Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1608/15.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:EXTEMPORANEIDADE DO RECURSO;
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
CPPT/CPTA.
Sumário:I-A impugnação judicial, regulada nos artigos 102.º e seguintes do CPPT, enquadra-se no âmbito do processo judicial tributário- cfr. artigo 97°, nº1, alínea a), do CPPT;

II-Interposto recurso jurisdicional de uma sentença proferida no âmbito de um processo de impugnação judicial, configurado, enquanto tal, pelos Impugnantes, visando a apreciação da legalidade de um ato de liquidação de IRS tendente à sua anulação por, alegadamente, padecer de errónea interpretação dos pressupostos, a norma que regulamenta a sua interposição é o normativo 280.º do CPPT, e não o artigo 142.º do CPTA.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I- RELATÓRIO


LUDGERO .......... E MARGARIDA .........., com os demais sinais nos autos, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial tendo por objeto a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), nº 2013.........., referente ao ano de 2009, no montante de 19.350,00.


Os Recorrentes, apresentaram as suas alegações de recurso nas quais formulam as conclusões que infra se reproduzem:

“1. A Douta sentença considerou como intempestivo e extemporâneo o recurso hierárquico interposto e não apreciou a questão de fundo colocada, de anulação do ato de liquidação de IRS referente ao exercício de 2009, e respetivos juros compensatórios, por vício de violação de lei, em virtude de não ter sido considerado o valor correto de aquisição do imóvel alineado pelo que as mais-valias;

Os aqui impugnantes, interpuseram recurso hierárquico do despacho do Sr. Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, da parte improcedente do Reclamação Graciosa efetuada;

Os Impugnantes, foram notificados da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico por extemporaneidade;

No referido despacho de indeferimento do recurso hierárquico com fundamento na sua extemporaneidade, não é junto pela Autoridade Tributária, e não se faz prova da data do recebimento por parte dos Impugnantes do despacho de decisão sobre a reclamação graciosa.

O Impugnante marido. Sr. LUDGERO .......... não foi notificado na data de 12.05.2014. tal como é alegado em sede de Despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico, e na Sentença agora recorrida, mas apenas em 23.05.2014;

O recurso hierárquico foi interposto em 23.06.2015 por telefax ao Exmo. Sr. Director Geral da Autoridade Tributária, em devido tempo. Ora o Tribunal de 1ª instância considerou provado a notificação do Impugnante com a junção do avido de receção, mas em nosso entender tal não pode proceder, pois, a referida notificação não pode ser considerada válida e eficaz pois não foi efetuada nos termos do disposto no artigo 39° do Código do Procedimento e de Processo Tributário no seu n° 4, “O distribuidor do serviço postaI procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial", assim, a notificação só pode ser considerada efetiva e perfeita se efetuada nos termos do artigo supra mencionado, nomeadamente, com a indicação e registo do número do documento oficial de identificação de quem assina o aviso de receção, ademais, tratando-se de um terceiro que recebeu a notificação em causa, tal como consta da fundamentação da Douta Sentença.

O ónus de demonstrar a correta efetivação de cabe à Fazenda Pública, que não o logrou fazer.

Assim sendo não deve ser considerado como provado a notificação do aqui Impugnante, na data de 12.05.2014, e consequentemente ser considerado a data da notificação a indicada pelo impugnante e como tal ser considerado o Recurso Hierárquico interposto dento do prazo exigido.
2. DA ANULAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 2009, E RESPETIVOS JUROS COMPENSATÓRIOS, POR VICIO DE VIOLAÇÃO DE LEI

Na reclamação hierárquica apresentada pelos lmpugnantes, apreciou-se o acerto da liquidação relativa ao IRS do ano de 2009.

Assim, vejamos, em 16.04.2009 os lmpugnantes alienaram por 800.000,00 € o direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n° ..... do concelho de Setúbal. Este imóvel foi construído pelos lmpugnantes e requerida a sua inscrição matricial em 24.04.2008, através da entrega do modelo 1, tendo sido o seu valor de aquisição de 435.250,00 €.

Em 22.04.2009, os lmpugnantes adquiriram o artigo ....., lote de terreno para construção, pelo valor de 175.000,00 €. Os impugnantes construíram a sua habitação própria e permanente nesse lote de terreno tendo sido emitida a correspondente licença de utilização em 27.01.2010 pela Câmara Municipal de Palmela.

Os lmpugnantes entregaram o respetivo modelo 1 para inscrever o novo prédio na matriz predial em 27.10.2010.

Os lmpugnantes procederam à entrega do IRS referente aos rendimentos de 2009 no ano de 2010, a qual integrava o Anexo G. Os serviços tributários procederam à liquidação oficiosa de correção do exercício do ano de 2009 do IRS a qual deu origem à liquidação n° 2013 ......... então reclamada e depois recorrida;

A Reclamação Graciosa, foi parcialmente procedente, considerando-se inquestionável que os recorrentes reúnem os requisitos para lhes ser aplicada a exclusão de tributação prevista na alínea a) do n° 5 do artigo 10° do CIRS. todavia, os valores considerados para aplicação do disposto na referida alínea divergem dos valores que os Impugnantes, consideram ser os que devem ser relevantes, assim, não considerou os custos relativos ao IMT no valor de 11.375,00 € imposto de selo no valor de 1.400,00 € e contribuição especial no valor de 1.302,07 €, custos alegados e comprovados em sede de Reclamação Graciosa;

Estamos perante um erro manifesto e imputável aos serviços que acarreta uma situação de grave e notória injustiça, e que de acordo com o " dever de pronúncia " princípio basilar da Administração Tributária, devia ter sido corrigido senão por via da procedência do presente recurso, oficiosamente pelos serviços logo que alegado em sede de Reclamação Graciosa.

A liquidação em causa deve ser corrigida por enfermar de ilegalidade, não podendo manter-se na ordem jurídica nos mesmos termos.

A Sentença recorrida incorreu em erro de interpretação, aplicação de Direito e omissão de pronúncia.

Nestes termos e nos melhores de Direito com que V.Exas, sempre suprirão deve ser revogada a Douta Sentença recorrida, com os inevitáveis efeitos legais, a Impugnação apresentada ser no seu todo conhecida, e assim se fará a acostumada JUSTIÇA.”


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O Digno Representante da Fazenda Pública, optou por não apresentar contra-alegações.



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A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, pronunciando-se no sentido da intempestividade do presente recurso.



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As partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a arguida intempestividade do recurso, nada vindo dizer, requerer ou impugnar.



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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Visando a apreciação da tempestividade do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:


1- A 11 de maio de 2015, LUDGERO .......... E MARGARIDA .........., deduziram impugnação judicial ao abrigo dos artigos 99.º e 102.º, nº1, alínea f), ambos do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) tendo por objeto o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, nº 2013.........., referente ao ano de 2009, no montante de 19.350,00, na qual peticionaram “[d]eve a presente impugnação judicial ser julgada procedente pelas razões elencadas anulando-se a liquidação efectuada pelos serviços em sede de IRS do ano de 2009 e respectivos juros compensatórios, com todas as legais consequências(cfr. petição inicial a fls. 1 a 23 dos autos);


2- A 05 de março de 2019, na sequência da dedução da impugnação judicial referida em 1., foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a mesma, dela se extratando enquanto fundamentação jurídica, designadamente, o seguinte:


“(…) no caso dos autos estamos perante uma liquidação efectuada pela AT em nome de ambos os Impugnantes proveniente de uma declaração de rendimentos apresentada conjuntamente pelos dois cônjuges, nos termos do disposto nos artigos 57º e 59º do CIRS. Assim sendo, as notificações não têm de ser efectuadas nas pessoas dos dois sujeitos passivos de IRS, bastando a existência duma notificação valida, para que se considerem ambos os cônjuges devidamente notificados. O mesmo acontece relativamente às reclamações graciosas. Sendo certo que a reclamação foi apresentada do acto de liquidação de IRS de um determinado agregado familiar, a notificação do deferimento ou indeferimento da mesma pode ser efectuada na pessoa de um dos membros desse agregado, como foi o caso dos autos. (cfr. sentença junta a fls. 91 a 99 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


3- A 07 de março de 2019, foi emitido ofício pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com a referência alfanumérica RG........PT, endereçado para os Impugnantes, na pessoa da sua mandatária legal, visando a notificação da sentença referida no número anterior, o qual foi objeto de aceitação junto dos Correios de Portugal, a 12 de março de 2019 (cfr.ofício de expedição datado de 07 de março de 2019, junto a fls. 112 da plataforma SITAT; facto resulta da conjugação da notificação de expedição postal com a informação constante na plataforma oficial do site oficial dos CTT Portugal mediante a inserção do Código Alfanumérico, no item Acompanhar Entregas);


4- Em 10 de abril de 2019, na sequência da notificação da sentença referida em 3., os Recorrentes interpuseram recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal acompanhado das respetivas alegações extratando-se do requerimento de interposição de recurso, designadamente, o seguinte:


“[n]ão se conformando com a Douta Sentença, dela interpõem RECURSO DE APELAÇÃO para o Tribunal Administrativo Central do Sul, nos termos do disposto no nº1 do artigo 142.º, e alínea d) do nº3 do mesmo artigo do CPTA com efeito suspensivo, nos termos do nº1 do artigo 143.º do mesmo Diploma Legal, o que fazem, apresentando as seguintes Alegações (…) (cfr. fls. 80 dos autos e 120 da plataforma SITAF);



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III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


O presente recurso visava a apreciação do erro de julgamento da decisão recorrida proferida a 5 de março de 2019, a qual julgou improcedente a impugnação judicial tendo por objeto a liquidação de IRS nº 2013.........., referente ao ano de 2009, no montante de 19.350,00.


Foi, porém, suscitada pelo DMMP a intempestividade do presente recurso, a qual cumpre, ora, analisar, visto que a proceder obsta à apreciação do presente recurso jurisdicional.


Apreciando.


Os Recorrentes conforme resulta inequívoco do acervo probatório dos autos, interpuseram recurso jurisdicional ao abrigo do artigo 142.º do CPTA, tendo, desde logo, apresentado as competentes alegações.


Comecemos, assim, por convocar os aludidos normativos.


Preceitua o artigo 141.º, nº1 do CPTA que “Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais.”


Mais dispõe o artigo 142.º, nº1 e nº3 do CPTA, sob a epígrafe “decisões que admitem recurso” que:


1 - O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa. (…)


“3 - Para além dos casos previstos na lei processual civil, é sempre admissível recurso, seja qual for o valor da causa, das decisões:


a) De improcedência de pedidos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias;


b) Proferidas em matéria sancionatória;


c) Proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo;


d) Que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa.”


Dispõe, por seu turno, o artigo 144.º do CPTA que:


“ 1- O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida.”


Chamada à colação os normativos referenciados pelos Recorrentes, importa evidenciar que no âmbito do processo tributário o regime jurídico dos recursos jurisdicionais varia consoante a espécie processual em causa, podendo ser aplicável o regime do CPPT, do CPTA ou no âmbito do processo de contraordenação o RGIT, RGCO e CPP.


Sendo que, in casu, a norma que legitima a interposição de recurso é o artigo 280.º do CPPT e não o invocado e transcrito artigo 142.º, nº1 e alínea d), do nº3 do CPTA, o qual só pode ser convocado no âmbito dos recursos dos atos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária, conforme dispõe o artigo 279.º, nº2 do CPPT.


No âmbito do CPPT, assume particular relevo o normativo 279.º do CPPT, o qual preceitua:


“1 - O presente título aplica-se:


a) Aos recursos dos atos jurisdicionais praticados no processo judicial tributário regulado pelo presente Código;


b) Aos recursos dos atos jurisdicionais no processo de execução fiscal, designadamente as decisões sobre incidentes, oposição, pressupostos da responsabilidade subsidiária, verificação e graduação definitiva de créditos, adulação da venda e recursos dos demais atos praticados pelo órgão da execução fiscal.


2 - Os recursos dos atos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.”


Ora, atentando no quadro jurídico supra elencado, porquanto a impugnação judicial, regulada nos artigos 102.º e seguintes do CPPT, se enquadra no âmbito do processo judicial tributário- cfr. artigo 97°, nº1, alínea a), do CPPT, não é aplicável o regime do recurso previsto no mencionado artigo 142.º do CPTA, pois que, reitere-se, aos processos judiciais tributários regulados no CPPT é aplicável o regime de recurso previsto no artigo 280.º do CPPT, conforme expressamente se estabelece no artigo 279.º, nº1, do CPPT.


Note-se que, in casu, os Recorrentes deduzem impugnação judicial, convocando, para o efeito, os artigos 99.º e 102.º do CPPT, identificando de forma expressa o ato impugnado como o ato de liquidação de IRS do ano de 2009, e peticionando a sua anulação por o mesmo padecer de vício de violação de lei por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.


Nessa medida, encontramo-nos perante um recurso jurisdicional interposto de um processo de impugnação judicial- configurado, enquanto tal, pelos Impugnantes- visando a apreciação da legalidade de um ato de liquidação de IRS tendente à sua anulação por, alegadamente, padecer de errónea interpretação dos pressupostos.


Destarte, a norma que regulamenta a interposição de recurso no processo de impugnação judicial é o normativo 280.º do CPPT, o qual preceitua:


“1-Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.”


E por assim ser, o requerimento de interposição de recurso de sentença proferida no processo de impugnação judicial, deve processar-se de harmonia com o disposto nos citados artigos 279.º, nº1 e 280.º do CPPT, donde os Recorrentes dispunham de 10 dias para a interposição do competente recurso.


Aqui chegados, definido o quadro jurídico aplicável regressemos ao recorte probatório dos autos, para se aquilatar do cômputo do prazo.


A sentença foi proferida em 05 de março de 2019, tendo sido notificada aos Recorrentes por carta registada datada de 07 de março de 2019, mas apenas expedida em 12 de março de 2019, logo considera-se notificada, em15 de março de 2019.


Resulta, assim, que os Recorrentes dispunham até ao dia 28 de março de 2019 (3º dia de multa-artigo 139.º do CPC), para interpor recurso da presente sentença, pelo que tendo interposto o mesmo a 10 de abril de 2019, é, de facto, extemporâneo.


Assim, tudo visto e ponderado tendo os Recorrentes interposto o recurso ao abrigo do artigo 142.º do CPTA, ao invés do artigo 280.º do CPPT, e sendo o mesmo extemporâneo tal determina o não conhecimento do objeto do recurso, em obediência ao consagrado nos artigos 641.º, do CPC, nº 2, alínea a), e 652.º, nº1, alínea h), aplicáveis ex vi artigo 281.º do CPPT, e a tal não obsta o despacho de admissão datado de 26 de abril de 2019, porquanto a decisão que admite o recurso, fixa a sua espécie e determina o efeito que lhe compete, mas não vincula este T.C.A. Sul, conforme resulta claramente do normativo 641.º, nº.5, do CPC.



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IV- Decisão

Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a Segunda SUBSecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em não conhecer do objeto do presente recurso.

Custas pelos Recorrentes.


Registe e notifique.



Lisboa, 31 de outubro de 2019


(Patrícia Manuel Pires)


(Mário Rebelo)


(Anabela Russo)