Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9249/12.2BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA DE MERA ANULAÇÃO
UTILIDADE E POSSIBILIDADE DE EXECUTAR
Sumário:A decisão judicial de estrita anulação, proferida no âmbito de recurso contencioso de anulação de despacho que havia homologado a lista de classificação final de concurso externo de ingresso, não constitui a Administração no dever de nomear o recorrido no lugar posto a concurso ou sequer de o graduar em 1º lugar na lista de classificação final, por não se mostrar reconhecido judicialmente esse direito.

O que se impõe à Administração consiste na renovação dos atos procedimentais praticados no concurso e que foram anulados, em virtude da ilegalidade de que padeciam, não incorrendo nos mesmos vícios, devendo emanar novo ato de classificação dos candidatos, que poderá ou não manter a graduação anterior.

Assim, a celebração de contrato individual de trabalho, entre o recorrido e o recorrente, para o exercício da mesma função, no curso do recurso contencioso de anulação, não retira a utilidade do dever de reconstituir a situação hipotética que deveria existir, nos termos do preceito de natureza substantiva inscrito no art 173º do CPTA, pois a repetição do procedimento concursal poderá representar uma alteração na antiguidade do recorrido, reportando-se à data do ato de nomeação dos restantes opositores classificados dentro das vagas àquele concurso, bem como, o respetivo pagamento das diferenças salariais a que tenha direito, em virtude da alteração do vínculo laboral.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:


Relatório
João …………………… (recorrido), nos termos dos arts 173º e segs do CPTA, requereu execução da sentença proferida a 11.12.2009, que anulou o ato de homologação da lista de classificação final dos candidatos ao concurso externo de ingresso para condutor de máquinas pesadas e veículos especiais da Câmara Municipal de Lisboa, contra o Município de Lisboa (recorrente), requerendo a reconstituição da situação atual e hipotética densificada nos seguintes atos:
a) O executado deve retomar o concurso externo de ingresso para condutor de máquinas pesadas e veículos especiais da CM de Lisboa;
b) A apreciação da entrevista profissional de seleção deve ser devidamente fundamentada;
c) Elaboração de novo despacho homologatório da lista de classificação final, conforme o art 173º, nº 1 do CPTA.

A 29.3.2012 foi proferida sentença que julgou improcedente a causa legítima de inexecução invocada pelo executado e condenou o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa a:
a) Providenciar para que o júri do concurso proceda à repetição das entrevistas profissionais aos candidatos e respetiva avaliação – com cumprimento dos deveres legais de fundamentação da classificação atribuída, nos termos em que foi determinado pela sentença de 11.12.2009 – e para que, seguidamente, pratique os subsequentes atos do procedimento de concurso (v.g. classificação dos candidatos, audiência prévia, elaboração da lista de classificação final);
b) Homologar a lista de classificação final e nomear o exequente se, da nova lista de classificação final, resultar a colocação do exequente numa das vagas postas a concurso, com efeitos reportados à data das restantes nomeações já ocorridas em resultado do ato anulado e procedendo ao pagamento das eventuais diferenças salariais a que o exequente tenha direito e à respetiva contagem do tempo de serviço.
c) Cumprir o decidido em 90 dias úteis.

Inconformado com o decidido, o Município interpôs recurso. Para tanto, nas alegações, formulou as seguintes conclusões:
«1ª. A sentença recorrida é nula, quer por excesso de pronúncia, quer por omissão de pronúncia.
2ª. A sentença é nula por excesso de pronúncia, porquanto, em vez de se pronunciar, conforme determinam o nº 1 do art 95º do CPTA e o nº 2, 1ª parte, do art 660º do CPC, sobre a questão concretamente suscitada pelo executado, da violação pelo exequente da convenção de arbitragem e dos respetivos termos, não o fez, optando antes por deslocar o seu juízo para a, por ele qualificada, exceção dilatória da existência de decisão do Tribunal Arbitral de 29.10.2008, decidindo que a mesma não se verifica.
3ª. Como nenhuma das partes, nomeadamente o executado invocou esta exceção enquanto tal, a sentença não podia dela tomar conhecimento, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia e dar causa à nulidade prevista na al d), in fine, do nº 1 do art 668º do CPC.
4ª. A sentença é nula por omissão de pronúncia, porquanto não se pronunciou e devia tê-lo feito, sobre a exceção dilatória de violação da convenção de arbitragem, essa sim invocada pelo ora recorrente, incorrendo desta forma na causa de nulidade prevista na 1ª parte da al d) do nº 1 do art 668º do CPC.
5ª. A convenção de arbitragem, nos termos da qual as partes se comprometeram, entre outros aspetos, «submeter a arbitragem voluntária a revisão do vínculo contratual (…)» e a aceitar «os termos do acordo da constituição de tribunal arbitral (…)» e o «respetivo regulamento de arbitragem», não é confundível ou se confunde com a decisão que veio a ser tomada pelo Tribunal Arbitral, que inclusivamente até podia ter sido no sentido de não integrar o exequente, sem que isso invalidasse a vontade das partes anteriormente expressa na convenção, de sujeitar o litígio à jurisdição arbitral.
6ª. A sentença recorrida deverá assim ser declarada nula, com as legais consequências, sendo que as circunstâncias inerentes à nulidade por omissão de pronúncia evidenciam igualmente a violação do disposto no nº 1 do art 95º do CPTA, e no nº 2, 1ª parte, do art 66º do CPC.
7ª. O tribunal a quo não conheceu devidamente, enquanto causa legítima de inexecução invocada pelo recorrente, a questão do recurso ao tribunal Arbitral por parte do exequente, como mecanismo de regularização/ adequação do seu vínculo funcional e das repercussões desse impulso no âmbito do presente processo.
8ª. O ato contenciosamente recorrido emergiu de um concurso externo de ingresso para a categoria de condutor de máquinas pesadas e veículos especiais, a que o exequente se havia candidatado com vista à regularização do seu vínculo funcional e ao seu ingresso no quadro de pessoal nessa categoria profissional, situação esta precisamente igual à que foi objeto de resolução pela via arbitral.
9ª. A subscrição e aceitação voluntárias da convenção de arbitragem, das condições nela estabelecidas, dos termos do acordo de constituição do tribunal arbitral e do Regulamento de Arbitragem, implicou a aceitação do princípio base de que a integração fosse feita na categoria de base da carreira «e em condições de igualdade com o regime de ingresso na função pública» (cláusula 4ª do acordo de constituição e nº 3 da convenção de arbitragem).
10ª. A repetição do procedimento concursal anulado e as eventuais e não admitidas colocação do exequente nas vagas postas a concurso e nomeação representariam uma derrogação completa do processo de regularização arbitral, que o mesmo voluntariamente aceitou.
11ª. A sujeição ao processo arbitral, atento o respetivo regime, retirou efeito útil ao recurso contencioso e à execução, cuja promoção passou a representar uma ofensa flagrante ao compromisso arbitral decorrente da convenção.
12ª. O resultado dos atos de execução preconizados é absolutamente incompatível com a manutenção do status quo que resultou do processo de regularização arbitral.
13ª. A validade inatacável e a absoluta independência do contrato de trabalho emergente da decisão arbitral em relação ao procedimento concursal, determina a impossibilidade da sua expurgação da ordem jurídica.
14ª. O facto de o exequente ter consentido na regularização da sua situação funcional por via arbitral, com a subscrição da convenção de arbitragem, adquirindo por decisão do Tribunal Arbitral o direito à celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, e com isso ingressando no quadro de pessoal, torna juridicamente impossível a execução da sentença que anulou o despacho de homologação do concurso, e constitui uma causa legitima para a sua inexecução.
15ª. A promoção da execução da sentença consubstancia uma violação da convenção de arbitragem e do compromisso arbitral.
16ª. Ao não atender ao regime emergente do Tribunal Arbitral e às suas repercussões na situação sub judice, o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, assente na interpretação errada do regime jurídico aplicável ao Tribunal Arbitral constituído para a Adequação dos Vínculos do Pessoal do Município de Lisboa, nomeadamente da cláusula 4ª do acordo de constituição e do nº 3 da convenção de arbitragem, bem como dos arts 493º, nº 2 e 494º, al j) do CPC.

O recorrido não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, nada disse.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


Fundamentação de Facto:

A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

1) «O ora exequente interpôs, em 28.10.2003, recurso contencioso de anulação do ato de 29.8.2001, do Vereador da CM de Lisboa, através do qual foi homologada a lista de classificação final do concurso externo de ingresso para condutor de máquinas pesadas e veículos especiais, do grupo do pessoal auxiliar – cfr fls 2 e segs do processo nº 800/2003.

2) Em 11.12.2009 foi proferida nesse recurso contencioso a sentença que consta a fls 224 a 236, dos autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se escreveu nomeadamente o seguinte:

«II – Fundamentação

A) De facto
Por acordo das partes e do documentado neste processo e no processo instrutor, consideram-se assentes os seguintes factos com relevo para a questão:
a) Por aviso publicado na II série do DR, de 13.2.2001, foi aberto concurso externo de ingresso para condutor de máquinas pesadas e veículos especiais, do Grupo do Pessoal Auxiliar, da CM de Lisboa, ao qual o aqui concorrente se candidatou tendo sido, a final graduado na lista de classificação final, em 72º lugar com 12,64 valores;
b) Os métodos de seleção utilizados foram: a Prova de Conhecimentos Específicos, a Avaliação curricular, a Entrevista Profissional de Seleção e o Exame Médico de Seleção – ata do júri de 4.1.2001;
c) Resultando a classificação final da aplicação da seguinte fórmula: CF = (PC + AC + EPS)/ 3, em que: CF = a Classificação Final; PC = Prova de Conhecimentos Específicos; AC = Avaliação Curricular e EPS = Entrevista Profissional de Seleção;
d) No que respeita à Avaliação curricular o júri deliberou que serão considerados os fatores de habilitação académica de base, formação profissional e experiência profissional – fls 10 do processo instrutor.
e) No aviso do concurso e no seu ponto 7.2, relativo à avaliação curricular, diz-se que esta tem o intuito de avaliar as aptidões profissionais dos candidatos, com base na análise do respetivo currículo profissional, com caráter eliminatório, e onde serão ponderados os fatores seguintes: a) habilitação académica de base – em que se atenderá aos valores da classificação da escolaridade obrigatória. Para o caso da classificação ser dada noutra graduação, deverá a mesma ser equiparada aos seguintes valores: «suficiente menos … 10 valores; suficiente …12 valores; suficiente mais … 13 valores; bom menos ou bom … 14 valores; bom … 15 valores; bom mais … 16 valores; muito bom … 18 valores; muito bom ou excelente … 20 valores – fls 102 – 102 e 11 – 112 do instrutor;
f) (...).
g) No que respeita à entrevista profissional de seleção, o júri determinou que avaliará os conhecimentos teóricos de condução com viaturas pesadas – citada ata de fls 10 do instrutor.
h) Em reunião de 1.2.2001, o júri reuniu para a definição dos fatores de apreciação da entrevista profissional de seleção, tendo elaborado ficha anexa a essa ata – fls 109 do instrutor.
i) Dessa ficha constam como fatores de apreciação:
A. Conhecimentos profissionais, com os subfactores:
. conhecimento e operacionalidade de equipamentos, com pontuação de mau: 1; insuficiente: 2 – 3; suficiente: 4 – 6; bom: 7 – 8; muito bom: 9; excelente: 10;
. conhecimentos específicos de equipamentos especiais, com pontuação de mau: 1; insuficiente: 2; suficiente: 3; bom: 4; muito bom: 5; excelente: 6;
. área de resíduos sólidos com pontuação de mau: 1; insuficiente: 2; suficiente: 3; bom: 4;
B. Motivação e interesse pelo lugar, com os subfactores:
. motivação com pontuação de nenhuma: 1; pouca: 2 – 3; alguma: 4 – 7; muita: 8 – 9; total: 10;
. disponibilidade e interesse, com pontuação de: nenhuma: 1; pouca: 2; alguma: 3; muita: 4 – 5; total: 6;
. aptidão, com pontuação de: pouca: 1; alguma: 1; muita: 3; total: 4;
C. Relacionamento humano, com os subfactores:
. trabalho em equipa: com pontuação de insuficiente: 1 – 3; suficiente: 4 – 8; bom: 9; muito bom: 10;
. responsabilidade, com pontuação de insuficiente: 1; suficiente: 2; bom: 3; muito bom: 4;
Em que EPS era igual a (6ª + 2b + 2c)/10 – fls 108 do instrutor.
j) Ao recorrente, na EPS, o júri atribuiu 12 pontos, com as seguintes considerações e pontuação parcial:
A. Conhecimentos profissionais (11 pontos), sendo conhecimento e operacionalidade = bom: 8 pontos; conhecimentos específicos de equipamentos especiais = insuficiente = 2 pontos; área de resíduos sólidos = mau = 1 ponto;
B. Motivação e interesse pelo lugar = 13 pontos com os parciais: motivação, muita = 8; disponibilidade e interesse, alguma = 3 e aptidão, alguma = 2;
C. Relacionamento humano = 14 pontos: com parciais de trabalho de equipa – suficiente – 8; responsabilidade – suficiente = 3; e Comunicação – bom = 3 – fls 137 do instrutor.
k) O júri, na sua reunião de 12.4.2002, entre o mais deliberou apurar as classificações atribuídas em cada um dos métodos de seleção referenciados e classificação final, elaborando anexo A, que faz parte integrante da ata – ata 6 a fls 226 do instrutor. Constando de tal anexo A o recorrente com o número de ordem e com 15,5 valores na prova de conhecimentos específicos; com aqueles 12 valores na entrevista profissional de seleção; com 10,33 valores na avaliação curricular, dos quais resulta a pontuação obtida de 12,643 – fls 226 – E do instrutor;
l) (…).
m) …
n) …
o) …
p) Em sede de audiência prévia foi o aqui recorrente ouvido, tendo-se pronunciado a 14.2.2003, pedindo a reavaliação das notações dos itens e/ ou fatores de apreciação expostos, onde se insurge quanto à baixa pontuação na «prova de conhecimentos específicos», «na avaliação curricular» e em especial na «entrevista profissional de seleção» - fls 392 – 393 do instrutor.
q) O júri do concurso em análise à reclamação do recorrente deliberou não considerar as suas alegações procedentes, dado que a prova de conhecimentos específicos foi valorada de acordo com os critérios e parâmetros adotados para todos os candidatos, correspondendo objetivamente aos conhecimentos demonstrados durante a realização da prova. Quanto à avaliação curricular, nomeadamente no item da experiência profissional, a classificação atribuída de 11 valores era confirmada pelo júri, por ter considerado o período de 1 ano na condução de veículos pesados na CML, e que relativamente aos períodos mencionados no curriculum vitae do candidato, não podia o júri contabiliza-los sob pena de violação … dado que não foi efetuada a junção de qualquer prova, conforme o previsto no ponto 10.2, al a) do aviso de abertura do concurso.
r) Quanto à pontuação de 12,00 valores atribuída na entrevista profissional de seleção, a mesma corresponde de forma objetiva e sistemática, à avaliação efetuada ao candidato, estando devidamente fundamentada na respetiva ficha individual. No que respeita às considerações subjetivas feitas pelo candidato sobre as suas qualidades profissionais, não pode nem deve o júri pronunciar-se, sendo irrelevantes para o processo de concurso. Por isso entendeu o júri manter as classificações atribuídas – ata 10 de 17.3.2003, a fls 558 – 559 do instrutor.
B) Os factos e o direito.
Importa apurar se se verificam os imputados vícios do ato recorrido (…).
3) O vereador do pelouro de gestão de recursos humanos da CM de Lisboa recorreu da sentença, não tendo apresentado quaisquer alegações, razão pela qual o recurso jurisdicional interposto foi julgado deserto e, em consequência declarada extinta a instância de recurso, por despacho de 10.5.2010, notificado às partes e ao MP em 17.5.2010 – cfr fls 241 a 252 dos autos de recurso nº 800/2003.
4) O Presidente da CM de Lisboa não executou a sentença descrita em 2) (teve-se em conta que este facto não foi impugnado).
5) Entre 29.2.2000 e 22.12.2008 o ora exequente exerceu ininterruptamente funções ao serviço do ora executado ao abrigo de vínculos precários (facto admitido por acordo a fls 95 e 99 dos autos).
6) O ora exequente demandou o Município de Lisboa no Tribunal Arbitral no âmbito do processo nº 440/TA/2008, no qual peticionou a condenação do mesmo a integrá-lo em carreira adequada do seu quadro de pessoal de direito privado, com o fundamento de que a atividade profissional que vinha exercendo para o Município de Lisboa (descrita no ponto anterior) visava a satisfação de necessidades permanentes dos respetivos serviços – cfr decisão arbitral a fls 99 a 101 dos autos.
7) Em 29.10.2008 foi proferida a decisão arbitral no processo descrito no ponto anterior, na qual constam os seguintes termos de transação:
1º. O demandado dá por assente que a atividade profissional que o demandante tem vindo a desenvolver ao abrigo do contrato de direito privado em vigor, celebrado entre ambas as partes e melhor identificado na petição inicial, visa a satisfação de necessidades permanentes dos serviços do demandado, e que, por via disso,
2º. As partes acordam na integração do demandante no quadro de pessoal de direito privado do demandado, aprovado nos termos da deliberação nº 85 da Assembleia Municipal de 19.12.2007, publicada através de Aviso nº 3486-B/2007, constante do DR, 2ª série, nº 39, de 23.2.2007, mediante a celebração, ao abrigo da Lei nº 23/2004, de 22.6, de contrato de trabalho por tempo indeterminado com vista à ocupação de um lugar na carreira e categoria de condutor de máquinas pesadas e veículos especiais, acordando ainda, à luz do princípio definido na cláusula 4ª do Acordo Construtivo deste Tribunal, que a integração se faz no índice correspondente ao escalão 1 da categoria de base da referida carreira, tal como este é estabelecido por lei para a função pública, e em conformidade com todo o restante regime jurídico de ingresso na função pública;
3º. A referida integração terá lugar no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da decisão arbitral, permanecendo até lá em vigor o vínculo jurídico de direito privado ora revisto;
4º. O demandante e demandado renunciam desde já ao direito ao recurso.
Assim, tendo demandante e demandado acordado na solução do litígio nos termos descritos, o tribunal arbitral, reconhecendo-se competente, considerando e reconhecendo a qualidade, a legitimidade e a capacidade judiciárias das partes e os poderes do ilustre representante do Município demandado, bem como a legitimidade do objeto do acordo celebrado, que está na disponibilidade das partes, julga-o válido e homologa-o por sentença arbitral, condenando o Município e absolvendo-o no mais constante do pedido e que não se integra nos compromissos expressamente assumidos na transação – cfr decisão arbitral a fls 99 a 101 dos autos.
8) Em 17.12.2008 foi celebrado, entre o ora exequente e o Município de Lisboa, o Contrato Individual de Trabalho por Tempo Indeterminado, constante de fls 103 a 105 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido».


Fundamentação de Direito

Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa, por determinar se a decisão recorrida, que julgou improcedente a invocação de causa legítima de inexecução feita no processo e condenou o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa a executar o julgado que anulou o despacho que havia homologado a lista de classificação final do concurso externo de ingresso para a categoria de condutor de máquinas pesadas e veículos especiais, aberto por aviso publicado na 3ª série do DR, nº 37, de 13.2.2001, com definição do prazo e dos atos de execução a praticar, incorreu em excesso e em omissão de pronúncia e em erro de julgamento de direito.

Vejamos.

Nulidade da sentença – omissão de pronúncia e excesso de pronúncia.

Nos termos do art 615º, nº 1 do CPC ex vi art 1º do CPTA, a sentença é nula nos casos previstos nas suas alíneas a) a e): não contenha a assinatura do juiz (al a)), quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (al b)), os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al c)), quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al d)) e quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (al e)).

As nulidades da sentença (ou do acórdão) estão taxativamente enunciadas e não se confundem com o erro de julgamento. As primeiras contendem com a validade intrínseca da decisão, o segundo com o mérito da decisão.

No caso, o recorrente começa por dizer que «não concorda nem se conforma com a decisão, na exata medida em que ela assenta numa deficiente apreciação do processo arbitral de que resultou a constituição de um tribunal arbitral para a adequação dos vínculos do pessoal do Município de Lisboa». Por isso reagiu aqui e antes, deduzindo a competente oposição, na qual invocou uma série de factos que consubstanciam causas legítimas de inexecução, nomeadamente a decorrente da violação dos termos da Convenção de Arbitragem, subscrita em 4.7.2008.
Tal Convenção visou o acordo das partes para possibilitar a submissão à decisão do Tribunal Arbitral do problema da regularização e adequação do vínculo laboral do pessoal do Município de Lisboa em regime de direito privado.
No caso do recorrido, o mesmo demandou o Município de Lisboa no Tribunal Arbitral, no âmbito do processo nº 440/TA/2008, com vista à sua integração em carreira adequada do seu quadro de pessoal de direito privado, com o fundamento de que a atividade profissional que vinha exercendo para o Município de Lisboa, desde 29.2.2000, ao abrigo de vínculos precários, visava a satisfação de necessidades permanentes dos respetivos Serviços.
O que logrou alcançar, por decisão arbitral de 29.10.2008, cumprida em 17.12.2008, mediante a celebração, entre o ora recorrente e recorrido, de Contrato Individual de Trabalho por Tempo Indeterminado, ao abrigo do disposto na Lei nº 23/2004, de 22.6 (que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública).
O Contrato Individual de Trabalho teve início no dia 22.12.2008 e, de acordo com a cláusula 6ª, «não confere a qualidade de funcionário público nem a de agente administrativo e rege-se pelo Código de Trabalho e respetiva regulamentação, com as especificidades constantes da Lei nº 23/2004, de 22.6».
O que significa, como escreveu o juiz de 1ª instância no despacho que sustentou a decisão recorrida, que a Convenção Arbitral não tem conteúdo autónomo ou âmbito de aplicação que extravase o compromisso arbitral e a respetiva decisão arbitral de homologação. Ou seja, a Convenção Arbitral, o recurso ao Tribunal Arbitral, a decisão arbitral não constitui impedimento fáctico ou jurídico de o Município dar integral cumprimento ao dever de executar a sentença de 11.12.2009, extraindo dela todas as consequências legais.
A integração do recorrido nos quadros de direito privado do Município de Lisboa, com efeitos a 22.12.2008, não esgota a utilidade do dever de reconstituir a situação hipotética que deveria existir se o ato de 29.8.2001 não tivesse sido praticado, no âmbito do concurso de acesso ao exercício de funções públicas, em violação do DL nº 204/98, de 11.7.
O assim decidido pelo tribunal recorrido prende-se com o mérito da causa, com o qual o recorrente discorda e que, eventualmente, configura erro de julgamento.
Pelo que o tribunal recorrido não se excedeu quando decidiu que a decisão arbitral e respetivo compromisso arbitral não constituem causa legítima de inexecução.
Do mesmo modo, o tribunal recorrido não omitiu pronúncia sobre a alegada violação da convenção de arbitragem. O que disse e bem foi que a convenção de arbitragem visou somente a regularização da situação laboral irregular do recorrido à luz do direito privado, não abrangendo a relação jurídica do recorrido com o recorrente decorrente da repetição do procedimento concursal para acesso ao exercício de funções públicas.

Assim, independentemente da validade desta argumentação, que, diga-se, nos merece acolhimento, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia, nem de excesso de pronúncia.
Pelo que, não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia.


Erro de julgamento de direito quanto à não verificação da causa legítima de inexecução.

Segundo o recorrente, a sentença recorrida errou ao considerar não verificada a causa legítima de inexecução, por defender que a regularização da situação profissional do recorrido com recurso ao processo arbitral retira efeito útil à repetição do procedimento concursal anulado. Diz o recorrente que o cumprimento dos atos de execução em que foi condenado é absolutamente incompatível com a manutenção do status quo que resultou do processo de regularização arbitral.

A sentença recorrida pronunciou-se sobre a causa legítima de inexecução na perspetiva da situação jurídica do exequente/ recorrido e do julgado anulatório proferido, entendendo que a mesma não se verifica e que nada impede a Administração de reconstituir a situação que existiria caso não tivesse sido praticado o ato anulado.

Assim, decorre da sentença, cujo extrato ora se reproduz, o seguinte:

«a celebração de contrato individual de trabalho, em 17.12.2008, entre o ora exequente e o Município, não impede a realização dos atos necessários à execução da decisão exequenda, uma vez que o Regime de Vinculação de Carreiras e Remunerações dos Trabalhadores que exercem funções públicas, previsto na Lei nº 12-A/2008, de 27.2, adaptada às autarquias locais pela Lei nº 209/2009, de 3.9, comporta a eventual alteração da constituição da relação jurídica do exequente com a entidade executada decorrente da repetição do procedimento concursal, através da transição para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas previsto no art 88º, nº 4 conjugado com o art 9º, ambos, da Lei nº 12-A/2008, de 27.2.

(…).

A execução da sentença anulatória proferida nos autos principais implica que o concurso se retome no exato passo em que o TACL vislumbrou o vício causal da anulação.

O que significa proceder à realização de novas entrevistas profissionais aos candidatos e à respetiva avaliação com respeito pelo imperativo legal de fundamentação das classificações atribuídas, nos termos consignados na sentença.

Tal nova avaliação abrange a realização das entrevistas aos vários candidatos e não apenas a realização da entrevista do exequente.

(…) a repetição do procedimento concursal poderá representar uma alteração na antiguidade do recorrido, reportando-se à data do ato de nomeação dos restantes opositores classificados dentro das vagas àquele concurso, bem como, o respetivo pagamento das diferenças salariais a que tenha direito, em virtude da alteração do vínculo laboral.

Nestes termos, o Presidente da CM de Lisboa deverá ser condenado a providenciar para que o júri do concurso proceda à repetição do procedimento concursal a partir do momento da realização das entrevistas profissionais aos candidatos, proceder à respetiva avaliação, fundamentada nos termos em que foi determinada pela sentença de 11.12.2009, para que, seguidamente, pratique os subsequentes atos do procedimento de concurso (classificação dos candidatos, audiência prévia e elaboração da lista de classificação final), bem como a proceder, se for esse o caso, à nomeação do exequente com efeitos repostados à data das restantes nomeações já ocorridas em resultado do ato anulado, procedendo ao pagamento das eventuais diferenças salariais a que o exequente tenha direito e à respetiva contagem do tempo de serviço».

Este juízo mostra-se correto.

Com efeito, atenta a matéria de facto provada nos autos, não resulta qualquer impossibilidade fáctica ou jurídica de o Município dar integral cumprimento ao dever de executar a decisão anulatória de 11.12.2009, por insuficiente fundamentação da apreciação da entrevista profissional de seleção, extraindo dele todas as consequências devidas.

A celebração de contrato individual de trabalho em 17.12.2008, entre o recorrido e o recorrente, não retira a utilidade do dever de reconstituir a situação hipotética que deveria existir, nos termos do preceito de natureza substantiva inscrito no art 173º do CPTA.

Na verdade, por efeito da anulação de um ato administrativo, a Administração pode ficar constituída no dever de:
a) eventual substituição do ato ilegal por outro, desde que isento do vício que o inquinava,
b) reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado,
c) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava.

A este propósito, precisando mais o conteúdo deste dever de executar, podemos ler na obra de Mário Aroso de Almeida - «A Autoridade do Caso Julgado das Sentenças de Anulação de Atos Administrativos», Almedina, 1994 - «a definição e delimitação do dever de executar depende da apreciação de dois aspetos complementares, cuja autonomia conceptual é geralmente reconhecida, mas que, neste domínio, tendem a parecer incindíveis, indissociavelmente fundidos, no quadro da atuação administrativa subsequente à anulação. Esses elementos complementares correspondem ao dever da Administração de se conformar com o facto da anulação do ato e as suas consequências no plano substantivo (dever de executar) e ao dever da Administração de se conformar com as limitações que a anulação pode projetar sobre o eventual reexercício do poder manifestado (respeito pelo caso julgado).

Assim, o dever de respeitar o caso julgado exige que: «a Administração não só não conteste a eliminação do ato, mas também não se comporte como se os factos estabelecidos pela sentença não existissem ou como se lhes não correspondesse a qualificação jurídica que aquela lhes atribui. A administração deve respeitar as limitações decorrentes da sentença, relativamente ao reexercício do poder manifestado através do ato anulado, e o Tribunal deve apreciar se, ao extrair as consequências da anulação, a Administração deu cumprimento a esse dever (…)».

Portanto, a execução do julgado comporta duas vertentes que podem e devem separar-se:
«a) Parece evidente que, na primeira das vertentes, se trata de proscrever a inércia da Administração perante a anulação, exigindo a adoção das medidas necessárias e/ou adequadas, à face da modificação jurídica operada pela sentença. Seja qual for a solução que, no plano jurídico, se perfilhe para definir tecnicamente a relação que existe entre o dever e a sentença, o certo é que se trata de um dever positivo, um dever de fazer, sem que para esse efeito releve a referida heterogeneidade do seu conteúdo.
b) Pelo contrário, o dever de respeitar as vinculações emergentes da sentença projeta um alcance de conteúdo negativo sobre o eventual exercício do poder manifestado com a adoção do ato anulado: trata-se de assegurar que a aparente conformação administrativa com a anulação (concretizada na adoção de medidas que extraem consequências da eliminação do ato inválido) não se concretiza numa ofensa aos limites que decorrem do quadro jurídico repristinado pela sentença. Numa palavra, que o cumprimento formal do dever de executar, de se conformar com a anulação, se concretiza num cumprimento material efetivo.

Parece, por conseguinte, legítima e forçosa a separação de dois planos que se afiguram claramente distintos: o plano dos vínculos jurídicos de alcance negativo que a sentença constitui e que se impõem ao subsequente reexercício do poder administrativo (autoridade do caso julgado que a sentença de anulação projeta sobre ulteriores manifestações do poder administrativo); e o plano dos eventuais deveres de conteúdo positivo em que a Administração fique constituída por efeito da anulação (…).»
Relativamente ao «plano dos vínculos jurídicos de alcance negativo» sobre o ulterior exercício do poder «pode dizer-se que a autoridade do caso julgado formado pela sentença anulatória se configura como uma regra de compatibilidade ou não contrariedade, visto que «não impõe à Administração o conteúdo de determinados atos, e só delimita esse conteúdo negativamente, estabelecendo os fins que não podem ser prosseguidos, ou os meios que não podem ser utilizados».

Sendo assim, como refere mais uma vez Mário Aroso de Almeida «a sentença que dá provimento ao recurso cobre com a autoridade do caso julgado o reconhecimento da existência de determinadas circunstâncias e a sua qualificação jurídica, isto é, a respetiva recondução ao tipo legal disciplinador do exercício do poder manifestado com o ato anulado (…). A sentença fixa de forma inatacável a factualidade existente (…)», tornando nulos os atos que com ela sejam incompatíveis e os atos desconformes com o que aí se decidira.

Veja-se, no mesmo sentido, ainda a anotação a al h) do nº 2 do art 133º do Código do Procedimento Administrativo, por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J Pacheco de Amorim.

O dever que recai sobre a Administração ao executar o julgado não consiste em nomear o recorrido no lugar posto a concurso ou sequer, de o graduar em 1º lugar na lista de classificação final, por não se mostrar reconhecido judicialmente esse direito.

Nem, aliás, poderia, atenta a natureza de mero recurso de anulação ao processo que pelo exequente (recorrido) foi instaurado, dirigido a atacar os pressupostos de validade, de facto ou de direito, de um ato administrativo e tendente a obter a sua anulação, tendo sido proferida decisão judicial de estrita anulação, e não o reconhecimento do direito subjetivo à nomeação do exequente, como no contencioso de plena jurisdição.

O que se impõe ao recorrente consiste, como bem o identifica a decisão recorrida, na renovação dos atos procedimentais praticados no concurso e que foram anulados, em virtude da ilegalidade de que padeciam, não incorrendo nos mesmos vícios, devendo emanar novo ato de classificação dos candidatos, que poderá ou não manter a graduação anterior.

Donde não só revestir de utilidade para o exequente/ recorrido a execução do julgado, como não existir qualquer impossibilidade jurídica ou material de lhe dar execução.

Improcedem, desta forma e em consequência, as conclusões do recorrente de que a execução da sentença de 11.12.2009 consubstancia uma violação da convenção de arbitragem e do compromisso arbitral.

Decisão

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e, assim, manter a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.
Registe e notifique.

*
Lisboa, 2019-04-04,

(Alda Nunes)


(José Gomes Correia)



(António Vasconcelos).