Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:191/15.6BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:06/28/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO – LEI DOS ACIDENTES DE TRABALHO – PERÍCIA MÉDICO-LEGAL – VALOR EXTRA-PORCESSUAL DAS PROVAS – DIREITO À PROVA – DIREITO À CONTRA-PROVA
Sumário:I – Nos termos do artigo 421º do CPC novo, aplicável aos processos do contencioso administrativo ex vi do artigo 1º do CPTA, as perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, a não ser que se o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, caso em que as perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.

II – Nos termos em que se encontram gizados no Código de Processo de Trabalho (aprovado pelo DL. nº 480/99, de 9 de novembro, na versão à data) os trâmites processuais dos processos especiais emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, a que aludem os artigos 108º ss., é após a perícia médico-legal (prevista nos artigos 105º a 107º) que as partes, chamadas à tentativa de conciliação, tomam posição quanto aos elementos já contidos no processo, incluindo o resultado da perícia médico-legal (cfr. artigos 108º e 109º); em termos que, se se frustrar a tentativa de conciliação, no auto da audiência de tentativa de conciliação haverão de ser consignados os factos sobre os quais tenha havido ou não acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída (cfr. artigo 112º), e só posteriormente, em sede de despacho saneador, haverão de ser fixados os factos relativamente aos quais haja havido acordo em sede de tentativa de conciliação e enunciados aqueles que, porque controvertidos, haverão de incidir diligências de prova (cfr. artigo 131º).

III - Se no processo que correu termos no Tribunal de Trabalho, cuja instância foi extinta com fundamento em incompetência absoluta daquele Tribunal, na respetiva audiência de tentativa de conciliação apenas foi suscitada a questão da incompetência em razão da matéria daquele Tribunal, em nada mais avançando os respetivos trabalhos, não se mostra assegurada a garantia de contraditório quanto ao resultado da perícia médico-legal nesse âmbito efetuada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E. (devidamente identificado nos autos) ré na Ação Administrativa Comum de natureza urgente que J…….. (devidamente identificado nos autos) instaurou em 25/05/2015 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja contra si e contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, inconformada com a sentença (saneador-sentença) de 31-06-2017 do Tribunal a quo que julgou procedentes o pedido de condenação a pagar ao Autor indemnização ou pensão anual e vitalícia, por força de IPP de 27,7725%, resultante do acidente de trabalho, a calcular nos termos dos artigos 48.º; 71.º e 75.º da LAT, desde a data da alta clínica bem como os respetivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor desde a data da citação, e improcedente o pedido reconvencional, dela interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
1ª - O Autor/Recorrido encontra-se aposentado desde 01.11.2013. Entre 01.08.1974 e a data da sua aposentação, o Autor foi funcionário público - hoje designado trabalhador em funções públicas -, tendo prestado trabalho para a Ré/Recorrente desde 03.10.1994;

2ª - No dia 08.11.2012, o Autor tropeçou no tapete da saída do prédio da sua residência, caindo e bateu com o braço direito na parede, ocorrência que a Ré/Recorrida qualificou como acidente de trabalho;

3ª - À data do acidente, vigorava a redação do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 9º da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro:

«1 - O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado. (…)

4 - Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código»;

4ª - À data, interpretou a Ré/Recorrente que, a razão pela qual o legislador se refere, no n.º 4 do art.º 2º, apenas a «funções», por oposição à expressão «funções públicas» mencionada no n.º 1 do mesmo artigo, reside no facto de as entidades públicas empresariais - como é o caso da recorrente -, terem ao seu serviço, trabalhadores titulares de relação jurídica de emprego público - trabalhadores em funções públicas -, abrangidos pelo âmbito de aplicação, presentemente da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e também, trabalhadores titulares de contrato individual de trabalho, a termo resolutivo certo, incerto ou por tempo indeterminado, disciplinado pelo Código do Trabalho e legislação complementar, tendo entendido que, a previsão do n.º 4 deste artigo 2º se referia apenas a estes últimos, em face da previsão geral contida no n.º 1 e bem assim, da manutenção integral do estatuto jurídico dos funcionários públicos, expressamente salvaguardada por lei, nos sucessivos diplomas legais que alteraram a natureza jurídica e estatutos das EPE, designadamente, da Ré/Recorrente.

5ª - E, por essa razão, sempre remeteu os processos referentes a acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores em funções públicas, para efeitos de atribuição do respetivo grau de desvalorização, à Caixa Geral de Aposentações, nos termos do disposto no artigo 38º do DL n.º 503/99 (Cfr. Alínea L) da matéria provada a fls. 12 da sentença recorrida);

6ª - Porém, conforme se alcança da Alínea M) de fls. 12 da sentença recorrida, a CGA perfilhava [e perfilha - vide contestação apresentada nos presentes autos] o entendimento de que carecia de competência e responsabilidade para reparar o acidente em causa «(…) em virtude de o mesmo não se encontrar abrangido pelo regime do DL n.º 503/99, de 20.11, face à redação do artº 2º deste diploma legal, introduzida pelo artº 9º da Lei n.º 59/2008»

7ª - A Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (NLAT), iniciou vigência em 01.01.2010 e aplicou-se aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor (vide art.ºs 187º, n.º 1 e 188º);

8ª - Nos termos do disposto no artigo 56º do DL n.º 503/99, de 20 de novembro, “(o) presente diploma aplica-se: a) Aos acidentes em serviço que ocorram após a respetiva entrada em vigor; (…)”, sendo que o referido regime entrou em vigor, “(…) no dia 1 do 6º mês seguinte à data da sua publicação”;

9ª - Estas previsões legais, encontram-se em linha com a regra geral relativa à aplicação da lei no tempo, constante do artigo 12º do Código Civil, que dispõe que “(a) lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.”

10ª - Assim sendo, a lei aplicável aos acidentes de trabalho é a que se encontre em vigor à data da respetiva ocorrência.

11ª - Decorridas as vicissitudes mencionadas nas alíneas N) a T), recurso jurisdicional interposto pelo Autor/Recorrido, provido por esse Venerando Tribunal, foi determinado pela Mma. Juiz a quo, o aperfeiçoamento dos articulados, em conformidade com o decidido, também nestes autos, pelo Venerando Tribunal dos Conflitos…

12ª - Designadamente, determinando «(…) a aplicação ao caso concreto do regime de acidentes de trabalho estabelecido no Código do Trabalho – CT e demais legislação complementar e não o DL n.º 503/99, de 20 de novembro.» (Cfr. fls. 2 da sentença recorrida);

13ª - Assim, no enquadramento que se julgou correto, concluiu-se ser de aplicar a NLAT ao caso dos autos;

14ª - Porém, relativamente ao regime jurídico aplicável, a sentença é contraditória nos seus fundamentos e com a decisão, o que, nos termos do disposto no artigo 615º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, a torna nula, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais;

De facto,

15ª - A fls. 6 a Mma. Juiz afirma que “(a)o caso concreto é aplicável o regime de acidentes de trabalho estabelecido no CT e demais legislação complementar e não o regime contido no DL n.º 503/99, de 20 de novembro”;

16ª - Todavia, admitida a reconvenção, a fls. 19 da sentença, apreciando, a Mma. Juiz fundamenta, afirmando que: “(…) em 2012-11-08 (data do acidente de trabalho do A.), o A. encontrava-se abrangido pelo disposto na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro e pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, sendo-lhe, por isso, aplicável, o disposto no DL n.º 503/99, de 20 de novembro. Contudo, em 2014-08-01, iniciou vigência a Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que revogou os dois primeiros diplomas antes referidos e que, além do mais, determinou que nas matérias de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores em funções públicas das entidades públicas empresariais, como sucede com o A. fosse aplicável a LAT”;

17ª - Para concluir que: “(…) entre novembro de 2012 e outubro de 2013, a Entidade Demandada suportou corretamente todas as despesas médicas e medicamentosas decorrentes do acidente sofrido pelo A., bem como o pagamento do vencimento, de acordo com o entendimento decorrente do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública, contido no DL n.º 503/99, de 20 de novembro: cfr. alínea A) a T) supra.”;

18ª - E decidir que: “(…) tendo sido, como foi, a aplicação da LAT determinada, por força de lei, só em data posterior (2014-08-02) à dos créditos ora reclamados (novembro de 2012 a outubro de 2013), não pode pois proceder a pretensão reconvencional: cfr. alínea A) a T) supra;

19ª - Este raciocínio encerra uma contradição insanável, que mal se entende, com a qual não pode conviver-se, tanto mais que, considera-se aplicável a NLAT para decidir umas coisas e afasta a sua aplicação para decidir outras o que se afigura insustentável;

20ª – Note-se que, para o que interessa, e em face da jurisprudência que se firmou, a única «inovação» que a Lei n.º 35/2014, de 20.06 trouxe, foi a previsão expressa quanto à jurisdição competente - artigo 12º -, e não quanto ao regime enquadrador da reparação do acidente de trabalho, nos termos configurados pela alteração introduzida ao artigo 2º do DL n.º 503/99, de 20.11., pelo artigo 9º da Lei n.º 59/2008, de 11.09;

21ª - Assim, de duas, uma: ou se considera aplicável o regime do DL n.º 503/99 e a Ré/Recorrente tem que ser absolvida da instância por se mostrar provado (Alíneas L) e M) da matéria provada), que a Entidade Responsável remeteu o processo do A./Recorrido para a CGA para os efeitos do artigo 38º daquele regime jurídico, não lhe sendo imputável o incumprimento da CGA que recusou realizar a junta médica para fixação do grau de desvalorização (IPP);

22ª - Ou se considera aplicável o regime previsto na NLAT (Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e legislação conexa - de entre a qual, a que define as regras do respetivo regime adjetivo (CPT), devidamente adaptadas, enquanto conjunto de leis reguladoras dos atos judiciários -.

23ª - E, assim sendo, terá que aplicar-se o regime jurídico em bloco, sendo legalmente inadmissível a aplicação parcelar, de um ou de outro, sobretudo quanto tal importe em redução das garantias legalmente deferidas às partes, como é o caso;

Com efeito,

24ª - A Mma. Juiz indeferiu, presumivelmente por considerar impertinente e/ou dilatória, a perícia colegial requerida pela Ré/Recorrente, por discordar do percentual de desvalorização de 27,7725%, fixado ao Autor/Recorrido, pela Exma. Perita do INML, no exame que elaborou no âmbito do processo que correu termos pelo Tribunal do Trabalho;

25ª - Recorde-se que, neste processo que correu termos pelo Tribunal do Trabalho, foi julgada a incompetência absoluta do Tribunal, sem que tenha sido realizada tentativa de conciliação e, por conseguinte, sem que a Entidade Responsável tenha tido oportunidade de contraditar o teor do dito relatório;

26ª - A Ré/Recorrente manifestou a sua discordância relativamente ao percentual fixado e requereu a realização de perícia colegial com vista ao esclarecimento das questões que, no seu entendimento, deveriam ser clarificadas pelos peritos;

27ª - A perícia colegial visa dar mais garantias no plano da descoberta da verdade material, pois a pluralidade de opiniões proporciona uma reflexão mais profunda na abordagem das questões suscitadas.

28ª - Além do mais, a perícia colegial requerida encontrava também justificação de facto, na divergência evidenciada nos documentos clínicos apresentados - parecer do médico assistente do A./Recorrido que lhe atribuiu um grau de desvalorização de 32,28% (al. O) da matéria dada como provada) e relatório pericial do INML que lhe atribui uma desvalorização de 27,7725% -, num diferencial de 4,51% que justificava o esclarecimento por perícia colegial, conforme requerido.

29ª - Diligência pericial, em tudo idêntica à prevista no Código de Processo do Trabalho - artigos 117º e 138º - e à prevista no DL n.º 503/99 - artigo 38º -.

30ª - No âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 11º da NLAT, encontram cabimento todas aquelas situações em que existe anomalia do organismo humano que torna o indivíduo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito. Não é, manifestamente, como vimos, o caso dos autos.

31ª - Por sua vez, o n.º 2 do artigo 11º da NLAT ocupa-se do tratamento de duas situações distintas que já nada têm a ver com a predisposição patológica da vítima, mas, sim, com: i) a lesão ou doença consecutiva ao acidente, agravada por lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença anterior ao acidente (primeiro segmento da norma); ii) o agravamento da lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este (segundo segmento da norma).

32ª - Ora, não se mostra in casu, provado (ou sequer, alegado) que a doença consecutiva ao acidente haja sido agravada por lesão ou doença anterior ao acidente, nem o agravamento da doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este. De resto, nem o Autor/sinistrado o alegou, pelo que, não é também este, o caso dos autos.

33ª - O que o Autor/Recorrido alegou foi que, no dia 08.11.2012 “(…) tropeçou no tapete da saída do prédio da sua residência, caindo no chão, ao mesmo tempo que bateu com o braço direito na parede” (art.º 4º da PI aperfeiçoada) e que, desse acidente resultou para ele, as lesões que fez constar no artigo 5º da PI aperfeiçoada, que a Ré/Recorrente impugnou, na extensão prendida e fixada no relatório pericial do INML;

34ª - Não sendo a situação dos autos enquadrável, nem no n.º 1, nem no n.º 2 do artigo 11º da NLAT e sendo relevante a IPG de 82%, que lhe foi fixada em 18.10.2012 (data anterior ao acidente) entende a Ré/Recorrida, que o caso sub judice tem enquadramento no n.º 3 do artigo 11º da NLAT que dispõe que: “No caso de o sinistrado estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação é apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.”;

35ª - Não podemos concordar com a interpretação de que a incapacidade permanente a que a Lei se refere se reporta apenas a Incapacidade Permanente decorrente de anterior acidente, na medida em que, nem a Lei o refere expressamente (o que teria acontecido se fosse essa a intenção do legislador);

36ª - Por outro lado, como pode compreender-se que se confira um grau de Incapacidade Permanente Global de 82%, mas depois, se reconheça uma Incapacidade Permanente Parcial de 27,7725% posterior, decorrente de um acidente de trabalho…? Incapacidades que, de resto, foram fixadas por aplicação da mesma TNI;

37ª - Note-se que, no que concerne aos «Antecedentes Pessoais», o relatório do INML refere apenas: «Como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço, refere: Patologia respiratória restritiva» sendo certo que, a Ré/Recorrente juntou à contestação, documento comprovativo de que o A./Recorrido padece de «doença neurológica crónica e progressiva grave e incapacitante – dismorfia muscular» (determinante da IPG de 82% atribuída). Esta também, uma das razões pelas quais não pode aceitar o relatório pericial no qual a Mma. Juiz louvou a sua decisão;

38ª - Indeferindo a realização da perícia, no entendimento da Ré/Recorrente, a Mma. Juiz incorreu em violação destes normativos (117º e 138º do CPT e artigo 38º do DL 503/99), dos artigos 421º e 476º do CPC e bem assim, dos princípios do contraditório e da descoberta da verdade material.

39ª - Sob a alínea C) do ponto III. da sentença recorrida, a Mma. Juiz deu como provado o facto foi alegado pela Ré/Recorrente de que: “Em 2005-02-31, foi emitido ao A. um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, de onde ressalta: “… Apresenta deficiências, (…) que lhe conferem incapacidade permanente global de 72% (…) suscetível de variações futuras, devendo ser reavaliadas ao fim de 5 anos (…) Natureza da deficiência: Doença Crónica (…); Verificação dos condicionalismos legais exigidos: todas as isenções fiscais e outras regalias previstas na lei…” (fls. 10 da sentença);

40ª - Sucede que, no Processo Administrativo remetido ao Tribunal a quo consta um documento que implica alteração deste facto ou o seu aditamento à matéria provada: Atestado Médico de Incapacidade Multiuso emitido em 18.10.2012, na sequência de reavaliação do estado de saúde do Autor, que lhe “(…) confere uma incapacidade permanente global de 82% (oitenta e dois por cento), suscetível de variação futura (…)” (vide fls. 495 do PA), documento que foi remetido ao Tribunal com o Processo Administrativo;

41ª - Assim, deveria ter-se feito constar da matéria dada como provada, no ponto III. da sentença que: “Em 2012-10-18, foi emitido ao A. um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, de onde ressalta: “… de acordo com a TNI – Anexo I, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, o utente é portador de deficiência que, nesta data e conforme o quadro seguinte, lhe confere uma incapacidade permanente global de 82% (…) suscetível de variações futuras, devendo ser reavaliadas ao fim de 5 anos (…) Natureza da deficiência: Doença Crónica (…); Verificação dos condicionalismos legais exigidos: todas as isenções fiscais e outras regalias previstas na lei…”

42ª - Não tendo sido feito, deve agora, determinar-se o aditamento deste facto à matéria considerada provada, por se tratar de facto relevante para a apreciação do mérito da ação, o que se requer.

43ª - Acresce que não se encontra mencionado, nem na matéria de facto dada como provada, nem como facto não provado, o nexo de causalidade entre o acidente e o efeito lesivo com a extensão fixada no único relatório pericial produzido nos autos, com base no qual, a Mma. Juiz a quo decidiu fixar a IIP do A..

44ª - Ou seja, convocando o conceito de acidente de trabalho - todo o acontecimento ou evento súbito, violento e inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado -, no caso dos autos, fica a dúvida, se o acidente, determinante das lesões contidas nos documentos juntos, ocorreu por causas exteriores ao lesado ou se, ao invés o foi em virtude da doença de que padece em virtude da qual lhe foi conferida uma IPG de 82%, em 18.10.2012 data anterior ao acidente que ocorreu em 08.11.2012;

45ª - Sendo certo que, a Ré/Recorrente, admitiu como verdadeiros, os factos vertidos nos artigos 4º e 6º a 8º da petição inicial aperfeiçoada, mas impugnou o facto alegado pelo Autor no artigo 5º da PI, por entender que o acidente em causa não provou as lesões com a extensão que vem fixada no relatório do perito do INML, no qual a Mma. Juiz se louvou para proferir a sentença recorrida;

46ª - Não se dando como provado o indispensável nexo causal entre o evento lesivo e a lesão que tenha dado causa à IPP de 27,7725%, oportunamente impugnada pela Ré/Recorrente, a sentença recorrida, incorreu em violação de lei (artigo 8º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro NLAT)

47ª – Por outro lado, nos termos das conclusões 1ª a 6ª, a Ré/Recorrente, abonou ao Autor/Recorrido o montante total (100%) do respetivo vencimento, durante o período de incapacidade temporária para o trabalho, isto é, entre novembro de 2012 e outubro de 2013;

48ª - Sucede que, concluindo-se ser de aplicar ao caso a NLAT, verifica-se que a Ré/Recorrente abonou em excesso o montante correspondente a 30%, na medida em que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro “(a) indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante do acidente de trabalho” e, nos termos da alínea e) do n.º 3 do mesmo artigo, é devido ao sinistrado, “(p)or incapacidade temporária parcial – indemnização diária igual a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho”;

49ª - Assim, pelas razões supra referidas (conclusões 1ª a 6ª), a Ré/Recorrente abonou indevidamente, e o Autor/Recorrido recebeu indevidamente, o montante correspondente ao excesso (30%) da remuneração mensal, montantes indevidos que devem ser repostos aos cofres da Instituição;

50ª - Admitida a reconvenção, a Mma. Juiz veio a julgá-la improcedente, por entender que «(…) em 2012-11-08 (data do acidente de trabalho do A.), o A. encontrava-se abrangido pelo disposto na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro e pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, sendo-lhe por isso, aplicável o DL n.º 503/99, de 20 de novembro» (Cfr. fls. 19 da sentença recorrida);

51ª - Ora, de novo se dirá que, o regime que for de aplicar, terá que ser aplicável em tudo e não apenas parcialmente;

52ª - E, concluindo-se que, ao caso dos autos se aplica a NLAT, aplicam-se igualmente os limites referidos no artigo 48º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, relativamente ao percentual de indemnização devido ao sinistrado, sob pena de intolerável violação do princípio da igualdade das partes;

53ª - Verificando-se, - como foi o caso -, que a Ré/Recorrente abonou a indemnização, em montante superior ao legalmente previsto, há que determinar a reposição do que foi indevidamente abonado (e indevidamente recebido pelo sinistrado);

54ª - E, nem se invoque a ausência de contrato de seguro porque, se ele existisse, era exatamente os 70% que seriam abonados pela Companhia de Seguros, pelo que, não está a Entidade Responsável, obrigada a abonar em montante superior;

55ª - Não se invoque igualmente a exclusão da compensação de créditos, por supostamente se tratar de créditos do Estado, na justa medida em que não tratamos aqui de créditos, mas antes de pagamentos indevidos que devem - precisamente por serem indevidos - ser objeto de reposição aos cofres;

56ª - Acresce que, de igual modo, o montante de 30% pago em excesso, não se tratava de crédito a que o sinistrado tivesse direito, na medida em que a Lei determina o pagamento de 70%, daí a sua classificação como «pagamento indevido», não se tratando pois, de crédito algum;

57ª - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 36º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho (regime da administração financeira do Estado) “(a) reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode efetivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de guia” e, nos termos do n.º 2 “(a)s quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono seguinte de idêntica natureza”, como será o caso de indemnização a arbitrar após fixação do percentual de desvalorização do A./Recorrido;

58ª - Decidindo como decidiu, negando provimento ao pedido reconvencional apresentado pela Ré/Recorrente, a Mma. Juiz incorreu em violação do artigo 36º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho e artigo 48º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.


Termina pugnando dever a sentença recorrida ser declarada nula, com as legais consequências e, se assim não se entender, dever ser anulada e substituída por outra que determine a realização da perícia colegial requerida pela Ré/Recorrente, para fixação do grau de desvalorização do Autor/Recorrido e estabelecimento do necessário nexo causal; determine o aditamento do facto mencionado na conclusão 40ª; aprecie o pedido reconvencional, concedendo-lhe provimento, por legal e devido, no uso do regime previsto na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (NLAT).

Contra-alegou o recorrido pugnando pela improcedência do recurso com manutenção da decisão recorrida, concluindo formulando o seguinte quadro conclusivo:
I – Da contradição da fundamentação quanto ao regime jurídico concretamente aplicável

1 - A Recorrente, por sua iniciativa reconheceu e enquadrou o acidente de trabalho do Recorrido, reparando-o até à aposentação deste sempre no âmbito do DL 503/99, como fez com todos os acidentes de trabalho ocorridos na sua instituição.

2 - Nunca a Recorrente participou os acidentes ocorridos ao Tribunal do Trabalho, nem tão pouco contratara seguro de acidentes de trabalho, não obstante diversas interpelações do Recorrido, conforme resulta provado nos autos.

3 - É a própria Recorrente que em 8ª da sua motivação de interposição de recurso para o Tribunal de Conflitos alega que «8ª – Por conseguinte, à data do acidente era-lhe pois aplicável o regime contido no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, [integrante, aliás, do seu estatuto jurídico] por ser o regime “(…) aplicável a TODOS os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e INDIRECTA do Estado” – artigo 2º, n.º 1.»

4 - Resulta suficientemente provado que foi a própria Recorrente que pediu a Junta Médica à CGA em 2014-01-20, precisamente porque entendia que o regime jurídico aplicável era o DL 503/99.

5 - Só mudou de entendimento após a jurisprudência do Venerando Tribunal de Conflitos ter determinado que a competência material para apreciar e decidir o litígio era o Tribunal Administrativo e que a legislação aplicável era o Código do Trabalho e sua regulamentação a partir da publicação da Lei n.º 35/2014, de 20/06, cfr. Douto Acórdão de fls. 178 a 193.

6 - Tal raciocínio está plasmado na douta sentença ora recorrida, pelo que não se vislumbra a contradição invocada nem qualquer nulidade da sentença.

7 - E mesmo que a Meritíssima Juiz a quo não tivesse fundamentado a decisão recorrida com tal argumento, a pretensão reconvencional seria sempre improcedente com base na ausência de seguro de acidentes de trabalho, bem como pela impossibilidade legal da mesma nos termos do art.º 266.º n.º 3 do Cód. Proc.º Civil, porquanto tal pedido corresponde a uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do Autor Recorrido.

8 - Sendo aplicável in casu o Código do Trabalho e respetiva regulamentação, aplicam-se também por remissão as disposições legais previstas no Código Civil, pelo que, mesmo que se reconhecesse que a Ré Recorrente tivesse pago em excesso uma prestação pecuniária, a mesma converteu-se em obrigação natural nos termos dos artigos 402.º e 404.º do Código Civil.

9 - Sendo já uma obrigação natural, jamais se poderia condenar o Recorrido a restituir o pretenso pagamento em excesso.

II - Da errada apreciação da matéria de facto e omissão de facto essencial à decisão

10 - Tendo a Meritíssima Juiz a quo dado como provado no ponto III. Fundamentação, alínea C), a alegação da Ré aqui Recorrente da existência de um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, com referência a uma Incapacidade Permanente Global de 72%, suscetível de variações futuras, seria irrelevante para este efeito dizer 72% ou 82%.

11 - Tal documento foi junto pela Ré Recorrente na contestação, mas requerido o seu desentranhamento pelo Recorrido, por dele constarem dados clínicos de natureza pessoal ou nominativos, sujeitos à confidencialidade, não podendo ser fotocopiados nem divulgados sem consentimento do próprio, pelo que foi violada a reserva da intimidade privada, consagrada no art.º 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

12 - Tal documento não foi solicitado pelo Tribunal nem por este determinado a sua junção, pelo que não podia sequer ser tido em consideração como elemento de prova.

13 - A incapacidade constante do atestado médico multiusos não foi determinada no âmbito da medicina forense nem tão pouco para apurar a capacidade de trabalho ou de ganho no âmbito da Tabela Nacional das Incapacidades para os acidentes de trabalho.

14 – Tal incapacidade é determinada nos termos do Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de outubro, com fins exclusivamente fiscais.

15 - Caso tal incapacidade correspondesse à capacidade geral de ganho como pretende a Recorrente, o Recorrido estaria certamente inválido, não podia sequer desempenhar as funções que durante anos desempenhou como Coordenador Técnico.

16 - Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11.º da Lei 98/2009, de 4.9, só é atendível a incapacidade permanente anterior ao acidente de trabalho, determinada em anterior acidente de trabalho e judicialmente reconhecida e fixada, nunca determinada no âmbito de uma doença natural e com base num mero atestado médico multiusos. Vide a este propósito o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 2.6.2010: Proc. 117/05.5TUBRG.P1.S1.dgsi.Net; e ainda, Acidentes de trabalho e doenças profissionais. Introdução. “Coleção Formação Inicial” do Centro de Estudos Judiciários, pág. 43, julho de 2013. Consultável em:

http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/Caderno_Acidentes_trabalho.pdf

17 - A Recorrente alega ainda que «(…) não se mostra (…) demonstrado com a necessária certeza, que a lesão decorrente do acidente haja dado causa (…)» àquela IPP de 27,7725%. No entanto, aquela incapacidade resultante de doença natural nada tem a ver com anterior acidente de trabalho ou predisposição patológica, pelo que jamais podia ser tida em consideração pelo perito médico-legal.

18 – Aliás, resulta claramente do relatório médico-legal que as sequelas permanentes que fundamentaram a atribuição do grau de incapacidade têm nexo de causalidade com o acidente.

III – Da violação de normas jurídicas

19 - A Meritíssima Juiz a quo não violou qualquer norma legal, mormente os arts.º 421º e 476.º do CPC, aplicável ex vi 1º do CPTA.

Com efeito,

20 – A Recorrente e Recorrido foram notificados do relatório médico-legal aqui em causa no dia 17.02.2015.

21 - E no dia 17.03.2015 foi realizada a tentativa de conciliação na Instância Central do Trabalho de Beja, pelo que a Recorrente teve a possibilidade de exercer o contraditório e de pronunciar-se sobre tal perícia, só não o tendo feito porque assim entendeu.

22 - Os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da juridicidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas (Ac. Da Relação de Évora, de 6.6.95, B.M.J. 448, 460).

23 - A Meritíssima Juiz a quo proferiu a sentença recorrida porque entendeu, e bem, dispor de todas as condições para fazer a análise crítica da totalidade das provas, incluindo o relatório pericial em causa.

24 – Pese embora a Recorrente tenha requerido a perícia colegial, com a oposição do Recorrido, não significa que a Meritíssima Juiz a quo a tivesse deferida, pelo que resulta suficientemente demonstrado que não foram violados os princípios do contraditório e da descoberta da verdade material.

25 – A decisão recorrida não merece censura, pelo que deve a mesma ser mantida.

*
Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul e notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. Sendo que dele notificadas as partes nenhuma delas se apresentou a responder.

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Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ DAS QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, vêm colocadas em recurso as seguintes questões essenciais:

- saber se a sentença ocorre nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão – (vide conclusões 1ª a 23ª das alegações de recurso);
- saber se ao indeferir a realização da perícia o Tribunal a quo incorreu em violação dos artigos 117º e 138º do CPT e artigo 38º do DL 503/99, dos artigos 421º e 476º do CPC e bem assim, dos princípios do contraditório e da descoberta da verdade material – (vide conclusões 24ª a 38ª das alegações de recurso);
- saber se deve ser alterado o julgamento da matéria de facto feito na sentença recorrida – (vide conclusões 39ª a 42ª das alegações de recurso);
- saber se ao julgar procedente o pedido do autor a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por falta de nexo causal entre o evento lesivo e a lesão, com violação do artigo 8º da Lei nº 98/2009, e 4 de setembro (NLAT) – (vide conclusões 43ª a 46ª das alegações de recurso);
- saber se ao julgar improcedente o pedido reconvencional formulado pela ré, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, com violação do artigo 36º do DL. nº 155/92, de 28 de julho e artigo 48º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro – (vide conclusões 47ª a 58ª das alegações de recurso).
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Na decisão recorrida foi considerada a seguinte factualidade, dada como assente, nos seguintes termos:
A) Em 1974-08-01, o A. passou a ser o subscritor nº. 1116876 da Ré CGA e o subscritor n.º 013802585 da ADSE: por admissão;

B) Desde 1994-10-03, o A. prestou trabalho para a Entidade Demandada, então HOSPITAL JOSÉ JOAQUIM FERNANDES – BEJA integrado no setor público administrativo, quando aceitou a nomeação na categoria de segundo-oficial da carreira administrativa: cfr. doc. n.º 2 junto com a Contestação aperfeiçoada;

C) Em 2005-02-31, foi emitido ao A. um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, de onde ressalta: “… Apresenta deficiências, (…) que lhe conferem uma Incapacidade Permanente global de 72% (…) susceptível de variações futuras, devendo ser reavaliadas ao fim de 5 anos (…) Natureza da deficiência: Doença crónica (…); Verificação dos condicionalismos legais exigidos: todas as isenções fiscais e outras regalias previstas na lei…”: cfr. doc. n.º 4 junto com a Contestação aperfeiçoada e confronto com articulado sob o n.º 4, 5 e 9 de fls. 1179 a 1185;

D) De 1974-08-01 até 2013-11-01, data em que se desligou do serviço por aposentação, o A. foi trabalhador em funções públicas: cfr. doc. n.º 1 junto com a Contestação aperfeiçoada;

E) Cessou funções, com Relação Jurídica de Emprego Público e em Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, na categoria de Coordenador Técnico da Área de Recursos Humanos, da carreira de Assistente Técnico, auferindo, à data da aposentação, o vencimento correspondente à 2ª posição e nível remuneratório 17, da tabela remuneratória única, no montante de €1.304,46 (mil, trezentos e quatro euros e quarenta e seis cêntimos), acrescido de subsídio de refeição no valor de €4,27 (quatro euros e vinte e sete cêntimos) por cada dia efetivo de trabalho prestado: por admissão e vide PA;

F) Entre 2013-09-29 e 2013-11-01 (data da aposentação), o A. prestou 40 (quarenta) horas de trabalho semanal, a que correspondiam 8 (oito) horas por dia: vide art. 2º n.º 1 do art. 12º do DL n.º 68/2013, de 29 de agosto e art. 1º da Lei n.º 18/2016, de 20 de junho; cfr. doc. n.º 1 junto com a Contestação aperfeiçoada;

G) Em 2012-11-08, às 08h30m, quando o A. se preparava para iniciar o trajeto para o local de trabalho, tropeçou no tapete da saída do prédio da sua residência, caindo no chão, ao mesmo tempo que bateu com o braço direito na parede, em consequência, sofreu fratura de diáfise umeral direita: cfr. doc. n.º 3 junto com a Petição Inicial – PI;

H) Em 2012-11-08, foi feita a participação do acidente e este foi pela Entidade Demandada ULSBA, EPE qualificado como acidente de trabalho e autorizadas as despesas dele resultantes: cfr. doc. n.º 3 junto com a PI;

I) De 2012-11-08 até 2014-01-20, o A. esteve incapacitado para trabalhar, data em que lhe foi dada alta clínica pela Junta Médica da ADSE, com incapacidade Permanente Parcial: cfr. doc. n.º 4 junto com a PI;

J) A Entidade Demandada ULSBA, EPE suportou todas as despesas médicas e medicamentosas decorrentes do acidente sofrido pelo A. e o pagamento do vencimento: por admissão;

K) Em 2014-01-17, a alta clínica foi formalmente comunicada ao A.: cfr. PA;

L) Em 2014-01-20, através dos serviços da ULSBA, EPE, foi pedida Junta Médica à CGA para efeitos de atribuição do respetivo grau de desvalorização: cfr. PA;

M) Em 2014-10-15, a CGA notificou o A. de que não tinha competência nem responsabilidade para reparar o acidente em causa, em virtude de o mesmo não se encontrar abrangido pelo regime do DL n.º 503/99, de 20/11, face à redação do art.º 2º deste diploma legal, introduzida pelo art.º 9.º da Lei n.º 59/2008: cfr. doc. n.º 5 junto com a PI;

N) Em 2014-10-30, em 2014-11-24 e em 2014-12-17, o A. pediu à Entidade Demandada ULSBA, EPE que diligenciasse no sentido de proceder reparação do acidente de trabalho: cfr. doc. n.º 6 e doc. n.º 7 juntos com a PI;

O) Em 2015-01-16, o A. participou o acidente no Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Beja, Instância Central de Trabalho, ação decorrente de acidente de trabalho, que ali correu termos com o n.º 96/15.0T8BJA, instruindo tal pretensão, além do mais, com Relatório Médico do Médico assistente, que fixa o grau de IPP em 32,28%: cfr. doc. n.º 12, doc. n.º 13 e doc. n.º 14 juntos com a PI;

P) Em 2015-01-20, a Entidade Demandada ULSBA, EPE notificou o A. do indeferimento do pedido de pagamento da remição resultante do acidente de trabalho, com o fundamento de que “…a percentagem de desvalorização que sustenta o pedido, basear-se, apenas, no relatório médico do clínico particular do requerente, sem ter sido objeto de confirmação de qualquer Entidade Independente…”: cfr. doc. n.º 9 e doc. n.º 10 juntos com a PI;

Q) Em 2015-01-28, foi então o A. submetido a exame de perícia médico-legal no âmbito do processo que correu termos no Tribunal do Trabalho de Beja, no qual, se determinou um coeficiente de IPP resultante do acidente, correspondente a 27,7725%: por admissão e vide PA;

R) Em 2015-05-06, transitou em julgado a sentença proferida no processo acima melhor identificado e que julgou procedente a suscitada incompetência material do Tribunal de Trabalho em razão da matéria: cfr. doc. n.º 12, doc. n.º 13 e doc. n.º 14 juntos com a PI e PA;

S) O A. não requereu a remessa dos autos que no Tribunal da Comarca de Beja, Instância Central de Trabalho, correram termos com o n.º 96/15.0T8BJA para este Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: cfr. doc. n.º 12, doc. n.º 13 e doc. n.º 14 juntos com a PI e PA;

T) Em 2015-05-25, o A. intentou a presente ação neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: cfr. fls. 1 a 45.


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B – De direito
1. Da decisão recorrida
O recorrido J............ instaurou em 25/05/2015 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja a presente ação (que configurou como ação administrativa comum, de natureza urgente, para o reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido nos termos do artigo 48º do DL. nº 503/99, de 20 de Novembro), na qual peticionou, por referência a acidente ocorrido em 08/11/2012, a condenação dos réus UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E. e CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES a submeter o autor a junta médica da Caixa Geral de Aposentações para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho nos termos do artigo 38º do DL. nº 503/99, de 20 de Novembro e, em função dessa incapacidade fixada, reparar os danos sofridos pelo autor, pagando-lhe a respetiva compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da citação.
Previamente havia o autor participado o acidente, em 16/01/2015, no Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Beja, Instância Central de Trabalho, em ação decorrente de acidente de trabalho (Proc. n.º 96/15.0T8BJA) que veio a merecer, por sentença transitada em julgado em 06/05/2015, decisão de incompetência material do Tribunal de Trabalho.
E foi precisamente na sequência de tal decisão, que as partes acataram, que o autor veio a instaurar a presente ação no TAF de Beja.
Após a apresentação das contestações dos réus (fls. 44 ss. e fls. 50 ss.), e do articulado resposta do autor (fls. 76 ss.), à questão da caducidade que havia sido suscitada pelo réu UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E., o TAF de Beja considerou-se, também ele, incompetente em razão da matéria para conhecer da ação, decisão que foi proferida em 15/08/2015, em sede de despacho-saneador (fls. 83 ss.) e que foi tomada ao abrigo do poder-dever de conhecimento oficioso da competência dos tribunais administrativos, com invocação do artigo 13º do CPTA. Tendo então, em recurso interposto pelo réu, ora recorrido, UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E. para o Tribunal de Conflitos (cfr. fls. 105 ss.) vindo a ser resolvido o conflito negativo de competência (conflito de jurisdições) por acórdão de 07/06/2016 do Tribunal de Conflitos (a fls. 178 ss. dos autos), que decidiu que a competência para apreciar e decidir a presente ação cabe aos tribunais administrativos.
Baixando os autos ao TAF de Beja, e finda que se encontrava já a fase de articulados, foi então proferido, em 20/07/2016, novo despacho-saneador (fls. 211 ss.) que conhecendo a exceção de caducidade que havia sido suscitada pela ré UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E. na sua contestação, a veio a julgar procedente, com absolvição dos réus da instância. Decisão que veio recorrida no presente recurso. Decisão que veio a ser revogada por acórdão de 03-11-2016 deste Tribunal Central Administrativo Sul (fls. 324 ss.) tendo os autos baixado à 1ª instância para aí prosseguirem os seus termos.
Aí, em sede de audiência prévia, a Mmª Juíza do Tribunal a quo concedeu ao autor prazo para apresentar Petição Inicial aperfeiçoada (vide ata de 12/01/2017 – fls. 1108 ss.), no seguimento do qual o autor apresentou requerimento (de 23/01/2017) no qual disse desistir do pedido formulado contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, indicou qual a forma do processo que considerava a ação dever prosseguir, e identificou os termos em que procedia ao aperfeiçoamento da petição inicial, concluindo dever a Ré subsistente UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E. ser condenada a uma indemnização ou pensão anual e vitalícia, por força da incapacidade permanente parcial resultante do acidente de trabalho, a calcular nos termos dos artigos 48º, 71º e 75º da Lei dos Acidentes de Trabalho, desde a data da alta clínica; os juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor desde a data da citação; a pensão vitalícia ou pensão indemnizatória provisória nos termos do artigo 123º do CPT e calculada nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 48º e 52º da LAT.
A Ré UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E. exercendo o respetivo contraditório, contestou a nova PI aperfeiçoada (articulado de 04/02/2017), contestação em que, para além de se defender por impugnação, deduziu reconvenção, pugnando dever operar-se a compensação dos créditos que viessem a ser determinados ao autor, com os créditos da ré, no montante de 4.591,72 €. Com aquela contestação juntou prova documental (18 documentos), requereu a prestação de depoimento pela parte contrária, a produção de prova testemunhal, arrolando duas testemunhas e bem assim a realização de prova pericial colegial.
Após o que o Tribunal a quo proferiu o despacho-saneador de 31-06-2017, no qual, para além das demais questões que conheceu, considerou que compulsados os autos «…a natureza e o estado dos autos permite já, atenta toda a prova documental já junta, e sem necessidade de mais indagações, nomeadamente de produção de prova testemunhal, de mais prova documental ou de prova pericial apreciar e decidir», dispensando assim a produção de mais meios de prova, ao abrigo dos artigos 7º-A e 90º nº 3 do CPTA, e artigos 429º nº 2 in fine, 421º, e 476º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, que invocou, tendo então procedido ao conhecimento do mérito da ação.
Nesse âmbito julgou procedente o pedido de condenação da ré UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E. a pagar ao Autor indemnização ou pensão anual e vitalícia, por força de IPP de 27,7725%, resultante do acidente de trabalho, a calcular nos termos dos artigos 48.º; 71.º e 75.º da LAT, desde a data da alta clínica bem como os respetivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor desde a data da citação, e improcedente o pedido reconvencional.
Quanto à decidida procedência do pedido a sentença recorrida, tendo por base a matéria de facto que nela foi dada como assente (vertida supra), suportou-se na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«A vexatia questio é a de saber se o A. tem direito a receber da Entidade Demandada ULSBA, EPE, a indemnização ou pensão anual e vitalícia, por força de IPP, resultante do acidente de trabalho, a calcular nos termos dos artigos 48.º; 71.º e 75.º da LAT, desde a data da alta clínica e respetivos juros.
A resposta mostra-se afirmativa: cfr. alínea A) a T) supra.
Na verdade, como decorre dos autos e o probatório elege, o A. sofreu um acidente que foi qualificado e caracterizado, pela Demandada, como acidente de trabalho: cfr. alínea A) a T) supra.
Resulta também da factualidade assente que, em consequência desse acidente de trabalho, o A. sofreu danos e lesões que se traduziram em IPP, à qual foi, primeiramente, atribuído o grau de 32,28% (Relatório Médico do Médico assistente) e, posteriormente, determinado um coeficiente de 27,7725% (Perícia médico-legal): cfr. alínea A) a T) supra.
A divergência entre as partes reside pois, tão só, no coeficiente da IPP a fixar, visto que a Entidade Demandada, não obstante, afirmar não pretender eximir-se das suas responsabilidades, novamente (vide v.g. alínea P) supra), questiona a percentagem de desvalorização que sustenta o pedido.
Para tanto, sustenta que a IPP de 27,7725% (Perícia médico-legal) é excessiva, uma vez que o A. se encontrava afetado por incapacidade permanente anterior, a qual não poderia deixar de ser considerada para efeitos de apuramento do coeficiente de IPP, estritamente resultante do acidente dos autos, o que, não terá sido considerado no exame de perícia médico-legal, para efeitos de apuramento da diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.
Sucede que, a predisposição patológica do sinistrado num acidente, ora A., não exclui o seu direito à reparação integral, para mais estipulando a lei que quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo desse acidente resultasse: cfr. art. art. 11º n.º 1 e n.º 2 da LAT.
Donde, não se alegando nem provando nos autos, que o A. ocultou predisposição patológica e/ou que esteja a receber pensão ou tenha recebido capital de remição de anterior acidente de trabalho, o invocado n.º 3 do art. 11º da LAT não tem aplicação ao caso concreto: vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - STJ, de 2010-06-02, proferido no Proc. 117/05.5TUBRG, disponível em www.dgsi.pt e cfr. alínea A) a T) supra.
O que justifica, por desnecessária, não só o anterior indeferimento de nova pericial colegial, como também, e sobretudo, a desconsideração da incapacidade geral emergente de doença natural, fixada em 2005, para efeitos fiscais e outras regalias, visto que no caso sub judice a incapacidade terá de ser avaliada e fixada como se tais lesões pré-existentes também tivessem resultado do acidente: cfr. art. 11º n.º 1 e n.º 2 da LAT; cfr. alínea A) a T) supra.
Aqui chegados, importa concluir que, no caso, o cálculo e pagamento das prestações por incapacidade, devidas pela Entidade Demandada ao A., deve ser pois aferido com base no coeficiente de IPP de 27,7725%: cfr. art. 11º, art. 48, art. 71º e art. 78º todos da LAT ex vi Acórdão do TC de fls. 178 a 193; vide art. 4º n.º 4 e art. 2º, n.º 1 al. b) ambos da LGTFP e art. 4º do ETAF e cfr. alínea A) a T) supra.
Destarte, mostra-se devida pela Entidade Demandada a pensão por IPP destinada a compensar o A. pela perda ou redução perante da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante do acidente de trabalho sofrido, nos termos previstos no art. 48º n.º 3 al. c) da LAT: cfr. alínea A) a T) supra.
Mais, acresce que a pensão por IPP será calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao A., à data do acidente e é obrigatoriamente remida, visto que a IPP se mostra, no caso, inferior a 30%: cfr. art. 71º n.º 1 e n.º 3 e art. 75º n.º 1 ambos da LAT ex vi Acórdão do TC de fls. 178 a 193; vide art. 4º n.º 4 e art. 2º, n.º 1 al. b) ambos da LGTFP e art. 4º do ETAF; cfr. alínea A) a T) supra.
Termos em que julgo devida ao A., pela Entidade Demandada, a indemnização ou pensão anual e vitalícia, por força de IPP, resultante do acidente de trabalho, a calcular nos termos do art. 11º, art. 48º, art. 71º e art. 75º todos da LAT, desde a data da alta clínica e, consequentemente, ainda os respetivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor desde a data da citação.
Atento o supra aduzido, fica ainda prejudicado o demais suscitado, nomeadamente o conhecimento da pretensão de pensão ou indemnização provisória nos termos do art.º 123.º do CPT e calculada nos termos da al. c), n.º 3 do art.º 48.º e 52.º da LAT.»

E no que tange ao julgamento de improcedência do pedido reconvencional, a sentença recorrida suportou-se na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«A Entidade Demandada deduziu pedido reconvencional, pedindo a compensação dos créditos que vierem a ser determinados ao A., com os créditos da Demandada, no montante de €4.591,72 (quatro mil, quinhentos e noventa e um euros e setenta e dois cêntimos).
Para tanto sustenta, que: “…desde a data do acidente, até à data da alta clínica, a R. pagou ao A. integralmente (100%) o seu vencimento, isto é, €1.304,46 (mil, trezentos e quatro euros e quarenta e seis cêntimos). Porém, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, aplicável in casu, “(a) indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante do acidente de trabalho”, que, nos termos da alínea e) do n.º 3 do mesmo artigo, “(p)or incapacidade temporária parcial – indemnização diária igual a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho”. Sendo “(a) indemnização por incapacidade temporária devida enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional.” – n.º 4 do artigo 48º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro -… … isto é, durante 12 (doze) meses, entre novembro de 2012 e outubro de 2013, a R. pagou ao A., o montante de €1.304,46 (mil, trezentos e quatro euros e quarenta e seis cêntimos), quando deveria ter pago a indemnização por Incapacidade Temporária, no montante de €913,12 (novecentos e treze euros e doze cêntimos), correspondente aos 70% a que se refere a alínea e) do n.º 3 do artigo 48º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro. Assim, a R. abonou indevidamente, e o A. recebeu indevidamente, o montante correspondente ao excesso (30%) - docs. n.ºs 5 a 18 -. Os montantes indevidos, devem ser devolvido aos cofres da Instituição. Apurando-se o total a repor pelo Autor, de €4.591,72 (quatro mil, quinhentos e noventa e um euros e setenta e dois cêntimos). (…) Compensação que, desde já se invoca e se requer, a efetuar com o montante da indemnização que vier a ser fixada ao Autor…”.
Replicou o A., pugnando pelo liminar indeferimento da Reconvenção, por inadmissibilidade legal; ou, caso assim se não entenda, pela declaração de improcedência da Reconvenção, por não provada.
Para tanto, advoga: “… O pagamento a 100% do vencimento, por um lado foi feito pela ausência de contrato de seguro por parte da R., e por outro lado, ao abrigo do entendimento geral, incluindo a R., que era naquele tempo aplicável o DL 503/99, de 20.11. Por outro lado, ao abrigo do disposto no n.º 1, al. c) do art.º 853.º do Código Civil, sob a epígrafe (Exclusão da compensação): 1. Não podem extinguir-se por compensação: (…) c) Os créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, exceto quando a lei o autorize. Por outro lado ainda, atento o disposto quer no art.º 78.º da Lei 98/2009, de 4-9, quer no art.º 853.º n.º 1 al. b) do Código Civil, e considerando que o montante recebido foi a título de compensação ou prestação por incapacidade, jamais poderá operar a compensação nos termos invocados pela R. ao abrigo do art.º 847.º do Código Civil. (vide a este propósito o Ac. do TRP processo 124/2000.2.P2, de 19-04-2010, in www.dgsi.pt). Finalmente, é do conhecimento geral dos trabalhadores da R. que esta tem pago os vencimentos a 100% a todos os trabalhadores sinistrados com contrato de trabalho em funções públicas, não abrangidos por seguro de acidentes de trabalho, desde 2009 até à presente data. E ao exigir agora apenas ao aqui A. a restituição dos alegados 30%, estaria a discriminar e, assim, tratar de forma desigual e injusta, um único trabalhador, o que legalmente é inadmissível. E caso se venha a ter entendimento diferente, o que se concebe apenas por mera hipótese de raciocínio, sempre teria que se considerar o valor dos descontos legais para a CGA, ADSE e IRS que incidiram sobre a retribuição paga, de forma que nunca teria o A. que restituir o montante de € 4.591,72, mas antes o valor líquido dos aludidos impostos, que foi o que efetivamente recebeu…”.
Vejamos:
Dimana do desenhado quadro fáctico que, em 2012-11-08 (data do acidente de trabalho do A.), o A. encontrava-se abrangido pelo disposto na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro e pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, sendo-lhe, por isso, aplicável o disposto no DL n.º 503/99, de 20 de novembro: cfr. alínea A) a T) supra.
Contudo, em 2014-08-01, iniciou a sua vigência a Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que revogou os dois primeiros diplomas antes referidos e que, além do mais, determinou que nas matérias de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores em funções públicas das entidades públicas empresariais, como sucede com o A., fosse aplicável o regime da LAT: cfr. Acórdão do TC de fls. 178 a 193; e cfr. alínea A) a T) supra.
Assim, entre novembro de 2012 e outubro de 2013, a Entidade Demandada suportou corretamente todas as despesas médicas e medicamentosas decorrentes
do acidente sofrido pelo A., bem como o pagamento do vencimento, de acordo com o entendimento decorrente do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública, contido no DL n.º 503/99, de 20 de novembro: cfr. alínea A) a T) supra.
Donde, tendo sido, como foi, a aplicação da LAT determinada, por força da lei, só em data posterior (2014-08-02) à dos créditos ora reclamados (novembro de 2012 e outubro de 2013), não pode pois proceder a pretensão reconvencional: cfr. alínea A) a T) supra.
Termos em que julgo improcedente o pedido reconvencional.»
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2. Da questão de saber se a sentença ocorre nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão – (conclusões 14ª a 23ª das alegações de recurso);
2.1 Invoca o recorrente que relativamente ao regime jurídico aplicável a sentença é contraditória nos seus fundamentos e com a decisão, o que, nos termos do disposto no artigo 615º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, a torna nula. Defende, a tal respeito, que a fls. 6 a Mmª Juíza a quo afirma que “(a)o caso concreto é aplicável o regime de acidentes de trabalho estabelecido no CT e demais legislação complementar e não o regime contido no DL n.º 503/99, de 20 de novembro” mas que todavia, ao apreciar o pedido reconvencional, a fls. 19 da sentença, afirma que: “(…) em 2012-11-08 (data do acidente de trabalho do A.), o A. encontrava-se abrangido pelo disposto na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro e pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, sendo-lhe, por isso, aplicável, o disposto no DL n.º 503/99, de 20 de novembro. Contudo, em 2014-08-01, iniciou vigência a Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que revogou os dois primeiros diplomas antes referidos e que, além do mais, determinou que nas matérias de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores em funções públicas das entidades públicas empresariais, como sucede com o A. fosse aplicável a LAT”, para concluir que: “(…) entre novembro de 2012 e outubro de 2013, a Entidade Demandada suportou corretamente todas as despesas médicas e medicamentosas decorrentes do acidente sofrido pelo A., bem como o pagamento do vencimento, de acordo com o entendimento decorrente do Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública, contido no DL n.º 503/99, de 20 de novembro: cfr. alínea A) a T) suprae decidir que: “(…) tendo sido, como foi, a aplicação da LAT determinada, por força de lei, só em data posterior (2014-08-02) à dos créditos ora reclamados (novembro de 2012 a outubro de 2013), não pode pois proceder a pretensão reconvencional: cfr. alínea A) a T) supra; que este raciocínio encerra uma contradição insanável, que mal se entende, com a qual não pode conviver-se, tanto mais que, considera-se aplicável a NLAT para decidir umas coisas e afasta a sua aplicação para decidir outras o que se afigura insustentável; que, para o que interessa, e em face da jurisprudência que se firmou, a única «inovação» que a Lei n.º 35/2014, de 20.06 trouxe, foi a previsão expressa quanto à jurisdição competente - artigo 12º -, e não quanto ao regime enquadrador da reparação do acidente de trabalho, nos termos configurados pela alteração introduzida ao artigo 2º do DL n.º 503/99, de 20.11., pelo artigo 9º da Lei n.º 59/2008, de 11.09; que assim, de duas, uma: ou se considera aplicável o regime do DL n.º 503/99 e a Ré/Recorrente tem que ser absolvida da instância por se mostrar provado (Alíneas L) e M) da matéria provada), que a Entidade Responsável remeteu o processo do A./Recorrido para a CGA para os efeitos do artigo 38º daquele regime jurídico, não lhe sendo imputável o incumprimento da CGA que recusou realizar a junta médica para fixação do grau de desvalorização (IPP); ou se considera aplicável o regime previsto na NLAT (Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e legislação conexa - de entre a qual, a que define as regras do respetivo regime adjetivo (CPT), devidamente adaptadas, enquanto conjunto de leis reguladoras dos atos judiciários, e que, assim sendo, terá que aplicar-se o regime jurídico em bloco, sendo legalmente inadmissível a aplicação parcelar, de um ou de outro, sobretudo quanto tal importe em redução das garantias legalmente deferidas às partes, como é o caso - (vide conclusões 14ª a 23ª das alegações de recurso).
Vejamos.
2.2 Em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP dispõe o artigo 154º do CPC novo, sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão” (correspondente ao artigo 158º do CPC antigo), que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (nº 1), não podendo a justificação consistir “na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (nº 2).
A fundamentação das decisões jurisdicionais, para além de visar persuadir os interessados sobre a correção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.
2.3 Nessa decorrência a nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo (correspondente ao artigo 668º do CPC antigo) tem como premissa a violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial. Com efeito entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. De modo que se o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, tal oposição será causa de nulidade da sentença vide a este respeito Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 689 ss; José Lebre de Freitas, in “Código de Processo civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 670, e Luís Filipe Brites Lameiras, in, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2009, pág. 36 ss..
2.4 Para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º tem que se estar perante um paradoxo ou incoerência de raciocínio, de modo que as premissas consideradas (fundamentos) não poderiam conduzir, de forma lógica, à conclusão (decisão) a que se chegou, mas a outra, oposta ou divergente.
2.5 Ora, como facilmente se conclui da leitura da sentença recorrida tal não sucede na situação dos autos.
Atenha-se que a sentença (saneador-sentença) recorrida emitiu duas distintas pronúncias de mérito, uma quanto ao pedido formulado pelo autor, que julgou procedente, outra quanto ao pedido reconvencional formulado pela ré, que julgou improcedente, que analisou autonomamente. Explicitando, quanto a cada um daqueles pedidos, os respetivos fundamentos.
Não há, assim, incoerência ou contradição lógica entre os fundamentos em que o Tribunal a quo assentou para cada uma das decisões. O que poderá ocorrer é erro de julgamento, de direito, por erro quanto ao quadro legal aplicável, o que, aliás, a recorrente também invoca.
2.6 Tem, pois, que concluir-se que a sentença recorrida não incorre na nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA, improcedendo o recurso nesta parte.
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3. Da questão de saber se ao indeferir a realização da perícia o Tribunal a quo incorreu em violação dos artigos 117º e 138º do CPT e artigo 38º do DL 503/99, dos artigos 421º e 476º do CPC e bem assim, dos princípios do contraditório e da descoberta da verdade material – (conclusões 24ª a 38ª das alegações de recurso).
3.1 Pugna a recorrente dever a sentença (saneador-sentença) ser anulada e substituída por outra que determine a realização da perícia colegial que por ela foi requerida, para fixação do grau de desvalorização do autor e estabelecimento do necessário nexo causal.
Sustenta, a tal respeito, nos termos que expôs nas suas alegações de recurso e reconduziu às respetivas conclusões, que por discordar do percentual de desvalorização de 27,7725%, fixado ao autor pela Exma. Perita do INML, no exame que elaborou no âmbito do processo que correu termos pelo Tribunal do Trabalho, requereu a realização de perícia colegial; que todavia a Mmª Juíza a quo indeferiu, presumivelmente por considerar impertinente e/ou dilatória, aquela diligência probatória; que porque no processo no âmbito do qual foi efetuada a perícia médico-legal, o que correu termos no Tribunal do Trabalho, foi julgada a incompetência absoluta daquele Tribunal, sem que tenha sido realizada tentativa de conciliação e, por conseguinte, sem que tenha ali havido oportunidade de ser contraditar o teor do dito relatório; que no âmbito do presente processo, a Ré manifestou a sua discordância relativamente ao percentual fixado e requereu a realização de perícia colegial com vista ao esclarecimento das questões que, no seu entendimento, deveriam ser clarificadas pelos peritos; que a perícia colegial visa dar mais garantias no plano da descoberta da verdade material, pois a pluralidade de opiniões proporciona uma reflexão mais profunda na abordagem das questões suscitadas; que além do mais, a perícia colegial requerida encontrava também justificação de facto, na divergência evidenciada nos documentos clínicos apresentados - parecer do médico assistente do autor que lhe atribuiu um grau de desvalorização de 32,28% (al. O) da matéria dada como provada) e relatório pericial do INML que lhe atribui uma desvalorização de 27,7725% -, num diferencial de 4,51% que justificava o esclarecimento por perícia colegial, conforme requerido; que a diligência pericial é em tudo idêntica à prevista nos artigos 117º e 138º do Código de Processo do Trabalho e no artigo 38º do DL n.º 503/99 - artigo 38º; que no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 11º da NLAT, encontram cabimento todas aquelas situações em que existe anomalia do organismo humano que torna o indivíduo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito, o que não é, manifestamente, o caso dos autos; que por sua vez, o n.º 2 do artigo 11º da NLAT ocupa-se do tratamento de duas situações distintas que já nada têm a ver com a predisposição patológica da vítima, mas, sim, com: i) a lesão ou doença consecutiva ao acidente, agravada por lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença anterior ao acidente (primeiro segmento da norma); ii) o agravamento da lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este (segundo segmento da norma); que não se mostra in casu, provado (ou sequer, alegado) que a doença consecutiva ao acidente haja sido agravada por lesão ou doença anterior ao acidente, nem o agravamento da doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este, nem de resto, o autor/sinistrado o alegou, pelo que, não é também este, o caso dos autos; que o que o autor alegou foi que, no dia 08.11.2012 “(…) tropeçou no tapete da saída do prédio da sua residência, caindo no chão, ao mesmo tempo que bateu com o braço direito na parede” (art.º 4º da PI aperfeiçoada) e que, desse acidente resultou para ele, as lesões que fez constar no artigo 5º da PI aperfeiçoada, que a Ré/Recorrente impugnou, na extensão prendida e fixada no relatório pericial do INML; que não sendo a situação dos autos enquadrável, nem no n.º 1, nem no n.º 2 do artigo 11º da NLAT e sendo relevante a IPG de 82%, que lhe foi fixada em 18.10.2012 (data anterior ao acidente) entende a Ré/Recorrida, que o caso sub judice tem enquadramento no n.º 3 do artigo 11º da NLAT que dispõe que: “No caso de o sinistrado estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação é apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente”; que não se pode concordar com a interpretação de que a incapacidade permanente a que a Lei se refere se reporta apenas a Incapacidade Permanente decorrente de anterior acidente, na medida em que, nem a Lei o refere expressamente (o que teria acontecido se fosse essa a intenção do legislador); que por outro lado, não pode compreender-se que se confira um grau de Incapacidade Permanente Global de 82%, mas depois, se reconheça uma Incapacidade Permanente Parcial de 27,7725% posterior, decorrente de um acidente de trabalho, tendo, ademais, tais incapacidades sido fixadas por aplicação da mesma TNI; que no que concerne aos «Antecedentes Pessoais», o relatório do INML refere apenas: «Como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço, refere: Patologia respiratória restritiva» sendo certo que, a ré juntou à contestação documento comprovativo de que o autor padece de «doença neurológica crónica e progressiva grave e incapacitante – dismorfia muscular» (determinante da IPG de 82% atribuída), sendo esta também uma das razões pelas quais não pode aceitar o relatório pericial no qual a Mma. Juiz louvou a sua decisão; e que assim, indeferindo a realização da perícia, a Mmª Juíza a quo incorreu em violação dos artigos 117º e 138º do CPT e artigo 38º do DL 503/99), dos artigos 421º e 476º do CPC e bem assim, dos princípios do contraditório e da descoberta da verdade material.
3.2 Cumpre efetivamente relembrar que previamente à presente ação, que foi instaurada em 25/02/2015 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, o autor havia participado o mesmo acidente, ocorrido em 08/11/2012, como acidente trabalho, junto do Tribunal da Comarca de Beja, Instância Central de Trabalho (Proc. n.º 96/15.0T8BJA), e que tal ação (decorrente de acidente de trabalho que veio a merecer decisão de incompetência material do Tribunal de Trabalho.
Sendo que o conflito negativo de competência (jurisdição), gerado pela decisão de incompetência material que veio a ser proferida em 15/08/2015 pelo Tribunal a quo, foi resolvido pelo acórdão de 07/06/2016 do Tribunal de Conflitos (de fls. 178 ss. dos autos) no sentido de a competência para apreciar e decidir a presente ação cabe aos tribunais administrativos.
3.3 Aquele acórdão do Tribunal de Conflitos de 07/06/2016 (fls. 178 ss.) solucionou também já a questão de saber se o acidente de trabalho sofrido pelo autor se encontra submetido ao regime do DL. nº 503/99, de 20 de Novembro (regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública) ou ao regime de acidentes de trabalho estabelecido no Código do Trabalho, incluindo o constante da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais). Tendo concluído que «…ao acidente de trabalho configurado e sofrido pelo autor ser aplicável não o DL nº 503/99 de 20/11, mas sim o regime de acidentes de trabalho estabelecido no Código do Trabalho, por força do disposto no nº 4 do artº 2º do DL nº 503/99 e do artº 5º da Lei nº 35/2014 de 20/06 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas». Entendimento que fez com base na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Temos, pois, que à data do acidente de trabalho dos autos (08.11.2012) era aplicável a previsão do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, cujo nº 1 do artigo 2º dispunha “(o) disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração directa e indirecta do Estado”.
Acautelando-se no nº 4 do mesmo artigo 2º que “(a)os trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respectivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código.”
A lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações (Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro) e o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro), foram revogados pelas alíneas c) e e) do artigo 42º da Lei preambular à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei nº 35/2014, de 20 de Junho), que iniciou vigência no dia 01.08.2014, doravante designada por LTFP.
Ora, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 5º da LTFP, “(c)onstam de diploma próprio (…) o regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores que exercem funções públicas; (…)”, sendo que o nº 4 do artigo anterior – artigo 4º -, dispõe que “(o) regime do Código do Trabalho e legislação complementar, em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais, é aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nas entidades referidas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 2º.”
Acresce que, por força do disposto no nº 6 artigo 1º, a LTFP é aplicável a outros trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas que não exerçam funções nas entidades referidas nos números 1 a 5 do mesmo artigo 1º.
E pese embora a redacção, a previsão do nº 6 do artigo 1º da LTFP, corresponde ao que já se previa no artigo 2º da LVCR, nos termos do qual, a referida Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações já era aplicável aos trabalhadores em funções públicas (independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público), que exercessem funções públicas em entidades excluídas do seu âmbito de aplicação objetivo, como era o caso das entidades públicas empresariais (cfr. nº 5 do artigo 3º da LVCR).
Resulta do exposto que a LTFP é aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nas entidades públicas empresariais, e que, nos termos do disposto nos respectivos Estatutos, hajam mantido o estatuto jurídico da função pública (cfr. nº 1 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 183/2008, de 4 de Setembro, que aprovou os Estatutos da ULSBA, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 12/2015, de 26 de Janeiro) e que não tenham optado pelo regime do contrato de trabalho (cfr. nº 5 do artigo 13º do mesmo decreto-lei), como é o caso do trabalhador [em funções públicas] sinistrado/autor nos presentes autos.
Cremos, pois, que nesta nova redacção, o legislador pretendeu submeter as matérias de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores em funções públicas, das entidades públicas empresariais, ao regime abrangido na Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro -, regulamentado por força do disposto no artigo 284º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro com as alterações subsequentes).»

3.4 O que também não deixou de ser considerado no acórdão de 03/11/2016 deste Tribunal Central Administrativo Sul (a fls. 324 ss. dos autos), em sede do recurso que foi interposto do anterior despacho-saneador de 20/07/2016, no qual havia sido considerada verificada a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, e que foi por ele revogada com convocação do artigo 179º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (NLAT).
3.5 Foi após a baixa dos autos ao TAF de Beja, para aí prosseguirem os seus termos, na sequência do decidido naquele acórdão de 03/11/2016 deste TCA Sul, que o Tribunal a quo, em sede de audiência prévia concedeu ao autor prazo para apresentar Petição Inicial aperfeiçoada (vide ata de 12/01/2017 – fls. 1108 ss.), no seguimento do qual o autor apresentou requerimento (de 23/01/2017) no qual disse desistir do pedido formulado contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, indicou qual a forma do processo que considerava a ação dever prosseguir, e identificou os termos em que procedia ao aperfeiçoamento da petição inicial, concluindo dever a Ré subsistente, UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E., ser condenada a uma indemnização ou pensão anual e vitalícia, por força da incapacidade permanente parcial resultante do acidente de trabalho, a calcular nos termos dos artigos 48º, 71º e 75º da Lei dos Acidentes de Trabalho, desde a data da alta clínica; os juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor desde a data da citação; a pensão vitalícia ou pensão indemnizatória provisória nos termos do artigo 123º do CPT e calculada nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 48º e 52º da LAT.
3.6 A Ré UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO BAIXO ALENTEJO, E.P.E. exercendo o respetivo contraditório, contestou a nova PI aperfeiçoada (articulado de 04/02/2017).
Ali expressamente admitiu um conjunto alargado de factos que haviam sido alegados pelo autor, designadamente os vertidos nos artigos 4º, 6º, 7º, 8º e 9º a 20º da PI aperfeiçoada (vide artigos 10º, 11º e 12º da contestação). Os quais foram, efetivamente, dados como provados no saneador-sentença ora recorrido (vide designadamente G), H), I), J), K), L), N), O), P) e Q) do probatório).
3.7 Porém, tomando posição quanto à invocação feita pelo autor (nos artigos 21º e 22º da PI aperfeiçoada) no sentido de que, uma vez que já havia sido submetido a exame de perícia médico-legal no âmbito do processo que correu termos no Tribunal de Trabalho, a qual indicou um coeficiente de incapacidade permanente parcial resultante daquele acidente, correspondente a 27,7725%, o valor da respetiva indemnização devia ser fixado com base naquela incapacidade e relatório médico-legal, por mera questão de economia processual, a ré disse discordar do percentual de incapacidade indicado naquela perícia-médico, que impugnou (vide artigos 13º a 25º da contestação).
3.8 O que significa que muito embora tenha aceitado que o autor sofreu um acidente em 08/11/2012 (caracterizado por uma queda na saída do prédio da sua residência, quando se preparava para iniciar o trajeto para o seu local de trabalho), e que o qualificou como acidente de trabalho, tendo em consequência suportado das despesas médicas e medicamentosas dele decorrentes bem como o pagamento do respetivo vencimento enquanto esteve incapacitado temporariamente para o trabalho, não aceitou que em consequência daquele acidente o autor tenha ficado com uma incapacidade parcial permanente de 27,7725% que foi considerada na perícia médico-legal, que considerou excessiva.
3.9 E requereu, a final da sua contestação, para além da prova documental e testemunhal, que indicou, a realização de prova pericial colegial invocando o artigo 468º do CPC, cujo objeto da perícia indicou.
3.10 Cumpre, antes do mais, atentar na circunstância de a inicial perícia-médico legal ter sido efetuada no âmbito do Processo n.º 96/15.0T8BJA que correu termos na Instância Central de Trabalho do Tribunal da Comarca de Beja, mas que veio a terminar com decisão de incompetência material. Sendo que o autor, instaurou nova ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja. Em termos que os autos que correram termos na jurisdição comum não foram aproveitados, através da remessa para os tribunais administrativos.
3.10 Ora, infere-se da posição assumida pelas partes que, por um lado, o autor pretendeu aproveitar a perícia médico-legal que havia já sido realizada no âmbito do processo por acidente de trabalho que correu termos no tribunal de trabalho. E que por outro lado, a ré expressamente manifestou discordância (vide, especialmente, artigo 22º da contestação), pugnando dever realizar-se (nova) perícia, que requereu que fosse colegial. Isto por não aceitar a incapacidade ali atribuída enquanto consequência do acidente, que considerou excessiva, designadamente por não ter sido devidamente considerada, no seu entender, a doença pré-existente do autor, pretendendo, assim, apurar o percentual da incapacidade do autor realmente decorrente do acidente de trabalho.
3.11 Dispõe o artigo 421º do CPC novo o seguinte:
“Artigo 421º
Valor extraprocessual das provas
1 — Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
2 — O disposto no número anterior não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa à produção da prova que se pretende invocar.”

E o artigo 468º do CPC novo dispõe o seguinte:
“Artigo 468º
Perícia colegial e singular
1 — A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:
a) Quando o juiz oficiosamente o determine, por entender que a perícia reveste especial complexidade ou exige conhecimento de matérias distintas;
b) Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos no artigo 475.º e no n.º 1 do artigo 476.º, requerer a realização de perícia colegial.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, se as partes acordarem logo na nomeação dos peritos, é aplicável o disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo anterior; não havendo acordo, cada parte escolhe um dos peritos e o juiz nomeia o terceiro.
3 — As partes que pretendam usar a faculdade prevista na alínea b) do n.º 1 devem indicar logo os respetivos peritos, salvo se, alegando dificuldade justificada, pedirem
a prorrogação do prazo para a indicação.
4 — Se houver mais de um autor ou mais de um réu e ocorrer divergência entre eles na escolha do respetivo perito, prevalece a designação da maioria; não chegando a formar -se maioria, a nomeação devolve-se ao juiz.
5 — Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, a perícia é realizada por um único perito, aplicando-se o disposto no artigo 467.º.”

3.12 A observação que aqui se impõe fazer é que o Tribunal a quo não só desconsiderou a impugnação factual feita pelo réu na sua contestação, como ignorou a pretensão expressamente manifestada pelo réu no sentido da produção de prova, mormente da prova pericial pretendida.
O que tem a inevitável consequência de não poder manter-se a factualidade dada como assente logo em saneador-sentença no que a tal aspeto respeita. Nem concomitantemente, o julgamento do mérito da ação tendo por base o pressuposto, que sempre falta apurar, seja quanto ao nexo de causalidade entre as lesões atuais apresentadas pelo autor e o acidente em serviço ocorrido.
3.13 No caso, no processo que correu termos no Tribunal de Trabalho, cuja instância foi extinta com fundamento em incompetência absoluta daquele Tribunal, não chegou a ser realizada a tentativa de conciliação prevista para os processos especiais emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, a que aludem os artigos 108º ss. do Código de Processo de Trabalho (aprovado pelo DL. nº 480/99, de 9 de novembro, na versão à data).
E nos termos em que se encontram gizados naquele Código os trâmites processuais nos processos destinados à efetivamente de direitos resultantes de acidentes de trabalho, é efetivamente após a perícia médico-legal (prevista nos artigos 105º a 107º) que as partes, chamadas à tentativa de conciliação, tomam posição quanto aos elementos já contidos no processo, incluindo o resultado da perícia médico-legal (cfr. artigos 108º e 109º). Em termos que, se se frustrar a tentativa de conciliação, no auto da audiência de tentativa de conciliação haverão de ser consignados os factos sobre os quais tenha havido ou não acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída (cfr. artigo 112º). E só posteriormente, em sede de despacho saneador, haverão de ser fixados os factos relativamente aos quais haja havido acordo em sede de tentativa de conciliação e enunciados aqueles que, porque controvertidos, haverão de incidir diligências de prova (cfr. artigo 131º).
3.14 Porque o que apenas foi suscitado na audiência para tentativa de conciliação que correu termos no Tribunal de Trabalho foi a questão da incompetência em razão da matéria daquele Tribunal, em nada mais avançando os respetivos trabalhos, não foi, efetivamente assegurado naquele processo, a garantia de contraditório da ora recorrente quanto ao resultado da perícia médico-legal nesse âmbito realizada.
3.15 Tem, pois, que reconhecer razão à recorrente. À qual assistia direito à prova (contra-prova), de modo a inferir o resultado da perícia médico-legal efetuada no âmbito daquele processo que o Tribunal a quo deu como assente.
E porque a ação seguia a tramitação da ação administrativa comum, nos termos previstos no CPTA à data da sua instauração (como aliás, e bem, entendeu o Tribunal a quo, o que de todo o modo não vem colocado em recurso), deviam ter sido enunciadas, em sede de saneamento dos autos, as questões que se mostravam controvertidas, incluindo as relativas ao nexo de causalidade entre as lesões atualmente apresentadas pelo autor e o acidente qualificado como acidente em serviço e ao respetivo grau de incapacidade, e submetidas as mesmas à respetiva instrução e posterior julgamento.
3.16 Não, pode, pois, manter-se a sentença (saneador-sentença) recorrida, que deve ser anulada.
Devendo os autos baixar à primeira instância para que aí, em sede de saneamento dos autos, se enunciem as questões controvertidas, submetendo-as a instrução, com tomada de posição quanto aos meios de prova requeridos pelas partes, incluindo quanto à requerida produção de prova pericial colegial, e posterior julgamento.
O que se decide.
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4. Em face do assim decidido fica concomitantemente prejudicado o conhecimento das demais questões trazidas em recurso, de que assim nos abstemos de conhecer.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional anulando-se a decisão recorrida, baixando os autos à 1ª instância para os termos supra consignados, aí prosseguindo, se a tanto nada mais obstar.
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Custas, nesta instância, pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 28 de junho de 2018

Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho