Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:122/19.4BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/09/2021
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PROCESSO DISCIPLINAR
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sumário:I. O n.º 1 do art.º 112.º do RDLPFP, prevê a punição do uso de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como o comportamento que incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina.

II. As seguintes declarações proferidas pelo Recorrente importam a violação dos deveres previstos no n.º 1 do art.º 112.º do RDLPFP, constituindo ilícito disciplinar:

Hoje (ontem) assistimos a mais uma vitória suja numa liga sem verdade desportiva. O VAR voltou a avariar no lance do penalti nítido a favor do B…? O f… ganha jogos sucessivos com erros clamorosos como o do B…, no J… com o B…, em S... ou em casa com o F…. O que se assistiu foi também um espetáculo degradante de insultos, ameaças e pressões sobre tudo e todos, que infelizmente parecem estar a resultar. Estamos a viver uma espécie de regresso a um passado de triste memória. Esta liga azul envergonha (...)”.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

L…vem recorrer do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto no âmbito do processo n.º 16/2019, que negou provimento ao recurso por ele intentado do acórdão de 26/03/2019, proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que o condenou na sanção disciplinar de 45 (quarenta e cinco) dias de suspensão, acrescido de multa no valor de € 5.738,00 (cinco mil setecentos e trinta e oito euros), pela prática da infração p.p. no artigo 136°, n° 4, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
1. O presente Recurso tem como objecto o Acórdão Arbitral proferido pelo Tribunal a quo e, bem assim, o Despacho n.° 1 proferido pelo mesmo Tribunal, o qual não é susceptível de Recurso Autónomo.

2. O Aresto Recorrido omite factualidade relevante para a boa Decisão da causa,

3. Pelos motivos expostos em sede de Alegações, deve ser aditada a seguinte matéria de facto à factualidade dada como provada:
a) Desde a época 2016/2011 que a F.. - Futebol, SAD (F..SAD), utilizando seu Director de Comunicação, F…, e o “P…", tem conduzido campanha difamatória e de intoxicação da opinião pública com suspeitas permanentes sobre a isenção dos árbitros e a actuação da S…SAD, e de criação de um manto permanente de dúvida sobre a verdade desportiva e a credibilidade das competições. É conhecido, aliás, o “naming" depreciativo utilizado pela F... SAD para alcunhara Liga NOS 2016/2017, baptizada de ‘‘Liga Salazar’’.":
b) Essa campanha difamatória contra a S… SAD ganhou dimensão inaudita com a orquestração do “caso dos emails" através do qual, com recurso à prática de ilícitos disciplinares e criminais, a F... SAD tem tentado implantar em parte dos adeptos a ideia de que a S… SAD controla os árbitros e adultera a verdade desportiva, utilizando o Director de Comunicação da F... SAD as expressões ‘polvo", “corja", “corrupção" e “cambalacho", por exemplo, para se referir à S…SAD, como se de instituição mafiosa se tratasse".:
c) esta forma de actuação da F... SAD tem permitido que a suspeição se perpetue no espaço público e na competição, e constitui, ao mesmo tempo, estratégia de condicionamento emocional do desempenho das equipas de arbitragem durante os jogos".
d) a S…SAD e o Recorrente têm procurado manter postura institucional e desportivamente discreta e adequada, alertando reiteradamente para o grave clima de condicionamento sobre os árbitros e para o facto dos erros de arbitragem - não intencionais, ê certo - estarem a suceder-se com muito mais frequência do que o desejado, visto que o tipo de discurso reiterado de suspeição sobre o trabalho dos árbitros em nada contribui para que os árbitros possam exercer a sua actividade com a tranquilidade e estabilidade exigidas à difícil função de julgar e aplicar as leis do jogo":
e) “o clima vivenciado actualmente no futebol nacional motivou diversas tomadas de posições dos árbitros e da APAF, seja com o pré-anúncio de greves, seja em comunicados e intervenções públicas".
f) “Compete ao Recorrente, entre outras funções, veicular publicamente opinião sobre temas relevantes da actualidade desportiva que sejam do interesse da S… SAD., funções essas que exerce com discrição e recato, sendo, por exemplo, raro dar entrevistas e não participando em programas televisivos ou escrevendo para publicações periódicas
g) “Perante um conjunto de acontecimentos que provocaram indignação e revolta por parte dos sócios e adeptos do SL B, o Recorrente no exercício das suas funções (imitou-se a:
i) dar conhecimento de determinados factos - nomeadamente, da exposição que a S… SAD iria fazer ao Conselho de Arbitragem relativa a erros de arbitragem que entendia terem prejudicado a equipa em diversos jogos;
ii) manifestar incompreensão sobre tais erros - designadamente tendo em conta os meios tecnológicos ao dispor da arbitragem proporcionados pelo sistema do vídeo-árbitro e;
iii) exprimir discordância relativamente a decisões das instâncias desportivas que considera injustas para a S..SAD e que não compreende".
h) “O Recorrente exerceu assim o seu direito a relatar factos e a exprimir opinião crítica - contundente, é certo - sobre determinados temas que estavam na ordem do dia e que eram objecto de discussão pública e de notícia por parte da generalidade da comunicação social."
i) "o Recorrente não proferiu quaisquer declarações gratuitas susceptíveis de colocar em causa o bom nome e reputação de qualquer agente desportivo e ou de qualquer órgão da estrutura desportiva, imputando quaisquer factos ou formulando quaisquer juízos ofensivos da honorabilidade de qualquer órgão ou agente”.
j) “No dia 10 de Dezembro de 2018, o Conselho de Arbitragem, efectuando um balanço sobre as primeiras 11 jornadas da Liga NOS 2018/2019, reconheceu isso mesmo, ao publicar na sua conta oficial Twitter denominada “Projeto@Videoarbitro, Conta oficial do Conselho de Arbitragem para partilha de informação sobre o projeto vídeo-árbitro. Mínima interferência, máximo benefício é o lema do IFAB”, acessível através do link https://twitter.com/videoarbitro, os seguintes tweets:
i) “Com 11 jornadas completas, o Conselho de Arbitragem faz um balanço do VAR no primeiro terço da Liga NOS.";
ii) “Nas primeiras 11 jornadas foram efetuados 639 «checks», distribuídos da seguinte forma: lances de golo (295), possível cartão vermelho (152), possível penálti (187) e erro de identidade (5).";
iii) “Dos 639 lances analisados, 33 resultaram em momentos de revisão. No seguimento da revisão, 8 decisões iniciais mantiveram-se e 25 foram alteradas.";
iv) “Das 33 revisões, 23 levaram o árbitro a visionar o monitor no relvado. Nessas 23 ocasiões, o árbitro decidiu alterar a decisão inicial em 16 casos. e
v) “De acordo com a análise técnica efetuada, em 639 «checks» (ao longo dos 99 jogos) verificaram-se nove avaliações erradas.".
4. O Aresto Recorrido desconsidera no juízo que formula o contexto em que as afirmações foram proferidas.
5. A matéria vertida nos pontos 13.° e 14.° da matéria de facto provada consagram matéria conclusiva e sem apoio na prova produzida nos Autos, pelo que se impõe que a mesma seja expurgada dos Autos.
6. O Acórdão Recorrido reduziu para apenas um o número de expressões consideradas disciplinarmente relevantes (sem que tal se traduza em qualquer atenuação em sede de moldura sancionatória).
7. Conforme a própria Recorrida admite, as expressões veiculadas pelo Recorrente são corriqueiras e proferidas amiúde no âmbito da Competição Desportiva, passando muitas vezes sem qualquer sanção - como é o caso do denominar da 1,a Liga “Liga Salazar” por parte da F.. - Futebol, SAD. e de agentes desportivos ao seu serviço (como seja o Director de Comunicação) ou o Oficial de Ligação aos Adeptos.
8. Motivo pelo qual não lhe deve ser aplicada qualquer sanção.
9. O Recorrente agiu ao abrigo da liberdade de expressão.
10. As expressões utilizadas pelo Recorrente "não são consideradas atentatórias da honra e consideração devida a quaiquer agente desportivo ou seja, atentatórias dos bens jurídicos protegidos pela norma punitiva invocada"

Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente Recurso ser considerado procedente e, consequentemente ser o Acórdão Recorrido revogado e substituído por outro deste Tribunal que, contemplando a pretensão ora aduzida absolva o Recorrente da infracção disciplinar que lhe é imputada;”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões de recurso:
1. Nos termos do artigo 142..º, n.º 5 do CPTA, subsidiariamente aplicável, e dos artigos 644.º, n.º 2, alínea d) e 645.º, n.º 2 do CPC, por estarmos perante um despacho que procede à rejeição da prova testemunhal arrolada pelo Demandante, ora Recorrente, o recurso do despacho arbitrai n.º 1 é passível de recurso autónomo e de subida imediata, pelo que, é, nesta sede, o presente recurso inadmissível.
2. Ainda que assim não se entenda - o que não se concebe e alega por mero dever de patrocínio - nenhuma crítica há a apontar aquele despacho porquanto o Colégio Arbitral decidiu, mediante despacho fundamentado, indeferir a produção da prova testemunhal arrolada pelo Demandante, ora Recorrente, atento o facto de aquelas testemunhas já terem sido ouvidas em sede disciplinar, motivo pelo qual, tal inquirição se revelou desnecessária - cf. artigo 90.º, n.º 3 do CPTA.
3. O Recorrente pretende que sejam considerados provados um conjunto de factos irrelevantes para os presentes autos, que em nada estão relacionados com os factos pelos quais foi punido.
4. Com efeito, e seguindo o entendimento da decisão recorrida "não nos parece que seja de estabelecer qualquer tipo de relação com formas de atuação de outros clubes, no caso a F…SAD, que alegadamente "tem permitido que a suspeição se perpetue no espaço público e na competição De facto, ainda que se concluísse pela veracidade destas inculpações, não serve de fator de desculpa nem exime o Demandante de responsabilidades no caso em apreço”.
5. Por falta de relevância para a apreciação da causa, não deverá a matéria de facto trazida à colação pelo Recorrente ser aditada à factualidade provada, ficando cabalmente demonstrado que andaram bem 0 Conselho de Disciplina e 0 TAD, não merecendo, também neste aspeto, qualquer censura.
6. Por outra pare, a matéria de facto vertida nos pontos 13º e 14.º da matéria de facto provada resulta da análise conjugada de toda a prova produzida, do julgamento da causa e da convicção do julgador.
7. Ainda que se entenda que existem passagens daquele matéria de facto que se possam considerar matéria conclusiva, sempre se dirá que o mesmo com o expurgo desses segmentos a decisão não se considera prejudicada.
8. O valor protegido pelas normas em causa nos autos, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180º e 181º do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa ao mesmo tempo a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
9. O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo15, sendo certo que tal juízo não é ofensivo quando resulta do exercício da liberdade de expressão. Há, portanto, que verificar se no conflito entre ambos os direitos, um foi restringido ao ponto de ser inadmissível o exercício pleno do outro.
10. O Recorrente sabia que o conteúdo das expressões por si proferidas à comunicação social eram adequadas a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação do árbitro e dos órgãos disciplinares a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
11. É evidente que o Recorrente excedeu o que se pode afirmar ser uma crítica dura à arbitragem ou ao desempenho dos órgãos disciplinares, havendo a imputação de juízos de valor aos mesmos.
12. Estamos perante expressões, nos termos em que foram produzidas, claramente ofensivas da honra e reputação e que colocam em causa a autoridade das instituições que tutelam o futebol em Portugal no geral, e as competições desportivas em particular.
13. O Recorrente ultrapassou efetivamente o plano da opinião para o da acusação e imputação de juízos pejorativos sem qualquer base fáctica ou outra e sem poder fundamentar ou provar o que afirma, não se podendo, assim, aceitar a alegação de que o Recorrente proferiu aquelas declarações “com base nos factos de que dispunha e que reputou como verdadeiros".
14. Existe o claro objetivo de colocar em causa a isenção, imparcialidade e objetividade do árbitro e dos órgãos disciplinares, colocando de forma intencionalmente em causa o seu bom nome, credibilidade e reputação não só destes, mas também da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
15. Ainda que se provasse que o árbitro errou na apreciação de determinados lances, tais factos não permitem retirar das suas declarações uma mera apreciação crítica da atuação da equipa de arbitragem.
16. Tais afirmações têm intrinsecamente a acusação de que os eventuais erros do árbitro foram intencionais ou que os supostos atrasos na justiça desportiva têm uma intenção subjacente, o que vai muito além de uma mera crítica ao desempenho profissional de quem quer que seja.
17. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão. Muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
18. Além disso, tais afirmações são potencialmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol.
19. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
20. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste Tribunal Arbitral, andou bem o Colégio de Árbitros ao decidir manter a condenação do Recorrente.
21. De igual forma, pelos motivos acima exposto, nenhum vício há que possa ser imputado ao Despacho Arbitral n.º 1.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitrai recorrido, bem como o Despacho Arbitral n.º 1, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”

*
O Digníssimo Procuradora-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que concluiu pela improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se:
- é de admitir o recurso do Despacho n.º 1, que indeferiu a produção da prova testemunhal oferecida.
- caso se entenda que é de conhecer dessa parte do recurso, se o Tribunal a quo errou por não ter admitido a produção da prova e se é de determinar a sua produção;
- se é de proceder ao aditamento da matéria de facto;
- se há que proceder à eliminação dos pontos 13 e 14 da matéria de facto;
- se o Tribunal a quo errou ao ter decidido que o Recorrente praticou a infracção disciplinar por que foi punido.
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Da admissibilidade do recurso do despacho arbitral n.º 1.
Alega a Recorrida que o recurso do despacho arbitral n.º 1, proferido pelo Tribunal a quo, não pode ser conhecido por o mesmo ter por objecto a rejeição da produção da prova testemunhal, pelo que defende que tal recurso deveria ter sido interposto de forma autónoma e subido de forma imediata, conforme previsto no art.º 142.º, n.º 5 do CPTA e nos artigos 644.º, n.º 2, al. d) e 645.º, n.º 2, ambos do CPC.
No referido despacho, que foi proferido a 05/06/2019, foi decidido rejeitar a requerida inquirição de três testemunhas indicadas pelo Recorrente, por as mesmas já terem sido inquiridas no âmbito do processo disciplinar (depoimentos de fls. 200 e segs.) - cfr. fls. 615 a 618 do processo.
O mencionado despacho foi notificado ao Recorrente a 06/06/2019 – cfr. fls. 615 a 620 do processo.
O presente recurso foi intentado a 04/09/2019 – cfr. fls. 718 do processo.
Estatui o n.º 5 do art.º 142.º do CPTA que “as decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil.”.
O recurso do despacho que rejeitar a produção de meios de prova é um dos casos em que é admissível a interposição de recurso autónomo, que é de subida imediata – art.º 644.º, n.º 2, al. d) e n.º3 e art.º 645.º, n.º 2, ambos do CPC.
Sendo o prazo de interposição do recurso do despacho arbitral n.º 1 de 15 dias, verifica-se que à data em que foi intentado o presente recurso (04/09/2019), tal prazo já há muito havia decorrido, pelo o mesmo é, nessa parte, intempestivo, não se podendo conhecer do mesmo – art.º 8.º, n.º 2 da LTAD e artigos 140.º, n.º 3, 142.º, n.º 5 e 147.º, n.º 1, todos do CPTA.
*
Fundamentação
De facto.
No acórdão recorrido foi fixada a seguinte matéria de facto:
(a) O Demandante é Diretor de Comunicação da S… — Futebol, SAD.
(b) No dia 2 de dezembro de 2018, realizou-se no Estádio do Bessa XXI o jogo de futebol entre as equipas do B… Futebol Clube — Futebol, SAD, e a F.. — Futebol SAD, respeitante à 11a jornada da Liga NOS (doravante “Jogo 1”).
(c) No que tange ao aludido jogo, que terminou com o resultado de 0-1, foram nomeados como árbitros H… (principal), R… (assistente n° 1), B… (assistente n° 2), J… (4o árbitro), e F… (VAR).
(d) No dia 22 de setembro de 2018, realizou-se no Estádio do B… o jogo de futebol entre as equipas do V… Futebol Clube - Futebol, SAD, e a F.. — Futebol SAD, respeitante à 5 a jornada da Liga NOS.
(e) No que respeita à mencionada partida, que terminou com o resultado de 0-2, foram nomeados como árbitros M… (principal), P… (assistente n° 1), T… (assistente n° 2), J… (4o árbitro), e V… (VAR).
(f) A 28 de outubro de 2018, realizou-se no Estádio do D… o jogo de futebol que opôs a F.. - Futebol SAD ao Clube Desportivo F…, concernente à 8 * jornada da Liga NOS.
(g) Para o supradito jogo, que terminou com o resultado de 1-0, foram nomeados como árbitros R… (principal), P… (assistente n° 1), N… (assistente n° 2), M… (4o árbitro), e V… (VAR).
(h) Por referência aos três jogos supra aludidos, foram pelo Demandante proferidas as seguintes declarações, difundidas nos meios de comunicação social:
i) Nas edições dos jornais “R…” e “O J…” do dia 3 de dezembro de 2018, por ocasião do Jogo 1:

a) “Hoje (ontem) assistimos a mais uma vitória suja numa liga sem verdade desportiva. O VAR voltou a avariar no lance do penalti nítido a favor do B…? O f… ganha jogos sucessivos com erros clamorosos como o do B…, no J… com o B…, em S... ou em casa com o F.... O que se assistiu foi também um espetáculo degradante de insultos, ameaças e pressões sobre tudo e todos, que infelizmente parecem estar a resultar. Estamos a viver uma espécie de regresso a um passado de triste memória. Esta liga azul envergonha (...) Sempre queremos ver se também nos castigos vamos assistir a um apagão e que existe um clube que vive em total impunidade".

ii) Na edição do jornal "A B…" do dia 04.12.2018 sob o título "Águias pedem intervenção da FPF e da Liga", relativo à 11ª jornada da Liga NOS, entre a B… Futebol Clube — Futebol, SAD e a F... — Futebol, SAD, realizado no Estádio do B… XXI, no dia 02.12.2018;

”O B…, pelos canais próprios, irá demonstrar, através de uma exposição, um conjunto de erros já identificados que, de tão exaustivos e evidentes, falarão por si só. Esperamos um critério de isenção por parte de quem manda na Federação, na Arbitragem e na Liga, para que haja uma correta análise e perceção, porque quem sofre com isto são as competições e a verdade desportiva”, afirmou L em declarações à Rádio R…".

iii) Na edição do jornal "R" do dia 04.12.2018 sob o título "Águias fazem exposição", relativo à 11.ª jornada da Liga NOS, entre a B… Futebol Clube — Futebol, SAD e a F.. — Futebol, SAD, realizado no Estádio do B… XXI, no dia 02.12.2018:

"«Esperamos um critério de isenção por parte de quem manda na FPF, na arbitragem e na Liga, para que haja uma correta análise e perceção, porque quem sofre com isto são as competições e a verdade desportiva. 0 pior que pode acontecer é uma Liga que parece que tem já faixas encomendadas. Isso era no passado, de triste memórias, disse a R… o diretor de comunicação do B..., L…. «Há erros que são incompreensíveis. Ninguém percebe o penálti que ficou por assinalar no B…. O VAR, com os diversos ângulos que tem, devia ter visto o que todos viram. Ainda estamos a atingir o primeiro terço do campeonato e o F... tem sido claramente beneficiado».

iv) Na edição do jornal "O J…" do dia 05.12.2018, sob o título "Encarnados criticam o castigo", relativo à 11ª jornada da Liga NOS, entre a B… Futebol Clube — Futebol, SAD e a F.. — Futebol, SAD, realizado no Estádio do B… XXI, no dia 02.12.2018:

"O B acusa o CD de «dualidade de critérios» por ter multado S… e na época passada ter suspenso R… por 15 dias. «S…, só nesta época, já foi expulso três vezes», criticou L…".

v) Na edição do jornal "A B…" do dia 05.12.2018, sob o título "Águias apontam «descrédito total do futebol português» ", relativo à 11a jornada da Liga NOS, entre a B… Futebol Clube — Futebol, SAD e a F... — Futebol, SAD, realizado no Estádio do B… XXI, no dia 02.12.2018:
«Na época passada, o Conselho de Disciplina puniu R… com 15 dias de suspensão, após a sua expulsão no jogo com o M…, evocando reincidência de outras expulsões, em épocas anteriores, noutros clubes que não o B…, S… , só esta época, já foi expulso três vezes e, se recuarmos a épocas anteriores, segundo a contabilidade feita pelo vosso jornal, conta 15 expulsões, mas agora assistimos a um total apagão de reincidências. (...) Como é possível acontecer esta diferença de tratamento e esta proteção ao mesmo clube? E urgente que as diferentes entidades da FPF a da Riga de clubes parem um pouco para pensar. Não é possível, dentro e fora do campo, existir esta gritante dualidade de critérios e rigor, sempre a favor do mesmo clube, h o descrédito total do futebol português».

(i) As declarações proferidas pelo Demandante na edição do jornal “R…” do dia 03/12/2018, e edição do jornal “O J…” do mesmo dia, na edição do jornal “A B…” do dia 04/12/2018, e na edição do jornal “O J…” do mesmo dia, bem como nas edições dos jornais “A B…” e “O J…” do dia 05.12.2018 referente à 11a jornada da Liga NOS, entre a B… Futebol Clube — Futebol, SAD e a F.. — Futebol, SAD foram difundidas para o público em geral, através da imprensa escrita desportiva.

J) Por referência ao Jogo 1, o treinador S…o foi punido pelo Conselho dc Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, com multa, nos termos do disposto no artigo 168°-A, n°l do RDLPFP.

k) Na época desportiva 2016/2017, por ocasião do jogo disputado entre a M… Futebol Clube SAD e a B SAD, em concreto no dia 26 de janeiro de 2017t o treinador R… foi punido disciplinarmente com 15 (quinze) dias de suspensão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 112° - A e 136° do RDLPFP.

l) O Demandante, à data da prática dos factos, tinha antecedentes disciplinares, ainda que somente referente à época desportiva 2016/2017.

6. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto

No julgamento dos recursos previstos na respetiva lei, o TAD goza de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito (artigo 3.° da Lei do TAD).
Assim, tendo em conta que compete às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas (artigos 54.°, n° 3, alínea c) e 55.°/2/b da Lei do TAD), os concretos factos que constituem a causa de pedir foram os constantes dos articulados apresentados pelas partes.
Neste sentido, a matéria de facto julgada provada resultou da conjugação dos diversos elementos de prova carreados para os autos, com especial enfoque na prova documental constante do processo disciplinar n° 21-18/19, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas no âmbito do aludido processo disciplinar (audiência disciplinar realizada a 06/03/2019 na sede da Federação Portuguesa de Futebol), tendo-se observado, interalia, o princípio da livre apreciação da prova.
Com efeito, destaca-se o seguinte acervo probatório:
a) Extrato disciplinar do Demandante, que reportam às três últimas épocas desportivas anteriores àquela que se encontra em curso, ou seja à época 2018/2019;

b) Documentação oficial do jogo disputado no Estádio do B… XXI entre a B… Futebol Clube — Futebol, SAD e a F... — Futebol, SAD, referente à 1 Ia jornada da Liga NOS;

c) Documentação oficial dos jogos entre a F... — Futebol, SAD e, respetivamente, a B… SAD, S... SAD e a F… SAD, referentes à época desportiva 2018/2019;

d) Mapa de Processos Sumários que resultaram da reunião do Conselho de Disciplina da FPF do dia 04/12/2018;

e) Mapa de Processos Sumários relativo às meias-finais da Taça da Liga (época desportiva 2016/2017) entre a B… SAD e a M… SAD;

f) Extrato disciplinar dos treinadores da F…, SAD e S…, SAD, S… e R…, respetivamente, desde o início da época 2017/2018, até ao dia 05/12/2018;

g) Relatórios de árbitro, Fichas técnicas de clubes, e Relatórios de Delegado;

h) Depoimento das testemunhas inquiridas na audiência realizada no âmbito do processo disciplinar.

(…)
Ex expositis, a convicção deste Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, sustenta-se, assim, na factualidade dada como assente no Acórdão proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da FPF datado de 26/03/2019, cuja fundamentação aqui se acolhe, que remete para a documentação existente nos autos e que igualmente analisámos criticamente à luz da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, designadamente no que concerne à factualidade elencada em sede de audiência disciplinar.
A acrescer, não se pode olvidar do facto de que no atual quadro normativo-regulamentar, os relatórios a que alude o artigo 13.°, alínea f), do RDLPFP gozam (em sentido próximo dos autos elaborados por autoridade administrativa ou policial) de um valor probatório especial e reforçado, de uma presunção de veracidade.
Outros factos, designadamente aqueles que constam dos artigos 13° e 14° do acórdão proferido pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, não poderiam ser dados como provados, pois não foi requerida, alegada ou efetuada nos presentes autos qualquer outro tipo de prova, tendo assim o Colégio Arbitral de se bastar com a já constante nos autos, não obstante mais adiante regressar à matéria objeto destes dois artigos.”.

*
Do aditamento à matéria de facto.
O Recorrente pede que se proceda ao aditamento da matéria de facto que consta da 3ª conclusão das suas alegações de recurso.
Trata-se de matéria em que começa por descrever a postura que diz que a P… SAD tem adoptado relativamente à arbitragem dos jogos de futebol na Liga, nomeadamente no que se refere às críticas e à pressão supostamente exercida sobre a arbitragem desde a época 2016/2017, o que, diz o Recorrente, contrasta com a posição que a B… SAD tem supostamente adoptado. Diz que as declarações e actuação pública da P… SAD não tem sido objecto de qualquer reprovação ou censura disciplinar.
Refere o Recorrente que, no exercício das suas funções de Director de comunicação da B… SAD, tem-se limitado a relatar factos e a exprimir opiniões que, apesar de contundentes, em nada ferem o bom nome e reputação dos agentes desportivos ou de qualquer órgão da estrutura desportiva.
Alega ainda que o Conselho de Arbitragem, o Conselho de Arbitragem, em balanço que fez das primeiras 11 jornadas da Liga NOS 2018/2019, reconheceu que o vídeo árbitro cometeu vários erros em conta oficial do Twiter que indicou e alega que os jogos identificados na matéria de facto provada foram jogos envoltos em polémica, remetendo para vários “links”.
O presente processo não tem por objecto aferir da eventual relevância disciplinar do referido comportamento da P… SAD, nem se o este tem sido tolerado pela Recorrida, pelo que tal matéria não tem de figurar no probatório, tal como se decidiu no acórdão recorrido
Acresce que a afirmação (conclusiva) de que o Recorrente se limitou a formular críticas que, apesar de contundentes, não ofendem a honra e consideração de terceiros, que o Recorrente quer levar à matéria de facto, constitui a questão que é objecto do presente processo e que não tem de ser aditada à matéria provada.
Relativamente à alegação formulada na alínea j) da 3ª conclusão, em que se afirma que no dia 10 de Dezembro de 2018, o Conselho de Arbitragem, efectuou um balanço da actividade do VAR sobre as primeiras 11 jornadas da Liga NOS 2018/2019, em que se reconheceu a existência de erros na avaliação de jogadas, verifica-se que o Recorrente não deu cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 640.º do CPC, aplicável por força do art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, desde logo por não ter indicado os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [al. b)], o que importa a rejeição da impugnação da matéria de facto nessa parte.
Acresce que não é alegado que se trate de facto de conhecimento superveniente ou que tenha existido qualquer impossibilidade de fazer prova do referido facto juntamente com a P.I..
Pelo exposto, não se procede ao aditamento da matéria de facto requerida.
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Da eliminação dos pontos 13 e 14 da matéria de facto.
O Recorrente veio ainda defender que se deve proceder à eliminação dos pontos 13 e 14 da matéria de facto, que diz ser matéria conclusiva e de que não foi feita prova no processo que permita a sua admissão.
O Recorrente incorre em erro, uma vez que a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido não contém os factos que indica.
Os mesmos constam do acórdão do Conselho de Disciplina da FPF, de que se recorreu para o TAD, mas este, no acórdão que proferiu, não acolheu tais factos, como expressamente se refere na página 34 deste último acórdão e já resultava do teor da matéria de facto que se deu por assente.
Improcede, por isso, o requerido.
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De direito.
Da verificação da infracção disciplinar.
O n.º 1 do art.º 112.º, aplicável por força da remissão operada pelo art.º 136.º, ambos do RDLPFP, prevê a punição do uso de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como o que incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina.
O Recorrente defende o que não praticou a infracção disciplinar por que foi punido. Alega que agiu no exercício do seu direito à liberdade de expressão, tendo proferido críticas contundentes, mas que não excedem o que é considerado tolerável no contexto desportivo em que as mesmas devem ser enquadráveis.
No acórdão recorrido entendeu-se que praticou a infracção disciplinar por que foi punido, tendo sido destacado o facto de ter proferido as seguintes palavras: “Hoje (ontem) assistimos a mais uma vitória suja numa liga sem verdade desportiva. (…) Esta liga azul envergonha (...).
O ilícito disciplinar em causa, resulta da violação de qualquer dos deveres previstos no n.º 1 do art.º 112.º do RDLPFP. Visa-se aí a protecção da honra, bom nome e reputação dos titulares dos órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos e punir ainda os comportamentos que incitem à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina.
Sobre a referida infracção disciplinar, o STA tem vindo a entender que o uso de expressões que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo e que afectam a honra e reputação dos árbitros, não se encontram justificadas pelo exercício do direito à liberdade de expressão, constituindo, antes, ilícitos disciplinares.
Nesse sentido, decidiu-se no ac. do STA de 11/03/2021, proc. n.º 053/20.5BCLSB, acessível em www.dgsi.pt, o seguinte: “(…) Atendendo à factualidade dada como provada, inexistem dúvidas que foram proferidas e noticiadas declarações que preenchem o tipo de infracção disciplinar previsto no artº 112º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), como aliás tem vindo a ser repetido por acórdão proferidos neste STA – cfr. Acórdãos de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, de 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB, de 21.05.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB, de 10.09.2020, in proc. nº 038/19.4BCLSB, de 02.07.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB e, de 29.02.2019, in proc. nº 66/18.7BCLSB.
Com efeito, consignou-se, a este propósito, num caso similar ao dos presentes autos, no Acórdão proferido em 10.09.2020, in proc. 038/19.4BCLSB de que fomos relatora, o seguinte:
«(…) estamos no âmbito de uma responsabilidade disciplinar, que não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúrias, mas apenas da violação dos deveres gerais e especiais a que estão adstritos os clubes, e respectivos membros, dirigentes e demais agentes desportivos em relação a órgãos da Liga ou da FPF, respectivos membros, e elementos da equipa de arbitragem, entre outos, no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas.
Estes deveres resultam exclusivamente, da conjugação dos artºs 19º e 112º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respectivo tipo disciplinar.
No nº 1 do artº 19º do RD em questão, estabelece-se que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua actividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social».
E no nº 2 da citada norma, prevê-se de forma explícita a inibição daqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas ou dos órgãos intervenientes e seus agentes, nas competições organizadas pela Liga».
Ora, as declarações proferidas pelos arguidos visando os árbitros intervenientes, as decisões do Conselho de Arbitragem, designadamente do seu Presidente, não podem, nem devem considerar-se dentro da liberdade de expressão, nem constituir somente um excesso de linguagem “permitida” no mundo do futebol; ao invés, violam o bom nome e a reputação dos visados – árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem – quer perante a comunidade desportiva, quer perante toda a demais comunidade que ouviu e/ou leu as expressões proferidas, tentando ainda fazer uma pressão inadmissível sobre a arbitragem e seus agentes.
Com efeito, a denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia.
Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa crítica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objectiva, quer subjectivamente, a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando insultos, injúrias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão [artº 37º da CRP].
Veja-se a propósito da integração deste género de imputações, o que se deixou consignado no Ac. de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, onde se refere:
«Imputações estas, que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa».
E ainda o que se deixou consignado, a propósito da liberdade de expressão e informação, no Acórdão proferido em 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB:
«(…)
Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo nº 1 do art.º 26.º da Constituição.
O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso, inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. art.º 112.º/4 do RDLPFP.
Acresce ainda, na linha do que se decidiu no Acórdão desta Secção, de 26 de fevereiro de 2019, atrás citado, que o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do art.º 79.º da CRP. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido nestes autos, sobre «(…) até que ponto se pode disciplinarmente reagir – com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro – contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional».
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Sufragando esta jurisprudência, e tendo por base a factualidade de facto dada como provada, [em que são usadas expressões como “sucedem-se erros de arbitragem sempre em benefício da mesma equipa e por equipas de arbitragem que estiveram ligadas na época anterior a muitos desses erros que deram pontos…”, é evidente que a recorrida não pode deixar de ser responsável pelos juízos de valor tecidos acerca dos erros de arbitragem que identifica, uma vez que, deste modo, põe em causa a credibilidade e, imparcialidade das pessoas em questão.
E do teor da restante matéria de facto provada, é evidente o lançamento de suspeitas sobre o trabalho dos árbitros ali identificados e Var, tendo por base acontecimentos futebolísticos, bem como, a intencionalidade de extrair conclusões de benefício de uma equipa em detrimento de outra.
Ora, estes considerandos, publicados na
newsletter oficial do clube não se enquadram na liberdade de expressão ou de opinião, uma vez que se apresentam como lesivos da reputação dos árbitros e VAR em questão, enquanto profissionais imparciais, objectivos e isentos, criando inclusive um clima de suspeição sobre um dos agentes desportivos, a equipa de arbitragem e desta forma pondo em causa, de forma repetida, o ambiente sadio que deve existir nas competições desportivas, tudo em detrimento dos deveres constantes das citadas normas do RDFPFP e do disposto no artº 35º, nº 1, al. h), do referido diploma. (…)”.
Tal doutrina é inteiramente aplicável ao caso dos presentes autos.
O Recorrente declarou que “Hoje (ontem) assistimos a mais uma vitória suja numa liga sem verdade desportiva. O VAR voltou a avariar no lance do penalti nítido a favor do B…? O f… ganha jogos sucessivos com erros clamorosos como o do B…, no J… com o B…, em S... ou em casa com o F... O que se assistiu foi também um espetáculo degradante de insultos, ameaças e pressões sobre tudo e todos, que infelizmente parecem estar a resultar. Estamos a viver uma espécie de regresso a um passado de triste memória. Esta liga azul envergonha (...).
Através de tais declarações, lançou a suspeita de que os árbitros da partida beneficiaram intencionalmente a P… SAD, o que afecta a honra e reputação dos árbitros envolvidos e viola os deveres previstos no n.º 1 do art.º 112.º do RDLPFP.
Pelo que há que concluir que se verifica a infracção disciplinar por que o Recorrente foi punido.
Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 09 de Setembro de 2021

O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Senhores Juízes Desembargadores Celestina Castanheira e Carlos Araújo, este intervindo em substituição, que integram a formação de julgamento.
Jorge Pelicano