e substituída a mesma por uma decisão que dê integral provimento à pretensão do Recorrente, consistentes esta na total anulação do acto tributário questionado, tudo o mais com as consequências legais.»
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A Recorrida, FAZENDA PUBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra alegar.
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, como consta de fls. 157 e 158 do processo físico.

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As partes foram ouvidas sobre o invocado pelo recorrente nas alíneas a) a g) das conclusões de recurso - de que o acto de liquidação aqui objecto de apreciação é nulo - tendo ambas emitido pronúncia.

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Sem Vistos, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.

Deste modo, apenas se pode pretender a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões colocadas no presente recurso são as de saber:
- Apreciação da alegação de que o acto de liquidação é nulo, nos termos do art. 133º, nº 2, i) do CPA;
- Se a sentença incorre em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação artigo 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 3 do CIRS, o que passa por verificar se estão ou não preenchidos os requisitos legais previstos no artigo 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 3 do CIRS.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«a) A 07/12/2009, foi emitida liquidação adicional de IRS, do ano 2005, com o n.º20095004990..., onde se apurou um rendimento global de 313.030,39 euros, e um valor a pagar de 17.044,63 euros, lendo-se da nota de liquidação (cfr. nota de liquidação de fls. 31 dos autos):
“Texto Integral”
b) A 15/03/2005 o impugnante deduziu reclamação graciosamente contra as retenções na fonte de que foi alvo, pedindo a devolução das mesmas, relativas a um prémio resgatado junto da Seguradora G........ (cfr. documento de fls. 2 do PAT respectivo, incluso no volume único);
c) Foi proferido projecto de decisão relativa à reclamação, no sentido do seu deferimento parcial (cfr. documento de fls. 31 do PAT respectivo, incluso no volume único);
d) O impugnante remeteu requerimento em sede do exercício da “audiência prévia” (cfr. requerimento de fls. 39 e ss do PAT respectivo, incluso no volume único);
e) A 26/05/2008, foi proferido despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa, na parte respeitante aos rendimentos de categoria E (cfr. despacho e informação de fls. 41, e 42 a 48 do PAT respectivo, incluso no volume único);
f) A 27/05/2008 foi remetido ofício tendente à notificação do impugnante da decisão de deferimento parcial (cfr. ofício de fls. 49 do PAT respectivo, incluso no volume único);
g) O impugnante recebeu a notificação (cfr. aviso postal de fls. 50 do PAT respectivo, incluso no volume único);
h) A 23/02/2009 foi emitida a seguinte informação (cfr. documento de fls. 62 do PAT respectivo, incluso no volume único):
i) Na mesma data, na sequência da informação a que se refere a alínea anterior, foi proferido despacho de concordância (cfr. despacho de fls. 61 do PAT respectivo, incluso no volume único);
j) A 15/12/2009 foi emitida demonstração de liquidação de juros, onde se lê (cfr. documento de fls. 32 dos autos):
“Texto Integral”

k) A 24/08/2005 foi emitido recibo pela sociedade G........, apólice n.º04252…, efeito 1990/12/31, onde se lê (cfr. documento de fls.12 do PAT de Reclamação Graciosa, incluso no volume único do PAT);

Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.»


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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se encontrar documentalmente provado, e poder ser relevante para a decisão, aditam-se os seguintes factos:
l) Em 28/02/2012, no Proc. 02786/08 deste TCAS, em que era o recorrente J.......... (recorrente, também, nos presentes autos) e Recorrido o Director-Geral dos Impostos, foi proferido Acórdão numa acção para intimação para um comportamento, já transitado em julgado, que se encontra disponível em www.dgsi.pt, e cujo Sumário é o seguinte:
«1. Em presença das concretas e separadas estatuições dos arts. 33.º e 34.º LGT, sob as epígrafes, respectivamente, de “Pagamento por conta” e “Retenções na fonte”, embora ambas se identifiquem como “entregas pecuniárias”, é forçoso conceder que nos encontramos defronte de dois institutos jurídico-tributários diferentes, com características e âmbitos perfeitamente distintos, individualizados, cumprindo destacar que, no primeiro caso, as entregas são efetuadas pelos próprios sujeitos passivos, enquanto, no segundo, resultam de dedução, nos rendimentos do titular, efetivada pelo substituto tributário.
2. Face a dúplice realidade, consequente e logicamente, em princípio, as impugnações visando casos de retenção na fonte ou de pagamento por conta teriam de se submeter aos estritos cânones, para cada tipo de situação isoladamente, positivados nos arts. 132.º e 133.º CPPT.
3. Quanto ao IRS, impõe-se, por virtude do disposto no art. 98.º n.º 1 CIRS (redação aplicável ao ano de 2005), afirmar a, como regra geral, natureza de pagamentos por conta, que deve ser conferida à retenção na fonte, resultante de o apontado normativo mencionar que as importâncias deduzidas, pelas entidades obrigadas, o são “por conta do imposto (grifamos) respeitante ao ano em que esses actos ocorrem”. Acresce, ser seguro e incontestado, que a retenção na fonte, de importâncias referentes a IRS, só não encerra pagamento por conta do imposto, quanto aos rendimentos submetidos às taxas liberatórias especiais, previstas no art. 71.º CIRS, na condição de o contribuinte não optar pelo seu englobamento no rendimento global do ano, situação em que readquire o cariz de pagamento por conta.
4. Assim, as vias de reação que se devem ter por facultadas ao substituído, em ordem a poder atacar, graciosa e contenciosamente, ilegalidades registadas nos casos de retenção na fonte, a que seja sujeito, apresenta-se-nos lógico e ajustado, um arsenal compatível com a detectada existência de retenções a título definitivo e, outras, na condição de pagamentos por conta do imposto devido a final. Para o primeiro tipo de casos, por previsão explícita do art. 132.º n.º 4 CPPT, tem de assumir-se que o substituído pode lançar mão do mesmo regime de atuação facultado, pelo art. 132.º CPPT, ao substituto, enquanto que, no segundo tipo de situações (quando a retenção equivale a pagamento por conta), na esteira do que, fundada e autorizadamente, propõe o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, ao substituído assiste a faculdade de se socorrer do regime, integral, positivado no art. 133.º CPPT.
5. Nas situações, como a julganda, em que o substituído, objeto de retenção na fonte, referente a rendimentos sujeitos a IRS, pretenda impugnar judicialmente esse pagamento por conta, alegando erro sobre os pressupostos da sua existência ou do seu quantitativo, tem, obrigatoriamente, de, antes, apresentar reclamação graciosa, junto do serviço competente da administração tributária/at, a qual, se não for indeferida nos 90 dias seguintes ao da apresentação, se considera deferida de forma tácita; tudo em resultado do disposto no art. 133.º n.º 1, 2 e 4 CPPT.»

m) Consta do probatório do probatório do acórdão o seguinte:
“Texto Integral”
n) No segmento decisório consignou-se:
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente o acto impugnado, mantendo-se o acto na ordem jurídica, tendo fundamentado a sua decisão no Acórdão do STA de 11/10/2017, Proc.0195/16, proferido ao abrigo do art. 150º do CPTA.

- Apreciação da alegação de que o acto de liquidação é nulo, nos termos do art. 133º, nº 2, i) do CPA
O recorrente vem no presente recurso [conclusões de recurso a) a g)] alegar que o Recorrente fez munir os autos de elementos factuais, e prova documental, que são muito relevantes e não constam do probatório fixado, tendo necessariamente de vir a ser aditados. É que a impugnação aqui em causa surgiu na sequência de uma liquidação efectuada ao aqui Recorrente por englobamento de verbas, tidas pela AT como rendimentos tributáveis, que aquele havia percebido da seguradora G........ e tais verbas haviam também sido alvo de retenção na fonte aquando do seu pagamento ao Recorrente. Tendo o Impugnante reagido na sede própria a tal acto de retenção veio a obter sufrágio o seu entendimento junto do Tribunal Central Administrativo Sul, tendo sido ordenada a anulação de tais actos de retenção e ordenada a baixa do processo para quantificação do valor a reembolsar ao Impugnante.Terá, pois, de ser aditado ao probatório fixado que as retenções na fonte que haviam sido efectuadas ao Recorrente, retenções essas feitas no pressuposto de que as verbas recebidas seriam tributáveis, foram anuladas por decisão judicial transitada em julgado. Sendo o acto de liquidação que se discute nos presentes autos um acto consequente/subsequente daquele outro (de retenção na fonte) que foi anulado tal traduz­se em que o acto de liquidação aqui objecto de apreciação é nulo, resultando tal do artigo 133°, nº 2, i) do CPA. Nenhum sentido, juridicamente falando, fará manter erecto um acto de liquidação quando aquele prévio que se lhe encontra estritamente conexo foi anulado e tal conexão resulta da própria natureza da retenção na fonte aqui em causa, que no presente caso, e não sendo a título definitivo, constitui um pagamento por conta do imposto devido a final. Em suma e em conclusão quanto a este aspecto: anulada a retenção na fonte o acto de liquidação colocado em crise é, enquanto acto consequente daquele outro, nulo nos termos do artigo 133°, nº 2, i) do CPA.
Vejamos.
Compulsados os autos, verifica-se que tal questão não consta da petição inicial.
Mais se constata que após alegações nos termos previstos no art. 120º do CPPT, e após Vista e parecer do Ministério Público, o impugnante (fls. 76 e sgs.) veio, por requerimento, invocar a referida questão.
Acontece que a sentença recorrida não apreciou a questão em apreço, nem tão pouco se lhe referiu. Daí o recorrente referir que os elementos factuais "não constam do probatório fixado."
Estamos, assim, perante uma omissão de pronúncia da sentença recorrida.
No entanto, o recorrente nunca arguiu a referida nulidade da sentença.
Nos termos previstos no art. 615, nº 1, c) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
E nos termos do nº 4 da mesma norma as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Ora, no presente caso, o recorrente nunca arguiu no requerimento de interposição de recurso a referida nulidade, pelo que importa agora apreciar se se deve, ou não, conhecer da questão invocada.
No que concerne ao conhecimento, ou não, da nulidade da liquidação impugnada, com fundamento na demonstração, documental, de que o acto é nulo por violação do caso julgado, entendemos que o tribunal se tem de pronunciar sobre a mesma.
De harmonia com o artigo 611º, nº 1, do CPC, a sentença deve “tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
Como a nulidade dos actos é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 124.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPPT), não importa que a questão da omissão de pronúncia não tenha sido invocada no recurso, sendo certo que, tendo o recorrente impugnado a matéria de facto (por insuficiência), o acórdão sempre terá de conhecer dessa questão.
Por outro lado, nos termos do artigo 611º, nº 2, do CPC, são «atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida».
Em suma, verifica-se uma nulidade por omissão de pronúncia que dizendo respeito à alegada nulidade de um acto, se impõe conhecer.

Vejamos, então, se se verifica essa nulidade do acto.
No Acórdão referido na alínea l) do probatório, considerou-se, em síntese, como tacitamente deferida a reclamação de retenções na fonte com natureza de pagamento por conta apresentada pelo impugnante, ora recorrente.
Tal decisão teve como consequência a devolução ao sujeito passivo dos montantes retidos pela entidade pagadora.
Veja-se o nº 5 do Sumário do referido Acórdão:
«5. Nas situações, como a julgada, em que o substituído, objeto de retenção na fonte, referente a rendimentos sujeitos a IRS, pretenda impugnar judicialmente esse pagamento por conta, alegando erro sobre os pressupostos da sua existência ou do seu quantitativo, tem, obrigatoriamente, de, antes, apresentar reclamação graciosa, junto do serviço competente da administração tributária/at, a qual, se não for indeferida nos 90 dias seguintes ao da apresentação, se considera deferida de forma tácita; tudo em resultado do disposto no art. 133.º n.º 1, 2 e 4 CPPT.»
Entende o recorrente que o deferimento tácito ali considerado, nas condições em que efectivamente foi, tem afinal uma natureza definitiva.
Mas não tem razão.
Veja-se o decidido no Acórdão deste TCAS, de 12/06/2014, Proc. 06858/13, disponível em www.dgsi.pt, onde em caso idêntico, se escreveu no seu Sumário:
1) No que respeita à impugnação da retenção na fonte, por parte do substituído, tendo em vista decidir entre a aplicação do disposto no artigo 132.º e a aplicação do disposto no artigo 133.º do CPPT, importa apurar o título em nome do qual são efectuados os descontos ao rendimento do sujeito passivo. É que da determinação do mesmo resulta o respectivo regime aplicável: se se tratar de retenção na fonte, a título definitivo, é de aplicar o disposto no artigo 132.º do CPPT; se se tratar de retenção na fonte, a título de pagamento por conta, rege o disposto no artigo 133.º do CPPT.
2) A diferença de regime entre o disposto no artigo 132.º do CPPT e o disposto no artigo 133.º do CPPT reside em que no preceito do artigo 132.º/5, na falta de decisão da reclamação graciosa no prazo legal, ocorre indeferimento tácito da pretensão; em idêntica situação, o preceito do artigo 133.º/4, do CPPT faz presumir o deferimento tácito da pretensão.
3) Estando em causa rendimentos tributáveis em IRS, nas categorias de rendimentos do trabalho dependente – artigo 2.º, n.º 3, al. b)/3), do CIRS e de rendimentos de capitais – artigo 5.º/3, do CIRS, os rendimentos referidos em último lugar são tributados a taxas liberatórias – artigo 71.º/3/c), do CIRS, pelo que a retenção na fonte opera de forma definitiva; ao invés, nos termos do artigo 98.º/1, do CIRS, as retenções na fonte efectuadas ao abrigo do disposto no artigo 2.º/3/b), do CIRS, “rendimentos do trabalho dependente”, têm a natureza de pagamentos por conta do imposto respeitante ao ano em que ocorreram e estão sujeitas ao englobamento, como previsto no artigo 22.º/1, do CIRS.
4) Donde resulta que as retenções na fonte definitivas estão sujeitas ao regime de impugnação do artigo 132.º do CPPT e as retenções na fonte por conta do imposto estão sujeitas ao regime de impugnação do artigo 133.º do CPPT.
Na esteira do Acórdão acabado de transcrever, estamos perante retenções na fonte não definitivas, retenções na fonte por conta do imposto que estão sujeitas ao regime de impugnação do artigo 133º do CPPT. Aliás, foi isso que foi decidido no invocado Acórdão deste Tribunal de 28/02/2012, Proc. 02768/08, quando se escreveu que «se considera deferida de forma tácita; tudo em resultado do disposto no art. 133.º n.º 1, 2 e 4 CPPT[1]

Deste modo, e em conclusão, a anulação de uma retenção na fonte sem carácter definitivo não tem qualquer consequência sobre uma liquidação de imposto, uma vez que se trata de um pagamento antecipado relativamente à própria liquidação cujo contorno definitivo ainda se desconhece.
Além do mais, como resulta das alíneas m) e n), o acórdão debruçou-se sobre uma liquidação do ano de 2005, e não anulou as retenções na fonte, apenas ordenou a baixa do processo, revogando a sentença, para apreciação das demais questões.
Consequentemente, o acórdão invocado pelo recorrente não fez caso julgado sobre a concreta questão das retenções na fonte nem tão-pouco sobre a liquidação em discussão nos presentes autos.
Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

Aqui chegados, importaria apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento - quanto à interpretação e aplicação artigo 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 3 do CIRS, o que passa por verificar se estão ou não preenchidos os requisitos legais previstos no artigo 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 3 do CIRS.
Invoca o recorrente [conclusões de recurso j) a s)] que o Recorrente ao atingir as condições previstas no contrato resgatou a parte que lhe cabia de acordo com o dito contrato mas se a resgatou nessa altura era aquela em que efectivamente o podia resgatar sem que houvesse uma antecipação de qualquer recebimento. Como resulta do contrato, o recebimento era para ser colhido quando se encontrassem preenchidos os respectivos pressupostos apenas se devendo considerar antecipação se o Recorrente o tivesse feito antes, o que aquele não fez nem tal resulta provado nos autos. Não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade e em que haja recebimento de capital. Ou seja, o recebimento do capital tem de, cumulativamente, articular-se com qualquer uma das duas situações atrás referidas e assim sendo, como inegavelmente o é, tem SEMPRE de se ver se esse recebimento se reporta ou não a uma situação de direitos adquiridos e individualizados ou a uma situação em que não existem direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários. Facilmente se conclui que a situação não é de direitos adquiridos e individualizados do beneficiário pelo que a alínea a) supra referida fica excluída. Mas para se aplicar a hipótese referida em b) supra teria que existir SEMPRE uma antecipação do recebimento pois que o preceito legal refere: «sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade. Sendo assim evidente de concluir que o resgate só seria passível de cair sob a alçada da norma de incidência se houvesse uma antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato, mas não foi isso que se passou pois o ora Recorrente só recebeu na data prevista no contrato, nem os autos demonstram o contrário, pelo que embora tendo ocorrido resgate não foi com antecipação em relação à data prevista.

Constatamos, assim, que o recorrente alega ter por atingido as condições previstas no contrato resgatou a parte que lhe cabia.
Alega, também, que não houve uma antecipação do recebimento em relação à data prevista no contrato.
Acontece que o referido contrato não consta dos autos nem do PAT apenso.
Pelo que além do mais, faltam esses factos no probatório essenciais à boa decisão da causa, isto é, a data do recebimento e a data fixada no contrato. Nestas condições, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório.
Por outro lado não se sabe se o recorrente reunia, no momento do resgate, as condições legais para reforma ordinária ou se já se encontrava nesta situação.
Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, tendo em conta o regime jurídico aplicável, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida (art. 662º do CPC) e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, se a tal nada mais obstar.

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III. Decisão
Face ao exposto, na improcedência da nulidade do acto de liquidação, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância para instrução e demais termos de acordo com o que fica exposto.
Sem Custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2019



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[Lurdes Toscano]



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[Benjamim Barbosa]



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[Ana Pinhol]


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[1] Sublinhado nosso.