Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 05079/09 |
Secção: | CA- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 11/24/2016 |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | AJUDAS FINANCEIRA. PROTECÇÃO SEGURANÇA SOCIAL. OMISSÃO DE PRONÚNCIA. FALTA DE AUDIÇÃO PRÉVIA COM EFEITO INVALIDANTE. |
Sumário: | I)- Saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal, ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada aquela factualidade referida pelo Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença por omissão de pronúncia. II)- Só há obrigação de conhecer das questões cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC). III)-.É consabido que o princípio da audiência dos interessados previsto no nº. 1 do artº. 100º. do C.P.A., embora não corresponda a um direito fundamental, é uma concretização do modelo da administração participada expresso no nº. 5 do artº. 267º. da C.R.P., que impõe à Administração Pública a participação dos particulares na formação das decisões que lhe digam respeito, sendo uma das manifestações mais flagrantes do modelo da Administração aberta IV) -Instituído para assegurar as garantias de defesa dos particulares, de modo a garantir a justeza e a correcção do acto final do procedimento, a omissão do direito de audiência dos interessados conduz a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial que determina, em princípio, a anulabilidade de acto conclusivo do procedimento em que tenham ocorrido, sendo aplicável a regra geral contida no artº. 135º. do Código do Procedimento Administrativo. V) -A audiência dos interessados enquanto figura geral do procedimento decisório de 1º grau representa o cumprimento da directiva constitucional e teve consagração expressa no artigo 8º do CPA, comando que impõe à Administração o dever “ de assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código”. VI) -Autonomizada na estrutura do procedimento administrativo (artigos 100º e segs. do CPA), a audiência dos interessados só pode deixar de existir ou ser dispensada nas situações taxativamente consagradas no artigo 103º do CPA, e, nem a situação dos autos caí dentro da previsão das alíneas b) ou c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, pois a decisão atinge unicamente a recorrente nem se entende como pode da realização da audiência dos interessados resultar um prejuízo significativo para a decisão ou para a sua execução. VII) – Apesar disso, cumpre sempre indagar se ocorrem os pressupostos que legitimem o aproveitamento do acto administrativo, isto é, se se justifica manter o despacho recorrido por se considerar que a audiência dos interessados é de todo inútil, não podendo modificar ou influenciar a decisão final. VIII) -O tribunal só pode recusar efeito invalidante à omissão da formalidade prevista no art° 100º do CPA, se o acto tiver sido praticado no exercício de poderes vinculados e se puder concluir, com inteira segurança, num juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível e um tipo legal que deixe margem de discricionariedade, dificuldades na interpretação da lei ou na fixação dos pressupostos de facto, tudo são circunstâncias que comprometem o aproveitamento do acto pelo tribunal. IX) -Porque no caso dos autos estamos perante não só um acto manifestamente lesivo, mas também de cariz sancionatório, como aliás vem expressamente reconhecido pela Entidade Recorrida nas suas contra-alegações e resulta da cláusula 11ª do acordo de cooperação o que se traduz numa maior necessidade de o destinatário do acto ser ouvido sobre os motivos que conduzem à prolação do acto, tem a falta de audiência efeito invalidante do acto. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1- RELATÓRIO ASSOCIAÇÃO DAS OFICINAS R......, vem recorrer para este Tribunal Central Administrativo, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou improcedente a presente acção que intentou contra o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões: “A - AS COMPARTICIPAÇÕES CONCEDIDAS À RECORRENTE AO ABRIGO DO PRESENTE ACORDO TÊM A NATUREZA DE SUBSÍDIO; B - A CLÁUSULA 13ª, N.° 2 DO ACORDO NÃO DIZ RESPEITO AOS SUBSÍDIOS, LOGO NÃO SE APLICA À SITUAÇÃO EM CONCRETO, PELO QUE O REEMBOLSO DOS SUBSÍDIOS É ILEGAL. C - Ao ABRIGO DO DECRETO-LEI 165/85 NÃO HÁ LUGAR A REEMBOLSO QUANDO OS APOIOS TENHAM A NATUREZA DE SUBSÍDIOS; D - CASO SE VIESSE A CONSIDERAR QUE AS "COMPARTICIPAÇÕES" A QUE SE REFERE A CLÁUSULA 13A, N.° 2 SÃO EFECTIVAMENTE SUBSÍDIOS, SEMPRE SE DEVERIA CONSIDERAR TAL CLÁUSULA NULA POR VIOLAÇÃO DIRECTA DO DISPOSTO NO DECRETO-LEI 165/85. E - ESTAMOS PERANTE UM CONTRATO ADMINISTRATIVO (E NÃO PERANTE UM ACTO VINCULADO), PELO QUE A RESOLUÇÃO UNILATERAL DO ACORDO É DA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, PELO QUE ESTAMOS PERANTE UM ACTO NULO POR USURPAÇÃO DE PODERES. F - A FALTA DE MENÇÃO DO DESPACHO DE DELEGAÇÃO DE PODERES CONSUBSTANCIA UM VÍCIO QUE CONTINUA A SER LEGALMENTE SANCIONADO NO MÍNIMO COM A ANULABILIDADE. G - UMA VEZ QUE ESTAMOS NO ÂMBITO DA DISCRICIONARIEDADE DA ACTUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO A FALTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA CONSTITUI UMA OMISSÃO DE UMA FORMALIDADE ESSENCIAL, O QUE TORNA O ACTO ILEGAL PRINCIPAL INVÁLIDO. H - A FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO DEVE INCLUIR TODAS AS INFORMAÇÕES QUE CONSTITUÍREM PARTE INTEGRANTE DO ACTO; A OMISSÃO DA INFORMAÇÃO N.°108/DFP DE 11 DE DEZEMBRO DE 2002 NA NOTIFICAÇÃO ENVIADA À RECORRENTE CONSTITUI UM vício DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, PELO QUE O ACTO É ANULAVEL. I - DA PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS NÃO PODERIA TRIBUNAL A QUO, OBJECTIVAMENTE, CONSIDERAR PROVADOS OS FACTOS QUE FUNDAMENTAM AQUELA DECISÃO NEM, CONSEQUENTEMENTE, SUBSUMIR ESSES FACTOS À APLICAÇÃO (OU NÃO) DAS NORMAS INVOCADAS, PELO QUE DEVERÁ A SENTENÇA SER CONSIDERADA NULA. J - O TRIBUNAL A QUO NÃO SE PRONUNCIA SOBRE TODOS os FACTOS QUE FUNDAMENTAM A DECISÃO, DESIGNADAMENTE: I. AS OBRIGAÇÕES DO IEFP NO ÂMBITO DO ACORDO EM CAUSA (CONSTANTES DO FACTO ASSENTE A), CLÁUSULA 10ª – PARCIALMENTE REPRODUZIDOS); II. A CARTA ENVIADA PELA AUTORA AO IEFP A 09.05.02 E O RESPECTIVO CONTEÚDO (FACTO ASSENTE B) - FLS. 113 E 114 DOS AUTOS; III. A CARTA ENVIADA PELA AUTORA AO IEFP A 22.05.02 E O RESPECTIVO CONTEÚDO (FACTO ASSENTE D) - FLS. 115 E 116 DOS AUTOS; IV. QUE ACTA DA COMISSÃO PARITÁRIA NÃO SE ENCONTRA ASSINADA PELOS REPRESENTANTES LEGAIS DA RECORRENTE (CFR. FACTOS ASSENTES S E T). L - O TRIBUNAL A QUO NÃO TEM EM CONSIDERAÇÃO NA SUA APRECIAÇÃO os FACTOS ALEGADOS PELA RECORRENTE, CUJA PROVA SE ENCONTRA DOCUMENTADA NOS AUTOS, DESIGNADAMENTE AS CARTAS MENCIONADAS NOS FACTOS ASSENTES B E D. M - A SENTENÇA RECORRIDA DEVERÁ AINDA SER CONSIDERADA NULA, POR OMISSÃO PRONÚNCIA, UMA VEZ QUE O TRIBUNAL A QUO NÃO SE PRONUNCIOU SOBRE: i. O INCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DO IEFP INVOCADO PELA RECORRENTE (CFR. ARTS. 52° A 81° QUE AQUI SE DÃO POR INTEIRAMENTE REPRODUZIDOS); ii. AS DIFICULDADES FINANCEIRAS DA RECORRENTE QUE JUSTIFICARAM O ATRASO NA ENTREGA DOS DOCUMENTOS; III. A NÃO VERIFICAÇÃO DO INCUMPRIMENTO DO ACORDO POR PARTE DA RECORRENTE. PELO QUE, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, SER A SENTENÇA RECORRIDA REVOGADA E, CONSEQUENTEMENTE, SER CONSIDERADO INVÁLIDO O ACTO HOMOLOGADO, FAZENDO-SE ASSIM A ACOSTUMADA JUSTIÇA!” O recorrido Ministério contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado. O DMMP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2. 1 DOS FACTOS Ao abrigo do n.º 6 do art. 663º do CPC, remete-se para a factualidade dada como assente na sentença recorrida que consta dos autos a qual se dá por integralmente transcrita. * 2. 2 DO DIREITO Como se vê das respectivas conclusões, presente recurso Jurisdicional interposto pela Autora, Associação das Oficinas R......, do acórdão de 29-10-08, do TAC de Lisboa, que considerou improcedente a acção administrativa especial que propôs contra o Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, com vista à anulação do despacho de 13-1-04, do Secretário de Estado do Trabalho, homologatório da deliberação da Comissão Executiva do Instituto do Emprego e Formação Profissional, que determinou a resolução do acordo de cooperação, com vista à concessão de apoios técnico-financeiros por parte do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) para formação profissional, celebrado em 23-12-01, entre o IEFP e a Autora, bem como o imediato reembolso, por esta, da quantia de € 295.633,911. Vinculadamente às conclusões de recurso, à decisão recorrida são assacados vários os vícios, o primeiro dos quais a omissão de pronúncia com fundamento em que aquela não podia considerar provados factos que fundamentam a decisão e, ainda que se considere esses factos provados, dos mesmos não é possível retirar as ilações que tirou, sendo que o Tribunal não se pronunciou sobre todos os factos invocados pela Autora que considerou provados, integrantes do cumprimento do contrato e que, como tal, deviam fundamentar o acórdão e, apenas se pronunciou sobre os factos invocados pelo Réu que considerou provados e que, como tal, fundamentam o acórdão. Em suma: sustenta a Recorrente que a sentença recorrida sofre de omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre o alegado pela recorrente acerca do incumprimento das obrigações pelo IEFP, acerca das dificuldades financeiras que justificaram o atraso na entrega dos documentos e acerca da não verificação do incumprimento do acordo por parte da recorrente. Afigura-se-nos que, resguardando o respeito devido, confunde a recorrente nulidade da sentença com erro de julgamento a que o apontado vício, a nosso ver, se reconduz. Na verdade, sustenta a recorrente que, além dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, alguns o foram indevidamente e que existem elementos probatórios nos autos que constituem motivação suficiente para dar como provados os outros factos, como sobredito e que os mesmos dizem respeito a questões por si suscitadas na sua p. i. cujo conhecimento é indispensável para que possa ser feita uma pronúncia sobre os fundamentos supra descritos. Ou seja, para a recorrente a sentença padece quer de erro, quer de insuficiência de fundamentação da matéria de facto dada como provada e é nessa conformidade que a recorrente pretende que a sentença recorrida carece duma ampliação/alteração do probatório. Cremos que a situação «sub judicio» não integra a nulidade assacada pela recorrente à sentença, pois tudo quanto alega configura erro de julgamento já que o que ela na realidade pretende é que factos houve que se verificaram mas foram desconsiderados porque não foram investigados (erro de julgamento da matéria de facto). Na verdade, incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 660° n.° 2 do Código de Processo Civil (CPC)na redacção aplicável ao tempo Assim, na sentença recorrida havia apenas obrigação de conhecer das questões suscitadas pela Recorrente e já não de escalpelizar todos os argumentos aduzidos em favor da tese por ela expendida, nem conhecer de todos os factos alegados e que a impugnante repute relevantes. Saber se os factos em relação aos quais a Recorrente considera que houve omissão de pronúncia deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, designadamente para serem julgados provados ou não provados, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada a factualidade – provada e não provada - referida pela Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença. Mesmo que se considere que a alegação da Recorrente é no sentido de que na sentença não foi apreciada a questão de saber se dados factos – provados e não provados- de que partiu correspondem à realidade e imporiam a procedência da impugnação, sempre haverá que ter em conta que, em relação às questões suscitadas pelo particular, só há obrigação de conhecer daquelas cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC). Ora, a nosso ver e como melhor adiante se verá, o julgador pronunciou-se sobre os factos essenciais, e com interesse para a decisão da causa, quer os dados como assentes, quer os considerados não provados. Todas as questões pertinentes, quer de facto quer de direito, foram objecto de apreciação. Não vemos nem pertinência nem utilidade em levar ao probatório os factos nos termos pretendidos pela recorrente. tanto mais que se confirmou no atinente aos factos relevantes para a decisão o julgado em 1ª instância. Donde que não tem qualquer relevância para a questão a decidir a factualidade que a recorrente pretende ver aditada e/ou “corrigida” ao probatório, face à pronúncia, feita na sentença, quanto aos vícios do procedimento assacados ao acto impugnado e a que tais factos seriam reportáveis. Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia até porque, em nosso modo de ver, o caso «sub judicio» se integra na hipótese de erro de julgamento já que o que a recorrente na realidade pretende é que os factos admitidos na sentença não se verificaram (erro de julgamento da matéria de facto) só nesse âmbito cabendo apreciar se foram preteridos o princípio da verdade material que afastaram o princípio da objectividade. Ademais, a questão dos meios probatórios é uma questão processual, prévia e instrumental em relação à decisão final, pelo que a omissão na sentença do deferimento ou indeferimento de um meio probatório e/ou a sua insuficiente fundamentação, não constitui um vício próprio da sentença, nomeadamente os apontados nas als. c) e d) do n°. 1 do art°. 668 do C.P.C., e sendo assim não decorre dessa omissão a nulidade da própria sentença. Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 660º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido . A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J.A.Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido de anulação do acto impugnado. Da análise da sentença recorrida resulta que o decisor «a quo» se pronunciou especifica e fundamentadamente de forma clara, rigorosa e explícita sobre toda e cada uma das causas de pedir invocadas pela Autora e ora Recorrente para justificar o pedido de anulação do acto, ainda que não aluda a sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos por aquela pois, como ainda ensina o ilustre Prof., Anotado, 1981, V, pág. 143, «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão». A sentença é uma decisão jurisdicional, dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais (artº 3º do ETAF). Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC. Como se disse, achamos que o caso «sub judicio» se integra na primeira das hipóteses atrás assinaladas já que o que o recorrente na realidade pretende é que os factos admitidos na sentença não se verificaram tal quale e há outros que foram desconsiderados (erro de julgamento da matéria de facto), o que justificou que a sentença haja decidido em sentido oposto às conclusões. É nossa inabalável convicção que não assiste qualquer razão à recorrente porquanto no probatório da sentença se vê que o julgador «a quo» julgou com base nos autos e a sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da RL de 12/10/93, CJ , Ano XVIII, T. IV ), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese. É que a anulação do acto só se justificava caso os factos alegados se mostrassem devidamente provados e tal se verifica. Como se vê, essa indagação não foi feita pelo Mº Juiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova com base nas normas que regulam nesta jurisdição o direito probatório material, permitindo ao juiz a sua livre apreciação. Depois, o princípio da aquisição processual diz-nos que o material necessário à decisão e aduzido ao processo por uma das partes - sejam alegações, sejam motivos de prova pode ser tomado em conta mesmo a favor da parte contrária àquela que o aduziu. Reputa-se adquirido para o processo; pertence à comunidade dos sujeitos processuais. (Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, III-209. No mesmo sentido veja-se, do mesmo autor Do Conceito de Prova em Processo Civil. l 66). Ora, tudo isto foi respeitado na decisão recorrida em que se ponderaram todos os elementos de prova pelo que a sentença não está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade, sendo, outrossim, intangível o seu valor doutrinal porque nela se fixaram os factos essenciais e que relevam para a decisão da causa. Como refere a EPGA no seu douto Parecer, reafirma, a Autora, ora Recorrente, nas suas alegações de recurso Jurisdicional, os seguintes vícios do acto impugnado: 1-que é ilegal a ordem de reembolso uma vez que o que foi atribuído foi um subsídio e não um empréstimo; 2-que o despacho impugnado está eivado do vício de usurpação de poderes, pois a resolução unilateral do acordo não competia ao IEFP, mas aos tribunais; 3-que o despacho é ilegal por a notificação do acto não conter a menção de delegação de poderes; 4- que com essa notificação não foi enviada a informação n° 108/DFP de 11-12-02, que faz parte integrante do acto impugnado, pelo que este carece de falta de fundamentação. 5- que houve incumprimento do art 100° do CPA, pois a Autora não foi ouvida previamente à prolação do despacho Ora, estamos inteiramente de acordo com o que a EPGA expende sobre as “Irregularidades da sentença” imputadas a esta pela Recorrente, no sentido de que a Autora não demonstrou cabalmente as irregularidades especificadas nos quatro primeiros pontos supra referidos, pelo que terão as mesmas que dar-se como não verificadas. E também acolhemos o ponto de vista da Ilustre PGA quanto à irregularidade especificada sob o ponto 5, mormente quando salienta que, antes de mais, importa referir que está em causa, nestes autos, a apreciação da legalidade do despacho que determinou a rescisão do acordo de cooperação e a devolução do apoio financeiro concedido, no âmbito duma acção administrativa especial e não a interpretação validade ou execução de um contrato administrativo no âmbito duma acção administrativa comum. Deste modo, não vindo invocado o vício de erro nos pressupostos de facto, nada mais tinha o acórdão que apreciar ou decidir, senão se se verificavam ou não os vícios que foram imputados ao acto impugnado. Foi isto apenas que a Autora pediu na sua petição, conforme se verifica pela leitura da sua parte conclusiva, e foi isto que o acórdão recorrido apreciou e decidiu pelo que não omitiu qualquer pronúncia sobre questões que devesse conhecer, não se verificando a nulidade por omissão de pronúncia. Improcedem, pois, as conclusões sob análise. * Já quanto aos “Vícios do acto”, também se concorda com a apreciação efectuada pela EPGA, ou seja: o primeiro e segundo vícios são manifestamente improcedentes.Na verdade, a atribuição dos subsídios teve lugar no âmbito da competência prevista no artigo 4.° do Estatuto do IEFP, aprovado pelo DL n° 247/85, de 12-07 -segundo o qual este Instituto promove as políticas de emprego e formação profissional e do regime jurídico estabelecido no Decreto-Lei n° 165/85, de 16 de Maio. Está prevista nesse regime jurídico a celebração de acordos de cooperação em que o IEFP, pode rescindir unilateralmente o contrato e ordenar a devolução do apoio já concedido. Tal decorre com clareza do disposto no art° 25° daquele Decreto-Lei, ao preceituar que: 1.- O incumprimento do estabelecido nos acordos de cooperação, por causas imputáveis ao IEFP ou às entidades beneficiárias, pode determinar a resolução do acordo, bem como o pagamento ao lesado de uma indemnização pelos danos que daí resultarem. 2- A resolução do acordo é homologada por despacho do Ministro do Trabalho e Segurança Social. 3- A resolução do acordo só produzirá efeitos depois da respectiva notificação às entidades outorgantes. 4- Sempre que as causas forem imputáveis à entidade beneficiária, a resolução implica o vencimento imediato dos empréstimos, salvo acordo em contrário. Já a cláusula 13ª do Acordo de Cooperação, refere que "(...) Sempre que as causas do incumprimento forem imputáveis ao Segundo Outorgante, a resolução implica o imediato reembolso das comparticipações pagas pelo Primeiro Outorgante, no prazo de 20 dias e, bem assim, o pagamento de juros calculados à taxa mais alta que for praticada pela Banca Portuguesa para as operações activas de crédito". Desta normação resulta claramente que é do IEFP a competência para praticar o acto impugnado e, por isso, o acto ora recorrido ao resolver unilateralmente o Acordo e consequentemente ordenar a devolução do apoio apenas se limitou a aplicar os poderes de autoridade que daquele regime jurídico resultam, face a um incumprimento considerado injustificado por parte da entidade beneficiária. Logo, não se pode atribuir aos tribunais competência para a rescisão unilateral em causa e atribuir ao acto impugnado o vício de usurpação de poder. No que tange à invocada ilegalidade da ordem de devolução por se considerar que a mesma tem como objecto um subsídio e não um empréstimo, trata-se ainda no encalço do douto parecer da EPGA, de mero preciosismo, uma vez que não existe qualquer razão para em termos de devolução, serem tratados de forma diferente. É que dúvidas não se levantam de que se trata dum processo sancionatório, indistintamente aplicável tanto em caso de empréstimo, como em caso de atribuição dum subsídio os quais se traduzem ambos em apoio económico. E, na mesma linha do douto Parecer, o terceiro e quarto vícios também são improcedentes porquanto se atêm a meras irregularidades da notificação do acto que constitui mera condição de eficácia deste, nada tendo a ver com a sua validade. Por assim ser, não afectam a fundamentação do acto que remete para a informação não notificada mas que a Autora sempre poderá consultar. Também a falta de menção de delegação de poderes não implica que o acto não tivesse sido proferido pela entidade para isso competente. * Na disciplina processual, impõe-se-nos agora conhecer da falta de audição prévia do interessado, embora se pudesse, a nosso ver, conhecer dessa questão prioritariamente subvertendo, neste caso, a norma que estabelece a ordem de conhecimento dos vícios, impondo que serão prioritariamente conhecidos os que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. É quer, embora se devesse conhecer em primeiro lugar deste vício, cuja verificação imporia a declaração de nulidade da sentença e a reapreciação do fundo da causa, tanto mais que para “…a efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas” (cfr. artº 7º do CPTA), tendemos a inverter essa ordem, nos casos como o presente É que, afora as situações específicas em que se verifiquem vícios causadores de nulidade ou de inexistência jurídica ou em que se deva acatar o regime de subsidiariedade definido pela recorrente, o vício de violação de lei em que se enquadraram as ilegalidades arguidas pela Recorrente e acabadas de analisar, em regra e por injunção do dito artigo do CPTA, deve ser apreciado antes do vício de forma, na medida em que aquele impede a renovação do acto. Mas essa regra comporta, no nosso modo de ver, uma excepção no caso da falta de fundamentação do acto e/ou de audição do interessado (que é vício de forma porque promana da preterição de formalidade essencial prevista na lei), pois quando a fundamentação é inexistente ou de tal modo insuficiente, ou a falta de audição é ostensiva, por razões de economia processuais e pelas que adiante se analisarão, devem as mesmas ser conhecidas prioritariamente em relação ao vício de lei. É que, como é sabido, a execução de sentença consiste na prática pela Administração dos actos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido cometido Ora, o princípio pelo respeito do caso julgado não impede a substituição do acto anulado por outro idêntico desde que a substituição se faça sem repetição dos vícios determinantes da anulação Aliás, o limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, “seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determina-se pelo vício que fundamenta a decisão. Vale isto por dizer que, o respeito pelo caso julgado não fica abalado se a Administração, em execução de sentença anulatória, retomar a decisão anterior desde que expurgada dos vícios que a inquinavam. É, aliás, nisso que consiste a boa execução, sempre que a Administração pretender reintroduzir na ordem jurídica a força substancial do acto renovado. Ou seja, o critério a seguir não é necessariamente o da reposição ou restabelecimento da situação anterior à prática do acto ilegal, mas o da reconstituição da situação actual hipotética através da qual a ordem jurídica violada é reintegrada, tudo se passando como se nada ilegal tivesse acontecido e, portanto, realizando-se agora o que entretanto se teria realizado, se não fosse a ilegalidade cometida Ou seja, as coisas não se passarão exactamente como se encontravam antes da prática do acto anulado, antes poderão ocorrer tal como se presume viessem a estar no momento presente, independentemente da verificação da anulação. Neste ponto, assume particular relevância o fundamento da anulação. Se o vício determinante da anulação for um vício de legalidade externa, como por exemplo o de forma, por falta de fundamentação, a execução da sentença cumpre-se com o expurgo da violação detectada (no caso, com a fundamentação antes faltosa) de acordo com a situação e as normas jurídicas que regulavam a situação na data do acto anulado. E se é verdade que, geralmente, têm eficácia retroactiva os actos que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de actos administrativos (art. 128°, nº1, al.b), 1ª parte do CPA), certo é também que não terão essa eficácia se, excepcionalmente, os actos administrativos anulados forem «renováveis» Ora, não havendo hoje em dia qualquer dúvida sobre se os actos anulados por vício de forma por falta de fundamentação e/ou de audição do interessado são renováveis, temos que o acto que reinstale a substância dispositiva do anterior com a fundamentação que a este faltava ou com novos elementos na sequência da audição do interessado se inscreve no âmbito da excepção legal, e, logo, não terá eficácia retroactiva Desta maneira, e porque se aceita pacífica esta doutrina, fica presumido que a situação do momento (a chamada situação actual hipotética) seria a mesma que existiria com o acto ilegal se não tivesse sido anulado. É essa a razão subjacente à irrectroactividade prescrita na norma. Quer dizer, porque num juízo forte de probabilidade se crê que o acto ilegal se repita (se renove) sem os vícios que conduziram à sua anulação, o legislador concede que se salvem os efeitos produzidos à sua sombra até que surja o novo acto (acto renovador). Isto, claro está, supondo-se que esse novo acto se pratique no quadro de um dever legal de decidir (actuação vinculada), pois pode, efectivamente, colocar-se a hipótese de a prática do acto ser discricionária, e nesse caso, consente-se que a Administração tenha a faculdade de, simplesmente, não o renovar. E pode mesmo admitir-se que também seja discricionário o próprio conteúdo do acto (sobre o assunto e sobre as dificuldades emergentes, Vieira de Andrade, Lições, 3ª ed., pág. 295). Significa isto que no caso de acto renovável a projecção dos efeitos destrutivos ou reconstrutivos da sentença anulatória não é resolvida «ao nível dos actos da sua execução, mas pelo próprio acto renovador (parecendo subentendido que se trata aqui de um acto com o mesmo sentido ou efeito do acto anterior)» (M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., págs. 621 e 622). Ou seja, tratando-se de actos renováveis, entre os quais avultam os anulados por vício formal de audição prévia, a execução da sentença cumpre-se com a prolação de novo acto, sem os vícios que caracterizavam o anterior. E só em relação a ele se poderá pôr o problema da retroactividade ou não (autores e ob. cit., pág. 622). Dito de outro modo: porque a anulação não teve que ver com factores de ilegalidade substancial, se não se fundou em razões de violação de lei, haverá, tão só, que eliminar o vício de forma cometido a solução da questão do vício de forma, pode ser praticado novo acto com conteúdo idêntico ao do acto anulado, expurgado do vício de forma que o inquinava. Na verdade, o art.7º do CPTA estabelece a ordem de conhecimento dos vícios do acto impugnado, dando prioridade aos que conduzam à “invalidade” (leia-se nulidade ou inexistência), situando depois os que consequenciam a “anulação”. E, entre eles, o critério substantivo primacial de conhecimento, em termos de procedência, é o da mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, segundo o prudente critério do julgador. E, apesar do apelo ao prudente critério do julgador, tal deve ler-se em termos objectivos pois sem dúvida que determina mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, a procedência de vícios que impeçam a renovação do acto como, em geral, a violação de lei – essa é, claramente, a ratio do artº 7º do CPTA por respeito pelo artº 20º da CRP, que consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva, do proactione, do inquisitório, da verdade material ou anti-formalista. Todavia, tal regra não é absoluta pois tem de reportar-se à situação concreta em juízo, podendo razões de ordem lógica impor o conhecimento prioritário do vício de forma, nomeadamente por falta de fundamentação/audição. O imperativo da audição apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de protecção dos administrados, com vista ao efectivo direito ao recurso, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da actuação administrativa, com absoluto respeito pelo contraditório. Assim, se é certo que o disposto no art. 7º do CPTA impõe que seja dada primazia ao conhecimento dos vícios de fundo, atinentes com a chamada "legalidade interna", relativamente aos relacionados com a "legalidade externa" (incompetência e vício de forma), a verificação desta última não impedirá a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, obviamente, do vício que conduziu à anulação. É que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode, em certas situações, passar pelo conhecimento prioritário do vício de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação e/ou audição, sempre que a descoberta da motivação do acto possa oferecer elementos novos ao juízo de verificação dos vícios de fundo, concretamente o de violação de lei por erro nos pressupostos, casos em que a alegada carência de motivação do acto, impedindo a apreensão dos pressupostos de facto e de direito que determinaram a adopção da decisão nele contida, impossibilita a avaliação pelo tribunal da correcção material desses pressupostos. Ora, se o que está em causa era um acto anulável por falta de audição do interessado, a renovação do acto viciado implica apenas a audição deste e não a prática dos actos antecedentes. Podendo, obviamente, servir-se de "elementos novos" e supervenientes, referidos às circunstâncias de facto e de direito que, não existindo ao tempo em que foi praticado o “primeiro” acto, ou não sendo do conhecimento da entidade que o realizou, não foram nem podiam ter sido objecto do acto de vontade administrativa. É consabido que o princípio da audiência dos interessados previsto no nº. 1 do artº. 100º. do C.P.A., embora não corresponda a um direito fundamental, é uma concretização do modelo da administração participada expresso no nº. 5 do artº. 267º. da C.R.P., que impõe à Administração Pública a participação dos particulares na formação das decisões que lhe digam respeito, sendo uma das manifestações mais flagrantes do modelo da Administração aberta (cfr. Ac. S.T.A. de 9.3.95; Ap. D.R. de 18.7.95, p. 2475; B.M.J. nº. 445, p. 163). Instituído para assegurar as garantias de defesa dos particulares, de modo a garantir a justeza e a correcção do acto final do procedimento, a omissão do direito de audiência dos interessados conduz a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial que determina, em princípio, a anulabilidade de acto conclusivo do procedimento em que tenham ocorrido, sendo aplicável a regra geral contida no artº. 135º. do Código do Procedimento Administrativo (cfr. Pedro Machete, “A audiência dos interessados no Procedimento Administrativo”, U.C.E., 1995, p. 526 e ss). A audiência dos interessados enquanto figura geral do procedimento decisório de 1º grau representa o cumprimento da directiva constitucional e teve consagração expressa no artigo 8º do CPA, comando que impõe à Administração o dever “ de assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes digam respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código”. Autonomizada na estrutura do procedimento administrativo (artigos 100º e segs. do CPA), a audiência dos interessados só pode deixar de existir ou ser dispensada nas situações taxativamente consagradas no artigo 103º do CPA, que diz assim no n.º1: “ (….) Não há lugar a audiência dos interessados. a) Quando a decisão seja urgente b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso, proceder-se à consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada. No caso sub judice, não estamos perante uma decisão de carácter urgente que pudesse justificar a inexistência do dever de audiência, nos termos da alínea a) do citado normativo pois não se vislumbra uma situação objectiva e evidente de urgência A este propósito escreveu-se no Ac. do STA de 11.10.2007, proc. 0274/07 “… a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem reiteradamente sublinhado, a “urgência da decisão”, enquanto circunstância justificativa da não audiência dos interessados, e ainda que não formalmente invocada, tem que resultar objectivamente da decisão administrativa e das circunstâncias que a conformam, devendo assentar numa análise objectiva das circunstâncias de facto subjacentes à decisão administrativa que convença da existência de real urgência da decisão (cfr. os Acs. da Subsecção de 21.09.2006 – Rec. 254/06, de 27.10.2005 – Rec. 411/04, de 29.06.2005 – Rec. 89/04, de 25.05.2004 – Rec. 1615/02, e do Pleno de 19.02.2004 – Rec. 41.000/02, de 17.05.2001 – Rec. 40.860, de 13.12.2001 – Rec. 41.553, e de 22.01.2002 – Rec. 45.155). A “urgência” é, portanto, aferida em relação à situação objectiva, real, que a decisão procedimental visa regular, e não em relação à urgência procedimental, que esta (em regra, pelo menos) não justifica a preterição de formalidades essenciais do procedimento (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, pág. 464). “ Nem a situação dos autos caí dentro da previsão das alíneas b) ou c) do n.º 1 do artigo 103º do CPA, pois a decisão atinge unicamente a recorrente nem se entende como pode da realização da audiência dos interessados resultar um prejuízo significativo para a decisão ou para a sua execução. Só nos resta, pois, indagar, se in caso ocorrem os pressupostos que legitimem o aproveitamento do acto administrativo, isto é, se se justifica manter o despacho recorrido por se considerar que a audiência dos interessados é de todo inútil, não podendo modificar ou influenciar a decisão final. O citado aresto deu resposta à questão, com base no seguinte discurso justificativo que, com a devida vénia, se transcreve: “ (….) Como é jurisprudência uniforme deste STA, nem mesmo o exercício de poderes vinculados justifica, por si só, a preterição da formalidade de audiência prévia e o consequente aproveitamento do acto administrativo. O tribunal só pode recusar efeito invalidante à omissão da formalidade prevista no art° 100º do CPA, se o acto tiver sido praticado no exercício de poderes vinculados e se puder concluir, com inteira segurança, num juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível. Afirmou-se, a tal propósito, no Ac. do Pleno de 23.05.2006 – Rec. 1618/02: “Por isso, só se admite que o tribunal administrativo deixe de decretar a anulação do acto que não deu prévio cumprimento ao dever de audiência, aproveitando-o, quando ele, de tão impregnado de vinculação legal, não consente nenhuma outra solução (de facto e de direito) a não ser a que foi consagrada, isto é, quando esta se imponha com carácter de absoluta inevitabilidade: um tipo legal que deixe margem de discricionariedade, dificuldades na interpretação da lei ou na fixação dos pressupostos de facto, tudo são circunstâncias que comprometem o aproveitamento do acto pelo tribunal.” (…) A decisão recorrida dá como certo, em vista do princípio do aproveitamento dos actos, que o acto impugnado não poderia jamais ter outro sentido. Para o efeito, aduz a seguinte fundamentação: “A Entidade Demandada não logrou provar que tenha facultado à Autora a possibilidade de se pronunciar sobre a rescisão unilateral do Acordo, com os fundamentos, anteriormente explanados, ainda que, a Entidade Demandada tenha solicitado à Autora em 25 de Setembro de 2002 o restabelecimento dos contactos da Autora com o IEFP, sob pena de se dar inicio ao processo de rescisão unilateral do Acordo de Cooperação em vigor. Assim não foi cumprida esta formalidade essencial. A decisão impugnada foi proferida, como se disse, essencialmente, com fundamento no incumprimento da al. m) da Cláusula 11ª do Acordo de Cooperação (in fine), pela qual a AOR se constituiu na obrigação de prestar todas as informações e demais elementos julgados necessários por parte do IEFP ou entidades por ele indicadas e da al. j) da referida Cláusula, na qual se prevê a exigibilidade de a entidade, no caso, a Autora, solicitar por escrito, autorização para proceder a qualquer alteração ao normal desenvolvimento dos cursos e por a entidade não ter cumprido com as obrigações que assumiu, nos termos do Acordo de Cooperação que firmou, para além de não remeter ao IEFP em devido tempo, nem em momento posterior, os documentos solicitados - apesar de instada para tal - encerrou unilateralmente a actividade formativa não cumprindo os objectivos que se propôs prosseguir no âmbito do acordo. E com o fundamento de o incumprimento ser imputável à Associação, a resolução do Acordo implica nos termos do n.° 2 da cláusula 13ª do Acordo de Cooperação, "o imediato reembolso das quantias concedidas título de subsídio no prazo de 20 dias, acrescidas de juros calculados à taxa mais lata que for praticada pela Banca Portuguesa para as operações activas de crédito", e caso a AOR, não proceda ao reembolso voluntário do apoio financeiro nas condições previstas no Acordo de Cooperação - a qual deverá ser devidamente notificada para o efeito - então deverá ser instaurada a respectiva acção de cobrança coerciva. As alíneas da cláusula invocadas pela Entidade Demandada são inequívocas, quanto ao seu sentido, impondo à Administração uma actuação vinculada, quando verificados os seus pressupostos, ou seja, impõem obrigações específicas à Autora, que no caso de incumprimento, que como anteriormente se concluiu ocorreu, conferem o direito à resolução unilateral, nos termos da cláusula 13ª do mesmo Acordo. Nestes autos, a Autora, não impugna a factualidade considerada pela Entidade Demandada relativamente ao encerramento unilateral da actividade, aliás, tal informação é prestada pela Autora na reunião da Comissão Paritária, que ocorreu em 6 de Novembro de 2002. E no que concerne à falta de prestação das informações, como vimos, é manifesto que a mesma ocorreu e tendo sido dada à Autora por diversas vezes a faculdade de as prestar é a própria Autora, que por ofício de 29 de Janeiro de 2003 esclarece que as informações já tinham sido prestadas e os elementos já tinham sido entregues. Assim e considerando a factualidade assente nos presentes autos, conclui-se que embora a Autora tivesse o direito a ser ouvida previamente à tomada de decisão administrativa, não se pode concluir que a realização dessa formalidade, pudesse determinar a prática de outro acto com outro sentido, favorável à Autora, ou seja, a anulação deste acto com este fundamento e a prática de novo acto pela Administração, após cumprimento desta formalidade, teria forçosamente o conteúdo decisório idêntico ao do acto anulado, pelo que, se impõe proceder à aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo. Nessa conformidade, não se determinará a anulação do acto impugnado, com fundamento na preterição da audiência dos interessados.” Ora, no caso dos autos e ainda senda do Parecer da EPGA, afigura-se-nos ter razão a Recorrente quanto ao vício do incumprimento do art° 100° do CP A. Como bem refere a Distinta Magistrada, estamos perante não só um acto manifestamente lesivo, mas também de cariz sancionatório, como aliás vem expressamente reconhecido pela Entidade Recorrida nas suas contra-alegações e resulta da cláusula 11ª do acordo de cooperação o que se traduz numa maior necessidade de o destinatário do acto ser ouvido sobre os motivos que conduzem à prolação do acto. Trata-se, na verdade, dum direito fundamental dos administrados que tem a ver com a sua participação nas decisões que lhes dizem directamente respeito e que só em casos excepcionais de manifesta desnecessidade ou impossibilidade poderá ser dispensado. Não é, porém, o caso dos autos, motivo pelo qual entendo que o acto impugnado sofre do vício de forma por preterição duma formalidade essencial, motivo pelo qual deveria ter sido anulado pelo douto acórdão recorrido. Significa que é procedente o presente recurso jurisdicional com a consequente revogação do acórdão recorrido devendo o acto sob apreciação ser anulado com o fundamento exposto. * 3. DECISÃO Nesta conformidade, acordam os juízes deste TCA Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido, anulando, em consequência, o acto impugnado. Custas pelo recorrido em ambas as instâncias. * Lisboa, 24 de Novembro de 2016 _____________________________________ (Gomes Correia) _____________________________________ (António Vasconcelos) ____________________________________ (Pedro Marchão) |