Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04944/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/24/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
OPÇÃO PELO REGIME DE DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL SEGUNDO A CONTABILIDADE ORGANIZADA. JUSTO IMPEDIMENTO. PRESSUPOSTOS.
Sumário:I) O regime simplificado, em termos de IRS, era aplicável aos sujeitos passivos que não tivessem atingido, no exercício da sua actividade, um valor superior ao estabelecido como limite e que não tivessem optado pelo regime de contabilidade organizada - cfr. nº 2 do referido art. 28º, em vigor até à publicação do DL 211/05, 7/12, sendo que do nº 2 em conjugação com a al. b) do nº 4 do artigo 28º, resultava, claramente, que essa opção tinha que ser renovada anualmente e, como refere a Recorrente, da al. b) do nº 4 do mesmo artigo, que essa (re)opção tem que ser exercida até ao fim do mês de Março do ano em que o sujeito passivo pretende que se lhe aplique a contabilidade organizada.
II) Não é de afastar que, em abstracto, se possa configurar uma situação de “justo impedimento” relativamente à matéria descrita nos autos, não ao abrigo do art. 146º do C. Proc. Civil, mas ao abrigo do princípio geral de direito que lhe está subjacente e que emerge do imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que em função da ideia de Estado de Direito democrático consignada no art. 2.º da CRP e do próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça.
III) O justo impedimento só se verifica quando a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o praticar, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto independente da sua vontade e que um cuidado e diligências normais não fariam prever.
IV) Isto significa que não se verificará justo impedimento se, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, houver possibilidades, usando a diligência normal, de o acto ser praticado pela parte ou pelo mandatário, ou seja, se puder ser praticado por outro mandatário, indicado pelo anterior ou que a parte possa entretanto mandatar para o efeito.

*
O Relator
Pedro Vergueiro
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
O Director-Geral dos Impostos, devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 11-02-2011, que no âmbito da presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL intentada por A..., julgou a acção procedente e em consequência determinou que a A. seja admitida a requerer a manutenção do regime de determinação da matéria colectável segundo a contabilidade organizada.

Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 107-120 ) no âmbito das quais enuncia as seguintes conclusões:
“ (…)
A) A, aliás, douta sentença, a fls…, que decidiu anular o despacho impugnado e, em consequência, condenar o R. a admitir que a então A. e ora recorrida requeira a manutenção do regime de determinação da matéria colectável, segundo a contabilidade organizada, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do regime do justo impedimento consagrado no art. 146º do CPC e, como consequência, uma errada interpretação e aplicação do art. 28º do CIRS, aos factos.
B) Quanto à matéria de facto, a sentença recorrida fez um incorrecto julgamento dos pontos 4. e 6. da matéria de facto dada como provada, uma vez que, quanto ao primeiro, não resulta do conteúdo do atestado médico, junto como doc. 2 com a p.i., que a atestada impossibilidade da prática de qualquer acto profissional tivesse perdurado no período de convalescença e, para além de 5/4/04, quanto ao segundo constata-se, pelo teor do documento, junto como doc. 3 com a p.i., que o requerimento de 2/2/05 foi assinado pela própria contribuinte.
C) E estes dois factos, não são de todo irrelevantes na subsunção e aplicação ao direito no caso concreto.
D) Quanto à matéria de direito, o regime simplificado, em termos de IRS, era aplicável aos sujeitos passivos que não tivessem atingido, no exercício da sua actividade, um valor superior ao estabelecido como limite e que não tivessem optado pelo regime de contabilidade organizada, cfr. nº 2 do referido art. 28º, em vigor até à publicação do DL 211/05, 7/12.
E) Ora, do nº 2 em conjugação com a al. b) do nº 4 do artigo 28º, resultava, claramente, que essa opção tinha que ser renovada anualmente. E da al. b) do nº 4 do mesmo artigo, que essa (re)opção tem que ser exercida até ao fim do mês de Março do ano em que o sujeito passivo pretende que se lhe aplique a contabilidade organizada.
F) É ponto assente que a A., não fez tal opção, para o ano de 2004, até ao dia 31 de Março de 2004.
G) Contrariamente ao decidido na, aliás, douta sentença recorrida, continuamos a defender que não é aplicável, para efeitos do disposto na al. b) do nº 4 do art. 28º do CIRS, a figura do justo impedimento, regulada no art. 146º do CPC.
H) Ainda que se possa pretender que a mesma constitui a emanação de um princípio geral de direito, o que é facto é que, ainda que o fosse, sempre seria necessária a sua transposição, tal como acontece no campo do direito civil, para o âmbito do direito tributário e, mais especificamente, para o domínio do IRS onde está previsto o direito de o contribuinte fazer a opção pelo regime da contabilidade organizada.
I) E, não tendo o legislador introduzido, neste âmbito, qualquer norma relativa à impossibilidade do cumprimento da obrigação, não é legítimo concluir pela existência de uma lacuna e aplicar, por analogia, como o fez a sentença recorrida, o art. 146º do CPC. Se o legislador não preveniu a possibilidade de um qualquer justo impedimento justificar o atraso relativamente ao exercício do direito - a opção pelo regime de contabilidade organizada, foi porque pretendeu, claramente, que o mesmo não fosse aí aplicável.
J) Por outro lado, a norma relativa ao justo impedimento constante do art. 146º do CPC, é de natureza processual aplicando-se à prática de actos no processo judicial civil, pelo que, a sua aplicação subsidiária no âmbito do direito tributário sempre teria que se restringir e esgotar na prática de actos no processo judicial tributário.
K) Ainda que assim se não entenda, sem conceder, a sentença recorrida deveria ter concluído que, no caso, não estão preenchidos os requisitos do justo impedimento, tal como está consagrado na lei processual civil.
L) Ora, segundo decorre da lei, art. 28º do CIRS, a opção pela tributação segundo o regime de contabilidade organizada, é feita pelos sujeitos passivos. Donde, não tendo a A., ora recorrida, estado impossibilitada de exercer a opção, o acto podia sempre ter sido praticado por ela, até ao terminus do prazo legal. É que, a lei diz que a opção tem de ser feita até ao fim do mês de Março, mas tal não significa que não possa ser exercida antes.
M) Ainda que a então A. estivesse na expectativa de o seu TOC ter a iniciativa de fazer a opção, uma vez que era este que lhe tratava da contabilidade, não agiu com a diligência necessária ao ter esperado até ao dia 2/02/05 para requerer a manutenção no regime de contabilidade organizada, para o ano de 2004.
N) Por outro lado, o TOC da A. e ora recorrida esteve internado desde o dia 25/03/04 e 5/04/04. Durante tal período, a A. não fez prova de que aquele TOC estivesse impossibilitado de esforço mental que lhe permitisse comunicar consigo ou com outra pessoa para praticar o acto, em prazo.
O) Salvo o devido respeito, o internamento do TOC apenas prova a sua impossibilidade relativa de praticar o acto em prazo, já que, não prova que o mesmo não pudesse ter encarregue outra pessoa de praticar, em tempo, o acto.
P) Ainda que assim não se considere, sem conceder, não se pode descurar e menosprezar o facto de o TOC ter tido alta hospitalar no dia 5/4/04.
Q) A partir desta data, há que concluir que qualquer impossibilidade do mesmo TOC seria sempre relativa, dado que, ainda que o mesmo não pudesse efectuar grande esforço mental, cabia-lhe, dentro de um mínimo de diligência exigível a um qualquer profissional na sua área, tomar as devidas providências para que um outro colega cuidasse dos negócios dos seus clientes.
R) O que não pode é admitir-se, como o fez a sentença recorrida, que o justo impedimento previsto no art. 146º do CPC tenha um alcance tão ilimitado que permita ainda ser justificável a prática do acto só em 2/2/05, quase um ano depois de o TOC ter tido alta hospitalar!
S) E tal questão remete-nos para a questão da prova do justo impedimento que deve ser feita logo que o mesmo cesse, nos termos da lei, uma vez que, a invocação “tardia” do justo impedimento infringe a parte final do nº 2 do art. 146º do CPC.
T) Ora, só em 23/05/05, é que a A. e ora recorrida se propõe oferecer prova documental da impossibilidade do seu TOC. Donde, ainda que por evento imprevisível tivesse existido impossibilidade de prática do acto no prazo legal, o que como atrás se deixou demonstrado não se concede, nunca a sentença recorrida podia considerar verificado o justo impedimento, dado que, a A. e ora recorrida não o invocou e provou em prazo e, deste modo, infringiu o disposto no nº 2 do art. 146º do CPC.
U) Ao assim não ter concluído fez a sentença recorrida uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 146º nº 1 e 2 do CPC e art. 28º nº 2 e nº 4 al. b), do CIRS, aos factos, motivo pelo qual não deve ser mantida.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com todas as legais consequências.”

A recorrida A... apresentou contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões:
“(…)
a) A R., ora Recorrente, não se conformou com a Douta Sentença do Tribunal a Quo, que decidiu que a A., ora Recorrida, deveria ser admitida a requerer a manutenção do regime de determinação da matéria colectável segundo a contabilidade organizada.
b) Quanto à matéria de facto, dada como provada, o Tribunal a quo fez um julgamento correcto e criterioso, considerando para tal o conteúdo do atestado médico junto a fls. 10, considerando que o período de justo impedimento verificou-se de 25.03.2004 a 01.02.2005.
c) Assim, em 02.02.2005 o TOC da Recorrida, em representação desta, requereu a manutenção do regime da contabilidade organizada da Recorrida (regime este sempre optado pela recorrida no exercício da sua actividade comercial) porquanto, havia cessado o seu justo impedimento.
d) A Administração Fiscal em 25.07.2005 indeferiu tal pretensão porquanto, fora exercida fora do prazo; ou seja; até 31.03.2004.
e) No entanto, é de aplicação supletiva ao procedimento e processo tributário o Código de Processo Civil, nos termos do art. 2.º al. e) do CPPT e, consequentemente, a figura do Justo Impedimento prevista no art. 146.º daquele diploma legal.
f) Ora, o TOC tendo estabelecido um contrato de prestação de serviços com a Recorrida, aplicando-se, por esse motivo, as normas sobre o Mandato, nos termos do art. 1156.º do Código Civil, o seu acompanhamento assumia carácter essencial, não sendo possível praticar o acto - opção pelo regime de contabilidade organizada - sem a sua presença, pois era necessária a sua assinatura presencial; e aposição de vinheta; para além de ser uma obrigação estatutária enquanto TOC (art. 6.º n.º 1, al. b) do ETOC aprovado pelo DL n.º 310/2009, de 26/09).
g) Por motivo de doença, esteve o TOC impossibilitado de praticar esse acto, tendo-o feito imediatamente, após a cessação do justo impedimento, em, escrupuloso respeito pelo estatuído no artigo 146.º do CC
h) Não podendo aquele acto ser praticado pela Recorrida por si só, nem o TOC podia incumbir outrem de praticar tal acto.
i) Em conclusão, aplicando-se o justo impedimento ao caso em apreço, uma vez que, é de aplicação supletiva o Código de Processo Civil ao procedimento e processo tributário, e estando em causa o princípio geral de direito, e uma norma, de carácter universal segundo a qual ninguém pode ser responsabilizado pela prática ou omissão de um acto que não estava em condições de realizar; neste caso por motivo de doença; verifica-se o justo impedimento; que se encontra devidamente documentado e, provado, tendo a Recorrida através do seu TOC, assim que, terminou o período de justo impedimento exercido o direito de opção pelo regime de contabilidade organizada.
j) Conforme bem entendeu o Tribunal a quo, na sua Douta Sentença, que não merece qualquer censura.
k) Devendo por esse motivo ser a Recorrida admitida a requerer a manutenção do regime de determinação da matéria colectável segundo a contabilidade organizada.
Nestes termos e, nos demais de direito, que V.Ex.as Mui Doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrido, Fazendo a Lídima Justiça.”

O Ministério Público junto deste Tribunal não tomou posição no âmbito do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em indagar da aplicação na situação dos autos da figura do justo impedimento e da verificação dos respectivos pressupostos.



3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
1. A Autora exerce a actividade profissional de comércio a retalho de peixe, crustáceos e moluscos com o CAE 52230, tendo exercido nos anos de 2001 a 2003, o direito de opção pelo regime de tributação com base na contabilidade organizada (fls. 14 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
2. Em 2004 o TOC da A. Sr. Felício José Varela Cachola, foi acometido de doença coronária súbita, que obrigou a internamento hospitalar no Hospital Distrital de Santarém onde foi submetido a cirurgia de Angioplastia (fls. 9 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3. E ficou internado de 25 de Março de 2004 a 5 de Abril de 2004 (fls. 10 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
4. Durante o mencionado período de 25 de Março a 1 de Fevereiro de 2005 o TOC ficou impedido de exercer a sua actividade profissional (fls. 10 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. Na sequência da referida cirurgia, teve um período de convalescença até 1 de Fevereiro de 2005 (fls. 9 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6. Em 02 de Fevereiro de 2005, a autora, através do seu mandatário, rerquereu a manutenção no regime de contabilidade organizada (fls. 11 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
7. Em 23 de Maio de 2005, apresentou segunda exposição onde invocou o justo impedimento do TOC para entregar a declaração para manutenção no regime de contabilidade organizada (fls. 12 cujo conteúdo se dá por reproduzido),
8. A Administração Tributária, a 25 de Julho de 2005, indeferiu a pretensão, invocando falta de suporte legal (fls. 13 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).
9. Em 28 de Abril de 2006, a autora interpôs recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (fls. 15 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
10. Em 4 de Abril de 2007 a autora foi notificada do indeferimento expresso so recurso hierárquico (fls. 9 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3.1 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, impondo-se notar que a sentença objecto de recurso julgou a presente a acção procedente e em consequência determinou que a A. seja admitida a requerer a manutenção do regime de determinação da matéria colectável segundo a contabilidade organizada.
Nas suas alegações, e quanto à matéria de facto, a Recorrente aponta que a sentença recorrida fez um incorrecto julgamento dos pontos 4. e 6. da matéria de facto dada como provada, uma vez que, quanto ao primeiro, não resulta do conteúdo do atestado médico, junto como doc. 2 com a p.i., que a atestada impossibilidade da prática de qualquer acto profissional tivesse perdurado no período de convalescença e, para além de 5/4/04, quanto ao segundo constata-se, pelo teor do documento, junto como doc. 3 com a p.i., que o requerimento de 2/2/05 foi assinado pela própria contribuinte.
Pois bem, o ponto 4 do probatório refere que “4. Durante o mencionado período de 25 de Março a 1 de Fevereiro de 2005 o TOC ficou impedido de exercer a sua actividade profissional (fls. 10 cujo conteúdo se dá por reproduzido)” e o ponto dispõe que “6. Em 02 de Fevereiro de 2005, a autora, através do seu mandatário, requereu a manutenção no regime de contabilidade organizada (fls. 11 cujo conteúdo se dá por reproduzido)”.
Nesta ponto, cumpre sublinhar que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Assim sendo, avulta neste âmbito, os documentos de fls. 10 e 11 dos autos, sendo que em relação ao teor do atestado médico, a decisão recorrida não merece reparo, não se vislumbrando fundamento para o reparo da Recorrente, na medida em que existe referência expressa ao período de convalescença entre a alta e o dia 1 de Fevereiro de 2005.

Já quanto ao teor de fls. 11, o reparo descrito tem pertinência, na medida em que o documento de fls. 11 é insuficiente para se dizer que o requerimento foi entregue através de mandatário, pois que o requerimento está assinado pela própria A. e não contém qualquer alusão que permita a alusão a tal elemento, tornando manifesto, a tal nível, o erro de julgamento da matéria de facto, matéria que habilita o Tribunal a afirmar que “6. Em 02 de Fevereiro de 2005, a autora requereu a manutenção no regime de contabilidade organizada (fls. 11 cujo conteúdo se dá por reproduzido)”, determinando-se a alteração do ponto 6. do probatório em conformidade.

Quanto ao mais, é sabido que o regime simplificado, em termos de IRS, era aplicável aos sujeitos passivos que não tivessem atingido, no exercício da sua actividade, um valor superior ao estabelecido como limite e que não tivessem optado pelo regime de contabilidade organizada - cfr. nº 2 do referido art. 28º, em vigor até à publicação do DL 211/05, 7/12, sendo que do nº 2 em conjugação com a al. b) do nº 4 do artigo 28º, resultava, claramente, que essa opção tinha que ser renovada anualmente e, como refere a Recorrente, da al. b) do nº 4 do mesmo artigo, que essa (re)opção tem que ser exercida até ao fim do mês de Março do ano em que o sujeito passivo pretende que se lhe aplique a contabilidade organizada, sendo ponto assente que a A. não fez tal opção, para o ano de 2004, até ao dia 31 de Março de 2004.
Assim, e dentro deste âmbito, impõe-se questionar da relevância de tal facto ter ocorrido, nos termos apontados pela ora Recorrida, por motivo que não lhe é imputável, com referência à situação que envolveu o seu TOC, fazendo apelo à figura do justo impedimento.
Na sentença recorrida, depois de se ter ponderado que a A. não exerceu o direito de opção porque o seu TOC esteve impedido de o fazer por motivo de doença no período compreendido entre 25 de Março de 2004 e 1 de Fevereiro de 2005, considerou-se que o acompanhamento do TOC assumia carácter essencial e que se verificou uma situação de justo impedimento, o que conduziu à procedência da acção.

Nesta matéria, a Recorrente questiona a aplicação do art. 146º do C. Proc. Civil, sendo esta a primeira questão a tratar, o equivale a ponderar da aplicação da figura do justo impedimento com referência à situação descrita nos autos.
O art. 146º do C. Proc. Civil dispõe no seu nº 1: “Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”, ou seja, aquela norma visa que ninguém perca o direito de praticar um acto no processo em virtude de um evento que obste à prática atempada do acto e que não lhe seja imputável.
Neste ponto, não pode deixar de notar-se que a norma em apreço se relaciona com a prática de actos processuais, não tendo aplicação no âmbito substantivo da relação jurídica tributária.
Isso não significa, sem mais, que não possa relevar-se o princípio que subjaz àquele preceito legal em situações como a presente, dado que, como o Cons. Jorge Lopes de Sousa - Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume I, anotação 7 a) ao art. 20º, págs. 273 a 276 - “Esta regra do justo impedimento que, como transparece da sua própria designação, é reclamada por exigências evidentes de justiça, deve ser considerada de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no art. 2.º da CRP, mas também do próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20º nº 1 e 268º nº 4 da CRP) que não pode deixar de exigir para a sua concretização a concessão de uma possibilidade efectiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Aliás deve entender-se que vigora no nosso direito uma regra básica de que não deve perder direitos pelo decurso do tempo quem esteve impossibilitado de exercê-los, regra essa que tem vários afloramentos, um dos quais é a regra do justo impedimento”.
Diga-se ainda que tal realidade é reconhecida ao nível dos prazos para a interposição de recurso contencioso ou de impugnação judicial ( Ac. do S.T.A. de 31-05-2005, Proc. nº 46544 e Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 539/11, www.dgsi.pt ).
Assim sendo, entende-se que não é de afastar que, em abstracto, se possa configurar uma situação de “justo impedimento” relativamente à matéria descrita nos autos, não ao abrigo do art. 146º do C. Proc. Civil, mas ao abrigo do princípio geral de direito que lhe está subjacente nos termos acima apontados, não podendo subscrever-se a ideia da Recorrente no sentido de que não é aplicável, para efeitos do disposto na al. b) do nº 4 do art. 28º do CIRS, a figura do justo impedimento, sendo ainda de notar que estando em causa a aplicação de um princípio geral de direito, não procedem as demais objecções da Recorrente quanto à consideração da figura descrita neste âmbito.

No entanto, a alegação susceptível de integrar o “justo impedimento” tem que se referir a uma verdadeira impossibilidade de praticar o acto, referindo a Recorrente que não tendo a A., ora recorrida, estado impossibilitada de exercer a opção, o acto podia sempre ter sido praticado por ela, até ao terminus do prazo legal, pois que a lei diz que a opção tem de ser feita até ao fim do mês de Março, mas tal não significa que não possa ser exercida antes e ainda que a então A. estivesse na expectativa de o seu TOC ter a iniciativa de fazer a opção, uma vez que era este que lhe tratava da contabilidade, não agiu com a diligência necessária ao ter esperado até ao dia 2/02/05 para requerer a manutenção no regime de contabilidade organizada, para o ano de 2004.
Por outro lado, o TOC da A. e ora recorrida esteve internado desde o dia 25/03/04 e 5/04/04 e durante tal período, a A. não fez prova de que aquele TOC estivesse impossibilitado de esforço mental que lhe permitisse comunicar consigo ou com outra pessoa para praticar o acto, em prazo, sendo que o internamento do TOC apenas prova a sua impossibilidade relativa de praticar o acto em prazo, já que, não prova que o mesmo não pudesse ter encarregue outra pessoa de praticar, em tempo, o acto e ainda que assim não se considere, sem conceder, não se pode descurar e menosprezar o facto de o TOC ter tido alta hospitalar no dia 5/4/04, pelo que a partir desta data, há que concluir que qualquer impossibilidade do mesmo TOC seria sempre relativa, dado que, ainda que o mesmo não pudesse efectuar grande esforço mental, cabia-lhe, dentro de um mínimo de diligência exigível a um qualquer profissional na sua área, tomar as devidas providências para que um outro colega cuidasse dos negócios dos seus clientes.
Além disso, existe a questão da prova do justo impedimento que deve ser feita logo que o mesmo cesse, nos termos da lei, uma vez que, a invocação “tardia” do justo impedimento infringe a parte final do nº 2 do art. 146º do CPC, pois que só em 23/05/05, é que a A. e ora recorrida se propõe oferecer prova documental da impossibilidade do seu TOC.

A partir daqui, e com referência aos elementos presentes nos autos, tem de aceitar-se que houve justo impedimento para o acto não ser praticado até 05-04-2004.
Com efeito, não pode deixar de subscrever-se o exposto na decisão recorrida em relação à análise da actividade do TOC, na medida em que era este que praticava todos os actos inerentes à contabilidade e fiscalidade da A., o que significa que o acompanhamento do TOC assumia carácter essencial.
Por outro lado, atenta a descrição da situação que o envolveu, cremos que a simples consideração da nossa condição humana afasta ideia da Recorrente no sentido de que seria exigível à pessoa em apreço preocupar-se com outras matérias que não a sua saúde, nomeadamente com a questão que é tratada nos autos.
No entanto, a situação ganha acuidade quando se refere ao período posterior à alta, matéria em que apenas se sabe que o TOC esteve impedido da prática de qualquer acto profissional, sendo que está em causa um período de quase 10 meses.
Efectivamente, embora se admita que a situação não fosse encarada no dia imediato ou durante alguns dias, é manifesto que o TOC da A. teve de considerar a influência da sua situação pessoal na sua actividade profissional.
Ora, o justo impedimento pressupõe que:
a) Ocorra um evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto;
b) A parte se apresente a praticar o acto logo que cesse o impedimento, alegando este último e oferecendo a respectiva prova.
No caso dos autos, ao contrário, não se mostram preenchidos estes requisitos.
Desde logo, o justo impedimento só se verifica quando a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o praticar, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto independente da sua vontade e que um cuidado e diligências normais não fariam prever.

Por outro lado, quem alegue o justo impedimento terá que alegar, também, a sua impossibilidade de comunicação à parte ou mandatário a quem fosse cometido o encargo de efectuar, imediatamente, a diligência em causa.

Isto significa que não se verificará justo impedimento se, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, houver possibilidades, usando a diligência normal, de o acto ser praticado pela parte ou pelo mandatário, ou seja, se puder ser praticado por outro mandatário (outro TOC), indicado pelo anterior TOC ou que a parte possa entretanto mandatar para o efeito.

Assim, e na medida em que não se evidencia que a partir da alta (sem prejuízo da ressalva acima apontada), o TOC não estivesse em condições de tomar as medidas adequadas em relação às suas obrigações profissionais, nomeadamente, avisando os seus clientes da sua situação pessoal e influência de tal matéria sobre os respectivos interesses ou providenciando para que um outro TOC assumisse as suas obrigações.

A partir do momento em que nada se prova no sentido de ter sido impossível, após certo facto, o acto ser praticado pela parte ou pelo mandatário, ou seja, e na medida em que nada impedia (nada se demonstrou nesse sentido) que após a alta ou em momento quase imediato, o acto tivesse sido praticado por outro mandatário (outro TOC), indicado pelo anterior TOC ou que a A. pudesse mandatar para o efeito, não pode defender-se a aplicação da figura do justo impedimento.

Com efeito, embora não se saiba se o TOC teve imediato conhecimento da duração tão prolongada da sua doença, não faz sentido outra análise, que não dizer que lhe cabia providenciar pela sua substituição, do mesmo modo que a A. também não podia alhear-se da actividade do seu TOC, não podendo pensar-se que a situação da actividade da A. poderia ficar indefinidamente parada à espera que o TOC, impedido por doença, se restabeleça, o que significa que tem de aceitar-se o exposto pela Recorrente quando refere que a partir desta data (alta ou um pouco mais como acima se admitiu mas não quase 10 meses depois), há que concluir que qualquer impossibilidade do mesmo TOC seria sempre relativa, dado que, ainda que o mesmo não pudesse efectuar grande esforço mental, cabia-lhe, dentro de um mínimo de diligência exigível a um qualquer profissional na sua área, tomar as devidas providências para que um outro colega cuidasse dos negócios dos seus clientes ou avisar a A. da situação no sentido de esta tomar as medidas adequadas para ultrapassar a questão, não podendo também aceitar-se que a A. nada tenha feito neste período no sentido de averiguar da actividade do TOC e reflexo dessa situação sobre os seus interesses.
Por outro lado, e como bem aponta a Recorrente, existe ainda a questão da prova do justo impedimento que deve ser feita logo que o mesmo cesse, sendo que só em 23/05/05 é que a A. e ora recorrida se propõe oferecer prova documental da impossibilidade do seu TOC, pois que no seu requerimento anterior apenas alude doença do TOC, dispondo-se a proceder ao pagamento de eventuais coimas aplicáveis.
Deste modo, e sem necessidade de outros desenvolvimentos, conclui-se no sentido de que a sentença procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, pelo que incorreu em erro de julgamento devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e nesta medida, julgar improcedente a presente acção administrativa especial, absolvendo o R. do pedido.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, sendo que nesta instância a taxa de justiça é reduzida a metade
Notifique-se. D.N..

Lisboa, 24 de Abril de 2012

PEDRO VERGUEIRO
PEREIRA GAMEIRO
JOAQUIM CONDESSO