Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07903/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/24/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:A LIQUIDAÇÃO (ACTO TRIBUTÁRIO "STRICTO SENSU") NÃO É UM ACTO EXECUTÓRIO.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
ARTº.169, DO C.P.P.T. ARTº.52, DA L.G.T.
ACTO ADMINISTRATIVO CONSEQUENTE. NOÇÃO.
ARTº.133, Nº.2, AL.I), DO C.P.A.
MEIO PROCEDIMENTAL OU PROCESSUAL QUE SOMENTE DE FORMA INDIRECTA QUESTIONE A ILEGALIDADE OU INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA.
Sumário:1. A liquidação (acto tributário "stricto sensu"), embora seja um acto administrativo exequível e eficaz, não é um acto executório, visto que a sua execução forçada tem de ser efectuada através do processo de execução fiscal, com a tramitação legalmente definida (cfr.artº.148 e seg. do C.P.P.T.), desde que ocorra o termo final do prazo de pagamento voluntário, como decorre do artº.88, nº.1, do C.P.P.T.

2. A possibilidade de suspensão da execução fiscal constitui direito do contribuinte que se enquadra no âmbito do princípio constitucional da efectividade da tutela judicial (cfr.artºs.20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R.Portuguesa; artº.9, nº.1, da L.G.T.). O nosso sistema jurídico-fiscal actual não faz depender a reclamação ou a impugnação do prévio pagamento do tributo/dívida exequenda em causa, assim não vigorando, no seu pleno rigor, o princípio do “solve et repete”.

3. Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia ou penhora de bens que a substituam) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. No entanto, a suspensão da cobrança da prestação tributária está sujeita ao princípio da legalidade, pelo que somente pode verificar-se nas situações expressamente previstas na lei.

4. Nos termos das disposições conjugadas dos artºs.52, nºs.1 e 2, da L.G.T., e 169, nº.1, do C.P.P.T., a execução fiscal só pode ser suspensa mediante prestação de garantia (ou dispensa da mesma) em virtude de pagamento em prestações da dívida exequenda ou, por outro lado, ocorrendo dedução de reclamação, recurso, impugnação ou oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.

5. O acto administrativo consequente é aquele cuja legalidade depende da legalidade de outro acto anteriormente praticado.

6. Se a Administração Tributária corrigiu a matéria tributável de um determinado ano em que tinham sido declarados prejuízos para efeitos fiscais e esses prejuízos tinham sido deduzidos aos lucros tributáveis de quatro anos posteriores, ao abrigo do disposto no artº.52, do C.I.R.C., a alteração da matéria tributável no sentido da eliminação de tais prejuízos tem como consequências a modificação da matéria tributável em todos os anos em que esses prejuízos foram deduzidos, impondo a elaboração das correspondentes liquidações adicionais de imposto em cada um destes anos.

7. Em situações deste tipo, a eventual anulação do acto de correcção dos prejuízos no primeiro ano acarretará a nulidade de todos os actos de liquidação adicional que tenham sido baseados nessa correcção, pois são actos consequentes daquele acto que corrigiu a matéria tributável no primeiro ano. Recorde-se que nos termos do artº.133, nº.2, al.i), do C.P.A., são nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.

8. Nestes casos, se o contribuinte impugnou a correcção da matéria tributável daquele primeiro ano e foram instauradas as respectivas execuções fiscais para cobrança das liquidações adicionais dos anos posteriores dependentes daquela correcção inicial, deverá entender-se que, para efeitos do artº.169, nº.1, do C.P.P.T., se está perante uma situação em que está pendente impugnação judicial onde se discute a legalidade da liquidação da dívida exequenda, pois a impugnação daquele acto de correcção da matéria tributável é precisamente uma forma adequada de analisar a legalidade das liquidações adicionais consequentes. Deve, por isso, concluir-se que a lei permite que a suspensão da execução fiscal ocorra em virtude da utilização de meio procedimental ou processual pelo executado que somente de forma indirecta questione a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, de acordo com a teoria dos actos consequentes e o examinado artº.133, nº.2, al.i), do C.P.A.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.66 a 75 dos autos, através da qual julgou totalmente procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pela reclamante/recorrida, "Espírito ………………, SGPS, S.A.", visando despacho exarado no âmbito do processo de execução fiscal nº………. que corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Lisboa, o qual indeferiu pedido de suspensão da mencionada execução devido a existência de causa prejudicial.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.95 a 106 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou a reclamação de actos do órgão de execução fiscal procedente, com fundamento na verificação da prejudicialidade do conhecimento da ilegalidade das liquidações de IRC de 2005 e 2006 relativamente à liquidação subjacente ao presente processo executivo, reportada ao exercício de 2009;
2-E que por tal facto o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das dívidas a que se reporta a referida liquidação de imposto do ano de 2009 se deveria manter suspenso, sustentado apenas na prestação de garantia, sem dedução de qualquer contencioso a ele relativo;
3-Discorda deste entendimento esta representação da Fazenda Pública, por entender que a fundamentação expressa na douta sentença "a quo" não traduz uma correcta apreciação da matéria de facto relevante, assim como uma total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, no caso o disposto no art.°169° do CPPT e 52°, n° 1 da LGT;
4-Com efeito, o processo de execução fiscal apenas pode ser suspenso nos casos legalmente previstos, isto é, nos termos e condições previstos nas normas que habilitam a que se possa determinar aquela suspensão;
5-A excepcionalidade de semelhante suspensão assenta no princípio da indisponibilidade dos créditos tributários e da proibição da moratória, enunciados no art°.30, n°.2 da LGT e no art.° 84°, n° 3 do CPPT, nos termos dos quais, a AT não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei;
6-Como tal, o efeito suspensivo do processo de execução fiscal apenas se pode efectivar no estrito cumprimento dos requisitos de que as normas aplicáveis fazem depender a concessão de semelhante benefício;
7-Com efeito, do regime legal decorrente do disposto no art.° 169°, n° 1 do CPPT, e no art.° 52°, n° 1, da LGT, a suspensão do processo de execução fiscal está subordinada ao preenchimento de dois requisitos: a autorização para pagamento prestacional das dívidas ou a dedução de um meio de contencioso a arguir a ilegalidade ou a inexigibilidade da dívida e a prestação de garantia ou a obtenção da respectiva dispensa;
8-Daqui resulta que, na melhor interpretação dos referidos normativos, não é legalmente possível suspender o processo de execução fiscal quando não existe qualquer contencioso deduzido ou pagamento prestacional autorizado;
9-Posto que se o legislador tivesse admitido que uma situação de suspensão do processo de execução fiscal, sustentada apenas na prestação de garantia tivesse cabimento na previsão do disposto no art.° 169°, n° 1 do CPPT e no art.° 52°, n° 1, da LGT, não teria por certo necessidade de estabelecer uma regime específico de suspensão do processo de execução fiscal como aquele que se mostra previsto no n° 2 do art.°169° do CPPT;
10-Ora, o disposto no n° 2 do art.° 169° do CPPT, consagra o único mecanismo legal que sustenta a suspensão de um processo de execução fiscal apenas com a prestação de garantia, embora subordinada à manifestação expressa da intencionalidade de apresentar no prazo legalmente estipulado uma das formas legais de contencioso;
11-E o carácter excepcional deste último preceito, confirma o regime regra previsto no n° 1 do citado preceito, nos termos do qual não poderá haver suspensão do processo de execução fiscal sem a respectiva dedução do meio de contencioso relativo à ilegalidade ou à inexigibilidade do tributo;
12-A doutrina que encerra a melhor solução para o caso em apreço, é a propugnada pelo ilustre conselheiro Lino Ribeiro no Acórdão STA de 05-06-2013 (recurso n° 0566/13);
13-Subsumindo esta doutrina ao caso em apreço, teremos que, não obstante a validade precária da liquidação adicional de 2009, decorrente da impugnação judicial das liquidações de 2005 e 2006, a mesma não deixa de produzir os seus efeitos enquanto não for anulada e no caso de esta anulação vier efectivamente a ocorrer;
14-Por conseguinte, na pendência da decisão relativamente às liquidações antecedentes, a liquidação reputada de consequente mantém a sua validade e produz todos os seus efeitos, como se não fosse inválida, incluindo os executivos;
15-Daqui decorre que a execução da liquidação de 2009 apenas poderá ser suspensa: (i) se no âmbito da impugnação das liquidações de 2005 e 2006, em acumulação formal, foi formulado um pedido dirigido à eliminação da liquidação de 2009; (ii) ou se, numa eventual impugnação da liquidação de 2009 tivesse sido invocada como causa de pedir a invalidade das liquidações de 2005 e de 2006;
16-Posto que, como refere o ilustre Conselheiro Lino Ribeiro: "(...) os meios processuais que, cumulados com a prestação de garantia idónea, têm virtualidade para suspender a execução da liquidação (...) são a reclamação graciosa e a impugnação judicial «que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda» (cfr. n° 1 do art. 169° do CPPT).";
17-Ora, no caso em apreço, não ficou demonstrado, nos presentes autos, que a impugnação judicial das liquidações de 2005 e 2006 também tenha tido por objecto a liquidação de 2009, na parte em que teve como pressuposto as correcções efectuadas naqueloutros exercícios;
18-Assim, não se verificando a acumulação formal de pedido relativo à liquidação de 2009 no âmbito da impugnação judicial das liquidações de 2005 e 2006, o destino daquela não é apreciado e decido no processo relativo a estas e, como tal, não poderá ser imputado directamente à eventual sentença de anulação que venha, eventualmente, a ser proferida neste processo;
19-O que significa que, no caso de anulação a ocorrer no processo de impugnação pendente, os actos que são judicialmente visados, são as liquidações de 2005 e de 2006 e não a de 2009 cuja dívida constitui objecto do presente processo executivo;
20-Em todo o caso, também se verifica que a reclamante, uma vez indeferido o recurso hierárquico, conformou-se com a decisão proferida nesta sede, atendendo a que não a impugnou judicialmente, como o poderia ter feito;
21-Por tal facto, como concluiu o Conselheiro Lino Ribeiro: "(...) não existindo pendente um meio processual em que, de forma directa, se discuta a legalidade da liquidação exequenda, consideramos que não estão verificados os pressupostos que, nos termos do artigo 169° do CPPT, poderiam justificar a suspensão da execução fiscal;
22-E não existindo qualquer causa suspensiva do processo de execução fiscal relativa à liquidação de IRC de 2009, que, nos termos do n° 1 do art.° 169° do CPPT, sustente uma suspensão do processo de execução fiscal, não pode este último deixar de seguir os seus termos normais até à cobrança dos valores em dívida;
23-E como tal, bem andou o órgão de execução fiscal ao indeferir o pedido de suspensão do processo executivo formulado pela reclamante, apenas com base na prestação de garantia e na invocação de uma relação de prejudicialidade entre liquidações de imposto, posto que se tivesse anuído em semelhante pretensão, não só estaria a praticar uma acto sem cabimento legal, como estaria a conceder a moratória no pagamento dos tributos, acto que sempre lhe estaria vedado pelo disposto nos artigos 30, n°.2 da LGT e no art.° 84°, n° 3 do CPPT;
24-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a presente reclamação improcedente. PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
X
Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.115 a 122 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado, no final articulando as seguintes Conclusões:
1-A dívida exequenda diz respeito a uma liquidação de IRC de 2009, efectuada pela Administração Tributária;
2-A referida liquidação de IRC de 2009, resultou, apenas e só, da circunstância de a Administração Tributária não ter aceite, quanto a esse IRC de 2009, o reporte ou dedução de prejuízos de exercícios anteriores, concretamente, de 2005 e de 2006;
3-Essa não aceitação do reporte de prejuízos é consequência das correcções efectuadas pela Administração Tributária aos exercícios de 2005 e de 2006;
4-Essas correcções aos exercícios de 2005 e de 2006 foram contestadas através da dedução de impugnações judiciais no Tribunal Tributário de Lisboa, ainda não julgadas;
5-Há uma óbvia relação de prejudicialidade entre essas impugnações às liquidações de 2005 e de 2006 e a dívida exequenda referente a 2009;
6-Se essas impugnações judiciais forem julgadas procedentes, há a automática anulação da dívida exequenda de 2009; se essas impugnações forem julgadas improcedentes, a dívida exequenda de 2009 é inteiramente válida e legal;
7-Como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em situações como esta, se for prestada garantia para a dívida exequenda, a execução fica suspensa, mesmo que não tenha sido contestada a liquidação do ano subsequente e que deu origem a essa dívida exequenda;
8-Aliás, impor ou exigir uma contestação (reclamação/recurso hierárquico/ /impugnação) à liquidação do ano subsequente é absurdo, porque o único fundamento de tal contestação é a correcção ao reporte de prejuízos feita pela Administração Tributária;
9-Ora, a legalidade ou não dessa correcção ao reporte de prejuízos é julgada, não em sede dessa contestação, mas sim em sede de contestação às correcções de exercícios anteriores;
10-A contestação à liquidação de IRC de 2009 é, assim, um acto inútil e sem sentido;
11-Tendo sido prestada na presente execução garantia idónea, e mesmo não havendo contestação à liquidação que deu origem à dívida exequenda, a execução deve manter-se suspensa;
12-O acto reclamado, de execução da garantia prestada, é, pois, ilegal;
13-Razão pela qual a douta sentença recorrida não merece qualquer censura;
14-Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença, que julgou ilegal o acto reclamado, como é de Justiça.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.141 dos autos).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.68 a 72 dos autos):
1-Em 8 de Setembro de 2011 foi instaurado pelo 2º. Serviço de Finanças de Lisboa, contra a ora reclamante, o processo de execução fiscal nº………… (doravante PEF) originado por dívida de IRC de 2009 no montante de EUR 697.308,47 e correspondentes juros compensatórios no montante de EUR 28.427,26, no montante total de EUR 725.735,73 (cfr.documentos juntos a fls.1 e 2 do PEF apenso);
2-A liquidação exequenda, referente a IRC e juros compensatórios do exercício de 2009, resulta da não aceitação pela AT do reporte de prejuízos calculados e declarados que foram gerados nos exercícios de 2005 e 2006 (cfr.relatórios de inspeção ao exercício de 2009 e respetivos anexos juntos a fls.24 verso a 39 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3-Em 4 de Agosto de 2011 a ora reclamante interpôs reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação de IRC do exercício de 2009 exequenda no PEF, alegando que a correcção diz respeito a reporte de prejuízos do exercício de 2005 contra a qual apresentou impugnação existindo uma relação de prejudicialidade que justifica a suspensão da liquidação de 2009 mediante prestação de garantia (cfr.documento junto a fls.4 a 5 do PEF apenso);
4-A reclamação graciosa referida no ponto anterior foi indeferida, assim como o recurso hierárquico interposto pela ora reclamante da respetiva decisão de indeferimento (cfr. informação dos serviços junta a fls.43 a 46 do PEF apenso);
5-Em 21 de Setembro de 2011 a ora reclamante requereu ao Chefe de Finanças do 2º. Serviço de Finanças de Lisboa a suspensão do PEF e a indicação do valor a garantir (cfr. documento junto a fls.3 do PEF apenso);
6-Em 29 de Setembro de 2011 o 2º. Serviço de Finanças de Lisboa calculou em EUR 914.048,20 o montante da garantia a presentar no PEF (cfr.informação exarada a fls.6 do PEF apenso);
7-Em 30 de Setembro de 2011 o Chefe de Finanças adjunto exarou despacho no PEF fixando a garantia a apresentar em EUR 914.048,20 em conformidade com o cálculo referido no ponto anterior (cfr.despacho exarado a fls.7 do PEF apenso);
8-Em 18 de Outubro de 2011, a ora requerente apresentou junto do 2º. Serviço de Finanças de Lisboa a garantia bancária n.º ………… emitida em 2011/10/14 pelo Banco …………….., S.A. no montante de EUR 914.048,20 para garantia da quantia exequenda no PEF (cfr.documentos juntos a fls.10 e 11 do PEF apenso);
9-Em 31 de Outubro de 2011 foi exarada informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, propondo a aceitação da garantia bancária oferecida pela ora reclamante considerando-se a mesma idónea e suficiente para a suspensão do PEF (cfr.informação exarada a fls.17-verso e 18 dos autos);
10-Em 4 de Novembro de 2011 foi exarado despacho de concordância sobre a informação referida no ponto anterior pelo Diretor de Finanças Adjunto por delegação, assim deferindo o pedido de aceitação da garantia apresentada pela ora Reclamante (cfr. despacho exarado a fls.17 do PEF apenso);
11-Em 14 de Janeiro de 2014 a ora reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças a suspensão da execução “até que haja decisão definitiva quanto às impugnações de IRC de 2005 e 2006, mesmo se não existir contestação à liquidação de IRC de 2009”, alegando para o efeito a prejudicialidade entre as liquidações atendendo a que a liquidação referente a 2009 “resulta exclusivamente, da circunstância de a Administração Tributária não aceitar o reporte de prejuízos que o contribuinte calculou /declarou, prejuízos esses gerados nos exercícios de 2006 e 2006” (cfr.documento junto a fls.22 e 23 do PEF apenso);
12-Em 6 de Fevereiro de 2014 foi exarado despacho pelo Chefe de Finanças indeferindo o requerimento referido no ponto anterior, aqui se dando o respectivo teor por integralmente reproduzido (cfr.despacho exarado a fls.49 do PEF apenso);
13-Através do ofício n.º 2011 datado de 2014/02/06 foi dado conhecimento à ora reclamante do teor do despacho de indeferimento referido no ponto anterior (cfr.documento junto a fls.51 do PEF apenso);
14-O ofício referido no ponto anterior foi remetido à ora reclamante através de correio postal registado acompanhado de a/r, tendo sido recebido no destinatário em 17 de Fevereiro de 2014 (cfr.documento junto a fls. 52 do PEF apenso);
15-A ora reclamante, então "E…………. - Espírito …………………, SGPS, S.A.", interpôs no Tribunal Tributário de Lisboa o processo de impugnação judicial n.º 296/10.0BELRS, tendo por objecto liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2005, encontrando-se a mesma pendente de decisão (cfr.SITAF);
16-A impugnação judicial referida no ponto anterior encontra-se pendente de decisão (cfr.SITAF);
17-Em 23 de Fevereiro de 2011 a ora reclamante, então "E………..- ………….., SGPS, S.A.", interpôs no Tribunal Tributário de Lisboa o processo de impugnação judicial n.º ……/11.1BELRS, tendo por objecto liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006 (cfr.SITAF);
18-Em 30 de Novembro de 2012 foi proferida sentença no Tribunal Tributário de Lisboa julgando improcedente a impugnação judicial n.º 436/11.1BELRS, tendo da mesma sido interposto recurso que se encontra pendente de decisão no Tribunal Central Administrativo Sul (cfr.SITAF);
19-A p.i. da presente reclamação deu entrada no 2º. Serviço de Finanças de Lisboa em 13 de Fevereiro de 2014 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.8 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório. Os factos apurados por consulta ao SITAF consideram-se notórios nos termos do disposto no art.412.º, n.º 2, do CPC [aplicável ex vi art. 2.º alínea e) do CPPT] …”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a reclamação deduzida pela reclamante/recorrida, "Espírito ………………, SGPS, S.A.", mais tendo anulado o acto reclamado (cfr.nº.12 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Argui o apelante, em síntese e conforme supra se alude, que o presente recurso reage contra a decisão que julgou a reclamação de actos do órgão de execução fiscal procedente, com fundamento na verificação da prejudicialidade do conhecimento da ilegalidade das liquidações de IRC de 2005 e 2006 relativamente à liquidação subjacente ao presente processo executivo, reportada ao exercício de 2009. E que por tal facto o processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das dívidas a que se reporta a referida liquidação de imposto do ano de 2009 se deveria manter suspenso, sustentado apenas na prestação de garantia, sem dedução de qualquer contencioso a ele relativo. Que o efeito suspensivo do processo de execução fiscal apenas se pode efectivar no estrito cumprimento dos requisitos de que as normas aplicáveis fazem depender a concessão de semelhante benefício. Com efeito, do regime legal decorrente do disposto no artº.169, nº.1, do C.P.P.T., e no artº.52, nº.1, da L.G.T., a suspensão do processo de execução fiscal está subordinada ao preenchimento de dois requisitos: a autorização para pagamento prestacional das dívidas ou a dedução de um meio de contencioso a arguir a ilegalidade ou a inexigibilidade da dívida e a prestação de garantia ou a obtenção da respectiva dispensa. Daqui resulta que, na melhor interpretação dos referidos normativos, não é legalmente possível suspender o processo de execução fiscal quando não existe qualquer contencioso deduzido ou pagamento prestacional autorizado. Que não existindo qualquer causa suspensiva do processo de execução fiscal relativa à liquidação de I.R.C. de 2009, que, nos termos do artº.169, nº.1, do C.P.P.T., sustente uma suspensão do processo de execução fiscal, não pode este último deixar de seguir os seus termos normais até à cobrança dos valores em dívida (cfr.conclusões 1 a 23 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A liquidação (acto tributário "stricto sensu"), embora seja um acto administrativo exequível e eficaz, não é um acto executório, visto que a sua execução forçada tem de ser efectuada através do processo de execução fiscal, com a tramitação legalmente definida (cfr.artº.148 e seg. do C.P.P.T.), desde que ocorra o termo final do prazo de pagamento voluntário, como decorre do artº.88, nº.1, do C.P.P.T.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
A possibilidade de suspensão da execução fiscal constitui direito do contribuinte que se enquadra no âmbito do princípio constitucional da efectividade da tutela judicial (cfr.artºs.20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R.Portuguesa; artº.9, nº.1, da L.G.T.). Mais se dirá que o nosso sistema jurídico-fiscal actual não faz depender a reclamação ou a impugnação do prévio pagamento do tributo/dívida exequenda em causa, assim não vigorando, no seu pleno rigor, o princípio do “solve et repete” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/1/2013, proc.6205/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7180/13).
Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia ou penhora de bens que a substituam) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. No entanto, a suspensão da cobrança da prestação tributária está sujeita ao princípio da legalidade, pelo que somente pode verificar-se nas situações previstas na lei (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.5934/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7180/13; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.238 e seg.; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.73 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.207 e seg.).
Nos termos das disposições conjugadas dos artºs.52, nºs.1 e 2, da L.G.T., e 169, nº.1, do C.P.P.T., a execução fiscal só pode ser suspensa mediante prestação de garantia (ou dispensa da mesma) em virtude de pagamento em prestações da dívida exequenda ou, por outro lado, ocorrendo dedução de reclamação, recurso, impugnação ou oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/2/2013, rec.66/13; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/12/2013, rec. 1724/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.207 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, Editora Encontro de Escrita, pág.423 e seg.).
De acordo com os identificados preceitos haverá que saber se a conexão que o legislador exige entre o meio procedimental ou processual utilizado pelo sujeito passivo/executado e o objecto da execução fiscal (dívida exequenda) terá que ser directa ou pode ser meramente indirecta. Por outras palavras, haverá que saber se a lei permite que a suspensão da execução fiscal ocorra em virtude da utilização de meio procedimental ou processual pelo executado que somente de forma indirecta questione a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda ?
O Tribunal "a quo" entendeu que sim.
O recorrente defende que não.
Vejamos quem tem razão.
Em certas situações, a legalidade de um acto administrativo depende da legalidade de outro acto anteriormente praticado. São os ditos actos administrativos consequentes (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 1991, pág.1217; Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª. edição, 1997, pág.82 e seg.).
Por exemplo, se a Administração Tributária corrigiu a matéria tributável de um determinado ano em que tinham sido declarados prejuízos para efeitos fiscais e esses prejuízos tinham sido deduzidos aos lucros tributáveis de quatro anos posteriores, ao abrigo do disposto no artº.52, do C.I.R.C., a alteração da matéria tributável no sentido da eliminação de tais prejuízos tem como consequências a modificação da matéria tributável em todos os anos em que esses prejuízos foram deduzidos, impondo a elaboração das correspondentes liquidações adicionais de imposto em cada um destes anos.
Em situações deste tipo, a eventual anulação do acto de correcção dos prejuízos no primeiro ano acarretará a nulidade de todos os actos de liquidação adicional que tenham sido baseados nessa correcção, pois são actos consequentes daquele acto que corrigiu a matéria tributável no primeiro ano. Recorde-se que nos termos do artº.133, nº.2, al.i), do C.P.A., são nulos os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.
Nestes casos, se o contribuinte impugnou a correcção da matéria tributável daquele primeiro ano e foram instauradas as respectivas execuções fiscais para cobrança das liquidações adicionais dos anos posteriores dependentes daquela correcção inicial, deverá entender-se que, para efeitos do artº.169, nº.1, do C.P.P.T., se está perante uma situação em que está pendente impugnação judicial onde se discute a legalidade da liquidação da dívida exequenda, pois a impugnação daquele acto de correcção da matéria tributável é precisamente uma forma adequada de analisar a legalidade das liquidações adicionais consequentes (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.216 e seg.). Deve, por isso, concluir-se que a lei permite que a suspensão da execução fiscal ocorra em virtude da utilização de meio procedimental ou processual pelo executado que somente de forma indirecta questione a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, de acordo com a teoria dos actos consequentes e o examinado artº.133, nº.2, al.i), do C.P.A.
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada (cfr.nºs.1, 2, 15 e 17 do probatório), deve concluir-se que, no caso das liquidações de I.R.C. dos exercícios de 2005 e 2006 serem total ou parcialmente revogadas em sede judicial, ocorrerá a nulidade total ou parcial da subsequente liquidação de I.R.C. do ano de 2009, atendendo ao disposto no citado artº.133, nº.2, al.i), do C.P.A., pelo que a suspensão da execução fiscal nº.3247-2011/113951.7 se deve permitir ao abrigo do determinado nos artºs.52, nºs.1 e 2, da L.G.T., e 169, nº.1, do C.P.P.T., visto que o executado prestou garantia e deduziu impugnações que, de forma indirecta, questionam a ilegalidade da dívida exequenda.
Por último, sempre se dirá que a decisão recorrida não violou os artºs.30, n°.2, da L.G.T., e 84, nº.3, do C.P.P.T.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 24 de Julho de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(António Vasconcelos - 1º. Adjunto)


(Rui Pereira - 2º. Adjunto)